A noite está um pouco fria, o telefone como um fiel parceiro, resolveu emudecer, Ray Charles sussurra com todo seu vozeirão uma música fantástica dos Beatles que não me ocorre o nome. Ando do quarto pra cozinha, arrombo a geladeira e devoro um pavê que estava guardado para a minha princesa, mas ela não veio, não sei quando vem e, na ausência de coisa melhor, o pavê foi a solução encontrada.
O sono, atual e constante companheiro, também esta noite não quis me visitar. Abro a agenda, procuro a quem ligar, até acho, mas já passa da 01:00h da madrugada, não é justo, não é aconselhável.
Mudo a fita, quem sabe o "Negritude Junior" que, segundo uma amiga estava se tornando "Negritude Sênior", eleve o astral, mas a faixa TIMIDEZ é por demais cruel para a ocasião.
Pego o papel, pego a caneta, parceiros há tanto tempo esquecidos, mas recuo, não sei por onde começar. Quem sabe a longa separação de ambos tenha causado certa cerimônia e descompasso?
Insisto e descubro que bem lá no fundo existe ainda uma certa intimidade entre nós. Escrevo algumas linhas, pouco inspiradas reconheço, mas aos poucos vamos nos acertando e nos reconhecendo, aí sim as palavras fluem com mais clareza e as frases saem como se já estivessem prontas.
Foi um bom reencontro: Eu, o papel e a caneta. Foi um bom momento e, por alguns instantes, relembramos passagens vividas de emoções, paixões, rotinas e desesperos que ficaram apenas entre nós, eu, o papel e a caneta.
A fita terminou, não quero ouvir outra, já conheço todas. Quero dormir, o sono continua ausente. Procuro escrever, mas as palavras não saem mais com a mesma facilidade. O que fazer? Vou apagar todas as luzes, as de fora e as de dentro, vou fechar os olhos, vou fazer planos, vou pensar no amanhã, vou curtir minha privacidade, ou minha solidão, ou quem sabe a minha " PRIVACIDADE SOLITÁRIA".

Jorge Leite