PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS APLICÁVEIS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS EM CRISE

Mariane Araújo Lima de Almeida[1]

 

RESUMO: Em face do crescente número de instituições financeiras que tem entrado em crise nas últimas décadas e diante do cenário econômico dominante no mundo contemporâneo, sob o fenômeno da globalização, a não ingerência do poder público na atividade bancária em proveito da autonomia do setor privado tem se mostrado danosa, sobretudo pelo aumento inevitável do grau de risco para os credores da empresa e, naturalmente, para o conjunto da sociedade. O presente trabalho busca elucidar as formas de intervenção do Estado, através do Banco Central, no que tange às instituições financeiras em crise.

 

PALAVRAS-CHAVE: Instituições Financeiras. Crise das Instituições Financeiras. Liquidação Extrajudicial. Banco Central.

 

1.  INTRODUÇÃO

                                   O presente trabalho tem por objetivo facilitar a compreensão dos procedimentos extrajudiciais aplicáveis às instituições financeiras em crise, explicitando o seu conceito, as situações em que pode ocorrer, bem como o procedimento aplicável a cada caso, a fim de que se possa melhor entender a forma de atuação do Banco Central com relação às instituições financeiras em crise.

                                   Além disso, necessário se faz conhecer a principal espécie, e sem dúvida a mais famosa, do gênero, qual seja, a liquidação extrajudicial. Logo, mister é compreender o seu conceito, bem como o seu procedimento e situações em que se aplica.

                                   O desenvolvimento deste trabalho é de grande valia, pois além da vida útil da Instituição o que está em jogo é a paz social, pois se procura além de tudo preservar os direitos das pessoas que utilizam esses serviços.

2.  INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

2.1 CONCEITO

                                   Em face do crescente número de instituições financeiras que tem entrado em crise nas últimas décadas diante do cenário econômico dominante no mundo contemporâneo, sob o fenômeno da globalização, a não ingerência do poder público na atividade bancária em proveito da autonomia do setor privado tem se mostrado danosa, sobretudo pelo aumento inevitável do grau de risco para os credores da empresa e, naturalmente, para o conjunto da sociedade. Passemos à análise do conceito de instituição financeira, a fim de melhor esclarecer a questão.

                                   A Instituição financeira consiste em pessoa jurídica pública ou privada que tenha como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira.

                                   Consideram-se, pois, instituições financeiras as empresas que desempenham, no mercado, as funções intermediárias entre os que têm recursos ou fundos disponíveis e aqueles que necessitam de financiamento para seus gastos de investimento ou de consumo. Assim, essas empresas servem de caixa única para a sociedade e efetuam o transporte financeiro da produção, gerando os recursos suficientes ao processo produtivo, através de financiamento para aquisição de matéria-prima, por exemplo, entre outros.

                                   Diante disso, vemos que é de fundamental importância não só para a instituição financeira, mas também para toda a sociedade, que haja medidas regulatórias e até intervencionistas diante de crise nas instituições responsáveis por gerir os recursos necessários ao processo produtivo, visando assegurar a normalidade da economia pública e resguardar os interesses dos depositantes, investidores e demais credores. Cai por terra a teoria da não intervenção do Estado na economia, uma vez que é necessário sempre perseguir o bem comum, da sociedade, em detrimento do deleite individual, ou mesmo, de parco número de indivíduos.

3. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ATIVIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

                                   Há sempre um risco potencial decorrente da exploração da atividade bancária, que representa uma contínua ameaça ao direito alheio, pelo simples fato de que a maior parcela dos recursos movimentados pela empresa não pertence ao titular do negócio, mas a terceiro, numa proporção desigual, em que, muitas vezes, os fundos próprios mal correspondem à décima parte dos recursos alheios, a depender dos parâmetros de ajustamento fixados pela autoridade responsável pela supervisão bancária. [2]

                                   Diante desse quadro de risco natural da atividade, são adotados clássicos instrumentos de prevenção de crises no sistema financeiro. Além desses instrumentos de prevenção, vemos a intervenção estatal na atividade das instituições financeiras desde a sua gênese, uma vez que é necessário o preenchimento de vários requisitos a fim de que a Instituição possa vir a iniciar as suas atividades, tudo visando
à proteção à economia popular, à preservação do sistema de pagamentos e à manutenção da solvência e estabilidade do sistema financeiro.

