Professor e a Construção do seu Conhecimento para o Exercício da Docência

 

Edlene do Socorro Teixeira Rodrigues

 

Palavra chave: Formação do Professor, Conhecimento do Professor, Formação Continuada

O conhecimento constitui a propulsão para a evolução da humanidade. O professor é o grande responsável por proporcionar situações de aprendizagens aos alunos. Portanto, a sua forma de construir os conhecimentos torna-se assunto de grande interesse, pois, conhecer bem esse personagem da educação é buscar garantia de processos educacionais de qualidade. Observar os processos de construção do conhecimento do professor nos leva a elaborar estratégias adequadas para a sua formação, e esse movimento qualifica a intervenção pedagógica realizada pelo professor.

Sobre a formação desse profissional dotado de conhecimentos sólidos e de capacidade crítica, dois autores trazem considerações, acerca do desenvolvimento dessa criticidade.

Nóvoa (2002) analisa a necessidade da formação desse “profissional reflexivo”, a partir do contexto, no qual o docente está inserido. O autor esclarece que hoje, o professor exerce as atividades de ensino e, concomitantemente, produz materiais, que proporcionam o exercício da docência. Essa postura demanda o surgimento do “profissional reflexivo”.

De acordo com Nóvoa (2002), “os professores devem possuir capacidades de autodesenvolvimento reflexivo, que sirvam de suporte ao conjunto de decisões que são chamados a tomar no dia a dia, no interior da sala de aula e no contexto da organização escolar”. (p. 37)

 

Sobre o tema, Perrenoud (2002) também faz algumas considerações. Ele afirma que o “profissional reflexivo” é aquele que adota uma “prática reflexiva” de maneira permanente, não ocasional. Esse profissional faz da reflexão algo inerente à sua personalidade, um habitus. A docência, na visão do autor, se tornará reflexiva, ao assumir um percurso crítico, no qual a pedagogia possa continuar sua evolução, fundamentada em conhecimentos originários de pesquisa.

O exercício da docência é uma atividade profissional de grande responsabilidade, para o qual se necessita de uma formação sólida e adequada. Os professores devem apresentar um cabedal de conhecimentos amplo e bem fundamentado, devem possuir autonomia, autoridade e condições de conduzirem sua construção do conhecimento.

O Pensamento do Professor

Os processos de pensamentos do professor são um meio para a compreensão dos processos de ensino. A análise dos processos de pensamento nos conduz à compreensão dos processos de interação pedagógica.

Os processos cognitivos constituem a caracterização dos professores, no que se refere às funções da docência e à orientação específica da atividade formativa. A investigação desses processos contribui para um melhor conhecimento dos professores e de sua prática e, consequentemente, para uma análise mais efetiva dos processos de ensino-aprendizagem.

As análises sobre o pensamento do docente investigam o momento das aulas, incluindo a opinião dos alunos e a atitude dos professores. Durante as aulas, os professores utilizam um vocabulário que expressa conceitos mais superficiais, a postura desse profissional é simplificada. As decisões expressam pouca reflexão, são instintivas, possuem posturas apoiadas na experiência prática.

Em 1974, na Conferência do National Institute of Education, é sustentado que a investigação do pensamento do professor é necessária, para que haja a compreensão dos processos de ensino. Afirma-se que esse estudo ajuda a perceber como os docentes se posicionam diante das situações profissionais.

Em 1983, surge a International Study Association on Teacher Thinking, tendo como propósito, os estudos e investigações sobre o processo ensino-aprendizagem, a partir do ponto de vista do pensamento do professor.

 

Januário (1996), em seus estudos, faz referência às três categorias principais de pensamento: as decisões no planejamento, as decisões interativas e as teorias e crenças. Essas três categorias constituem temas de estudos sobre o paradigma do pensamento do professor.

Para Zabalza (2004), o paradigma do pensamento do professor situa-se no estudo das estruturas internas do comportamento desse profissional, que são o que conferem sentido às ações desse profissional.

De acordo com os estudos de Pacheco (1995), a investigação sobre o pensamento do professor, reconhece-se em dois pressupostos fundamentais: o cognitivismo e a teoria prática. O cognitivismo estrutura-se na psicologia cognitiva do processamento da informação, centrando o foco de atenção nas investigações sobre ensino.

