Breves Considerações sobre a Importância dos Princípios para o Direito

Os princípios constitucionais deixaram de servir como mero instrumento de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional, adquirindo eficácia imediata, e tornaram-se imprescindíveis para a aproximação do ideal de justiça.

Do latim principium, a palavra "princípio" significa começo, origem de qualquer coisa. Muito bem explicado no Dicionário Michaelis, é: "1Ato de principiar. 2 Momento em que uma coisa tem origem; começo, início. 3 Ponto de partida. 4 Causa primária. 5 Fonte primária ou básica de matéria ou energia". Outrossim, levada a um prisma jurídico, a palavra em tela toma outra angulação.

Muito se tem discutido na doutrina sobre qual seria a finalidade dos princípios no direito. De doutrina para doutrina, percebe-se que não existe um entendimento único, surgindo, logicamente, teses em vários sentidos. Porém, todos caminham em um paralelo de forma a reconhecer a sua juridicidade, fundamentalidade e fecundidade das demais regras do Direito.

Do ponto de vista da ciência do Direito, Beviláqua (1980) preleciona que:

princípios, é sabido, são vetores de interpretação de todas as normas, constitucionais ou infraconstitucionais, e funcionam como "super-normas", que não apenas esclarecem o sentido das demais, como prevalecem sobre elas em caso de aparente conflito. Os princípios "são os elementos fundamentais da cultura jurídica humana em nossos dias.

Conforme se depreende do estudo da obra de Diniz (1997, p.211), na antigüidade os princípios eram tidos como fonte de direito natural:

segundo Aristóteles, princípio era uma fonte, uma causa de ação, tornando-se um freio dos fenômenos sociais. Já Cícero, analisando o conjunto de codificação civil romana, diz que os princípios serviriam para resolver casos novos.

Porém sustenta ainda a supramencionada autora que:

no direito moderno a questão é mais controvertida, o Professor Tércio Sampaio de Ferraz Júnior diz que os princípios compõe a estrutura do sistema e não o seu repertório; Unger diz que são meros expedientes para liberação das passagens legais que não mais atendem a opinião dominante; Hoffman diz que são permissões para livre criação do direito por parte do magistrado; Serpa Lopes define-os como simples fontes interpretativas e integrativas de normas legais, sem qualquer força criadora; os racionalistas compactuam com o pensamento esposado na antigüidade, definindo os princípios como fonte de direito natural, corrente esta sustentada por Del Vecchio, Espínola, Zeiller, idéia esta também aceita pela codificação civil espanhola e austríaca, onde respectivamente nos artigos 6º e 7º, encontra-se a prescrição dos princípios gerais do direito como direito natural.

Segundo De Plácido e Silva (1993, p.447), os princípios significam "as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de qualquer coisa". Para o autor, os princípios, por serem o alicerce, vislumbram - se mais importantes que a própria norma jurídica: consubstanciam, "a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo - se em perfeitos axiomas".

Melo Filho (1986, p. 26) ressalta com maestria:

O princípio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico: ele é de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples atos normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo por um princípio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o direito forma um sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já porque axioma (de universal acatamento, diga-se de passagem), já pela proibição lógica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas eleitas).

Assim, para o autor, "um princípio por ser mais geral do que uma norma tem por objetivo inspirá-la, valendo dizer que se aplica em qualquer circunstância".
Trata-se da importância dos princípios para o direito, que segundo Geraldo Ataliba, apud Lemes (1997, p.32), "os princípios são a chave e essência de todo direito; não há direito sem princípios. As simples regras jurídicas de nada valem se não estiverem apoiadas em princípios sólidos".

Mello (1991, p.300) segue na mesma linha de raciocínio, porém vai mais além quando os defende dizendo que:

violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Bonavides (1991, p.260) destaca que "a relevância dos princípios, alçado à superioridade e hegemonia na pirâmide normativa, está não apenas no aspecto formal, mas, sobretudo no material". Assim, para o autor:

o ponto marcante da grande transformação em tema de princípios, diz, encontra-se no caráter e no lugar de sua normatividade, a qual, conduzida pelas influências da doutrina moderna, passou dos Códigos para as Constituições, convertendo-se – os princípios -, de fontes de mero teor supletivo, em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.

Ainda, no que tange ao seu conteúdo valorativo, assinala que:

os princípios, em grau de positivação, encabeçam o sistema, guiam e fundamentam as demais normas que a ordem jurídica institui e, finalmente, tendem a exercitar aquela função axiológica vazada em novos conceitos de sua relevância.

Nesse sentido, Reale (1969, p.54) conceitua:

princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.

