CONSTRUÇÃO DO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA EM BRAILLE:

CEGOS DESDE A IDADE PRECOCE E CEGOS PREVIAMENTE ALFABETIZADOS À TINTA.

1[1] Adriana de Paiva Marques Barbosa

 

RESUMO

A construção da leitura e escrita em Braille está associada a influências familiares, motivacionais e ambientais. Porém, apresenta especificidades que para serem conhecidas necessitam de pesquisa bibliográfica associada a estudos de casos a fim de se verificar aspectos inerentes a sua aprendizagem tanto em cegos desde a idade precoce  quanto nos previamente alfabetizados à tinta. Objetiva-se, portanto, a investigação do processo de aquisição do Braille. Pois,  sendo a visão um elemento sensorial essencial na percepção  do meio, verifica-se que a sua ausência desde a idade precoce prejudica o processo de alfabetização devido a falta de estímulos visuais gráficos, o que deve ser compensado com o trabalho de estimulação multissensorial precoce. Apesar da existência de técnicas de leitura do Braille, observa-se que os cegos criam mecanismos próprios de leitura que facilitam a identificação tátil-cinestésica. Quanto à escrita constata-se que a mesma está diretamente relacionada à memorização da combinação dos pontos da cela Braille, a partir dos quais se constitui os caracteres sinográficos essenciais ao domínio da leitura e escrita Braille, fundamental à realização pessoal e social dos indivíduos que não fazem uso da visão ocular.

Palavras-chaves: Braille.Construção da leitura e escrita. Características da aprendizagem.

ABSTRACT

The construction of reading and writing Braille is associated with family influences, motivational and environmental. However, presents specifics that are known to need bibliographical research associated with case studies in order to ascertain their learning aspects inherent in both blind since age as literate inking in advance. Objectives therefore research the process of acquisition of Braille. Because, being the essential vision a sensory element in the perception of the medium, his absence from the early age impairs literacy process due to lack of Visual stimuli, which graphics should be compensated with a multi-sensory stimulation work early. Despite the existence of Braille reading techniques, noted that the blind read themselves create mechanisms that facilitate identification tactile-kinesthetic. How to write the same is directly related to the memorization of the combination of the pen where Braille points, which is essential to characters sinográficos area of reading and writing Braille, fundamental to personal fulfilment and social individuals who do not make use of ocular vision.

Keywords: Braille. Construction of reading and writing. Characteristics of learning.

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1 Pedagoga graduada pela UFG, pós graduada em Administração e Planejamento para docentes pela ULBRA e em Psicopedagogia pelo IBPEX. Professora do Atendimento Educacional Especializado, com atendimento a alunos com deficiência múltipla, baixa visão e cegos. Professora do curso de Pedagogia do ITPAC. [email protected]



[1] 1 Pedagoga graduada pela UFG, pós graduada em Administração e Planejamento para docentes pela ULBRA e em Psicopedagogia pelo IBPEX. Professora do Atendimento Educacional Especializado, com atendimento a alunos com deficiência múltipla, baixa visão e cegos. Professora do curso de Pedagogia do ITPAC. [email protected]

Introdução

            Dificuldades intelectuais, auditivas ou visuais, independente do nível de evolução e do estágio em que se encontram, formam um grande leque a ser estudado, cabendo à ciências conhecê-las a fim de se buscar mecanismos que elevem a qualidade de vida das pessoas que geneticamente ou por fatores externos foram acometidas por patologias que afetaram suas funções cognitivas ou sensoriais.

            A fim de delimitar o presente estudo, o mesmo se direcionou a compreensão do domínio da leitura e escrita pelas pessoas cegas, as quais de acordo com o diagnóstico  obtidos a partir de testes aplicados aos Deficientes Visuais Graves (DVG), compreendem os indivíduos com ausência total da visão ou que possuem a simples percepção de luz, sendo, portanto usuários do Braille. Assim, a escolha pelo tema decorre da familiaridade com o mesmo devido ao acompanhamento do processo de aprendizagem do Braille e pelo interesse no aprofundamento teórico sobre o processo de construção da leitura e escrita.