A teoria prática relaciona-se com a pretensão de conhecer o pensamento do professor num contexto de ação, ou seja, conhecer o conjunto de enunciados que se estruturam e organizam para compreender e explicar a realidade. (Pacheco, 1995, p. 48)

Para sistematizar o estudo, Pacheco (1995) analisa os processos de pensamento do professor, a partir de duas dimensões, que são: processamento de informação e tomada de decisões; de momentos de atuação, que são: decisões pré-ativas, decisões interativas, decisões pós-ativas; e do contexto psicossocial, que é formado pelos construtos, crenças, teorias implícitas, juízos, dilemas.

O Conhecimento do Professor

Os estudos referentes ao conhecimento do professor abordam temas que tratam da determinação do conteúdo, que caracteriza o conhecimento do professor, da organização desse conhecimento, da forma como se estrutura, de sua complexidade e coerência.

Os estudos de Onofre (2000) abordam o conhecimento formal do professor, pela análise da eficácia do ensino, investigando o processo implementado e o resultado alcançado. Essa análise é feita, a partir dos estudos do pensamento do professor, associando o processamento da informação e as expectativas do profissional. O conhecimento prático e pessoal dos professores é investigado, relacionando-o à ação e ao pensamento do docente. É feita uma avaliação do conhecimento que é essencial para o ensino, investigando a natureza do saber necessário para que o professor ensine, de forma eficaz.

De acordo com os estudos de García (1999), a construção do conhecimento dos professores passa por fases. Num primeiro momento, os conhecimentos são construídos a partir das experiências que vivenciam na condição de aluno. O profissional, nessa fase, começa a absorver o modo de ser do professor, de uma maneira inconsciente. Um segundo tempo, quando o profissional freqüenta os cursos de formação, é nesse momento que ele adquire os conhecimentos acadêmicos e pedagógicos; tem contato com os estudos desenvolvidos na área educacional e realiza as primeiras práticas da docência. A terceira fase, que é quando o professor inicia-se na profissão, é um período de construção intensa, pois é quando ele adquire conhecimentos na prática e absorve também os valores inerentes à profissão, à cultura profissional. O quarto momento de formação é o denominado de “formação permanente” (García, 1999). Nessa fase, o conhecimento é adquirido por meio de atividades desenvolvidas pela instituição educacional, onde o professor trabalha e, por atividades de formação, que o docente procura por iniciativa própria.

A construção do conhecimento profissional se dá, a partir de estruturas cognitivas já existentes e que foram construídas ao longo da vida do docente. As novas aquisições, relacionando-se com as estruturas já existentes, dão origem ao conhecimento profissional. Esse conhecimento profissional é afetado por características pessoais, ou seja, as crenças dos professores. Portanto, podemos inferir que o conhecimento profissional é carregado de características pessoais (Pacheco, 1995).

Como vimos no parágrafo anterior, a formação profissional é um longo processo, que se inicia, mesmo antes do profissional decidir que ele quer ser professor, e nunca pára, pois a construção do conhecimento é contínua. 

Garcia (2002) explora o desenvolvimento profissional, estudando as fases de construção do conhecimento, pelas quais os professores passam. O autor classifica a construção do conhecimento do profissional em duas fases: a primeira chamada de formação inicial e uma segunda fase, que é a inserção profissional. 

Na formação inicial, o docente passa por uma transformação: sai do lugar de estudante e assume o papel de professor. É nessa fase que ele irá absorver as habilidades inerentes à profissão, à cultura profissional. É um período intenso de aprendizagens, são muitas aquisições, conhecimentos que são adquiridos apenas na prática, e esses profissionais iniciantes têm que manter o equilíbrio para obterem um desenvolvimento satisfatório.

As principais tarefas que enfrentam os professores iniciantes são: adquirir conhecimentos sobre os estudantes, conhecerem o currículo e o contexto escolar, relacionar adequadamente o currículo e o ensino, desenvolver um repertório de ações que lhe permita se manter como docente, criar um ambiente de aprendizagem em sua classe e continuar desenvolvendo a identidade de profissional. (García, 2002b, p. 36)

 

Na segunda fase, que é a da inserção, o docente adquire conhecimentos, por meio do desenvolvimento profissional. O professor busca conhecimentos, para suprir suas necessidades e as demandas da profissão.