         Com relação ao assunto em tela, Canotilho (1997, p.173) evidencia que:

a existência de regras e princípios constitucionais, formando uma estrutura sistemática, possibilita a compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios, em que o sistema ideal compõe-se de regras e princípios, coexistindo ambos no sistema jurídico, os segundos constituindo-se em fundamentos jurídicos para as primeiras, como uma "idoneidade irradiante que lhes permite 'ligar' ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional.

Finalmente, os princípios garantem uma função de integração sistemática entre os vários ordenamentos, ideia esta também sustentada por Ascensão (1994), que diz que "se temos uma ordem normativa representada por um sistema, tem de ser travejado e percorrido por princípios ou orientações fundamentais, que resultam justamente na sua unidade".

Dessas lições depreende-se que os princípios estão para o direito, assim como o ar está para o ser humano. Renegá-los, seria o mesmo que negar a existência do direito.
Assim, é inegável a importância dos princípios gerais do direito, independente da corrente jurídica que se adote.

4.2 Princípios Típicos do Direito Notarial

Vários são os princípios "aplicáveis" aos serviços notariais. Acredita - se que sobre o assunto em voga, pairem mais de vinte princípios dos mais diversos conteúdos. Alguns doutrinadores do assunto, entretanto, trataram de dividi-los em:

a) Princípios Atípicos, ou seja, decorrentes de outras áreas. São eles: Princípios Constitucionais da Administração (o da legalidade, o da impessoalidade, o da moralidade, o da publicidade e o da eficiência), Princípios do Direito Privado (o da liberdade de contratar ou autonomia da vontade, o da obrigatoriedade do contrato ou pacta sunt servanda, o da supremacia da ordem pública, o da probidade e da boa-fé, e o da função social do contrato) e Princípios do Direito Registral (Princípio da Publicidade, Princípio da Fé Pública, Princípio da Prioridade, Princípio da Especialidade, Princípio da Disponibilidade, Princípio da Continuidade e Princípio da Legalidade).

b) Princípios Típicos do Direito Notarial, aqueles que são da própria natureza da atividade e que muitas vezes se "mesclam" com os Atípicos, com os quais o notário também pode operar.

Diante da amplitude do tema, optou-se pela análise dos princípios específicos que informam as relações notariais, ressaltando-se sua importância da realização prática no cenário brasileiro atual. Por fim, e por amor a brevidade, uma vez ressaltada a importância dos princípios, volta-se os esforços para a análise aprofundada de onze dos mesmos, que são os Princípios Típicos do Direito Notarial, e análise superficial de outros três princípios notariais, que estão sempre presentes, como meio de garantir a manutenção da segurança jurídica das sentenças nos divórcios e separações efetuados pela via administrativa, cerne deste capítulo.

4.2.1 Princípio da Economia

O vocábulo economicidade se vincula, no domínio das ciências econômicas e de gestão, à "idéia fundamental de desempenho qualitativo. Trata-se da obtenção do melhor resultado estratégico possível de uma determinada alocação de recursos financeiros, econômicos e/ou patrimoniais em um dado cenário socioeconômico". Essa é a visão de Bugarin (2004, p.107), que cita ainda:

a inserção do princípio da economicidade no plano positivo exprime e consagra uma nítida opção dos constituintes de 1988 por uma radical e estrutural mudança na esfera de legitimação do espaço público na sua missão de ponto de recepção e reflexão concreta e construtiva dos enormes e urgentes anseios individuais e coletivos presentes em nossa perversa realidade socioeconômica.

Torres (1991, p.37) por sua vez, afirma que o "conceito de economicidade, originário da linguagem dos economistas, corresponde, no discurso jurídico, ao de justiça".

Já Reis (2000, p. 5) entende, nesse diapasão que:

se impõe "exame das relações custo/benefícios processos administrativos que levam a decisões, especialmente as de maior amplitude, a fim de se aquilatar a economicidade da escolha entre os diversos caminhos propostos para a solução do problema, para a implementação da decisão".

Finalmente, no tocante à aplicação do princípio da economia, Ferreira (2007, p. 36) comenta que o fazer notarial deve buscar a opção mais econômica para as partes, desde a escolha do ato a realizar, conformando-os às necessidades e às condições das partes, inclusive quanto aos seus aspectos tributários. Para ele, o notário tem o dever de buscar escolher a forma pública tributariamente menos gravosa para as partes. "Não se trata de buscar elidir-se da tributação, mas oferecer às partes as alternativas, quando existentes". É o caso, por exemplo, das leis tributárias municipais que oferecem a alternativa de pagar o tributo relativo ao usufruto na sua constituição ou na sua extinção.

