PROCURANDO COMPREENDER O ASSISTENCIALISMO

NO INTERIOR DA ESCOLA BRASILEIRA. 

Marcelo Rodrigues Meneguite[1]

RESUMO

O que se pretende com tal proposta, conforme especifica o título, é a priori, compreender o assistencialismo no interior da escola e suas conseqüências, sejam positivas ou negativas. Para tanto, buscou-se em algumas bibliografias relacionadas ao tema, um entendimento sobre o fato.  Outrossim, ampliou-se os estudos de forma interdisciplinar como Serviço Social, Política e Sociologia na ânsia de amparar-se em conceitos relevantes que justifiquem a presente pesquisa bibliográfica, portanto subsídio para o embasamento da pesquisa de campo que se procederá a posteriori.

Palavras-chave: Assistencialismo, escola, educação

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INTRODUÇÃO

No dicionário Aurélio o termo "assistência social" é definido como "serviço gratuito, de natureza diversa, prestado aos membros da comunidade social, atendendo as necessidades daqueles que não dispõem de recursos suficientes".  Assistencialismo, que por sinal não consta no dicionário, segundo estes estudos, define-se como uma deformação na prestação da "assistência social", envolvendo troca de favores e critérios pouco claros na forma de seleção dos beneficiários. Portanto, um programa assistencialista é um programa de "assistência social" utilizado como mecanismo de troca de favores.

Pelos anais da História do Brasil, desde o período colonial se oferta benesses, segue o regime de governo imperial com a mesma prática, independente de favorecer pobres ou ricos, disso dependia a política do momento, o que é copiado pelos governos sequenciais da república.

A partir desses conceitos, ou definições, importa buscar compreender as conseqüências das práticas assistencialistas no interior da escola, pois nota-se, segundo autores referenciados aqui, que as oportunidades ofertadas para a inclusão social estão embasadas no contexto de trocas.

Não nos cabe confirmar ou negar essas colocações por agora, mas demonstrar as variantes existentes na colocação do termo ‘assistencialismo’, principalmente no interior da escola. 

  1. 1.    ASSISTENCIALISMO O QUE É?

De acordo com comentário da professora Amélia Hamze, da Faculdade Estadual de Barretos, Barretos-SP, sobre o assistencialismo na escola tomando por referência o Livro Cidadão de Papel, de Gilberto Dimenstein,

“Os programas assistencialistas do governo possuem contornos definidos e são mais frágeis do ponto de vista da legitimidade, não resolvendo a dificuldade estrutural da desigualdade social. Os programas assistencialistas do governo, reiteram as desigualdades sociais, podendo mesmo criar uma certa dependência nas pessoas que participam desses programas. Com essa relação de dependência o cidadão fica impossibilitado, mesmo de maneira inconsciente, de estabelecer sua cidadania, afundando cada vez mais na improvável inclusão social.” 

Prossegue a professora Hamze,

“o cidadão brasileiro desfruta de uma cidadania aparente que ele denomina de cidadania de papel. A verdadeira democracia implica na conquista e efetividade dos direitos sociais, políticos e civis. Se assim não se constituir, a cidadania permanece imóvel no papel. Essa cidadania aparente surge através do desrespeito aos direitos fundamentais do homem, ao não suprir as suas necessidades básicas, camufladas em assistencialismo político. Isso se dá através da desnutrição, do desemprego e da pobreza.”

 

O termo assistencialismo, segundo Vieira (in Flickinger, 2000, p.124), “tem sido usado com o oposto ao direito [...].  Supõe o acesso a um bem, por benesse ou doação, o que torna o receptor um devedor, um dependente de quem doa. ”Assim, continua a autora, nesse contexto há sempre “um sujeito e um sujeitado”, o que caracteriza práticas assistencialistas de interesse eleitoreiro.

Nesse sentido Demo (1994) quanto à sua visão de assistencialismo apresenta uma distinção entre planos pares. Desta feita fala que “quanto à distinção entre assistência e assistencialismo, é decisivo não confundir os dois planos, porquanto o assistencialismo significa sempre o cultivo do problema social sob a aparência da ajuda.” Complementa que essa ajuda

“[...] humilha a pessoa que recebe benefícios, em todos os sentidos: - porque lhe reserva apenas sobras, esmolas; - porque provoca a dependência diante do doador; - porque desmobiliza o potencial de cidadania no assistido; - porque escamoteia o contexto duro da desigualdade social, inventando a farsa da ajuda; - porque vende soluções sob a capa de meras compensações.” (p.31)

Explica com essas colocações que o Estado deve posicionar-se assistindo e não transformar a assistência de direito em assistencialismo penalizando a existência humana, ou impingindo uma contrapartida como por exemplo “só se recebe a bolsa se for para a escola”.

Nesse sentido, assistencialismo, segundo algumas leituras, resumidamente é prover o mínimo social a um indivíduo, conforme as teorias liberais do século XX.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 30, item III, diz de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Ora, o foco da proposta contempla sobremaneira esse item, pois percebe-se que a ação se compromete com a distribuição de “bolsas”e “cestas”, o que não permite o alcance do objetivo primeiro. Desta feita, explica o Professor José Carlos de Araujo Almeida Filho que “o assistencialismo sob o enfoque constitucional, é, pois [...], um conjunto de políticas públicas, com o apoio da sociedade, a fim de  proporcionar uma melhor qualidade de vida aos cidadão brasileiros.”

Ainda de acordo com o professor Almeida Filho, a educação é forma de assistencialismo, referindo-se ao artigo 295, da CF/1988: “será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo o para o exercício pleno da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (p.4,5)

 

  1. 2.    ASSISTENCIALISMO E EDUCAÇÃO

De acordo com análise da política socioeconômica brasileira, o professor Henrique Rattner  expressa seu descontentamento quando enfoca a questão do assistencialismo pelo Programa “Bolsa Escola” que, segundo ele, “mantém um número considerável de meninos e meninas em sala de aula”.  Considera ainda o professor que, por outro lado, em sua grande maioria, “as elites e seus intelectuais orgânica” dizem que a educação promoverá a ascensão da classe dominada, pois entendem que “pobreza é da responsabilidade individual” (RATTNER, 2006). Ora, percebe-se nessa colocação que a classe dominante responsabiliza a classe dominada de sua situação de pobreza e de marginalizada socialmente.

Mas, Paul Singer (1995), parte em defesa dos filhos da classe trabalhadora – ou proletariada – quando afirma que “o grande propósito da educação é proporcionar, a esses excluídos sociais, a motivação para seu engajamento nos movimentos coletivos, somente assim seriam plenos da conquista de uma sociedade livre e igualitária.”

Ora, essa visão “civil democrática da educação”, segundo Singer (1995), não deveria encontrar contradição na sociedade, pois “o laço que une os procederes educativos é o respeito e a preocupação pela autonomia” do homem, para que esse indivíduo realize as aspirações como pessoa humana de direitos.

Outro autor, Mészáros (2005), por sua vez avalia que “fica claro que o Estado constitui-se em um instrumento político nas mãos de uma classe dominante”, e entre outras considerações, posiciona-se “contra uma escola que a rigor nem alfabetiza os filhos dos trabalhadores” e conclui que “é preciso criar uma escola que realmente os ensine”, afinal esse é o papel sócio-educativo que deve constar de suas prioridades.

A questão desta pesquisa se prende apenas aos fatos amarrados no assistencialismo que reina no interior da escola, dificultando cumprimento de seu papel de educar o ser integral.

O foco da pesquisa é a escola, e quanto a instituição em pauta Aquino (2007), apresenta-a como “uma grande fábrica”. É como criar modelos para atender a demanda da globalização com o amparo da sociedade e de acordo com o poder dominante.

Aquino (2007), segue em sua análise explicando a educação da contemporaneidade e procurando provar que as práticas escolares estão em “estado de sítio ético-político”, fundamenta essa afirmação quando compara o ensino estatal “que qualidade indigente” com o ensino privado “de qualidade farsesca”,  complementa que  

 

“[...] de um lado o trabalho escolar convertido em assistencialismo para pobres, por meio de uma oferta pedagógica aligeirada, fracionada, diluída; de outro, tornado objeto de mercantilização para ricos, por meio de ofertas de mais produtos de grife, pragmático e com destinação certa: a preparação técnica para vestibulares.” (p.22)

Não à toa o título de seu livro ser ‘Instantâneos da Escola Contemporânea’, disso tudo resulta, segundo o mesmo autor, uma normatização da universalização do ensino fundamental que apresenta um ”crescente analfabetismo funcional”, chegando a um patamar “de 50%”. E lamenta tomando por exemplo os sonhos de professores brasileiros em relação a uma educação emancipadora.

Sem os resultados imediatos que comprovem alguns fracassos escolares atrelados ao assistencialismo no interior da escola, mas com pesquisa em andamento, numa das leituras tomadas para embasar o presente trabalho está em Vital (2006) que toma como exemplo marcante de uma sequencia de programas assistencialistas desenvolvidos na administração do então governador de Brasília, Cristovan Buarque, cujos programas buscavam resolver os problemas detectados na educação de pessoas pobres.

“Para manter as crianças na sala de aula e evitar que ela fosse parar nas ruas, na prostituição ou em algum subemprego foi criada a Bolsa-Escola. Para evitar a evasão escolar, foi criada a Poupança-Escola. Para incentivar a alfabetização dos adultos, a Bolsa-Alfa. Para disseminar o hábito da leitura, a Mala do Livro. Para atender as crianças em idade pré-escolar, a Cesta Pré-Escola.” (p.53)

Segundo o autor, para o administrador em pauta, a contrapartida pelo benefício é tão importante quanto o benefício.

Em seu livro depoimento, Depois de FHC, Álvaro Pereira (2002), faz uma série de perguntas ao ex-ministro de Educação e Cultura Paulo Renato, complementando uma resposta anterior a respeito do Programa Bolsa Família:

P. “Como o senhor define essas ações do governo? Elas têm um caráter mais assistencialista?

R. Não. O programa bolsa família tem um caráter focalizado, mas não é assistencialista. Ele se distingue totalmente do antigo assistencialismo porque não tem caráter clientelista; é universal e garante o direito das pessoas. Por meio da educação será possível melhorar a situação da família e construir o futuro das crianças.Não vejo caráter assistência;lista na ação do governo, e sim uma política efetiva para transformar a sociedade por meio da educação.”(p.255)

 

O que se questiona é a escola não ser atrativa para ‘segurar’ esses meninos e essas meninas no seu interior, trabalhar os conteúdos e os programas educacionais como forma motivacional para a construção da cidadania. Cidadania não se compra, constrói-se.

Na observação de Silva (2003), na estrutura da educação brasileira contemporânea abre-se uma discussão acentuada, principalmente quando se refere à questão da “inscrição da esfera social, particularmente da educação, no âmbito do assistencialismo”. Para o autor, esse fato acentuou-se quando da implantação do Estado Neoliberal, pois essa mesma instituição abandonou “as teses da democratização e da igualdade.” E, é inconteste a progressão do processo econômico instalado no mundo pós 1970.

Afinal, as normas estabelecidas, segundo Marrach (1996), estão em “atrelar a educação à preparação para o trabalho”, pois o objetivo é adequar a escola à ideologia dominante, injetando na sociedade a necessidade do consumismo desnecessário.

Portanto, que a criança venha para a escola sustentada pelo discurso Neoliberal que condena o populismo e os resultados ineficazes do ensino público.

Enfatiza que assim se cumpra o que determina o artigo 203 da CF/1988 e complementa que é “DEVER” do Estado Democrático de Direito, a fim de erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento social.

O que se discute, no entanto, é o agravamento das questões de exclusão social que obriga o Estado a instituir programas sem prévia discussão social e mesmo nas Academias e nas instituições de ensino, o que causa descontentamento por um lado, promovendo mais preconceitos e vibrações por conquistas de direitos, por outro lado, afirma o professor.

Continuando em busca de respostas para entender as premissas ou os fatos que envolvem o assistencialismo na educação brasileira, encontramos uma afirmação forte do professor Campos Junior (2008) de que,

“ [...] o país não conhece o valor do direito, rege-se pela lógica do privilégio. Não admite a igualdade dos cidadãos , cultiva o assistencialismo caritativo. Não projeta a inclusão social transformadora, aceita-se a dádiva da elite”. (p.166)

Mais adiante o professor defende que não está em jogo polemizar sobre a importância da educação, mas o que fazem dela e com ela, lhe desviando do objetivo primeiro que é o desenvolvimento pleno da pessoa humana e em seguida o desenvolvimento do país.

Chama-nos atenção uma vez mais a fala dolorida do autor quando se coloca no interior da escola:

“Os templos sagrados do ensino, antes chamados de escolas, foram violados pela indiferença dos dirigentes, destruídos pela ação do tempo, tornados insalubres pela falta crônica de investimentos. O material didático precário. A escola pública converteu-se em reduto de carências, monótonos, sem vida, sem atrativos para a infância e para a adolescência . Os alunos sentem-se melhores na rua. Só o artifício da ‘Bolsa-Escola’ é capaz de ‘forçá-los’ ao ‘martírio’ de freqüentá-la”. (p.166)

Mas, o que a sociedade quer é ensino de qualidade para romper com essa “violência simbólica” e mesmo a violência explícita.

Outrossim, o autor se indigna quando aponta que,

“[...] a educação é entendida como instrumento de erradicação dos efeitos nefastos do modelo econômico que domina o planeta. Não é vislumbrada com a grandeza de um direito fundamental de crianças e adolescentes. É percebida apenas como espécie de remédio para todos os males desse grupos etário.” (p.167)

Não se discute aqui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), impecável nos preceitos educacionais, como base de direitos conquistados pela sociedade. Mas, a aplicabilidade. A sociedade ainda é refém da elite, pois a educação de qualidade permanece privilégio de poucos.

 

  1. 3.    CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inquietação quanto ao tema se faz pela própria prática profissional no interior da escola, observando os comportamentos e os rendimentos de alunos contemplados pela Bolsa Família.

Nesse primeiro momento coube apenas uma pesquisa de cunho bibliográfico para procurar entender melhor os conceitos e os pensamentos de autoridades no assunto, para posteriormente completar a pesquisa de campo já iniciada permitindo ampliar os estudos sobre essa questão.

É imperativo a inclusão social. A escola precisa abrir as portas e promover a ascensão da classe dominada para que as oportunidades de trabalho e renda sejam reais a essa camada social.

Sabe-se, pelas referencias aqui apresentadas, que programas sociais foram elaborados e ajustados com essa finalidade, mas deve-se cuidar para que os resultados sejam satisfatórios e não apenas minimizar o problema de pobreza na sociedade.

Assim, nesse primeiro momento, certamente, compreende-se melhor o que seja e que se propõe o assistencialismo, porém, há que se cuidar para não desvirtuar seu objetivo na educação, a promoção de uma educação de qualidade para todos.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA FILHO, J.C.A. Assistência Social e Educação. Dicotomia? Universidade estadual do Rio de Janeiro. Disponível em: <HTTP://www.almeidafilho.adv.br>

AQUINO, J.G. Instantâneos da Escola Contemporânea. Campinas-SP: Papirus, 2007.

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CAMPOS JUNIOR, D. Até quando? Ensaios sobre dilemas da atualidade.barueri-SP: Manole, 2008.

DEMO, P. Política  Social, Educação e Cidadania. 10 ed. São Paulo: Papirus, 1994.

FLICHINGER, H-G. (org) Entre caridade, solidariedade e cidadania – história comparativa do Serviço Social Brasil/Alemanha. Porto Alegre:EDIPUCRS, 2000.

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo,2005.

PEREIRA, A. Depois de FHC – personagens do cenário político analisam o governo Fernando Henrique Cardoso e apontam alternativas para o Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2002.

RATTINER, H. Assistencialismo ou Inclusão Social? Revista Espaço Acadêmico. N0 62. Ano VI. jul/2006.

SILVA, R.B. Educação Comunitária: além do Estado e do mercado? A experiência da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade – CNEC (1985-1998). Campinas-SP: Autores Associados, 2003.

SINGER, P. Poder, política e educação. XVIII reunião anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação - ANPER, Caxambu-MG, 1995.

VITAL, A. É possível: as realizações do engenheiro Cristovan Buarque na direção de uma nova esquerda. São Paulo: Geração Editorial, 2006.



[1] O autor é mestrando em Educação pela Universidad San Carlos, Assunción - PY, professor de Língua Portuguesa, graduado em Letras, com especialização Latu-Sensu em Língua Portuguesa e Literatura; graduado em Pedagogia, com especialização em Supervisão Escolar.