                                   Daniel Baramili Fleury de Amorim[3] aponta, em monografia apresentada à banca examinadora da Universidade de Brasília, três etapas de regulação da atividade das instituições financeiras, quais sejam: saneamento preventivo, no qual o Banco Central verifica o preenchimento dos requisitos necessários ao funcionamento de Instituições Financeiras, já com o intuito de somente autorizar aquelas que deveras podem cumprir com seu papel financiador diante da sociedade; indução a modificações estruturais, que seriam maneiras de o Estado alterar a condução administrativa da instituição sem assumir ele próprio essa condição, trataremos dessa etapa mais detalhadamente em tópico próprio; e, por fim, o saneamento interventivo, quando o Estado assume para si a administração da Instituição Financeira.

3.1 INDUÇÃO A ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS

                                               Segundo artigo 5º da Lei 4.997/97, verificada a ocorrência de qualquer das hipóteses que permitam a decretação da intervenção, liquidação extrajudicial e/ou regime especial de administração temporária, é facultado ao BACEN, visando assegurar a normalidade da economia pública e resguardar os interesses dos credores, determinar medidas a fim de alterar a condução administrativa da instituição sem assumir ele próprio essa condição.

                                   São três as medidas. Na primeira, o Banco Central poderá determinar o aumento do capital social da instituição, cabendo a ela a decisão sobre como será feito esse aporte, é uma forma menos drástica de tentar reorganizar a empresa a fim de evitar o aumento da crise. A segunda medida que poderá ser tomada pelo BACEN é a transferência do controle acionário e a terceira e última, a reorganização societária, que implica mudanças na administração da empresa.

                                   Realizadas todas essas tentativas em função da contenção da crise, caso não surtam efeito, restará ao Estado assumir a administração da Instituição Financeira antes que os efeitos da desorganização sejam irreversíveis.

 

4. SANEAMENTO INTERVENTIVO: PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS APLICÁVEIS ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS EM CRISE.

                                   As instituições financeiras não podem pedir recuperação, mas podem falir. A sua reorganização se dá por medida decretada pelo Banco Central. Elas não pedem recuperação em juízo, mas há procedimentos extrajudiciais. Os procedimentos extrajudiciais aplicáveis às instituições financeiras em crise são a intervenção, o regime especial de administração temporária e a liquidação extrajudicial.

 

4.1 A INTERVENÇÃO

                                               Regida pela Lei 6.024/74, a intervenção é o processo administrativo a que estão sujeitas as instituições financeiras privadas e públicas não federais, executado pelo BACEN e que consiste no afastamento dos administradores e nomeação de interventor com a finalidade de normalizar as atividades econômicas da empresa.

                                   A Lei 6.024/74 autoriza a intervenção administrativa em duas hipóteses, a saber:

a) entidade sofrer prejuízo, decorrente da má administração, que sujeite a riscos os seus credores;

b) forem verificadas reiteradas infrações a dispositivos da legislação bancária não regularizadas após as determinações do Banco Central do Brasil, no uso das suas atribuições de fiscalização.

                                   A intervenção pode ser decretada ex officio pelo Banco Central, quando da ocorrência das hipóteses acima elencadas, ou a pedido de seus administradores, visando evitar a liquidação diante de impontualidade ou insolvência de pagamentos e tem um prazo de seis meses, prorrogável uma única vez por igual período.          Decretada a liquidação, será nomeado interventor que deverá proceder à reorganização da instituição a fim de evitar a sua liquidação.

                                   Alguns dos efeitos da intervenção são a suspensão da exigibilidade das obrigações vencidas; a inexigibilidade dos depósitos existentes; a indisponibilidade dos bens dos administradores e implementação de inquérito administrativo para apuração de ilícito e sequestro de bens.

                                   Uma vez normalizada a situação da instituição financeira, deverá cessar a intervenção, devolvendo o interventor a administração da instituição ao Conselho Diretor que havia sido afastado. Também deverá cessar a liquidação caso seja decretada a liquidação da instituição, ocasião em que será nomeado liquidante.

                                   Não trata a lei da cessação da intervenção após o decurso do prazo máximo, qual seja, seis meses prorrogável por mais seis. Entende a melhor doutrina que, decorrido o prazo, deverá o interventor se afastar da administração, assumindo o Conselho Diretor da instituição suas antigas funções.