Por fim, cabe ressaltar que não basta o tabelião escolher o instrumento jurídico a ser lavrado, este deve ser o mais barato e eficaz para as partes, com a menor incidência de tributos, sempre oferecendo as opções aos interessados que o procuram.

4.2.2 Princípio da Forma

Esse princípio, também chamado de forma dat esse rei, proclama que todo o ato jurídico, para que possa ser conhecido e produzir efeitos, necessita de uma forma, de uma exteriorização.

Sander (2005) sustenta que, diante da grande variedade de formas previstas no direito positivo vigente, há liberdade de escolha, porém segue como sendo necessária para determinados negócios, que a lei exige uma forma determinada e especial, ou seja, "a forma de ser", esta é necessária  para a sua existência.

Para a autora, existem as formas particulares que são criadas na esfera privada pelos particulares, sem a intervenção estatal na sua confecção. Por outro lado, existem as formas públicas, mais solenes e que recebem a intervenção de um oficial público, a quem a lei confere autoridade e poderes para tanto. São as formas outorgadas com a intervenção de um oficial público.

Dentre as formas públicas, encontram-se as notariais, ou seja, as formas nas quais o oficial público que intervém é o notário. Assim:

As formas notariais são eminentemente documentais, pois perpetuam os atos no tempo, face ao princípio da certeza e segurança jurídica. O notário realiza seu mister documentalmente e, mesmo quando não seja ele o redator do ato, sua intervenção, ainda que em instrumentos privados, se reveste de formas documentais. As escrituras públicas, evidentemente, são constitutivas, quando a lei exige essa solenidade. Ser convencional quando as partes acordem que o negócio jurídico se tem por perfeito, quando elaborado por instrumento público.

A forma pública dos atos notariais são essenciais a sua formalização, estando revestida de juridicidade, ou seja, adequada às normas de direito. Para Ceneviva (2002, pág.43) "os atos notariais devem ser praticados por profissionais habilitados, em livros próprios, sempre de modo a preservar a intenção e a verdade da manifestação neles contida".Ainda, a "inobservância do requisito formal dos atos notariais podem gerar a nulidade, em casos como a lavratura de testamento público, do pacto antenupcial, e a anulabilidade conforme o caso".

"A Forma é inerente a todo fato ou ato jurídico". Comungando desse entendimento, Ferreira (2007, p.37) lembra que a Lei determina a forma exigida para o ato e a forma que atende a segurança do ato notarial é a escrita. "A forma é um anteparo da segurança e, muitas vezes, não se concebe conteúdo sem forma. Na forma, os direitos adquirem solidez".

Argentino Néri apud Ferreira (2007) sintetiza a forma como uma "conseqüência do princípio ativo que se traduz em ato, em realização". Consagrada pela experiência, é um elemento de rigor e precisão em toda a instrumentação jurídico-notarial. É assim, um princípio real de direito notarial.

É importante ressaltar que, em decorrência da forma, a lei confere eficácia e autenticidade ao documento notarial, não dependendo de prova dos fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou veracidade (Código de Processo Civil, art. 334).

Portanto, conclui-se que os documentos públicos ou privados, são constitutivos e probatórios. Os primeiros dão vida ao negócio jurídico, os segundos provam um negócio jurídico anterior, mas não o modificam. Havendo divergência, sempre prevalecerá o instrumento público, pois, a força probante do ato notarial é a maior do ordenamento jurídico, tendo o efeito de "prova plena" iuris tantum.

Diante do exposto, tem-se que todos os atos lavrados nas serventias notariais precisam seguir as formas previstas em lei, que é precaução da segurança.

4.2.3 Princípio da Imediação

No processo judicial, o princípio da imediação[1] exige o contato direto do juiz com as partes e as provas, a fim de que receba, sem intermediários, o material de que se servirá para julgar (a imediação não está necessariamente ligada à oralidade, mas historicamente os dois princípios sempre andaram consideravelmente juntos).

No âmbito notarial, Kollet (2003, p.25) define o princípio da imediação como a "relação de proximidade entre as diferentes partes que intervém na função notarial, pois há uma relação entre o notário e os interessados em lavrar o documento público e entre o notário e o documento público" .

Ferreira (2007, p.37) também não diverge desse entendimento. Para o autor, a imediação é "garantia do adequado e correto fluxo de idéias, de que o notário, próximo das partes, compreenderá a vontade delas e poderá oferecer o aconselhamento e instrumentos adequados". Assim:

há grande subjetividade na qualificação notarial, decorrente da percepção e da cognição do notário e das partes e suas relações. O conceito de imediação se desenvolve sobre estas relações e também entre as partes e o instrumento público. A atividade notarial sempre ocorreu com imediação. A captação da vontade das partes; a elaboração, a crítica e a reedição contínua de minutas para leitura e o estudo das partes exemplificam a ocorrência da imediação.

