PROFISSÃO DO SEXO E POLITICAS PÚBLICAS: OS REFLEXOS DO ACESSO DAS POLITICAS SOCIAIS NA VIDA PROFISSIONAL DAS TRABALHADORAS DO SEXO

Wallacy Acácio Silva[1]

RESUMO. Apesar de alguns avanços e reconhecimento enquanto categoria de trabalho, muitas das profissionais do sexo permanecem sob a ótica da violência, do preconceito, da exclusão diante da elaboração e execução de politicas sociais especificas capazes de contemplá-las.  Frente a essa realidade, foi realizada esta pesquisa com o objetivo de verificar a relação de acesso existente entre as politicas públicas e as profissionais do sexo integrantes da ONG – Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará – GEMPAC e seus possíveis efeitos na organização politica destas mulheres. O estudo contou com quatro participantes, todas trabalhadoras do sexo e integrantes da GEMPAC, sendo os dados coletados por meio da utilização da técnica do grupo focal a partir de questões norteadoras. Para a analise dos dados utilizou-se referenciais teóricos levantados antes e no decorrer da pesquisa. A posição cada vez mais organizada enquanto grupo articulado revela maior atuação politica em prol de respeito e reconhecimento legal por parte das profissionais do sexo integrantes do GEMPAC, como também revela maior acesso às politicas sociais; percebe-se que o alcance a tais politicas já não é apenas uma possibilidade, mas sim uma realidade experimentada entre as trabalhadoras do sexo.

Palavras-chave: Profissionais do Sexo. Politicas Sociais. GEMPAC.

 

JOB SEX AND PUBLIC POLICY: REFLECTIONS ACCESS OF SOCIAL POLICIES IN THE PROFESSIONAL LIVES OF SEX WORKERS

ABSTRACT. Despite some progress and recognition as a category of work, many of the sex workers remain from the perspective of violence, prejudice, exclusion on the development and implementation of specific social policies able to address those. Facing this reality, we performed this study in order to verify the existing access relationship between public policies and professional members of the NGO sex - Group of Women Prostitutes of Pará - GEMPAC and its possible effects on the political organization of these women's. The study had four participants, all sex workers and members of GEMPAC, and the data collected through the use of focus group technique from guiding questions. For data analysis we used theoretical frameworks raised before and during the research. The increasingly organized position as articulated group, shows greater action policy in favor of respect and legal recognition by the sex workers members of GEMPAC, but also shows greater access to social policies; we can see that the scope of such policies is no longer just a possibility but a reality experienced among sex workers.

Keywords: Sex Workers. Social Policies. GEMPAC.

 

 

1.  Introdução

A prostituição apresenta-se historicamente como um fenômeno pontilhado de complexidades envolvendo inúmeros olhares e opiniões divergentes, estudos, preconceitos e nomenclatura. Como fenômeno histórico a pratica da prostituição ganha diferentes significados a depender do tempo e do contexto social em que tal prática se realiza.

Analisando o fenômeno da prostituição a partir de um ângulo histórico-social, Ceccarelli (2008, p.2) relata que na Grécia Antiga mulheres que ofereciam serviços sexuais eram vistas como uma encarnação da deusa Afrodite, e, portanto eram respeitadas pela população de sua época; já na tradição judaica a prostituição é condenada sob condição até mesmo de pena de morte; e que com o advento da reforma religiosa no século XVI o puritanismo passou a controlar os costumes e ditar a moral.

Têm-se desta forma vários significados que convergem para o mesmo fenômeno da prostituição, tornando-o ao longo do tempo, complexo, contraditório e multifacetado. No entanto não pretenderemos nos deter nos significados históricos atribuídos a esta prática milenar, mas sim em compreender o caminho de organização, avanços e desafios trilhado pelas profissionais do sexo rumo ao seu reconhecimento profissional e acesso às politicas sociais.

Sendo assim, o presente estudo objetiva verificar e analisar de que forma acontece a relação de acesso entre as profissionais do sexo e as politicas sociais e os possíveis efeitos desta última na vida destas mulheres enquanto categoria profissional.