García (2002a) aborda a construção do conhecimento do professor, a partir dos estudos desenvolvidos por Cochran-Smith. Esses estudos consideram a construção do conhecimento por três perspectivas: o conhecimento para a prática, o conhecimento na prática e o conhecimento da prática.

O conhecimento para a prática acontece quando o docente utiliza os conhecimentos teóricos, para organizar a sua prática pedagógica. É um conhecimento formal que é
adquirido no curso de formação. É a aplicação dos conhecimentos teóricos às situações práticas.

O conhecimento na prática é a fase na qual o professor constrói o conhecimento na prática, busca o conhecimento no exercício da profissão, na reflexão da prática. O docente vai construindo conhecimentos pela interação com o contexto profissional; ele vai procurando respostas para as experiências que vão surgindo. Esse tipo de conhecimento possui como fonte as práticas vividas, as decisões que toma, para solucionar os desafios impostos pela profissão.

Já o conhecimento da prática é aquele construído dentro das comunidades educativas, no momento de trocas profissionais, de reflexões. Ocorre quando os professores associam a prática e a teoria, numa postura de investigação, fazendo construções coletivas.

O Conhecimento Prático

O conceito de conhecimento prático é construído, a partir da interpretação dos acontecimentos da sala de aula, das aprendizagens dos alunos, na perspectiva do professor. Nessa visão, o conhecimento prático é uma relação entre as situações vividas pelo professor, em seu cotidiano profissional, e o conhecimento formal. O conhecimento prático é o momento no qual ocorre a aplicação do conhecimento formal (Onofre, 2000).

O professor é um profissional que desenvolve experiências próprias, construindo seus conhecimentos práticos. Essas práticas vão sendo absorvidas e passam a fazer parte das rotinas dos docentes. Em suas decisões de ensino, a prática sempre está presente, seja de maneira consciente, ou não, e exercem grande influência no seu fazer pedagógico.

O paradigma, pensamento do professor, desenvolveu diversas investigações sobre o conhecimento prático, analisando a diversidade de conhecimentos, que o professor elabora e utiliza em seu cotidiano. Os estudos sobre o conhecimento prático do professor possuem como pressuposto a teoria prática, orientada pela ação.

O que os professores sabem, define-se como um corpo de significados, conscientes ou inconscientes, que surgem a partir da experiência e que se expressam em ações pessoais. É um conhecimento íntimo, social e tradicional que se orienta mais para a ação e se contextualiza pela profissão. (Pacheco, 1995, p. 55)

A formação do professor, na prática, começa com a inserção no mercado de trabalho, sendo um período de formação profissional, no qual os professores fazem a transição de estudante para profissional da docência. Esses professores iniciantes passam por um período de grandes transformações e de aquisição de inúmeros conhecimentos em curto prazo. É um processo, pelo qual o professor passa, para adquirir as habilidades necessárias ao docente.

García (2002a) faz a seguinte observação sobre essa fase:

A iniciação da docência é um período de tensões e aprendizagens intensas em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual, os professores iniciantes devem adquirir conhecimento profissional e manterem um certo equilíbrio profissional. (García, 2002a, p. 191)

No período de iniciação, ocorre a socialização do professor, é o momento no qual o professor absorve as normas e valores, condutas dos docentes. Assim, ele se insere na cultura escolar. Nessa iniciação, são transferidas, ao professor principiante, as práticas da docência. 

No campo pensamento do professor, estuda-se também, os problemas vividos pelos docentes, que são constituídos pelas situações problemáticas, vivenciadas em sua trajetória profissional, em suas práticas ou nas construções mentais. São conflitos que surgem, que exigem uma decisão. 

De acordo com Zabalza (2004), os dilemas são percebidos como construtos descritivos, estão próximos à realidade e referem-se à atuação concreta dos professores. A ação, na sala de aula, é uma tarefa que gera angústia, pois o professor integra conhecimentos teóricos e práticos e suas decisões são imediatas. O docente precisa fazer escolhas durante os momentos de sua atuação. Essa “gestão do ensino” leva aos dilemas.

O pensamento do professor ocorre num contexto íntimo e também num social, tornando o professor um sujeito reflexivo e construtor do seu próprio conhecimento. Essa característica reflexiva do docente é adquirida no cotidiano da profissão, no qual o profissional atua, tomando decisões perante situações complexas.