Outrossim, o autor destaca que o contato, a imediação não implica, nos dias de hoje, a presença física. As partes e os notários podem se relacionar por telefone, correio eletrônico e, até mesmo, por um sítio na internet que possibilite o fluxo de informações. Comenta ainda que:

a imediação pode ocorrer também através dos prepostos, nos limites de sua autorização, como previsto na Lei 8.935/1994 (art.20). Não é essencial ao princípio que o próprio notário tenha contato com a parte, sendo bastante o atendimento dos prepostos que operam como uma longa manus do tabelião.

Por derradeiro, evidencia-se ser o princípio da relação de proximidade entre as diferentes partes que intervêem na função notarial. É o agir com relação às partes e o negócio jurídico a ser formalizado.

4.2.4 Princípio da Rogação ou Instância

Fazendo uma análise dos estudiosos do direito, no que tange ao princípio da rogação ou instância, o tabelião necessita de provocação – pedido para poder atuar – atuação esta que normalmente se dá de forma tácita e verbal, sendo permitido nos casos em que se exige cautela o pedido formal com rogação subscrita.

Esse princípio consiste na liberdade de ação do interessado no registro, que não é obrigado a solicitá-lo; tampouco o cartório, salvo raras exceções, tem o direito de promovê-lo por conta própria. No Brasil esse princípio perdeu parcialmente sua substância, salvo no tocante às averbações, porque a lei admitiu que o apresentante do título fosse "qualquer pessoa".

Assim, para Balbino Filho (2001):

a solicitação de qualquer ato registral/notarial é simples, independe de forma especial e pode ser expressa ou tácita. É expressa quando o requerente manifesta claramente ao registrador/tabelião sua vontade de obter o lançamento. A pretensão é tácita quando o registrador/tabelião, por experiência própria, detecta a vontade do interessado. Como regra geral entende-se que o mero fato de apresentar documentos à Serventia constitui uma solicitação para a prática dos atos registrais/notariais inerentes a todo o seu conteúdo.

Nessa linha, segue os ensinamentos de Ferreira (2007, p.38), o qual assevera que o tabelião não atua de ofício; a prestação do serviço notarial depende sempre de uma rogação, de um pedido. A rogação pode ser, e é, tradicionalmente, tácita e verbal. Alguns casos merecem cautela e o tabelião deve pensar em solicitar um pedido formal, uma rogação assinada. Afirma ainda, o autor:

conveniente é a apresentação de pedido, assinado por uma das partes, em caso de atas notariais. Ocorre que ata, uma vez solicitada e feita, prevalece, permanece válida, mesmo que o solicitante se recuse a assiná-la. Neste caso, o tabelião deve completá-la com a declaração de recusa e motivo (se for indicado pela parte) e assiná-la.

Ainda no que concerne à Lei 11.441/2007, o autor alerta para a conveniência da rogação escrita para os atos de inventário e partilha, separação e divórcio.

Assim, a rogação pode ser um ato complexo, quando as partes comparecem para aconselhamento e postulações que podem não se conformar com a lei. O tabelião e as partes vão se aproximando – princípio da imediação – até o momento em que há convicção da vontade de formalizar o ato ou negócio jurídico.

4.2.5 Princípio do Consentimento

Primeiramente, buscandoentendimento no ramo da psicologia social, Maijerink, apud Endenburg (1998) explica que o consentimento rege a tomada de decisão. Para ele, consentimento não significa o mesmo que "consenso". Consenso é a expressa concordância, é quando a decisão confere com o que eu quero. Consentimento significa que eu posso consentir, que não tenho objeção contra a proposta, embora a minha decisão pudesse ser outra.

Da explanação supracitada, decorre o "princípio do consentimento", o que se busca definir a seguir:

Engelhardt (1998, p.17) propôs uma alteração da sua definição do princípio da autonomia, escrita em 1986, para uma nova forma denominada de Princípio do Consentimento, na sua segunda edição (1996):

[...]rebatizei o "princípio da autonomia" como o "princípio do consentimento" para indicar melhor que o que está em jogo não é algum valor possuído pela autonomia ou pela liberdade, mas o reconhecimento de que a autoridade moral secular deriva do consentimento dos envolvidos em um empreendimento comum. O princípio do consentimento coloca em destaque a circunstância de que, quando Deus não é ouvido por todos do mesmo modo (ou não é de maneira alguma ouvido por ninguém), e quando nem todos pertencem a uma comunidade perfeitamente integrada e definida, e desde que a razão não descubra uma moralidade canônica concreta, então a autorização ou autoridade moral secularmente justificável não vem de Deus, nem da visão moral de uma comunidade particular, nem da razão, mas do consentimento dos indivíduos. Nessa surdez a Deus e no fracasso da razão os estranhos morais encontram-se como indivíduos.