 

2. PROFISSIONAIS DO SEXO E CIDADANIA: Nas trilhas do reconhecimento, organização e politicas sociais.

Com a promulgação da Constituição Federal da República (CF/1988), o Brasil respirava novos ares de liberdade ao mesmo tempo em que concretizava em lei novas bases democráticas que serviriam como diretrizes para a  gestão pública do país. Tal clima fez com que o então movimento de prostitutas, outrora nascido e asfixiado no estopim da repressão promovida pelo estado ditatorial, ganhasse expressividade e organização politica, formalizando-se em 1987 no I Encontro Nacional das Prostitutas promovido por Gabriela Leite[2]. (CESAR, 2011, P.5).

Desta forma, nota-se, um salto significativo em termos de organização politica por parte das trabalhadoras do sexo, que inseridas em um contexto democrático, que acima de tudo fundamenta-se pela dignidade da pessoa humana[3], lutam por reconhecimento, respeito, cidadania e mais acesso a politicas sociais, revelando-se aos poucos protagonistas de suas próprias decisões.

Outro ponto significativo correspondente ao avanço da organização politica das trabalhadoras do sexo diz respeito ao reconhecimento no ano de 2002 dos profissionais do sexo na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), com isso o governo brasileiro, ou melhor, o Ministério do Trabalho passa a reconhecer este ofício como parte do mercado de trabalho nacional.

Já no referente à legalização da prostituição, Rangel (2014) informa que, desde 2012, tem-se tramitando na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei (PL) 4.211/2012, de autoria do Deputado Federal do PSOL-RJ, Jean Wyllys, objetivando a legalização da prostituição no país. O referido projeto ficou conhecido como PL Gabriela Leite, que significa no âmbito dos profissionais do sexo, uma forma de reconhecimento e homenagem à Gabriela Leite, que tanto lutou pelos direitos deste segmento social.

Diante de tantas tentativas rumo a legitimação do trabalho do sexo cabe compreendermos de forma geral quem são estes trabalhadores. Para tanto recorremos ao disposto no art.1º do Projeto de Lei 4.211/2012, que diz: “Considera-se como profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que presta serviços sexuais mediante remuneração.”

Não há duvidas de que houve saltos qualitativos no referente ao reconhecimento dos trabalhadores do sexo como categoria profissional dentro do estado brasileiro, sobretudo a partir da década de 1980; todavia nem todos estão de braços abertos para receber com otimismo a proposta de regulamentação da profissão do sexo, pois “oficializá-la seria igualmente complicado, pois corresponderia a reconhecer a falência e a hipocrisia da moral vigente”. (CECCARELLI, 2008).

Menos por razões éticas e morais e mais em defesa do reconhecimento e segurança dos trabalhadores do sexo, necessário se faz a construção de medidas que garanta a proteção e respeito desta categoria a fim de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (CF, art. 3º, IV).

Daí, haja vista, sucessivas aproximações rumo ao reconhecimento profissional e social das profissionais do sexo enquanto sujeitos de direito e gestoras de suas próprias decisões e organizações cabe compreendermos a possível relação entre os profissionais do sexo e as politicas sociais, no sentido de lançar luz sobre esta possível relação e com isso entendermos os efeitos destas politicas na vida destes profissionais.

Não obstante, para entendermos a relação entre politicas sociais e profissionais do sexo, não menos importante se faz traçarmos, ainda que de forma breve, alguns pontos de conhecimentos imprescindíveis sobre a natureza da politica social e seus efeitos no tecido social. Assim sendo, trazemos para a compreensão do que possa ser as politicas sociais, o professor e especialista no assunto, Vicente de Paula Faleiros, para quem as politicas sociais nada mais são que “formas e mecanismo de relação e articulação de processos políticos e econômicos.” (2006, p. 33).