Os processos cognitivos do pensamento do professor representam quadros de referência ou constituem condições dos professores, próprias da função docente ou da orientação específica da atividade formativa, e têm contribuído para um melhor conhecimento dos professores, das suas práticas e, principalmente, dos seus processos de pensamento. (Januário, 1996, p. 31)

 

O conhecimento prático é um espaço, que nos permite compreender as opções que o professor valoriza, detém e utiliza os procedimentos de intervenção, além de nos permitir reconhecer o conhecimento do professor.

A investigação sobre o conhecimento prático do professor possui como objetivo, ilustrar as características nas decisões pré e pós-interativas, assim como nas interativas. Decisões pré-interativas são aquelas tomadas antes do momento das aulas, nos planejamentos; as interativas são aquelas tomadas na ação, durante as aulas; e as pós-interativas são as análises realizadas depois das aulas, sendo o momento quando o professor faz observações detalhadas sobre os acontecimentos da aula. Os estudos referentes ao conhecimento do professor evidenciam o caráter pessoal desse conhecimento. As experiências pessoais são de grande importância na construção de seus conhecimentos. Esses conhecimentos, construídos a partir das práticas, trazem influências das crenças que os docentes têm sobre o processo ensino-aprendizagem e que, nem sempre, correspondem às teorias já existentes. Essas crenças ressaltam a dimensão moral do conhecimento do professor.

As experiências práticas estruturam as características pessoais do conjunto de conhecimentos construídos pelo professor. O profissional docente dá um grande valor para esse conhecimento prático, fazendo dele, uma referência importante em suas decisões. 

A pesquisa de Onofre (2000) identifica que os professores privilegiam a prática, como forma de conhecimento. O conhecimento prático se revela na ação diária do profissional; a observação do fazer do profissional dá bases para o estudo do conhecimento adquirido na prática. Assim, nesse momento prático, as concepções do conhecimento formal se expressam. O professor constrói o seu conhecimento, a partir de sua própria experiência.

O conhecimento prático é construído no próprio ambiente em que exerce sua atividade profissional, pois é nesse espaço que o professor toma decisões, seleciona estratégias de trabalho, utiliza rotinas, e, portanto, constrói conhecimentos. As relações existentes entre a estrutura do conhecimento do professor e as situações de ensino vivenciadas são conhecimentos práticos, construídos dentro da sala de aula que com o passar dos anos, passam a fazer parte do cabedal de conhecimentos do docente.

O conhecimento prático, para ser uma fonte interessante na construção do conhecimento, deve ser veiculado juntamente com a teoria. A prática deve ser utilizada, como um momento em que se coloca a teoria em ação e, a teoria deve ser estudada, tendo a prática como exemplificação. Essa associação, entre prática e teoria, leva a um conhecimento prático, fundamentado e consciente.

O Conhecimento Formal

A construção do conhecimento formal se dá por um processo de formação organizado, em que o profissional busca aperfeiçoar suas competências profissionais. Essa formação pode se dar no encontro entre um formador com o docente em formação, ou por buscas do próprio professor.

Onofre (2000) aponta, em seus estudos, quatro fontes do conhecimento: o saber do conteúdo das disciplinas; os materiais pedagógicos de apoio curricular e informações de organização e funcionamento institucional; a investigação sobre a escolarização, as organizações sociais, a aprendizagem, o desenvolvimento, o ensino e outros fenômenos sociais e culturais, que podem condicionar o que o professor faz; e o saber construído, a partir da prática do professor.

O saber construído, a partir da prática do professor, é uma fonte que está diretamente ligada ao seu conhecimento e que vai sendo construído, a partir da experiência, princípios, axiomas ou proposições, os quais vão fundamentando sua prática profissional. Essa fonte do conhecimento produz a contextualização e aplicação prática do conhecimento teórico, desenvolve um saber codificado que tem a possibilidade de ser transmitido aos professores em formação.

Onofre (2000) ainda aponta as quatro fontes de construção do conhecimento, levantadas por Grossman: a aprendizagem por observação, que se origina de experiências antecipatórias, de suas experiências como aluno; a formação acadêmica dos professores no domínio dos conteúdos; a formação contínua no mesmo domínio; a aprendizagem a partir da experiência, que é um espaço de desenvolvimento do conhecimento absorvido, a partir das três fontes anteriores.

