Processos de Lecto-Escrita
Publicado em 24 de outubro de 2008 por Niuzete Soares Oliveira
Recordo-me que meu processo de leitura começou antes de eu ingressar na escola, quando tinha por volta de cinco anos de idade. Meu pai gerenciava uma fazenda e era meeiro da lavoura de subsistência, a qual era plantada por ele. Todos os finais de semana acordávamos às 2h para a “labuta” na casa de farinha, onde meus pais e outros trabalhadores moíam, torravam e produziam a farinha. Aquele ambiente me envolvia e ali começava meu processo de leitura, a leitura do mundo, construída a partir das conversas daquelas pessoas que trabalhavam felizes, contando “causos” e piadas. Eu aprendia dentro desse contexto além das historinhas fantásticas de personagens folclóricas, todo o processo desde a plantação da mandioca até a fabricação da farinha. Por isso concordo com Paulo Freire quando afirma que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”.
Meu processo de leitura sempre foi movido por um sentimento de revolta, que me impulsionava a buscar uma mudança de vida.
Sempre fazia questionamentos muito pertinentes, como por exemplo: Por que naquele meu mundo apenas o patrão do meu pai sabia ler e escrever? Por que meus pais eram analfabetos? Meu pai me respondia que só os ricos podiam saber a “leitura”. Isso me deixava atormentada.
Eu conversava bastante com o dono da fazenda, o qual chamarei de “Seu Zé”. Queria compreender como era a cidade, o que tinha nela entre outras coisas. Ele sempre respondia meus questionamentos. Com esse hábito de conversar com Seu Zé fiquei impulsiva, chorava muito e aborrecia meu pai, dizendo que não queria mais morar na roça, pois Seu Zé havia me dito que qualquer criança podia estudar, só bastava ter Sete anos e ter uma escola perto. Eu queria aprender a ler, para ensinar aos outros, já tinha incutido na minha mente o poder de transformação pela leitura, pois segundo meu pai eu sempre dizia que ele tinha de aprender a ler e escrever para ser patrão e não precisar trabalhar tanto.
Para minha felicidade meu pai resolveu mudar para a cidade e fomos morar num povoado a 6 km de distância da cidade. Lá viviam meus avós paternos que também eram analfabetos, mas para minha surpresa meus avós maternos foram ser nossos vizinhos e meu avô sabia ler. Pedi meu avô para me ensinar a ler. Ele disse ao meu pai para comprar um “ABC” que ia me ensinar a ler. Eu passava a maior parte do dia lendo e mostrando para meu avô que estava aprendendo a decodificar aquelas letras.
Quando completei sete anos fui matriculada, porém, diferente dos outros alunos eu já havia decorado as letras e ousava ler e escrever pequenas palavras.
O primeiro livro que ganhei foi de Literatura de Cordel: “Cancão de fogo”, o qual li no mesmo dia, `a noite, para todos sentados ao chão. Meu pai e meu avô diziam que era linda a forma como eu lia, parecia que cantava isso devido às rimas do cordel que foi muito importante para o desenvolvimento da minha consciência fonológica e contribuiu para a aquisição de uma leitura fluente.
Após a leitura do livro citado acima, meu pai sempre que podia, comprava livrinhos de Literatura de Cordel para eu ler. Lembro-me que lia várias vezes o mesmo livro para meu pai que acabava decorando algumas estrofes.
A cada dia aumentava a minha convicção de que a leitura não era coisa apenas para ricos, que eu era capaz de me transformar e mudar a forma como vivia por meio da leitura e do conhecimento
Eu lia impulsionada por uma motivação intrínseca, que era o desejo de mudança, por isso lia por prazer, viajava nas poucas leituras que fazia, construía imagens e me transportava para o mundo descrito nos livros, por isso concordo com Barthes que fala da leitura como desejo e não como dever, o leitor como sujeito no processo, sendo” O leitor como uma personagem.”
Da 2ª a 4ª série estudei com a mesma professora, da qual não gostaria de revelar o nome. Esta foi uma fase bem marcante no meu processo de escrita, pois já estava alfabetizada. Sou canhota e por isso a professora cismou que eu tinha que escrever com a mão direita, para isso, ela argumentava que eu era inteligente e não era justo que eu ficasse com a caligrafia feia. Começava então os castigos para forçar a escrita com a mão direita. Depois de três anos de treinos e castigos, finalmente fui condicionada a escrever com a mão direita. Não escrevo mais com a mão esquerda, mas continuo sendo canhota, pois as outras coisas faço com a esquerda. A professora conseguiu seu objetivo, minha caligrafia ficou legível,bonita,pois eu imitava a sua letra, mas fiquei com problemas de localização espacial, tenho dificuldade para discriminar rapidamente o lado direito do esquerdo. Apesar de tudo já perdoei minha professora, por que ela agiu assim por ignorância, acreditando realmente que estava me ajudando, pois ela me admirava e gostava e ainda gosta muito de mim. Fico feliz, pois ela está se capacitando, cursando Letra. Tenho certeza que não age mais dessa maneira.
Lembro-me de uma colega da 4ª série que tinha uma coleção de livros de Literatura Infantil e ficava exibindo-os na sala de aula. Eu ficava com um enorme desejo de ler os livros. Ela dizia que se eu fizesse a tarefa dela, ela me emprestaria os livros, mas me enganava sempre. Terminou o ano letivo e ela não me emprestou os livros. Com isso criei uma repulsa a Literatura Infantil, contos de fada, só li por necessidade quando já era professora e lecionava numa turma de 1ª série. Lembrei-me desse fato ao ler o texto: “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector.