 Nesta perspectiva as politicas sociais não são simplesmente atos isolados e pontuais, pelo contrário constituem atos transversais que perpassam inúmeros interesses que compõem diversas dimensões da vida em sociedade, com destaque para as dimensões politicas e econômicas. Tal ponto de vista é explicitado nas seguintes palavras:

Os mecanismos políticos de prestação de benefícios, de acesso aos serviços estatais, de estabelecimento de direitos ou mesmo de concessão arbitrária de assistência não constituem atos isolados do Estado ou iniciativa individuais de deputados, senadores e ministros, (...), mas as propostas e as medidas aprovadas ou transformadas em lei se inscrevem num contexto complexo de pressões das várias classes sociais e nos limites estruturais da economia. (Ibdem, p.32)

Para além de simples ações imediatistas e pontuais, isoladas e descontextualizadas, as politicas sociais envolvem um conjunto de interesses pessoais e coletivos oriundo de um campo de correlações de forças. Como formas de estratégias e mecanismos que envolvem processos políticos e econômicos a formulação de politicas sociais implica certas modificações nas estruturas econômicas de um país. Em consonância a isto Faleiros discorre com as seguintes palavras:

A legislação social implica benefícios, mas também encargos, contribuições, impostos e taxas. Implica investimentos e despesas com pessoal, acarretando custos elevados para ser posta em prática. As leis sociais mexem, portanto, com os custos dos produtos consumidos, com os salários, com as relações de produção. (2006, p. 32-33, Grifo nosso)

Ora sendo vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, ora como conquistas dos trabalhadores, assim as politicas sociais encontram-se em um campo minado de divergentes interesses de classes, onde seu desenvolvimento se dá em articulação com a inclusão, a reprodução e a exclusão da mão de obra no processo produtivo e com as lutas sociais (FALEIROS, 2006, p. 35-36)

Para tanto, compreendendo as politicas sociais inseridas em um contexto de contradições e antagonismos de interesses, nota-se com precisão, a importância de uma organização e consciência politica entre os vários segmentos sociais que lutam em prol de politicas sociais objetivando melhores condições de vida, melhores salários, reconhecimento, respeito, etc. Sabendo que, para alcançar tais objetivos confrontar-se-ão muita das vezes com inúmeros interesses em jogo, sobretudo com os interesses econômicos.

Paradoxalmente, a mesma contradição que envolve o campo das politicas sociais no interior do sistema capitalista neoliberal, torna-se em determinadas situações elemento essencial para impulsionar e fortalecer o embate político de inúmeros segmentos sociais menos favorecidos, uma vez que “ a contradição é a raiz de todo o movimento e vitalidade, pois somente ao conter em si uma contradição, uma coisa se move, tem impulso e atividade.” Hegel (1969:208 apud MARTINELLI, 1989, p.123)

Foi, portanto, no movimento, no confronto não somente com os interesses econômicos, mas também com os interesses políticos, sociais, morais e culturais, que, sobretudo a partir do último quartel do século XX, as prostitutas conscienciosamente organizavam-se para exigirem cidadania – o que implica reconhecimento profissional, respeito, proteção, acesso a politicas sociais, etc. Vejamos alguns pontos que materializaram a luta social por parte destes trabalhadores do sexo a partir da década de 1980: A criação em 1992 da Organização Não-Governamental Davida – Prostituição, Direitos Civis, Saúde; formação de movimentos nacionais de prostitutas; criação da Daspu (grife de roupas femininas criada em 2005 voltadas para prostitutas); realização de encontros nacionais de prostitutas.

No fluxo destas realizações e ações direcionadas para a consolidação da organização das profissionais do sexo, estas mulheres construíram coletivamente um conjunto de objetivos dos quais almejam insistentemente. Estes objetivos, assim como também a missão das profissionais do sexo a nível nacional encontram-se sistematizados no site da ONG Davida[4].

Não por acaso, podemos notar maior protagonismo destas trabalhadoras no cenário brasileiro que fizeram questão de deixar claro que preconceitos de ordem moral não podem justificar a omissão do Estado no tocante ao reconhecimento legal e proteção social dos profissionais do sexo. Neste sentido, cabe entender, de que forma, tais trabalhadoras agora reconhecidas pelo Ministério do Trabalho como ocupação profissional, têm seus direitos reconhecidos via politicas sociais. Assim sendo, este artigo pretende verificar a possível relação existente entre as profissionais do sexo e as politicas sociais. Pretende também contribuir, em parte, para a reflexão acerca da realidade vivenciada pelo pelos profissionais do sexo em um contexto de acesso às politicas sociais, servindo de subsídio para futuras pesquisas. Para tanto, mantivemos contato com integrantes da ONG GEMPAC[5] – Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará -  no sentido de compreendermos a partir deste universo empírico como acontece tal relação e quais os seus reflexos na vida destas mulheres enquanto categoria profissional.

