Processo penal eficiente: a problematização da noção de eficiência a partir da análise econômica do direito

Fernando Bertolotti Brito da Cunha

Bacharel em Direito e Mestrando pela PUC-SP. Advogado. 

1. Introdução

O objetivo do presente artigo é o de avaliar possibilidades de articulação da ideia de eficiência no âmbito do direito penal e processual penal, tendo em vista a construção conceitual elaborada pelo movimento conhecido como Law and Economics ou Análise Econômica do Direito (AED), desenvolvida a partir da década de 1960 nos Estados Unidos.

        Mais do que mera curiosidade teórica, o interesse do tema reside no fato de que a busca por um "sistema penal eficiente" em substituição ao direito penal clássico de garantias individuais é uma marca de nosso tempo (HASSEMER, 2008).

        Provas dessa conjuntura podemos encontrar tanto no campo teórico, como advento e consolidação da abordagem funcionalista do direito, como na prática forense e policial tão divulgada pelos meios de comunicação, isto é, a flexibilização de garantias processuais penais e, porque não, de direitos individuais, em benefício de uma compreensão vulgar de eficiência penal, ali entendida como incremento ou simples agigantamento da máquina de controle e punição estatal.

2. Olhar para o futuro: o direto penal consequencialista

                  De acordo com Hassemer, o atual momento em que vivemos é identificado como o ponto de ruptura histórica, com o fim do direito penal clássico e o surgimento do direito penal moderno.

            Ainda de acordo com Hassemer, os problemas fundamentais a serem enfrentados por esse novo paradigma de direito penal, que pode ser resumido sob o signo da prevenção, são os problemas da eficácia e da expansão exagerada.

            Em sentido semelhante, Wolfgang Naucke identifica essa ruptura entre o direito penal clássico e o direito penal moderno com o advento de um direito penal voltado para a prevenção geral, que, em sua interpretação, está diretamente ligado a uma instrumentalização do mecanismo penal para a promoção de valores e conformações sociais específicas.

            Em síntese, ambos os autores identificam a contemporaneidade como o momento de uma mudança qualitativa na compreensão do direito penal, que deixa de ser entendido como um mecanismo de garantia do cidadão contra os abusos do poder punitivo estatal (tal como formulado na origem do direito penal clássico por Cesare Beccaria), e passa a assumir, cada vez mais abertamente, um papel de gestor social, com a utilização da pena em seu caráter de prevenção geral negativa e poder simbólico (OLIVEIRA, 2012).

            A base desse novo momento, portanto, é a consolidação de um sistema penal consequencialista, no qual institutos forjados pelo direito penal clássico passam a ser instrumentalizados para atuarem como critérios positivos de criminalização. Agora, ao invés da exigência de vinculação do delito à proteção de um bem jurídico ser utilizada para evitar a criminalização indiscriminada, a noção de bem jurídico é utilizada para que se exija a criminalização de cada vez mais condutas.

            Nesse contexto é que surge no âmbito da doutrina penal e processual penal a doutrina do funcionalismo penal, que, em linhas gerais, pode ser entendido por essa valorização do consequencialismo e de considerações de natureza político-criminal.

            A respeito do funcionalismo, Hassemer é bastante direto:

A abordagem funcionalista apresenta fontes e formas de manifestação multifacetadas. Ela é a vestimenta do Direito moderno e esclarecido. Ela provê a reestruturação do sistema de uma orientação às fronteiras do input para uma orientação às fronteiras do output, isto é, a reestruturação dos fins da decisão, de uma orientação ao passado e ao conceito para uma orientação ao futuro e às consequências. Seu modelo é a prevenção - não só no Direito penal, mas nele, agora, com uma feição particularmente pretensiosa (HASSEMER, 2008, p. 105)

            Esse consequencialismo que, no campo teórico, é representado por correntes como o funcionalismo penal, também, como não poderia ser diferente, repercute no "mundo da vida", naquele movimento de agigantamento da máquina penal e do sistema carcerário, tão conhecido de todos nós e presente no jornal de todos os dias, nas operações policias espalhafatosas, na flexibilização de garantias em favor do suposto combate ao crime.

            Na teoria e na prática, as palavras de ordem são as mesmas, a saber, otimização, busca de soluções, utilidade, redução de custos, etc. Todas essas, reduzíveis a uma só: eficiência. 