 O Conteúdo do Conhecimento

O ensino é visto como uma atividade apreendida. Onofre (2000) estudou os requisitos básicos para o seu exercício, para o domínio de algumas categorias de conhecimento: o conhecimento do conteúdo (conhecimento, habilidades e atitudes que devem ser apreendidos pelos alunos); o conhecimento pedagógico geral (domínio dos princípios e estratégias para a gestão da sala de aula e da sua organização); o conhecimento curricular (as orientações curriculares e materiais de apoio), o conhecimento pedagógico do conteúdo (o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e de como esse conteúdo deve ser organizado e ensinado aos alunos); o conhecimento dos alunos e suas características; o conhecimento do contexto educativo; o conhecimento sobre as finalidades da educação (os propósitos e valores que encerram as suas raízes históricas).

Segundo Onofre (2000), o conhecimento profissional sobre a atividade de ensino engloba quatro áreas: o conhecimento: o conhecimento sobre a matéria de ensino; o conhecimento pedagógico geral; o conhecimento pedagógico de conteúdo; o conhecimento das especificidades do contexto de ensino. Segundo o autor, o conhecimento sobre a matéria de ensino integra o saber acerca das estruturas semânticas e sintáticas dos conteúdos de ensino-aprendizagem. O conhecimento pedagógico geral inclui o conhecimento das crenças dos professores sobre as aprendizagens, sobre os princípios gerais do ensino e procedimentos de gestão da aula e o conhecimento sobre os objetivos e propósitos da educação. O conhecimento pedagógico do conteúdo é associado ao domínio das formas de ensino. Em relação ao conhecimento das especificidades das formas e contextos de ensino, é investigado o conhecimento sobre os alunos, a organização e cultura da escola e o envolvimento comunitário. Esses aspectos são estudados, a partir de duas dimensões: uma que considera as crenças do professor como forma de conhecimento e, outra, que trata do domínio do conhecimento.

O professor constrói seus conhecimentos no âmbito dos conteúdos, realizando codificações e estabelecendo relações entre os aspectos teóricos dos conteúdos, os procedimentos de ensino e as orientações curriculares. Assim, o docente elabora seus conhecimentos, os assimila e os utiliza nos momentos de intervenções pedagógicas.

Os estudos de Elbaz (citado em Onofre, 2000, p. 150) valorizam o conhecimento construído pelo professor, a partir de sua prática de ensino. Assim, o autor realiza um estudo sobre o conhecimento prático, analisando a dimensão pessoal do conhecimento do professor e faz uma diferenciação das várias áreas do conhecimento, relacionando-as à interferência direta da prática do professor. Além disso, nesses escritos, são estudados os cinco componentes do conhecimento: o conhecimento sobre si, o conhecimento sobre o meio do ensino, o conhecimento sobre o desenvolvimento do currículo, o conhecimento sobre a matéria e o conhecimento sobre a instrução.

A Organização do Conhecimento do Professor

O estudo sobre a organização do conhecimento do professor analisa a forma como este estrutura seus conhecimentos, refletindo a riqueza e a coerência da informação que o professor utiliza em sua prática de ensino. O conhecimento do professor é formado por estruturas cognitivas ou redes de organização da informação. A estrutura do conhecimento do professor explica a capacidade que esse profissional possui para fazer uso das informações que vão se estruturando sobre o ensino.

Os estudos de Onofre (2000) analisam o fato de o conhecimento ser organizado, em redes de significado, que estabelecem entre si relações, de acordo com determinados princípios. O nível elevado de desenvolvimento, nesse tipo de organização, leva os professores experientes a serem mais hábeis na solução dos problemas de ensino. Os docentes peritos integram o conhecimento sobre alguns procedimentos de instrução, de forma consciente e coerente, relacionando os conceitos. As ações de ensino, que esses professores desenvolvem, estão associadas às estruturas de conhecimento. Já os professores menos experientes utilizam ações mais mecanizadas e menos reflexivas.

Os professores que apresentaram melhores resultados são aqueles que possuem capacidade para estabelecerem várias relações entre as diferentes dimensões da estrutura do conhecimento. É com base nessas relações que os professores relacionam o conhecimento do problema de ensino e a solução adotada para resolvê-lo.