Nesse sentido, Ferreira (2007, p.39) leciona que: "não se admite ato notarial sem consentimento, salvo a exceção feita à ata notarial". Assim, mesmo que o ato tenha se materializado com a assinatura do tabelião, necessária se faz a concordância e assinatura das partes na parte abaixo do ato notarial lavrado, confirmando assim a conformidade com a outorga notarial.

O autor frisa que o princípio do consentimento não diz respeito ao requisito essencial do contrato, mas à faculdade de concordar com a outorga do ato notarial, ressaltando que:

parece excesso lembrar, mas é indispensável que o consentimento seja livre dos defeitos do negócio jurídico, especialmente de coação. É de se presumir que, se a atuação notarial for competente, não haverá hipótese de erro ou ignorância, dolo, lesão, ou manifesto estado de perigo.

Aliás, para título de exemplificação, pelo art. 32 da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, têm-se que: "Art. 32 O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário ou partilha se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade de algum dos herdeiros, fundamentando a recusa por escrito".

Ademais, extrai-se do estudo da doutrina do autor em voga que a assinatura implica consentimento para o ato e o que nele se contém, na sua totalidade, sem exceção ou condições. A leitura integral do ato, o questionamento às partes sobre sua compreensão e eventuais dúvidas, a cautela de esclarecê-las, mesmo que tímidas ou banais, resguardam o ato notarial de ataques posteriores consente com dúvidas ou má compreensão do ato.

4.2.6 Princípio da Unicidade do Ato

Questão mais controvertida, porém não menos importante, é o princípio da unicidade do ato notarial. Por ele, ato deve conter uma unicidade de contexto, tempo e lugar. Fazendo uma análise dos doutrinadores do direito notarial sobre o assunto em tela, verifica-se que na sua quase totalidade, defendem o princípio da unicidade do ato como princípio instrumental e não formal.

Segundo Rezende (1997, p.115), neste caso, não se trata de unicidade como princípio formal, mas sim, como princípio instrumental:

o documento notarial a ser elaborado não poderá sofrer interrupções, tampouco mostrar-se descontínuo. Estaria mais precisamente posicionado se fosse entendido como o princípio da unidade instrumental, já que unicidade do ato é entendida como sendo a elaboração, leitura, assinaturas e encerramento, portanto, atos seguidos ou sucessivos.

Como se nota, o princípio da unicidade do ato é instrumental, que após sua elaboração, leitura e assinatura por qualquer dos interessados, não poderá mais ser alterado sob alegação de qualquer outro interessado. Não deverá ser alvo, nem mesmo com o consentimento do outro – obviamente verbal – de modificações.

Vasconcelos e Cruz (2000, p.110) esclarecem que esse princípio, como imaginam muitos juristas, "não trata da unidade como princípio formal, mas sim como princípio instrumental. O documento notarial deve ser elaborado, sem interrupção". Para os autores, esse princípio estaria mais preciso se o fosse declarado como "princípio da unidade instrumental, pois como princípio da unicidade do ato, entende-se como a sua elaboração, leitura, assinaturas e encerramento, sem solução de continuidade". Assim:

nos negócios jurídicos formais do direito romano clássico era necessário que toda a cerimônia se celebrasse sem solução de continuidade, com unidade de tempo e lugar, em um só ato, sob pena de nulidade. Esse, sim, é o princípio da unidade do ato. A aplicação desse princípio encontra-se elencada no ordenamento positivo vigente, como, por exemplo, na elaboração dos testamentos.

Analisando por outro prisma, Ferreira (2007, p.40) acredita que a "realidade cotidiana da atividade notarial demonstra justamente o oposto da unidade do ato, ao menos quanto ao tempo":

a audiência é um primeiro contato, de aconselhamento, de esclarecimento de dúvidas e de conhecimento da lei e dos feitos que decorrerão do ato ou negócio jurídico. A ela se segue um ritual de confirmação que, para muitos, pode se prolongar por dias, não raro, meses.