 

3. Metodologia

Participaram desta investigação como sujeitos da pesquisa quatro mulheres todas integrantes da ONG – GEMPAC – Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará, localizada no bairro do Comercio da Cidade de Belém, sendo escolhida como locus da pesquisa pelo fato de ser um grupo com representação a nível regional e nacional que luta pelos direitos de todos os profissionais do sexo. O único critério de escolha das participantes da pesquisa deteve-se em apenas considerar que todas fossem profissionais do sexo e membras da GEMPAC, e, portanto atuantes na ONG, bem como aceitar livremente participar da pesquisa.

O contato com as profissionais do sexo aconteceu na própria sede da ONG, no dia 18 de outubro de 2014, em horário e local escolhidos pelas participantes. Utilizamos como coletas de dados o Grupo focal, contando com cinco questões norteadoras: “Profissionais do sexo e politica de saúde”; “profissionais do sexo e segurança pública”; “Profissionais do sexo e seguridade social”; “Significado do GEMPAC”; “Avanços e desafios acerca da profissão do sexo”. Foi utilizado também como registro de coleta de informações o uso de gravador sob o consentimento das informantes da pesquisa.

Já para a análise dos dados utilizamos o referencial teórico levantado para a pesquisa no sentido de lançar luz sobre o objeto de estudo para compreendê-lo em seus diferentes ângulos.        Tendo em vista o pequeno número de informantes do presente estudo, bem como por se tratar de pessoas, evidentemente dotadas de diferentes identidades, o que implica diferentes visões de mundo, o grau de abrangência dos resultados e reflexões aqui apresentados não permite generalizações. Todavia, o mesmo estudo permite um melhor aprofundamento de particularidades do fenômeno estudado ressaltando aspectos sociais e subjetivos correlacionados com as diferentes formas de acesso às politicas sociais pelas integrantes do GEMPAC.

4. RESULTADO DA PESQUISA E DISCUSSÃO

Os posicionamentos assumidos pelas participantes acerca do acesso às politicas sociais e os reflexos deste acesso em suas vidas variam em grau, realização e intensidade retratando as diferenças subjetivas que cada informante atribui a uma mesma questão. Isso pôde ser identificado, mediante a realização do grupo focal escolhido como técnica de coleta de dados para a presente pesquisa. Por se tratar de um diálogo em grupo norteado por questões pré-elaboradas, não citamos, especificamente, nomes das informantes, somente damos destaque às informações preponderantes e significativas correspondentes às questões norteadoras aplicadas partilhadas pelo grupo. 

A primeira questão norteadora refere-se a “Profissionais do sexo e Politicas de Saúde Pública”. Todas as quatro participantes afirmaram serem contempladas com tais politicas. Participam do Projeto Fuso Oral vinculado ao Ministério da Saúde contando também com a parceria de uma ONG da Holanda. Todas, não somente têm acesso grátis em postos de saúde do município a testes de HIV[6], como também, elas próprias enquanto membras do GEMPAC realizam ações preventivas relacionadas às seguintes doenças: DST/HIV/Aids e às hepatites virais.  Para tanto, a ONG recebe da Secretaria de Saúde do Município de Belém vários pacotes de preservativos, como também literaturas informativas acerca de DST – Doença Sexualmente Transmissível, para que a mesma promova ações preventivas e educativas visando a prática do sexo seguro, pelo uso consciente de preservativos masculino e feminino nas relações sexuais, como principal estratégia de prevenção contra DST.