3. O discurso da eficiência nas origens do direito penal clássico

                  Quando falamos em direito penal clássico, imediatamente dois nomes nos vem à mente: Cesare Beccaria e Jeremy Bentham.

            Primeiramente, Beccaria, pai da reflexão humanista sobre o sistema penal, que, em sua obra Dos delitos e das penas, de 1764, construiu um arcabouço teórico e conceitual sofisticado para criticar duramente o complexo punitivo então instalado pela elite da época.

            Já no século XVIII, portanto, Beccaria ou certo renome, tendo seu trabalho reconhecido expressamente por Voltaire, ao levantar-se contra os castigos cruéis e procedimentos sumários promovidos pelas autoridades da época.

            O argumento levantado pelo pensador milanês, contudo, encontrava seu fundamento em um valor a todos nós muito comum: a eficiência. De acordo com Beccaria, todo ato de autoridade exercido sobre um homem sem necessidade é um ato tirânico, isto é, não há fundamento místico ou moral para a pena, que só se justificará se for socialmente útil (ANITUA, 2008, p. 162).

            Isso porque, como a doutrina reconhece hoje, o trabalho de Cesare Beccaria é um amálgama de contratualismo e utilitarismo, e são os cálculos de eficiência utilitaristas que se encontram no âmago de sua defesa de uma reforma do sistema penal.

Beccaria tinha uma concepção utilitarista da pena. Procurava um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado, celebrizando a máxima de que 'é melhor prevenir delitos que castigá-los'. Não se subordinava à ideia do útil ao justo, mas, ao contrário, subordinava-se a ideia do justo ao útil. Defendia a proporcionalidade da pena e a sua humanização. O objetivo preventivo geral, segundo Beccaria, não precisava ser obtido através do terror, como tradicionalmente se fazia, mas com a eficácia e certeza da punição. Nunca admitiu a vingança como fundamento do ius puniendi (BITENCOURT, 2015, p. 84).

            Ao classificar Beccaria como utilitarista, Bitencourt faz menção indireta a Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo, outro pensador que refletiu sobre o sistema penal ainda nos primórdios daquilo que ficou conhecido como pensamento penal clássico.

            Bentham, assim como Beccaria, propôs-se a repensar o sistema penal sob a ótica de sua eficiência. Novamente, não se tratava de avaliar o sistema a partir de qualquer conceito de justiça absoluto, daquilo que depois ficou conhecido como matriz kantiana, mas, pelo contrário, tratava-se de avaliar a partir de sua utilidade ou capacidade para prevenir a ocorrência de novos delitos. Nas palavras do próprio Bentham:

O negócio passado não é mais problema, mas o futuro é infinito: o delito passado não afeta mais que a um indivíduo, mas os delitos futuros podem afetar a todos. Em muitos casos é impossível remediar o mal cometido, mas sempre se pode tirar a vontade de fazer mal, porque por maior que seja o proveito de um delito sempre pode ser maior o mal da pena (BENTHAM, 1834, p. 288).

            Em síntese, portanto, o que se percebe é que a reflexão sobre o direito penal, desde os primórdios, já trabalhava com noções como utilidade e eficácia, em um registro de análise consequencialista. A partir daí já não estamos muito longe de um conceito mais maduro de eficiência.

4. O discurso da eficiência na discussão jurídica contemporânea: a análise econômica do direito

            Quando se fala em questões de análise consequencialista ou de eficiência no direito penal contemporâneo, a primeira referência que nos vem a mente é a do pensamento funcionalista de Roxin e Jakobs, já mencionado acima.

            Ocorre que, também no pensamento jurídico contemporâneo, ainda que não adstrito ao direito penal, uma outra corrente ganhou grande repercussão ao discutir a noção de eficiência no direito penal norte-americano, corrente que muitas vezes é esquecida nos principais debates sobre o assunto no Brasil e na Europa continental.Trata-se, com efeito, daquela escola ou movimento que ficou conhecido como Law and Economics ou, se preferir, Análise Econômica do Direito (AED).

            A AED teve origem em 1940 na Universidade de Chicago, Estados Unidos, a partir do trabalho de um professor de economia, Aaron Director, que começou a estudar e desenvolver modelos para aplicação de conceitos e argumentos econômicos a análise de casos e problemas jurídicos.

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