Para Follmer (2004, p.101), o princípio da unicidade do ato indica que o "instrumento público realizado pelo tabelião deve ser lavrado num único ato. É característico do ato notarial ser realizado num mesmo momento, pois não se admitem interrupções". Porém, a autora explica que:

o testamento público, disposto nos arts. 1.864 e ss. do NCC , não foge à regra da unicidade do ato, pois, mesmo na hipótese de o notário deslocar-se ao local onde se encontra o testador, por exemplo, no hospital, quando for iniciada a lavratura do aludido testamento, ele não poderá ser interrompido. É óbvio que, se o testador tiver alguma crise de saúde aguda, o tabelião permitirá que o médico atenda o mesmo, suspendendo provisoriamente a sua feitura – desde que as testemunhas possam assistir a todo o procedimento médico. Tal prática é utilizada para evitar qualquer tipo de nulidade posterior. Tão logo o testador melhore – minutos após o atendimento médico – prossegue-se o testamento, para evitar a violação ao princípio da unicidade do ato.

Ainda no que se refere ao princípio da unicidade do ato, a autora lembra que os "instrumentos públicos são lavrados num texto contínuo, sem parágrafos e espaços, justamente para evitar qualquer tipo de fraude ou violação".

Portanto, depois de elaborado, lido e assinado, o documento público não poderá ser alterado. Tal prática garante às partes a segurança jurídica quanto aos atos praticados.

4.2.7 Princípio da Matricidade ou Conservação

Num primeiro momento, cabe fazer um breve comentário, somente a título de informação, da importância da conservação preventiva, que é o estudo e o controle das principais fontes de degradação, neste caso, especialmente, de livros e documentos. Constitui-se, na realidade, em uma série de medidas preventivas contra a ação dessas fontes de degradação, com a finalidade de evitar o alastramento e a disseminação de seus efeitos danosos. Em linhas gerais, os principais agentes de destruição de acervos podem ser divididos em três categorias: fatores internos de degradação; fatores externos ou ambientais de degradação; ação do homem sobre o acervo.

Porém, este não é o foco de estudo deste subitem, ao que passamos ao princípio da matricidade ou conservação propriamente dita.

Segundo Rezende (1997, p.74), o notário deve manter absolutamente bem conservados e em ordem todos os livros, papéis, folhas, material de microfilmagem, maquinário, computadores e demais documentos pertencentes à Serventia que lhe foram confiados, constituindo-se, conseqüentemente, num sistema estável e permanente em virtude de perdas, extravios e deteriorizações.

Ainda, comungando do entendimento de vários doutrinadores, ressalta-se que o princípio da conservação é de muita importância para o caso do testamento cerrado, por exemplo, visto que o testamento cerrado fica avulso na serventia notarial, ensejando assim fácil perda ou deterioração. O notário deve conservar todos os documentos, livros e papéis que lhe forem confiados. A defesa exercida pelo titular de Notas deve ser interpretada como defesa do próprio Estado, visto que a segurança do negócio jurídico testamento, imposta pelo Estado está nas mãos do notário.

Para Ferreira (2007, p.42), o princípio da matricidade indica que:

todo o ato notarial é conservado nos livros, nos protocolos notariais. Ressalta que no Brasil, constituem exceção a esta regra o auto de aprovação de testamento cerrado, as atas notariais extra-protocolares e os atos de autenticação de cópias e reconhecimento de firma.

O autor explica que o arquivamento incumbe ao tabelião, que poderá utilizar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico, ou qualquer outro meio de reprodução, buscando processos que facilitem as buscas. Nesse sentido, reza a Lei 8.935/1994, arts. 41 e 42:

Art. 41.Incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução. Art. 42.

Art. 42. Os papéis referentes aos serviços dos notários e dos oficiais de registro serão arquivados mediante utilização de processos que facilitem as buscas.

Art. 43.

Ainda, o referido autor preleciona que os livros de papel que forem armazenados em outra mídia poderão ser levados ao arquivo público, ficando o tabelião responsável pela guarda, conservação, autenticidade e integridade do banco de dados eletrônico.

Sobre o assunto, Vasconcelos e Cruz (2000, p.110) esclarecem que o "notário não é dono dos livros e papéis, os quais estejam sob sua guarda, mas apenas depositários. Esses livros e papéis são do Estado":

o Estado, no ato de delegação, atribui ao notário o dever de conservar tudo aquilo que lhe é confiado como de documento. Assim, deve o notário conservá-los, como se fosse o próprio Estado, sob pena de responsabilidade. A conservação deverá ser feita de forma que impeça a sua destruição.

Por fim, conclui-se que a defesa exercida pelo notário, quanto aos documentos por ele conservados, deve ser interpretada como defesa do próprio Estado, pois a segurança dos negócios jurídicos imposta pelo Estado está em suas mãos.