A elaboração e execução destas atividades requer uma auto-organização do grupo que, juntamente com o apoio de outras parcerias objetiva alcançar um maior nível de proteção para a categoria dos profissionais do sexo. Significa, como bem explica uma das participantes, o poder e o reconhecimento que as prostitutas têm na gestão de seus próprios objetivos e interesses enquanto categoria articulada politicamente que visa melhores condições de trabalho aos trabalhadores do sexo.

Desta forma percebemos que, além de terem acesso às politicas de saúde pública, estas profissionais também promovem ações preventivas de saúde no município de Belém, o que retrata de certa forma uma estreita relação efetiva entre estas mulheres e as politicas de saúde pública. Assim, notamos mediante as falas das participantes que, esta mesma relação com as politicas de saúde as tornam mais empoderadas e unidas enquanto categoria de trabalho que partilha interesses comuns, ao perceberem sua importância no trabalho preventivo de saúde por meio do GEMPAC.

Já no tocante “Profissionais do sexo e Segurança Pública” todas de forma unânime afirmam ter pouca crença nos serviços prestados pelos policiais, apesar de, em alguns casos, já terem contado com a ação da policia em casos que envolvia a participação de clientes. No entanto a descrença nos serviços prestados pelos policias, tem suas raízes nos próprios agentes de policia, uma vez que, segundo as informantes da pesquisa, eles mesmos emitem mensagens preconceituosas e as tratam com indiferença quando precisam e procuram tal serviço público de segurança.  

Se olharmos para traz, sobretudo para o final da década de 1970, veremos que formas preconceituosas e desumanas emitidas e realizadas pelos policiais e que marcavam o cotidiano das profissionais do sexo já era bastante trivial em grandes cidades como a de São Paulo. No intuito de mostrar as razões que serviram de ponta pé inicial do movimento das prostitutas no Brasil, Cesar (2011) explica que:

“No Brasil, a primeira ação pública de prostitutas em defesa de seus direitos aconteceu em 1979, na cidade de São Paulo. Impedidas de ficar nas ruas após às 22h, vitimas de extorsão, prisões, tortura, desaparecimentos e até assassinatos, prostitutas e travestis da Boca do Lixo se uniram para denunciar as violações de Direitos Humanos lideradas por um delegado de policia.” ( p.5, grifos nosso)

Acolhendo concepções preconceituosas e depreciativas, uma parte significativa de policiais acaba reproduzindo atitudes preconceituosas apontadas para as profissionais do sexo. Todas as participantes desta pesquisa relataram alguma vez ter sofrido preconceito em função de seu trabalho por parte dos órgãos responsáveis pela segurança pública, sobretudo pela policia civil.

Além do preconceito, outro ponto destacado pelas profissionais do sexo, diz respeito a negligencia da policia diante de situações que requeiram sua intervenção, como também a pouca ou nenhuma atenção dada quando estas mulheres recorrem aos postos de delegacias para prestar queixas. E assim, poderíamos dizer que, esta relação entre segurança publica e as profissionais do sexo membras do GEMPAC, acontece de forma frouxa e isolada, haja vista o preconceito e a negligencia profissional da policia que opera entre estas duas categorias, separando-as.

Ao contrário da descrença creditada aos serviços de segurança pública, a Seguridade Social[7] significa uma realidade passível de ser experimentada pelas trabalhadoras do sexo e integrantes do GEMPAC. Isso porque, todas as participantes da pesquisa informaram serem, orgulhosamente, contribuintes da Previdência Social.

O destaque emitido pelas informantes da pesquisa à relação de acesso aos benefícios oriundos da Previdência tem suas justificativas no fato de que a pós a revisão da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) em 2002, a prostituição de adultos passa a ser considerada uma ocupação denominada “Profissão do Sexo” oficializada pelo Ministério do Trabalho. A partir daí, as profissionais do sexo tiveram a possibilidade se tornar contribuintes da Previdência Social não mais omitindo sua verdadeira identidade profissional, pelo contrário passaram a se autodeclarar “profissionais do sexo” para todos os efeitos burocráticos exigidos pelo sistema previdenciário. Tal explicação acima é confirmada com as seguintes palavras de uma das informantes da pesquisa e coordenadora do GEMPAC:

“Antes do nosso reconhecimento na Classificação Brasileira de Ocupações enquanto profissionais do sexo, muitas assim como eu, para conseguir os benefícios da Previdência tínhamos que mentir sobre nossa ocupação. Agente tinha que dizer que era cozinheira, costureira, autônoma; porém nunca prostituta. Hoje como resultado de nossas lutas podemos nos declarar prostituta ou profissionais do sexo.”