Onofre (2000) reflete sobre a tomada de decisões do profissional, que organiza seu pensamento, e conclui que este apresenta ganhos na sua prática profissional. Esses professores são mais coerentes ao tomar decisões, pois entendem as relações existentes entre os diversos conceitos utilizados. Os professores, que relacionam as diversas categorias de conhecimento do conteúdo, com clareza dos efeitos desejados para a aprendizagem dos alunos, são mais eficazes na tomada de decisões, porque entendem as relações entre os meios e os objetivos de ensino.

A organização consciente do conhecimento (metacognição) e não a sua organização episódica e discreta na memória de curta duração e a sua utilização tácita, que permite uma intervenção de ensino mais eficaz. (Onofre, 2000, p. 152)

Onofre (2000) verifica que a capacidade de evocação dos acontecimentos da aula está atrelada à capacidade verbal dos professores mais experientes, e que o conhecimento dos professores, acerca das situações de ensino-aprendizagem, está relacionado ao nível de profundidade com o qual o professor consegue analisar as informações.

A estrutura do conhecimento prático do professor relativa à atividade do ensino foi analisada por Elbaz (citado em Onofre, 2000). A autora organizou em três, os tipos básicos de organização do conhecimento, com níveis diferentes de generalidade.

O primeiro nível de conhecimento do professor é o reconhecimento da situação, com que o professor se depara, freqüentemente, na sala de aula e na evocação da regra; é uma forma simples de conhecimento e corresponde a declarações de como ele atua na sala de aula. O segundo nível de conhecimento corresponde a construtos mais gerais sobre o ensino, havendo o acionamento da reflexão para a tomada de decisão, pois o professor argumenta sobre o porquê das ações que escolhe realizar. O terceiro nível de conhecimento refere-se ao quadro mental expresso pelas imagens, que os professores têm em relação ao ensino. Por intermédio dessas imagens, os professores revelam seus sentimentos, valores, necessidades e crenças relativas à sua experiência; esse nível de conhecimento retrata o comportamento intuitivo do professor.

Onofre (2000) aponta, ainda, cinco momentos que levam à construção do conhecimento ocupacional, identificando cinco estágios de evolução desse conhecimento.

O primeiro é o estágio dos principiantes, caracterizado pela procura de criação das regras e dicas que guiem as suas ações. O segundo é o estágio dos principiantes avançados, interessados no desenvolvimento de um conhecimento estratégico que lhes permita realizar a contextualização das regras. O estágio de competência, o terceiro, é aquele em que o professor se revela capaz de fazer escolhas conscientes acerca do que vai fazer e de controlar e adaptar as suas ações na aula. O quarto, o estágio da proficiência, é aquele marcado pela utilização da intuição e do saber como, no qual o professor aprimora a capacidade de antecipar as aulas e as suas próprias ações, de forma mais global, holística e relacionada. O estágio do perito, o quinto, é aquele em que o professor e a tarefa se tornam inseparáveis, ou seja, sua prática é caracterizada pela fluência e automatismo, pois o professor apresenta total controle e adaptação à situação de ensino.

Para Onofre (2000), em sua formação o professor passa por uma primeira fase quando revela um conhecimento pouco organizado, apresenta dificuldades para identificar os elementos que compõem a situação de ensino e, para integrá-los, revela ações mais instintivas, menos conscientes. Com o passar do tempo, o professor vai apresentando, gradativamente, seu nível de elaboração e contextualização, associando os elementos da situação de ensino com o contexto, o pensamento e a ação e tomando decisões mais conscientes. Assim, o professor assume uma maior responsabilidade pelas suas ações, adequando-as à situação de ensino e aplicando suas experiências adquiridas a essas novas situações. Os mais experientes são capazes de realizar uma interpretação, mais minuciosa, das situações de ensino, gerando hipóteses para as mesmas, demonstrando que possuem um conhecimento mais organizado e mais vasto.

Onofre (2000) estudou também, as categorias que estruturam o conhecimento: declarativo, instrumental e o condicional. O conhecimento declarativo refere-se às informações factuais, originadas na base de um conhecimento disciplinar, presente no domínio do saber. O conhecimento instrumental traduz a informação do professor acerca de como realizar as tarefas de ensino e de aprendizagem, reportando-se ao domínio de como fazer ou saber-fazer. O conhecimento condicional reflete a compreensão do professor sobre as condições em que podem ser utilizados os conhecimentos: declarativo e o instrumental.