            Assim sendo, faz-se necessário associar à pesquisa bibliográfica o estudo de caso a fim de se interpretar a realidade sob a luz da ciência. Portanto torna se essencial a investigação de como o “letramento em Braille” ocorre em indivíduos cegos. Ressaltando as diferenças de tal processo entre pessoas cegas deste a idade precoce daquelas com cegueira adquirida após a consolidação da alfabetização. O que implica na observação e acompanhamento sistemático tanto de crianças como de adultos em diferentes níveis de escolarização, interagindo tal contexto às teorias que abordam a aprendizagem da leitura e escrita.

            Tendo como objeto de estudo a aprendizagem do Braille, objetiva-se a compreensão do processo de aquisição de um código de leitura e escrita em que a decodificação tátil precede a interpretação textual. Por tanto, faz-se necessário investigar aspectos específicos do Braille, como: a relação entre a dominância da lateralidade e o uso da falange distal, estrutura da extremidade dos dedos, utilizada na identificação das letras, bem como a mobilidade da referida estrutura corporal; a interferência da ausência da visão nos primeiros anos de vida, no processo de alfabetização em Braille; a identificação das diferenças no domínio da leitura e escrita entre cegos alfabetizados unicamente em Braille e cegos conhecedores da grafia à tinta; dificuldades na orientação espacial durante a aprendizagem da leitura no texto em  Braille, bem como a memorização das sequências  dos pontos empregados na escrita. Desta forma, justifica-se a relevância em conhecer e compreender os mecanismos e dificuldades que permeiam a construção do processo de leitura e escrita em Braille.  

            Tendo em vista a presença de algumas características que diferem a aprendizagem do Braille por indivíduos ainda não alfabetizados e outros que dominam a leitura e escrita gráfica, tornou-se viável a divisão do tema em subseções respectivamente nomeadas de: Alfabetização em Braille de cegos desde a idade precoce e  Aprendizagem do Braille em cegos alfabetizados previamente à tinta. Visando, desta forma, facilitar a compreensão do referido processo de construção de leitura e escrita.  

Processo de construção da leitura e escrita em Braille

As valorosas contribuições científicas de Piaget, Vygotisky, Gardner, Ana Teberosky, Teresa Colomer e outros autores que aprofundaram seus estudos abordando o processo de desenvolvimento e de aprendizagem do ser humano permanecem como base teórica a cerca da construção do conhecimento escolar de indivíduos privados parcial ou integralmente de algumas de suas capacidades sensoriais. No entanto, percebe-se que limitações cognitivas bem como visuais e auditivas apresentam especificidade que devem ser estudadas.

            Assim sendo, faz-se necessário compreender como funciona a mente dos indivíduos com déficit intelectual diante dos desafios que permeiam a aprendizagem de conteúdos escolares. Da mesma forma, os diferentes graus de surdez (leve, moderado, severo e profundo) merecem nossa atenção, tendo em vista a forte influência da percepção auditiva  dos fonemas na construção gráfica das palavras, frases e textos mediante as normas gramaticais, bem como da compreensão conceitual das palavras e expressões da linguagem.

No que refere a diferenciação entre baixa visão e cegueira, Herren e Guillemet consideram:

 “Baixa visão uma diminuição significativa da visão de ambos os olhos, que deixa, entretanto, um resíduo visual compatível com certos aspectos da vida diária e cego total indivíduos com 0 de limite inferior e limite superior de DC= 0,5 m, definida por como medida de acuidade visual de longe que deve ser entendida como a capacidade de contar dedos a 0,5 metros.” (Herren e Guillemet, 1982)

Porém, a dificuldade maior não se encontra em definir o nível de visão mediante a acuidade visual, mas em averiguar o funcionamento, a eficiência visual. Na identificação do nível de deficiência visual conforme as características educacionais consideram-se: “deficiência visual profunda as dificuldades para realizar tarefas visuais grosseiras. Impossibilidade de fazer tarefas que requeiram visão de detalhes” (Barraga, 1992). Assim sendo, tal condição, juntamente a aspectos patológicos irão conduzir à aprendizagem da escrita e leitura em Braille, o que implica na evocação de diferentes princípios de construção gráfica, necessários ao domínio de um código específico de linguagem escrita, o qual exige a elaboração mental de uma “imagem  tátil” que permita sua leitura.