4.2 REGIME ESPECIAL DE ADMINISTRAÇÃO TEMPORÁRIA (RAET)

                                    Para Nelson Abrão, que ao tratar dos procedimentos extrajudiciais aplicáveis às instituições em crise, em sua obra Direito Bancário, não destina um capítulo à Intervenção, o Decreto-lei nº 2.321 de 1987 revogou esse instituto, passando a substituí-lo o regime especial de administração temporária. Senão vejamos:

“Embora não o mencionando expressamente, o Decreto-Lei n. 2.321/87 substituiu o regime da intervenção pelo da administração especial temporária, de vez que o processamento e os efeitos desta são diferentes.” [4]

                                   No entanto, a maioria da doutrina não concorda com esse posicionamento, defendendo que, a partir da edição do decreto lei supra, passam a integrar o rol dos procedimentos extrajudiciais aplicáveis às instituições financeiras em crise a intervenção, a administração especial temporária e a liquidação extrajudicial.

                                   O regime especial de administração temporária, doravante somente RAET, nada mais é que uma espécie diferenciada de intervenção, vez que o Estado também assume para si a administração da instituição com o fim de reorganizá-la e evitar que os efeitos de sua crise sejam irreparáveis. No entanto, o RAET diferencia-se da intervenção clássica em alguns aspectos.

                                   A primeira diferença e sem dúvida uma das mais importantes é que com a decretação do RAET o funcionamento normal da instituição não é interrompido, como ocorria na intervenção. Além dessa diferença, destaca- se que, após decretado o novo procedimento, não assume a liderança da instituição um interventor único, mas sim um conselho diretor, órgão colegiado, nomeado pelo decretante. Também podemos perceber que, no regime anterior, os administradores e membros do conselho fiscal eram somente afastados de seus cargos, voltando a assumi-los após a cassação da intervenção. Tal não ocorre no RAET, uma vez que nesse regime os administradores e membros do conselho fiscais perdem essa qualidade.

                                   Importante salientar que o uso do termo “administração” ao invés de “intervenção”, demonstra uma certa compreensão do princípio fundamental hoje prevalecente no trato com as empresas em crise, qual seja, do esforço na preservação das viáveis, mediante um novo gerenciamento,[5] sobretudo após publicação da lei 11.101/05, nova lei de recuperação e falências.

                                   Os pressupostos para decretação do RAET são, além dos pressupostos para decretação da intervenção, a prática reiterada de operações contrárias às diretrizes de política econômica ou financeira traçadas em lei federal; a existência de passivo a descoberto e gestão fraudulenta ou temerária. Assim como a intervenção, o RAET pode ser decretado de ofício pelo BACEN ou a pedido dos administradores da instituição em crise.

                                   Quanto ao prazo de duração do RAET, a lei é omissa, não apresentando nenhum prazo específico para a cessação do regime, dispondo apenas que será determinado pela autoridade administrativa e prorrogável uma única vez por igual período, caso seja absolutamente necessário.

                                   Nelson Abrão, por sua vez, defende que um prazo muito extenso pode prejudicar a reestruturação da atividade empresarial diante da incerteza e insegurança que a intervenção estatal gera nos investidores, que não podem ter certeza quanto ao futuro da instituição.

                                   Assim como a intervenção, o RAET cessa quando do restabelecimento da situação econômico-financeira, bem como com a decretação da liquidação extrajudicial ou falência da instituição.

4.3 LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

                                   A liquidação extrajudicial é medida administrativa saneadora aplicável à instituição financeira, acarretando a paralisação de suas atividades e a eliminação do campo empresário, conduzindo aos mesmos resultados do procedimento concursal judicial, que é a falência.[6]