Em relação à origem dos conhecimentos dos professores, Alarcão (1998) afirma que esses profissionais detêm saberes de diversas origens, os quais formam seus conhecimentos profissionais. O professor leva para sua vida profissional, saberes acadêmicos, experiências pessoais e profissionais. Durante o exercício da docência, é realizado um “gerenciamento” desses saberes, assim, o professor utiliza-os, de acordo com o contexto.

 

Tardif, Lessard e Lahaye (1991), compartilhando com as idéias de Alarcão (1998), também afirmam que os professores adquirem saberes em diferentes fontes. Os saberes acadêmicos, científicos e pedagógicos figuram num contexto que gera insegurança ao professor, pois ele não é o produtor desse conhecimento e, sim, um consumidor. Por isso, ao tomar decisões, dentro de seu contexto profissional, opta pelos conhecimentos construídos pela prática, pois esses lhe transmitem mais certeza e segurança, fazem parte do seu repertório de construção.

Quanto aos saberes do professor e, dando continuidade aos estudos, Tardif (2002) os classifica esses em: “temporais”, “plurais” e “heterogêneos”. São “temporais” por estarem relacionados às experiências da vida cotidiana e da vida escolar. “Plurais” e “heterogêneos” pelo fato de serem constituídos conhecimentos originários de diferentes fontes: experiência da vida escolar, anterior ao curso de licenciatura, experiências adquiridas no curso de licenciatura, estudo de programas curriculares, experiências adquiridas no exercício da profissão. Sendo que, no exercício da profissão, o docente utiliza esses conhecimentos, de acordo com seus objetivos.

 

O Professor e sua Formação

 

A partir dos estudos levantados, percebemos que a formação docente merece uma atenção especial, tanto na sua fase inicial, quanto na fase de desenvolvimento continuado.

Gatti (2000) realiza estudos sobre a formação inicial dos professores brasileiros. Em sua pesquisa, faz uma análise dos resultados dos concursos públicos para professores e verifica uma fragilidade na formação desses profissionais. Constata que há lacunas na formação dos licenciados, que demonstram carências em relação aos conhecimentos pedagógicos e áreas específicas. Conclui, portanto, que a formação inicial é deficitária, o que traz conseqüências sérias na prática desses profissionais.

 

Outra questão que levanta, em sua pesquisa, é que os professores, que atuam nos cursos de licenciatura, não apresentam uma formação adequada, gerando, consequentemente, falhas na formação dos futuros professores.

Ao dar continuidade a seus estudos, Gatti (2000) investiga a satisfação dos alunos com o curso de formação que estão recebendo, sendo que o resultado é de um baixo nível de satisfação dos mesmos. Os alunos afirmam que as aulas ministradas, nos cursos de formação (licenciaturas), estão distante da realidade que encontram no trabalho e esperam aprenderem o exercício da docência, com a experiência profissional.

 

A partir de seus estudos, Gatti (2000) faz a seguinte afirmação:

 

Nenhuma formação universitária forma um profissional completo. Todo profissional precisa de formação suplementar, que é uma formação permanente, com cursos de extensão e especialização e uma formação no próprio ambiente de trabalho. (p. 4)

 

Os estudos de Gatti confirmam que a prática profissional é uma forte fonte de aquisição de conhecimento.

Brzezinski e Garrido (2002) também desenvolvem estudos sobre a formação inicial do professor e concluem que esta é uma formação que leva para o aluno conhecimentos de maneira desvinculada, pois falta comunicação entre as disciplinas, desenvolvidas durante o curso, sendo que as áreas específicas e os saberes pedagógicos apresentam-se para o aluno, separadamente. Portanto, é necessário desenvolver a interdisciplinaridade nos currículos dos cursos de formação.

Simões (2002) afirma que é necessário que o professor dê continuidade a seus estudos, após a conclusão dos cursos de formação. Assim, o autor traz a proposta da formação continuada, compartilhando da idéia de García (2002), que afirma que a formação do professor continua após sua inserção no mundo do trabalho.

A pesquisa de Simões (2002) vem ao encontro com a de Gatti (2000), que afirma que os cursos de formação não formam um profissional completo.

Sendo assim, passaremos, neste ponto, a analisar os estudos desenvolvidos sobre a formação continuada do professor.