Não restam duvidadas de que, a possibilidade de acessar a Previdência Social autodeclarando-se “profissionais do sexo” compõe um dos elementos identitários para estas profissionais enquanto categoria de trabalho, haja vista, representar uma conquista social deste segmento erguida pelo e no fluxo de lutas sociais. Outrora velada, hoje a identidade profissional das trabalhadoras do sexo, uma vez declarando-se como tal, reforça sua própria identidade profissional e organização ocupacional ao mesmo tempo em que garante maior visibilidade social das profissionais do sexo.

No decorrer do diálogo duas das participantes disseram que apesar dos preconceitos e retaliações que sofrem em virtude de seus trabalhos, são conquistas como esta (reconhecimento na CBO) que as fazem mais fortes e unidas com objetivo de alcançar mais direitos via politicas sociais. Já as demais explicam que até mesmo em épocas em que pouco ou nenhum direito existia em favor dos que faziam da prostituição seus trabalhos, mesmo assim já encontravam forças para refazer suas histórias aspirando, sobretudo, reconhecimento profissional.

No referente ao tema “Significado do GEMPAC” pretende-se entender o significado que esta ONG, enquanto espaço de discussão e educação, alcança na vida das suas integrantes recorrendo para tanto aos aspectos essencialmente subjetivos, mas que se encontram intimamente vinculados aos aspectos objetivos.

Todas as informantes se dizem acolhidas pela ONG; revelam que neste espaço podem construir objetivos comuns e lutar pelos mesmos. Podem também se reconhecerem como pessoas que têm e almejam mais direitos. Relatam que na ONG muitas aprenderam a ler e escrever, como também manusear programas de computador, uma vez que o GEMPAC conta com diversas parcerias que garante a qualificação profissional das mulheres associadas.

Desta forma, por meio das falas, dos gestos, das emoções emergidas no decorrer da realização do grupo focal, podemos dizer que, o Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará, mais conhecido como GEMPAC confere a todas as quatro informantes da pesquisa um conjunto de significados indispensáveis para a organização e gestão do grupo enquanto categoria profissional; por traz da estrutura física da ONG encontram-se desafios alcançados, objetivo a serem conquistados, desejos de mudanças, sentimentos comuns partilhados por diferentes pessoas que buscam reconhecimento profissional e respeito pessoal.

São sentimentos como este que fizeram com que uma das profissionais do sexo, participante da pesquisa, verbalizasse o seguinte:

“A GEMPAC mais que um grupo, representa a minha vida”

Por último temos “Os desafios e avanços da Profissão do Sexo” em que todas as participantes foram enfáticas em dizer que o maior objetivo atual da categoria estar em regularizar a profissão. Afirmam que Regularização tiraria a profissão da marginalidade ampliando o acesso aos direitos do trabalho entre outros. Como já relatamos, tramita na Câmara o Projeto de Lei 4211/12 do deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) que propõe a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo sob o discurso da garantia do acesso à saúde, ao direito do trabalho, à segurança pública e, especialmente à dignidade da pessoa humana.[8]

Sem dúvidas, que a aprovação deste projeto mostra-se como um efetivo símbolo de reconhecimento para estas mulheres, que de forma organizada por meio de ONGs e associações cruzam interesses e discussões no sentido de alcançar a aprovação do projeto que regularizará suas atividades profissionais. A fala de todas as informantes converge, neste momento da realização do grupo focal para dois pontos significativos, que são: Regularização da profissão do sexo e fortalecimento da identidade profissional. Esta última está relacionada a uma capacidade de coesão e organização politica que estas mulheres mantém entre si.