                                   Segundo art. 15 da lei 6.024/74, decreta-se a liquidação extrajudicial: “I- ex officio: a) em razão de ocorrências que comprometam sua situação econômica ou financeira especialmente quando deixar de satisfazer, com pontualidade, seus compromissos ou quando se caracterizar qualquer dos motivos que autorizem a declararão de falência; b) quando a administração violar gravemente as normas legais e estatutárias que disciplinam a atividade da instituição bem como as determinações do Conselho Monetário Nacional ou do Banco Central do Brasil, no uso de suas atribuições legais; c) quando a instituição sofrer prejuízo que sujeite a risco anormal seus credores quirografários; d) quando, cassada a autorização para funcionar, a instituição não iniciar, nos 90 (noventa) dias seguintes, sua liquidação ordinária, ou quando, iniciada esta, verificar o Banco Central do Brasil que a morosidade de sua administração pode acarretar prejuízos para os credores; II - a requerimento dos administradores da instituição - se o respectivo estatuto social lhes conferir esta competência - ou por proposta do interventor, expostos circunstanciadamente os motivos justificadores da medida.” [7]

                                   Após decretação da liquidação extrajudicial, passará a integrar o nome da liquidanda a expressão “em liquidação extrajudicial”, segundo dizer do art. 212 da lei acima mencionada.

                                   O único autorizado a decretar a liquidação extrajudicial das instituições financeiras é o Banco Central. No ato em que a decretar, deve também fixar o seu termo legal ou “período suspeito”, ou seja, o período dentro do qual todos os atos praticados pelo devedor são considerados ineficazes, por se entender que foram praticados em prejuízo dos credores.  Para Nelson Abrão, tal período não pode retrotrair a mais de 90 dias, contados do pedido de falência, de recuperação, ou do primeiro protesto por falta de pagamento.[8]

                                               Assim como os demais procedimentos extrajudiciais aplicáveis às instituições financeiras em crise e, ainda, conforme artigo supra mencionado, a liquidação pode ser decreta de ofício pelo BACEN, bem como a pedido de seus administradores.                                           Alguns dos efeitos da decretação da liquidação são: a suspensão das ações existentes; a impossibilidade de ajuizamento de novas ações; o vencimento antecipado das dívidas e a interrupção do curso da prescrição.

                        Decretada a liquidação será nomeado liquidante que terá amplos poderes de administração. Será responsável pela apresentação de relatórios ao Bacen, pela convocação de credores para habilitação dos créditos e, ainda, legitimado para a propositura de ação revocatória.

5. CONCLUSÃO

                                   Conforme exposto neste trabalho, a atuação do Estado junto à atividade das instituições financeiras é indispensável ao regular funcionamento do sistema.  Além de diversos instrumentos de prevenção, vimos que a intervenção estatal na atividade das instituições financeiras se inicia desde a sua gênese, uma vez que é necessário o preenchimento de vários requisitos a fim de que a Instituição possa vir a iniciar as suas atividades. No Brasil, cabe ao Banco Central do Brasil, orientado pelas normas emitidas pelo Conselho Monetário Nacional, zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras e intervir, nos casos mencionados e amplamente discutidos, tudo visando
à proteção à economia popular, à preservação do sistema de pagamentos e à manutenção da solvência e estabilidade do sistema financeiro.

 

BIBLIOGRAFIA

Abrão, Nelson. Direito bancário. 13ª ed. rev., ampl. e atual. por Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2010.

Siqueira, Francisco José de. “Instituições Financeiras: Regimes Especiais no Direito Brasileiro.” Disponível em: http://www.bcb.gov.br/ftp/textoliquidsiqueira.pdf Acesso em: 17 de novembro de 2013.

Amorim, Daniel Baramili Fleury de.  “Atuação estatal brasileira junto à atividade das instituições financeiras.” Disponível em: http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/4715/1/2013_DanielBaramiliFleurydeAmorim.pdf Acesso em: 18 de novembro de 2013.



[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

[2] Siqueira, Francisco José de. “Instituições Financeiras: Regimes Especiais no Direito Brasileiro.” Disponível em: http://www.bcb.gov.br/ftp/textoliquidsiqueira.pdf

[3]  Amorim, Daniel Baramili Fleury de.  “Atuação estatal brasileira junto à atividade das instituições financeiras”. Disponível em: http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/4715/1/2013_DanielBaramiliFleurydeAmorim.pdf

[4]   ABRÃO, N. Curso de direito bancário 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 354. 

[5] ABRÃO, N. Curso de direito bancário 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 355. 

[6] ABRÃO, N. Curso de direito bancário 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 369.

[7] Lei n. 6.024/74, art.15

[8]   ABRÃO, N. Curso de direito bancário 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p 370.