            Estudos sobre o desenvolvimento infantil evidenciam a importância das capacidades perceptivas (visão, audição, tato, gustação e olfato) no processo de conhecimento do meio, de acordo com Martín e Bueno, “na educação infantil, a criança cega deve adquirir um desenvolvimento multissensorial que compense a carência da visão”. Assim, a interação com o meio viabiliza a construção de conceitos sobre o mundo favorecendo a aprendizagem dos conteúdos escolares. Sem reduzir a importância dos demais sistemas sensoriais, faz-se necessário salientar a visão como elemento principal na percepção global do meio. Sendo, portanto um sentido com papel integrador primário. Pois, a mesma permite a exploração rápida e eficiente do ambiente, promovendo o conhecimento desse e ampliando a formação de conceitos. Portanto, a falta da visão exige maior esforço das demais percepções sensoriais de modo a promover a interação entre o sujeito e o meio favorecendo, assim, a aprendizagem através da percepção tátil e de modo especial por meio da audição, a qual permite a compreensão da linguagem, o aprofundamento de conceitos e a melhor estruturação da produção oral e escrita.

Para se ter uma melhor compreensão das particularidades do processo de construção da leitura e escrita em Braille, faz-se necessário a subdivisão do tema a princípio, investigando as especificidades da alfabetização em Braille de cegos desde a idade precoce os quais não conheceram o sistema gráfico utilizado em tinta, e em  segundo momento compreendendo a aprendizagem do Braille em cegos alfabetizados previamente  os quais tiveram acesso à leitura e escrita  gráfica utilizada pelos videntes[1].

Alfabetização em Braille de cegos desde a idade precoce.

Partindo do princípio de que o desenvolvimento humano está diretamente relacionado à maturidade biológica associada a fatores ambientais e tendo a visão papel essencial na exploração do meio, não há como negar sua influência na aprendizagem da leitura e escrita. Pois, o fato da criança, desde os primeiros anos de vida, estar exposto a um ambiente rico em elementos gráficos torna-se um estímulo ao processo de desenvolvimento da linguagem oral e escrita, segundo Teberosky e Colomer o escrito é um objeto simbólico interpretado por agentes sociais que transformam estas marcas gráficas em objetos lingüísticos (Ferreiro, 1996).  Aspecto de que os cegos congênitos são privados por não visualizarem os materiais impressos disponíveis em locais públicos ou domésticos. Pois, embalagens, rótulos, panfletos, escritas de outdoor e painéis, propagandas impressas, desenhos, imagens gráficas, ilustrações e demais materiais escritos visualmente não fazem parte do contexto cultural das crianças cegas.

Porém, “escutando a leitura em voz alta, a criança pequena assiste à transformação das marcas gráficas em linguagem” (Teberosky e Colomer, 2003).

Sob esta ótica torna-se ainda mais relevante a leitura compartilhada junto à criança cega, tendo como foco a qualidade da interação leitor /ouvinte, a frequencia e repetição da história lida. Elementos integrantes de um ambiente alfabetizador em especial àqueles que não fazem uso da visão como condição à aprendizagem da leitura e escrita. 