Em síntese, as participantes do estudo, apresentaram em suas falas que o acesso as politicas sociais garante a elas um maior reconhecimento enquanto sujeitos de direitos perante a sociedade e o Estado como também contribui para a construção e fortalecimento da identidade profissional enquanto categoria de trabalho que almeja objetivos comuns. Ao lado disso, notamos também que, os inúmeros preconceitos vivenciados, até mesmo, dentro dos espaços institucionais executores das politicas sociais e de segurança pública, aparecem para estas mulheres como elementos que sinalizam a necessidade de mais organização e consciência politica que as mesmas precisam ter para superar todas as formas de discriminação e violência voltadas para suas vidas em virtude de suas atividades profissionais. Tal observação se comprova quando as participantes relatam que quanto mais desafios e óbices se apresentam em seus caminhos, mais elas ascendem enquanto grupo articulado.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As posições sociais e subjetivas do grupo pesquisado revelam um grande esforço no sentido de tornar concreta a possibilidade de ampliar o acesso às politicas sociais. A relação de acesso as politicas sociais representa para o grupo entrevistado um dos elementos necessário para a construção e fortalecimento de suas identidades pessoais e profissionais. Logo ter acesso a politicas sociais significa fortalecer a si mesmo, onde consequentemente fortalece a categoria profissional que por sua vez fortifica suas organizações e associações protetoras e defensoras dos direitos dos profissionais do sexo.

No correspondente as politicas sociais, sendo estas “formas e mecanismo de relação e articulação de processos políticos e econômicos.” (FALEIROS, 2006, p. 33), espera-se de qualquer grupo social que almeje politicas especificas e/ou a inclusão nas já existentes, uma forte articulação, participação e atuação nas decisões politicas, haja vista o conjunto de interesses e estratégias que perpassam a elaboração e execução das politicas sociais. É, justamente, pensando nesse campo de interesses ora convergentes, ora divergente que envolve as politicas sociais, que o Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará organiza-se cada vez mais para unir forças para pleitearem por mais direitos e respeito. Todas as participantes do grupo mostraram em suas falas que unidas, sobretudo em forma de organizações legais, são mais fortes, e, portanto protagonistas de suas próprias histórias.

Esta organização amadurece criando contornos expressivos à medida que estas profissionais partilham de interesses e vivências comuns aonde aos poucos vão se reconhecendo enquanto categoria profissional que luta pelos mesmos objetivos. O grupo deixa claro também que uma boa gestão entre elas, representantes do GEMPAC, as levará a uma posição mais privilegiada no tocante ao acesso e inclusão a politica sociais e ao controle social das mesmas.

Sendo uma realidade já em processo de ampliação, o acesso às politicas sociais por parte das profissionais do sexo, ainda acontece de forma frágil em determinadas áreas de suas vidas, como foi possível observar na questão que aborda a segurança pública. Soma-se a isso, o fato de ainda não ter efetivamente politicas específicas que contemple diretamente as profissionais do sexo que leve em considerações as peculiaridades deste segmento social. Por outro lado, na área das politicas publicas de saúde estas profissionais se destacam, pois ao mesmo tempo que são contempladas pelas politicas de saúde, contemplam também, outras pessoas ao realizarem ações preventiva e educativa na área da saúde sexual que compõe uma das pautas da organização das atividades promovidas pelo GEMPAC.

Não pretendendo formular ideias conclusivas e definitivas o que nos levaria a possíveis distorções da realidade do grupo pesquisado, a presente pesquisa demonstrou que o acesso de algumas politicas sociais, aqui escolhidas para a discussão, são vistas e representadas por parte das quatro participantes da pesquisa não somente como benefícios sociais, mas também, como forma de legitimar sua identidade pessoal e profissional. Porém, foi possível refletir que, a fragilidade com que algumas politicas sociais são alcançadas por este grupo, paradoxalmente ao mesmo tempo em que as deixam desacreditadas em certos serviços, as tornam mais fortes para atuarem em busca de reconhecimento e respeito via politicas sociais.

6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS. Análise do Contexto da Prostituição: Em relação a direitos humanos, trabalho, cultura e saúde no Brasil. RJ. 2013, 87p.

