Leishmania spp é um parasito digenético (heteroxeno), que circula entre os hospedeiros vertebrados e seus vetores, apresentando as formas amastigotas (ovais e sem flagelo aparente) dentro das células do sistema mononuclear fagocitário dos mamíferos e várias formas flageladas no tubo digestivo dos flebotomíneos (promastigotas). O ciclo de transmissão da doença começa quando fêmeas de fleblotomínios fazem seu repasto sanguíneo em hospedeiros infectados e ingerem células contendo os parasitos. Dentro do intestino do vetor, os parasitos transformam-se em formas promastigotas procíclicas flageladas que se replicam intensamente, passam por um processo de metaciclogênese, originando as formas promastigotas metacíclicas, que adquirem a capacidade de infectar, e migram para a probócida do inseto vetor, podendo então, durante um novo repasto sanguíneo, serem inoculadas em novo hospedeiro. As formas promastigotas, no hospedeiro, são internalizadas pelas células do sistema fagocítico mononuclear, especialmente os macrófagos. Nestas células, o parasito transforma-se na forma amastigota, a qual se multiplica continuamente, até que o macrófago se rompa e libere os parasitos, aptos a infectar novas células (REITHINGER et al., 2007; NADERER; MCCONVILLE, 2008).

O surgimento das formas promastigotas metacíclicas, que se dá pelo processo de metaciclogênese do parasito dentro do vetor, foi descrito primeiramente para as espécies L. major e L. mexicana por Sacks & Perkins, em 1985. Neste processo, as formas promastigotas sofrem uma série de mudanças na expressão gênica, na morfologia e na lipofosfoglicana (LPG) presente na superfície do parasito (SARAIVA et al., 1995). Primeiramente, quando o inseto ingere o sangue com as formas amastigotas, estas, ao chegarem ao intestino médio ou estômago do vetor, sofrem um primeiro ciclo replicativo, transformando-se em formas promastigotas procíclicas flageladas, que também, por processos sucessivos de divisão binária, multiplicam-se ainda no sangue ingerido, que é envolto por uma membrana peritrófica, secretada pelas células do estômago do inseto. Após a digestão do sangue, entre o terceiro e o quarto dia, a membrana peritrófica se rompe e as formas promastigotas ficam livres, sendo então, denominadas de promastigotas nectomônadas. Estas, por sua vez, podem seguir por dois caminhos, dependendo da espécie do parasito.

No primeiro caminho, as espécies pertencentes ao subgênero Viannia colonizam a região do piloro e ílio (seção peripilária), onde são chamadas de promastigotas leptomônadas, que permanecem aderidas pelo flagelo ao epitélio intestinal, por meio de junções hemidesmossomas, usando a LPG. Nesta fase, os parasitos sofrem sucessivas divisões celulares até atingir a fase metacíclica (término do ciclo replicativo), quando ocorrem mudanças estruturais nas moléculas de LPG ancoradas na membrana extracelular e o parasito, então, deixa o intestino e migra em direção à faringe do inseto.

No segundo caminho, as formas promastigotas leptomônadas, pertencentes ao gênero Leishmania, multiplicam-se livremente ou aderentes às paredes do estômago (seção suprapilária). Em seguida, ocorre à migração das formas flageladas para a região do esôfago e a faringe e, neste local, estas formas diferenciam-se em formas metacíclicas, da mesma maneira que os parasitos do gênero Viannia. O tempo necessário para completar o processo de metaciclogênese varia entre três e cinco dias para diferentes espécies, e geralmente coincide com o período de um novo repasto do vetor, aumentando a probabilidade de um inóculo em um novo hospedeiro vertebrado (NIEVES; PIMENTA, 2000; NEVES, 2007, KAMHAWI, 2006; BATES, 2008;).

A metaciclogênese também ocorre durante o cultivo dos parasitos em culturas axênicas in vitro, onde as formas promastigotas procíclicas, da fase logarítmica do crescimento, transformam-se em formas metacíclicas, durante a fase estacionária do crescimento (SILVA; SACKS, 1987; PIMENTA et al., 1994). As formas promastigotas de Leishmania sp cultivadas em diferentes meios de cultura crescem melhor em pH neutro ou ligeiramente alcalino (MELO,1982; SACKS; PERKINS, 1985), no entanto, é possível induzir maiores quantidades de formas metacíclicas de L. (V.) braziliensis, L. donovani, L. major e L. mexicana in vitro, expondo as formas promastigotas a pH baixo ou condições anaeróbicas de cultura (LOUASSINI et al., 1998; ZAKAI et al., 1998). A acidificação do meio de cultura e a carência de nutrientes que se estabelece na fase estacionária do crescimento, parecem ser os principais estímulos que determinam a diferenciação de formas promastigotas procíclicas em formas metacíclicas durante o cultivo in vitro destes protozoários (BATES; TETLEY, 1993).

As diferentes formas evolutivas do parasito podem ser identificadas, de maneira geral, pela morfologia, sendo que as formas metacíclicas exibem um corpo celular pequeno e alongado (≤ 8 µm x 1.2 – 1.5 µm), com flagelo duas vezes maior que o comprimento da célula. Em contraste, as formas procíclicas constituem uma população heterogênea, com corpo celular arredondado (20 – 35 µm x 2 – 3 µm) e flagelo pequeno, do mesmo tamanho da célula (SARAIVA et al., 1995).

Existem diferentes métodos para identificar e separar formas metacíclicas e procíclicas em cultura, estes métodos são específicos para espécies e baseiam-se nas diferenças morfológicas e bioquímicas das formas evolutivas. Para separar as formas metacíclicas, podem ser utilizados métodos de centrifugação em gradiente de densidade ou seleção negativa, usando anticorpos específicos ou lectinas, que se ligam a carboidratos de membrana. Essas metodologias são úteis para estudar infecções in vivo em modelos murinos, bem como de macrófagos de diferentes espécies in vitro, usando as formas promastigotas metacíclicas purificadas.