Tal característica imprime maior valor ao desenvolvimento da percepção tátil, a qual se faz através de intenso trabalho de estimulação precoce bem como a ênfase ao uso da linguagem oral como elemento essencial à compreensão do mundo que o cerca. Assim sendo, a princípio, o trabalho com variedade de objetos concretos a serem manipulados se torna essencial, os quais deverão ser representados na forma de desenhos utilizando diversas texturas a serem percebidas através do tato, viabilizando assim a abstração e a formação de conceitos, que será facilitada quando o indivíduo cego tiver a descrição oral dos elementos e fatos que o circundam, bem como suas variações. Vale ressaltar que a representação gráfica de um objeto real pode ter pouca semelhança tátil com o conhecido, podendo também não se relacionar às informações verbais previamente recebidas o que dificulta sua identificação.

A aprendizagem em Braille requer um nível mais alto de abstração e associação cognitiva que o reconhecimento visual de símbolos e sinais que, por si só, requer alto nível de codificação e associação. Portanto, a leitura em Braille exige um enorme esforço em nível de memória tátil-cinestésica. Segundo Cobo e Bueno (2003), ao ler a criança cega não só reconhece os símbolos por meio do tato, mas também, os interpreta em relação a outros sinais Braille e ao contexto que está lendo. Sendo importante ressaltar que as 64 combinações de pontos que constituem os numerosos caracteres Braille, bem como as contrações usadas nos níveis avançados tornam a leitura tátil mais complexa. Como por exemplo, há casos em que um mesmo sinal Braille[2] apresenta-se com diferente sentido, variando conforme o contexto em que se encontram dentro de uma oração ou expressão.

Observações da prática do processo de aprendizagem em Braille confirmam a hipótese da importância de quatro aspectos essenciais a construção da leitura e escrita: estimulação precoce, participação ativa no processo de aprendizagem, aspectos motivacionais, atendimento educacional individualizado, paralelo ao ensino regular. Tais itens associados a um ambiente estimulador formam um conjunto de elementos que levam a criança cega a desenvolver mecanismos táteis que permitem a identificação dos caracteres Braille bem como a locomoção da falange distal no texto. Como por exemplo, a fixação do indicador esquerdo na extremidade esquerda da linha como um recurso auxiliar na passagem de uma linha para outra. Outro recurso utilizado por crianças no inicio do processo de alfabetização em Braille e por adultos que perderam a visão diz respeito a forma de tatear a letra de cima para baixo, ou vice versa, ou em movimento de rotação a fim de identificar a letra através da combinação de pontos correspondente. Técnica que deve ser evitada, pois há relatos de que em leituras mais extensas reduzem a sensibilidade tátil, além de tornar a leitura mais lenta. Portanto, o ideal é que se  deslize  ligeira e suavemente os indicadores da esquerda para a direita.

Dolores Piñero, Fernando Quero e Francisco Díaz, ressaltam algumas considerações importantes na aprendizagem da leitura em Braille.

 “Letras com pontos na mesma direção são percebidas mais rapidamente;o reconhecimento de letras “em espelho” se tornam mais difícil ( e/i, f/d, j/h); caracteres com menos pontos se tornam mais legíveis; os pontos das duas linhas inferiores da cela demandam mais tempo para serem reconhecidos, sendo mais fáceis de serem omitidos; letras mais freqüentes são mais facilmente identificadas; em palavras mais curtas e familiares há menor incidência de erros na leitura.”

Da mesma forma que a estimulação tátil-cinesitésica favorece o domínio da leitura, tem-se que a escrita Braille será facilitada através de atividades como: passar contas por um fio; introdução de pinos em pranchas, uso de punção[3] sobre superfície limitada; exercícios seqüenciais de seis pontos. Quanto à escrita, vale lembrar que a produção gráfica na máquina Perkins[4] se torna mais fácil que a escrita à mão através de punção, reglete[5] e prancha, em especial às crianças que ainda apresentam “dificuldades” de coordenação motora fina. Piñero e Díaz (2003) alertam quanto a importância em posicionar a punção corretamente exercendo pressão adequada; em usar simultaneamente  as mãos e  localizar os pontos na reglete. No uso da máquina deve-se: reconhecer as partes que a compõe; colocar corretamente o papel indicando as margens; posicionar adequadamente os dedos exercendo pressão suficiente sobre as teclas; realizar exercícios de ritmo de teclado.