Entrei no mundo da leitura e da escrita e cada dia percebo que esse ainda é o meu mundo.
Por gosta muito de ler escrever fiz graduação em Letras e especialização em Metodologia do Ensino Superior e também em Língua Portuguesa e continuo acreditando no poder de transformação por meio da educação.Como não acreditar se sou um exemplo disso!
Meu processo de leitura sempre foi movido por um sentimento de revolta, que me impulsionava a buscar uma mudança de vida.
Sempre fazia questionamentos muito pertinentes, como por exemplo: Por que naquele meu mundo apenas o patrão do meu pai sabia ler e escrever? Por que meus pais eram analfabetos? Meu pai me respondia que só os ricos podiam saber a “leitura”. Isso me deixava atormentada.
Eu conversava bastante com o dono da fazenda, o qual chamarei de “Seu Zé”. Queria compreender como era a cidade, o que tinha nela entre outras coisas. Ele sempre respondia meus questionamentos. Com esse hábito de conversar com Seu Zé fiquei impulsiva, chorava muito e aborrecia meu pai, dizendo que não queria mais morar na roça, pois Seu Zé havia me dito que qualquer criança podia estudar, só bastava ter Sete anos e ter uma escola perto. Eu queria aprender a ler, para ensinar aos outros, já tinha incutido na minha mente o poder de transformação pela leitura, pois segundo meu pai eu sempre dizia que ele tinha de aprender a ler e escrever para ser patrão e não precisar trabalhar tanto.
Para minha felicidade meu pai resolveu mudar para a cidade e fomos morar num povoado a 6 km de distância da cidade. Lá viviam meus avós paternos que também eram analfabetos, mas para minha surpresa meus avós maternos foram ser nossos vizinhos e meu avô sabia ler. Pedi meu avô para me ensinar a ler. Ele disse ao meu pai para comprar um “ABC” que ia me ensinar a ler. Eu passava a maior parte do dia lendo e mostrando para meu avô que estava aprendendo a decodificar aquelas letras.
Quando completei sete anos fui matriculada, porém, diferente dos outros alunos eu já havia decorado as letras e ousava ler e escrever pequenas palavras.
O primeiro livro que ganhei foi de Literatura de Cordel: “Cancão de fogo”, o qual li no mesmo dia, `a noite, para todos sentados ao chão. Meu pai e meu avô diziam que era linda a forma como eu lia, parecia que cantava isso devido às rimas do cordel que foi muito importante para o desenvolvimento da minha consciência fonológica e contribuiu para a aquisição de uma leitura fluente.
Após a leitura do livro citado acima, meu pai sempre que podia, comprava livrinhos de Literatura de Cordel para eu ler. Lembro-me que lia várias vezes o mesmo livro para meu pai que acabava decorando algumas estrofes.
A cada dia aumentava a minha convicção de que a leitura não era coisa apenas para ricos, que eu era capaz de me transformar e mudar a forma como vivia por meio da leitura e do conhecimento
Eu lia impulsionada por uma motivação intrínseca, que era o desejo de mudança, por isso lia por prazer, viajava nas poucas leituras que fazia, construía imagens e me transportava para o mundo descrito nos livros, por isso concordo com Barthes que fala da leitura como desejo e não como dever, o leitor como sujeito no processo, sendo” O leitor como uma personagem.”
Da 2ª a 4ª série estudei com a mesma professora, da qual não gostaria de revelar o nome. Esta foi uma fase bem marcante no meu processo de escrita, pois já estava alfabetizada. Sou canhota e por isso a professora cismou que eu tinha que escrever com a mão direita, para isso, ela argumentava que eu era inteligente e não era justo que eu ficasse com a caligrafia feia. Começava então os castigos para forçar a escrita com a mão direita. Depois de três anos de treinos e castigos, finalmente fui condicionada a escrever com a mão direita. Não escrevo mais com a mão esquerda, mas continuo sendo canhota, pois as outras coisas faço com a esquerda. A professora conseguiu seu objetivo, minha caligrafia ficou legível,bonita,pois eu imitava a sua letra, mas fiquei com problemas de localização espacial, tenho dificuldade para discriminar rapidamente o lado direito do esquerdo. Apesar de tudo já perdoei minha professora, por que ela agiu assim por ignorância, acreditando realmente que estava me ajudando, pois ela me admirava e gostava e ainda gosta muito de mim. Fico feliz, pois ela está se capacitando, cursando Letra. Tenho certeza que não age mais dessa maneira.
Lembro-me de uma colega da 4ª série que tinha uma coleção de livros de Literatura Infantil e ficava exibindo-os na sala de aula. Eu ficava com um enorme desejo de ler os livros. Ela dizia que se eu fizesse a tarefa dela, ela me emprestaria os livros, mas me enganava sempre. Terminou o ano letivo e ela não me emprestou os livros. Com isso criei uma repulsa a Literatura Infantil, contos de fada, só li por necessidade quando já era professora e lecionava numa turma de 1ª série. Lembrei-me desse fato ao ler o texto: “Felicidade Clandestina” de Clarice Lispector.
Entrei no mundo da leitura e da escrita e cada dia percebo que esse ainda é o meu mundo.
Por gosta muito de ler escrever fiz graduação em Letras e especialização em Metodologia do Ensino Superior e também em Língua Portuguesa e continuo acreditando no poder de transformação por meio da educação.Como não acreditar se sou um exemplo disso!