4.2.8 Princípio da Legalidade

No tocante ao princípio da legalidade,o tabelião não pode descumprir os preceitos legais, ou seja, o que na lei está ditado fazer. Todas as formalidades contidas no Código Civil, o tabelião de notas está obrigado a cumpri-las. O notário deve adequar a vontade das partes ao ordenamento jurídico, controlando a legalidade do negócio jurídico. O juízo da legalidade impõe ao notário o dever de examinar os requisitos legais, negando autorização quando existam, a seu juízo, defeitos ou faltas de cumprimento de requisitos legais.

Nessa linha de raciocínio, Rezende (1997, p.142) traz que o notário deve adequar a vontade das partes ao ordenamento jurídico, controlando a legitimidade do negócio. Em sua vertente negativa, o juízo da legalidade impõe dever de examinar todos os requisitos legais nos atos que venha a intervir, negando autorização quando existam motivos justos, denunciando defeitos ou falta de cumprimento relacionada aos elementos jurídicos, tudo sob apurado critério técnico e legal.

O princípio da legalidade, segundo Mello (1997, p.58) é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo:

[...]. É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.

Meirelles (1997, p. 82) ao abordar o tema lembra que:

A eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei. [...] As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe.

Comenta ainda que os notários e registradores no exercício da função pública devem se submeter ao princípio da legalidade, só podendo praticar os atos de seu ofício permitidos por lei. Mesmo sendo a função pública exercida em caráter privado, este não tem o condão de submeter a atividade ao princípio da autonomia da vontade, que prevalece nas relações privadas. Sendo a função pública delegada pelo Estado ao particular, devem prevalecer os princípios norteadores da Administração Pública.

Nessa linha, Lima (2003, p.23) evidencia que:

No que diz respeito a notários e registradores, o art. 3° da Lei 8.935/94 os qualifica como profissionais do direito. Logo, têm o dever de conhecer os princípios e normas atinentes aos seus ofícios. As suas competências são taxativamente definidas em lei (art. 6°/13). Outrossim, o art. 31, I, considera infração sujeita a sanção disciplinar, a inobservância das prescrições legais e normativas.

Ainda, no que se refere ao princípio da legalidade, Ferreira (2007, p.43) assevera que "o controle da legalidade feito pelo notário produz o efeito de assegurar, jurídica e economicamente, a integridade dos direitos à sociedade".

O princípio da legalidade tem, portanto, uma função econômica tão importante quanto a profilaxia legal que visa à segurança jurídica. A Atividade notarial previne litígios e, desta forma, assegura os investimentos.

Ademais, conclui o autor que o tabelião tem o dever de informar às partes sobre as leis incidentes nos atos ou negócios que realizam. "É conveniente lançar no ato a indicação da lei quando as partes queiram ressaltá-la".

Desta mesma forma, quanto aos atos da lei 11.441/2007, o tabelião poderá aceitar disposições que contenham declarações sobre situações de fato, como um abandono, infidelidade, guarda de crianças (menores, em tempo anterior à lavratura da escritura) etc., dispondo sobre o acordo de vontades que leva ao consenso formalizado pela escritura pública.

Follmer (2004, p.91) classifica a legalidade como o princípio basilar que sustenta todo o nosso ordenamento jurídico pátrio, pois, independentemente de que área do direito estejamos abordando, o princípio da legalidade deve ser respeitado:

para alcançar a legalidade dos atos notariais, o tabelião necessita, muitas vezes, atuar- além de fiscal dos requisitos legais – como um intérprete da vontade das partes, bem como, um conselheiro jurídico, que traduzirá às partes os efeitos jurídicos que tal ato poderá ocasionar.

Sem dúvida alguma, respeitar o princípio da legalidade é um dos maiores compromissos do notário, pois ele deverá atender à vontade das partes – ou da parte – desde que respeitados os preceitos legais definidos por nosso ordenamento jurídico.

4.2.9 Princípio da Comunicação ou Publicidade

Segundo preleciona Balbino Filho (2001) "a publicidade é a alma dos registros públicos. É a oportunidade que o legislador quer dar ao povo de conhecer tudo que lhe interessa a respeito de determinados atos. Deixa a par de todo o movimento de pessoas e bens".Para o autor,afunção pública é aquela atividade própria e característica do Estado, cuja organização e o cumprimento regular e contínuo interessam diretamente à coletividade.  O notário exerce uma função pública, num quadro de profissão liberal, ou seja, é ele titular independente de uma função pública.