Desta forma conclui-se que a construção do processo de leitura e escrita Braille está estreitamente relacionada à estimulação precoce, à exposição a um ambiente “rico” em estímulos sensoriais e a convivências interpessoais motivadoras de modo a promover o bem estar físico, social e emocional contribuindo, assim, com o desenvolvimento global daqueles que precisam de forma sutil e sensível fazerem uso de habilidades que ultrapassam os limites da visão.

Aprendizagem do Braille em cegos alfabetizados previamente à tinta.

No que refere à deficiência visual há casos de indivíduos acometidos por patologias que se agravam levando a visão ao limite inferior e superior de DC= 0,5 m. Como ocorre em indivíduos com glaucoma congênito que evoluem para a cegueira bem como em demais anomalias que afetam o cristalino, a úvea, a córnea ou a retina; em especial, quando esta se desprende, situação decorrente de enfermidades oculares ou traumatismos que levam a perda da visão.

Nestes casos a aprendizagem do Braille, como código suplementar ao sistema de leitura e escrita, se torna imprescindível. No entanto, há algumas particularidades que diferem o ensino do Braille entre os cegos desde a idade precoce e aqueles com perda visual após o domínio da leitura e escrita a tinta. Porém, em ambos os casos, os pré-requisitos são os mesmos, pois, a leitura em Braille exige o desenvolvimento de habilidades táteis que permitem o reconhecimento e a discriminação das combinações dos pontos o que implica em um nível de abstração que independe do conhecimento dos símbolos gráficos.

Ao distinguir a aprendizagem do Braille entre cegos desde a idade precoce e os já alfabetizados Piñero, Quero e Díaz afirmam que “a única diferença que se deve fazer é constatar que o alfabeto será aprendido na ordem que normalmente é aprendido em tina, mas fazendo uso de regras muito simples para fixar qual correspondente a cada letra”. No entanto, observa-se que cegos alfabetizados a tinta costumam fazer associações entre a grafia a tinta e a combinação dos pontos que constituem as letras em Braille. Como ocorre no caso do “l” escrito  na forma  de coluna com três pontos. O que não acontece entre os cegos desde a idade precoce, por desconhecerem a grafia a tinta.

 Dentre os passos a serem seguidos no ensinamento do Braille destaca se a importância em mostrar as diferenças gerais entre as letras, havendo, também, a necessidade em iniciá-lo na utilização de prefixos básicos como o prefixo de números (ponto 3,4,5 e 6) e de letras maiúsculas (pontos 4 e 6) bem como em sinografias[6] específicas importantes na aprendizagem de conteúdos matemáticos (raízes, potências, números ordinais, frações, parênteses, colchetes, chaves e outros), em química e física (sinal de índices inferiores e superiores, elementos específicos e unidades de medidas, dentre outros).

Quanto à leitura em Braille, ao contrário do que se pensa, observa-se que não há muita dificuldade em relação à leitura à tinta, pois os elementos básicos são os mesmos para cegos e videntes, variando apenas as vias sensoriais empregadas. Ressaltando que a leitura mediante o tato é realizada letra a letra, e não mediante o reconhecimento de palavras completas, como acontece com a leitura à tinta. Portanto, trata-se de uma tarefa lenta que requer grande concentração, difícil de atingir em idades precoces. Lembrando que para se elevar a velocidade da leitura faz-se necessário sua prática associada a técnicas, algumas criadas pelo próprio leitor Braille. Segundo Piñero, “a velocidade média de leitura de um cego vem a ser de 100 p/m (palavras por minuto), inferior as 150 a 250 p/m, média entre os videntes: como se existisse um limite de leitura tátil.” Assim, observa-se que o cego demora mais no treinamento de leitura que o vidente e a velocidade máxima de leitura de um cego adulto serão em geral inferiores à metade atingida pelo vidente. Porém, deve-se acrescentar que os avanços no processo de alfabetização e escolarização são contínuos e estão diretamente relacionados aos: estímulos externos, interesse, esforços pessoais e condições individuais.

Ochaita (1988) cita duas fases de leitura em Braille, a unimanual e a bimanual: na primeira os dois indicadores iniciam a leitura, chegando ao final da linha, retrocedem sobre ela, chegando à metade da linha descem para a linha seguinte, terminando de retroceder até o início desta para começar a leitura. Na leitura unimanual o comportamento das mãos é explicado por Heller (1904) ao afiram que a mão esquerda analisa e a direita sintetiza; enquanto Kusajima (1974) identifica um dedo como sendo o leitor e o outro o acompanhante, com função mecânica. Porém, na prática não é comum o retrocesso na metade da linha, permanecendo o indicador esquerdo no início da linha o qual é transferido para a linha seguinte quando o indicador direito termina a leitura da linha que está sendo lida. Observa-se que os não destros (canhotos) encontram maior dificuldade para se locomoverem no texto Braille, pois têm maior percepção tátil no indicador esquerdo. Por tanto, há casos em que o “canhoto” opta pela leitura com o indicador direito devido a mobilidade tátil sobre o texto.

 A leitura bimanual corresponde à segunda fase do processo de construção da leitura, nesta técnica cada um dos indicadores lê aproximadamente a metade de uma linha, portanto ambos são leitores e apresentam sensibilidade semelhante. A leitura é iniciada com os dois indicadores unidos e, ao chegar à metade a mão direita termina de ler a linha, enquanto a esquerda desce para a linha seguinte e retrocede para o seu começo. Apesar de a literatura afirmar que se deve chegar a esse tipo de leitura o quanto antes, deve-se ressaltar que a mesma nem sempre é utilizada pelos leitores cegos, pois muitos utilizam técnicas próprias, em alguns casos a leitura é feita com apenas uma das mãos, em que o indicador permanece como leitor, ficando o dedo anular e médio no espaço entre linhas como forma de orientação espacial no texto orientando a  passagem de uma linha para outra.

Vale ressaltar que a dominância na lateralidade influi na sensibilidade tátil, pois os destros apresentam maior facilidade na identificação tátil realizada pela falange distal do indicador direito enquanto os não destros preferem fazer uso do indicador esquerdo para a efetivação da leitura. Faz se importante lembrar que a colocação das mãos bem como de toda postura corporal auxiliam na leitura e escrita em Braille. Os braços deverão ficar simétricos ao papel. Durante a leitura as mãos deverão permanecer estendidas e relaxadas.

No caso da escrita utilizando a punção é imprescindível se atentar ao fato de que se deve escrever da direita para a esquerda, invertendo a ordem dos pontos dentro da cela para que a leitura seja feita da esquerda para a direita. Também é necessária que a pressão exercida pela punção seja sempre a mesma em cada ponto para que os mesmos tenham relevos idênticos. A máquina de escrita Braille, denominada Perkins, constitui-se de seis teclas, uma para cada um dos pontos da cela geradora, um espaçador (tecla para efetuar o espaço entre as palavras), uma tecla para o retrocesso e outra para a mudança de linha. Cada tecla deve ser pressionada por um dedo determinado, de forma que a escrita se realize com a máxima rapidez e o mínimo esforço. È importante ressaltar que a escrita na máquina Perkins se torna mais fácil que à mão, pois é feita da esquerda para a direita, sentido da leitura. Além disso, o fato de conter apenas seis teclas facilita a correspondência entre teclas e pontos necessários na formação das letras constituídas pela combinação de pontos em relevo.