Foi verificado por Placco e Silva (2000) que, no Brasil, há poucos estudos sobre as fontes do conhecimento do professor e como esse profissional constrói seus conhecimentos. A falta desses estudos leva as instituições educacionais a organizarem programas de formação contínua, que geram baixos resultados. Afirmam que há necessidade de investimento na investigação de como os professores aprendem para que, assim, os programas de formação alcancem resultados positivos. Nos seus estudos, levantam aspectos que interferem na construção do conhecimento do professor:

  • A prática é uma fonte fundamental para o professor construir seus conhecimentos, por meio dela os conhecimentos tornam-se significativos;
  • As dimensões cognitivas e afetivas se interagem, levando o docente a buscar sentido no que está aprendendo, mobilizando-se para a aquisição do conhecimento;
  • O professor precisa ter necessidade de aprender;
  • A aquisição de conhecimentos passa pelo desejo do saber.

Os autores defendem a idéia de que a formação continuada deve se dar em diversos ambientes: universidades, congressos, acesso a livros, artigos etc. (Placco & Silva, 2000).

Simões (2002), após concluir sobre a necessidade da formação continuada, passa a analisar como ocorre esse tipo de formação e seus resultados. Verifica que as escolas proporcionam uma formação, por intermédio de atividades de aperfeiçoamento, que nem sempre correspondem às reais necessidades do grupo de docentes. Tal realidade faz com que os professores tenham um baixo envolvimento com essa formação. Afirma, ainda o autor que, para que os programas de formação continuada sejam realmente fonte de aquisição de conhecimentos devem corresponder às necessidades concretas desse grupo de profissionais. A formação precisa ser direcionada para a profissionalização. O autor constata, ainda, que a escola, onde o profissional atua, é o melhor ambiente para a realização da formação continuada. Essa formação deve ocorrer por meio de uma prática reflexiva, que deve ter como objeto de análise as experiências vividas pelo docente. Essa afirmativa de Simões (2002) vai ao encontro dos estudos de García (2002), quando este faz considerações a respeito do desenvolvimento profissional ocorrido na prática.

Referência Bibliográfica

 

Alarcão, I. (1998). Formação Continuada como Instrumento de profissionalização Docente. In Veiga, I. P. A. Caminhos da Profissionalização do Magistério. São Paulo: Papirus.

Brzezinski. I. & Garrido, E. (2001). Análise dos Trabalhos do G.T. Formação de Professores: o que revelam as pesquisas do Período de 1992 até 1998. Revista Brasileira de Educação, nº. 18.

García, C. M. (1999). Formação de Professores - Para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora.

García, C. M. (2002a). Aprender a Enseñar Para La Sociedad DelConocimiento. Education Policy Analysis Archives. Vol. 10, nº. 35.

García, C.  Marcelo. (2002b). La Formación inicial y Permanente de los Educadores. Conselo Escolar Del Estado. Los educadores em la sociedad Del siglo XXI. Madri: Ministério de Educación,  Cultura y Deporte, 161-194.

Gatti, B. (2000). Formação de professores e carreira: Problemas e Movimentos de Renovação. São Paulo: Autores Associados.

Januário, C. (1996). Do Pensamento do Professor à Sala de Aula. Coimbra. Almedina.

Onofre, M. (2000). Conhecimento prático: auto-eficácia e qualidade de ensino. Um estudo multicaso em professores de educação física. Vol. 1. Dissertação de Doutoramento em Ciências da Educação, Faculdade de Motricidade Humana/Universidade Técnica de Lisboa (n. pub.).

 

Pacheco, J. A. (1995). O pensamento e a ação do professor.  Lisboa: Porto Editora.

Perrenoud, P. (2000). Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed.

Perrenoud, P. (2002). A Prática Reflexiva no Ofício de Professor – Profissionalização e Razão Pedagógica. Porto Alegre: Artmed.

Placco, V. M. N. S. & Silva, S.H.S. (2000). A Formação do Professor: Reflexões, Desafios, perspectivas. In Bruno, E. B. G., Almeida, L.R. & Christov, L. H. S, (Orgs). O Coordenador Pedagógico e a Formação Docente. São Paulo: Loyola.

Simões, R. H. S. (1999). Estado da arte da Formação de professores no Brasil. Educação & sociedade, nº. 68, São Paulo.

Tardiff, M., Lessard, C. & Lahayel. (1991). Os professores face ao Saber: Esboço de Uma Problemática do Saber Docente. Porto Alegre: Teoria & Educação.

Zabalza, M. (2004). Diários de aula – Instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed.