Ela sentou em sua escrivaninha e abriu a página de classificados do jornal. Ainda aquele dia tinha que conseguir um emprego era seu pensamento. Não suportava mais trabalhar tanto sem o devido reconhecimento.

            Bem fizera aquela sua amiga que, ao deixar de ser convidada para o batizado de uma princesa, enfeitiçara a tal roca de fiar para fazê-la dormir.

            Nem mesmo madrinha era de verdade, o título que lhe deram de nada valia, nem mesmo para o casamento de suas “afilhadas” havia sido convidada. Ela que tanto fizera por elas, transformando tudo ao redor em carruagens, vestidos e criados. Quando se apresentou a uma dessas protegidas certa vez, escutou por entre dentes e um risinho o seguinte comentário: “essa daí cheirou mais pós do que tem no borralho”.

            Injustiça! Jamais em sua longa vida cheirara qualquer tipo de pó. No máximo fumara erva, mas ainda assim nada além da própria erva que Gandalf fumara durante anos, a tal erva dos Hobbits, qua talvez fosse a verdadeira razão da amizade do mago com aquelas criaturas pequenas e de pés peludos. 

            Desistira. Chega de ser fada madrinha. Queria algo diferente, quem sabe operadora de tele marketing, quem sabe varredora de rua. Pouco importava. O que desejava era abandonar a varinha mágica.

            Precisava preparar um curriculum. O que colocaria?

            Experiência profissional: fada madrinha.

            Cursos de extensão: Artes da magia branca e legilimência.

            Data de nascimento: ...bem, isso realmente não era uma boa idéia. Pela sua idade já deveria estar aposentada há muito tempo.

            Carteira de trabalho? Não possuía. Não se assina carteira de fada, não é nem mesmo reconhecido como profissão.

            “Ela estava por ali passando”, era como descreviam. Será que não imaginavam que estava lá por uma questão profissional? Que precisava cumprir metas? Que sua supervisora ficava nos seus ouvidos cobrando e cobrando? Não. “Ela estava por ali passando”, uma mera fada madrinha desocupada.

            “Eu podia organizar um grupo – pensou – Se não para reivindicar direitos, ao menos para montar uma quadrilha”.

            “Será que nossas varinhas funcionam também para o mal?”

            Nesse momento seu bip tocou. Mais um chamado de emergência. Provavelmente mais uma mocinha que iria se casar com um príncipe. E ela ali, solteirona, jogada às traças. Talvez pudesse roubar o príncipe para si. Bobagem.

            Levantou-se, apanhou a varinha, calçou os sapatos, que nem eram de cristal, e saiu pela porta pensando:

            “Só mais essa tarefa; só hoje, juro que amanhã eu procuro um outro emprego”.