BRASIL. Código Penal; Processo Penal e Constituição Federal/ obra coletiva de autoria de Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia; Livia Céspedes e Júlia Nicoletti. – 8. Ed. – São Paulo: Saraiva 2012.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações. Disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/ResultadoFamiliaHistoricoOcupacoes.jsf >. Acesso em: 01 out. 2014.

CESAR, Flávio Cruz Lenz. O Estado da Saúde e a “Doença” das Prostitutas: Uma analise das representações da prostituição nos discursos do SUS e do Terceiro Setor. In: XI CONGRESSO LUSO AFRO BRASILEIRO DE CIENCIAS SOCIAIS. Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2011.

CECCARELLI, Paulo Roberto. Prostituição - Corpo como mercadoria. In: Mente & Cérebro – sexo, v. 4 (edição especial), dez. 2008.

FALEIROS, Vicente de Paula. O que é Política Social. São Paulo: Brasiliense, 2004. – (Coleção Primeiros Passos, 168)

Fundo Brasil de Direitos Humanos. Projetos. Disponível em: < http://www.fundodireitoshumanos.org.br/v2/pt/projects/view/grupo-de-mulheres-prostitutas-do-estado-do-para origem da ong gempac >. Acesso em: 01 de dez. 2014

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: Identidade e alienação. São Paulo – SP: ed. Cortez, 1989.

RANGEL, Isis. Projeto de Lei Gabriela Leite propõe regulamentação da profissão. Disponível em: http://www.reporterunesp.jor.br/projeto-de-lei-gabriela-leite-propoe-regulamentacao-da-profissao. Acesso em: 08 dez. 2014.

VARELLA, Dralzio. Doenças e Sintomas: AIDS. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/sexualidade/aids/aids/>. Acesso em 03 dez. 2014.



[1] Aluno do 6º semestre do curso de Serviço Social da Universidade da Amazônia – UNAMA, 2015.

[2] Ex- prostituta da zona Boca do Lixo em São Paulo, da zona Boêmia de Belo Horizonte e da antiga vila mimosa, no Rio de Janeiro. Fundadora da ONG DAVIDA em 1992, e, também criadora em 2005 da grife Daspu.  Lutou significamente pela legalização da profissão do sexo. Estas informações foram coletadas a partir de arquivos da ONG GEMPAC.

[3] No Art. 1º e inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil (1988) observa-se como um dos princípios fundamentais a “dignidade da pessoa humana”.

[4] Ver tais objetivos em: http://www.davida.org.br

[5] Fundada em 1º de maio de 1990, o GEMPAC é uma ONG estadual, sem fins lucrativos, de Utilidade Pública Municipal, o grupo possui representação em nível regional e nacional, tendo sido membro e fundador da Rede Brasileira de Prostitutas - RBP. De caráter participativo, social e político o GEMPAC tem atuação permanente nos espaços de decisão e/ou controle social, com representação em fóruns, redes e conselhos afins. Tais informações foram coletadas pelo pesquisador a partir de conversa informal realizada com a coordenadora do GEMPAC.

[6] Segundo o Dr. Dralzio Varella, AIDS, ou Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença infecto-contagiosa causada pelo vírus HIV (Human Immunodeficiency Virus), que leva à perda progressiva da imunidade. Para mais informações acessar: Doenças e Sintomas: AIDS. Disponível em: http://drauziovarella.com.br/sexualidade/aids/aids/. Acesso em 02 de dez. 2014.

[7] A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (CF/88, Art. 194). Ressaltamos que, as questões norteadoras correspondentes ao tema “Profissionais do sexo e Seguridade Social” deteve-se, somente em especular o elemento previdência social que compõe o tripé da Seguridade Social, tendo em vista evitar repetições (informações voltadas para área da saúde, já discutido neste estudo), como também considerando o tempo e tamanho da pesquisa.

[8] Outras justificativas para a aprovação deste projete de lei são elaboradas pelo Deputado Jean Wyllys. Para mais informações acessar o site: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/428344-PROPOSTA-REGULAMENTA-ATIVIDADE-DE-PROFISSIONAIS-DO-SEXO.html.