Interessante lembrar que a aprendizagem da assinatura pessoal, próprio nome, é importante e necessária a todos. Porém, os cegos congênitos apresentam maior grau de dificuldades em relação aos cegos que tiveram a oportunidade de conhecer a grafia à tinta. Aspecto compreensível e que exige um trabalho específico e intensivo de identificação tátil das formas gráficas das letras, confeccionadas em relevo utilizando-se: linhas, cordões ou colas plásticas.

Conclui-se, portanto, que independente dos mecanismos de leitura e escrita em Braille, o mesmo se torna essencial como meio de interação e aquisição de conhecimentos tanto aos cegos como aos videntes, tendo em vista que o processo de inclusão se faz necessário, sendo também uma questão de responsabilidade social.

Conclusão

Diante do que foi exposto percebe-se que a construção da leitura e escrita em Braille apresenta algumas particularidades que devem ser ressaltadas, a fim de se compreender tal processo tanto em cegos desde a idade precoce como nos que passaram a utilizá-lo após terem sido alfabetizados. Percebe-se que técnicas de leitura e escrita existem, no entanto os usuários do Braille criam mecanismos próprios adequando-se aos recursos existentes facilitando a prática da leitura e escrita sem que se comprometa a interpretação, compreensão e análise do texto escrito e permitindo que cegos expressem sentimentos, idéias, reflexões e estudos através da sinografia.

Observa-se que apesar dos avanços produzidos pela difusão das idéias inclusivas a mesma ainda apresenta um vasto campo de pesquisa e estudo. No que refere à deficiência visual constata-se a importância da estimulação precoce como forma de suprir a ausência dos estímulos visuais. Ressaltando também, algumas singularidades que diferem a aprendizagem do Braille entre aqueles que tiveram a oportunidade de visualizar a grafia a tinta e os que foram privados da visão desde tenra idade. Porém constata-se que este não é o aspecto preponderante na aprendizagem do Braille, pois o empenho e interesse da família, as oportunidades escolares, os fatores interpessoais e a realidade social são decisivos na qualidade do processo de aprendizagem de modo geral e especialmente no que diz respeito àqueles que possuem limitações cognitivas ou sensoriais.

A arte de produzir e reconhecer pelo tato os relevos dos pontos Braille de decodificá-los mentalmente transformando-os em letras e palavras a serem abstraídas pelas estruturas mentais dando sentido ao texto lido compreende uma capacidade que merece ser valorizada e respeitada por todos. Portanto, são dignos de apreço aqueles que desvendam o mundo através dos sons e toques.



[1] Considera-se videntes indivíduos com visão normal ou que apresentem apenas erros de refração, corrigidos com uso de óculos ou lentes adequadas.

[2] Em Braille a combinação dos pontos 2,3, e 6 em um texto representa aspas e em contexto matemático representa sinal de multiplicação.

[3] Punção, objeto pontiagudo que permite a perfuração dos pontos em Braille

[4] Perkins, máquina manual utilizada na escrita Braille.

[5] Reglete, régua que contém quatro linhas nas quais se encontram as celas Braille, permitindo  a escrita manual dos pontos que constituem as letras em Braille

[6] Sinografia, uso de sinais gráficos

REFERÊNCIAS

MARTÍN, M.B; BUENO,S.T. (Cord). Deficiência Visual: Aspectos Psicoevolutivos  Educativos. São Paulo: Santos,  2003.

______ COBO, Ana Delgado, etal: Aprendizagem e deficiência visual. In Martin. São Paulo: Santos, 2003.

______ PIÑERO, Dolores Mª Corbacho, etal: O Sistema Braille. In: Martin. São Paulo: Santos, 2003.

MICHAELIS: Pequeno dicionário, Inglês-Português, Português-Inglês. São Paulo: Melhoramentos,1989.

OCHAITA, E. e outros. Alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: Popular, 1988.

PIAGET, Jean. A Epistemologia Genética. Petrópolis: Vozes, 1971.

TEBEROSKY, Ana; COLOMER, Teresa. Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista. Porto alegre: Artmed, 2003.