Esse princípio não trata apenas da natureza jurídica dos serviços notariais e registrais, mas também de suas funções administrativas. Os delegados desse poder público são providos de fé pública para cumprimento de suas tarefas.O art.1º da Lei dos Notários e Registradores, Lei 8.935/94 estabelece: "art. 1° - Serviços notariais e de registro são a organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Nesse sentido, reportamo-nos à lição de Follmer (2004, p.103) que muito bem menciona a publicidade como "princípio que rege, inclusive, a atividade notarial, além da registral, pois a própria Lei n° 8.935, de 1994 menciona que os serviços notariais são destinados – entre outras funções – a garantir a publicidade". E esclarece:

[...]o instrumento público elaborado pelo notário gera efeito entre as partes, enquanto o registro deste instrumento no registro de imóveis gera efeito contra terceiros. Não obstante tal máxima do direito notarial e registral, entende-se que a atividade notarial também possui caráter de publicidade [...] ressalta-se, portanto, que o princípio da publicidade se aplica ao notário, porém de forma restritiva, uma vez que alguns atos notariais não possuem a publicidade plena desde a sua feitura, como por exemplo o testamento público.

Como visto, todo ato notarial e documento arquivado no tabelionato é público, salvo exceções. Segundo Ferreira (2007, p.45):

os atos notariais não são públicos por conta da publicidade, mas da delegação pública, do caráter público que a lei lhes atribui. Em decorrência do princípio da publicidade dos atos administrativos e da tradição histórica notarial, há a publicidade dos atos.

Porém, esta publicidade não é irrestrita. O autor assevera que a Lei 8.159/1991 prevê o sigilo de determinados atos, os quais são considerados originariamente sigilosos, dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgação possa acarretar qualquer risco à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Em decorrência disso, o acesso a dados ou informações sigilosos é restrito e condicionado à necessidade de conhecer o documento, a totalidade, ou alguns dos dados constantes dele, o que deverá ser pedido motivadamente ao juiz:

evidentemente, poderá o Poder Judiciário, em qualquer instância, inclusive administrativa, determinar a exibição reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável a defesa de direito próprio ou esclarecimento de situaçãopessoal da parte.

Assim, seguindo na mesma linha de raciocínio do autor em tela, quando o ato notarial contenha dados que violem a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ele será, originalmente, sigiloso.

Ainda, de suma importância para a manutenção da segurança jurídica das sentenças nas separações e divórcios pela via extrajudicial, tem-se oPrincípio da Notoriedade ou da Fé Pública do Tabelião e o Princípio da Segurança Jurídica, que dada a sua indispensabilidade e relevância atreladas à presença do advogado no ato da lavratura das respectivas escrituras, merecem ser analisados em tópico próprio de fechamento do presente capítulo.

4.2.10 Outros Princípios Notariais

A doutrina enumera e classifica os princípios de formas distintas. Sem maior aprofundamento, cito a existência de outros princípios da atividade notarial, que estão presentes sempre: o princípio da autoria ou responsabilidade, o da independência ou imparcialidade e o do dever de exercício, segundo a perspectiva de Ferreira (2007).

Com relação ao princípio da autoria ou responsabilidade, o notário é o autor responsável pelos documentos elaborados, conforme as informações e dados fornecidos pelas partes. Este princípio supõe uma função de colaboração técnica e jurídica para com os particulares, somada à obrigação de assessoramento e aconselhamento quanto aos meios mais adequados para que possam atingir fins líticos. A menção de ser escrita sob minuta não o exime de responsabilidade, indicando apenas que uma das partes, ou todas, ofereceu minuta que foi aceita e subscrita pelo notário.

O princípio da impessoalidade está previsto no art. 27 da Lei 8.935/1994. O tabelião não poderá praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou parentes, na linha reta ou na colateral, consangüíneos ou afins, até o terceiro grau.

O vocábulo "pessoalmente" causa confusão. Ocorre que a fé pública é delegada ao tabelião que, por sua vez, contrata e subdelega funcionários a execução das tarefas. O tabelião, ou seu substituto, deve completar o ato, ao final, com a sua assinatura.

No que tange ao princípio da independência ou imparcialidade, previsto indiretamente em nosso ordenamento através das vedações contidas no artigo 25 da Lei 8.935/1994, já comentado no princípio da impessoalidade. De fato, não se concebe tabelião a serviço de uma das partes. O tabelião, mesmo que contratado por uma das partes do negócio, está a serviço de todas, devendo orientar imparcialmente cada uma delas, alertando sobre os reflexos e efeitos do ato que pretendem realizar. Cabe ressaltar que estes elementos, em consonância com os demais, tratam do dever de assessoramento às partes e reflexão sobre a vontade, assegurando a liberdade sem dependência hierárquica na prestação de sua função.

A sua posição de imparcialidade (ou neutralidade), por eventual conflito entre as partes contratantes, deixa-o como uma espécie de terceiro totalmente estranho à relação negocial, permitindo uma segurança quanto ao equilíbrio e à garantia jurídica, pois o Notário não poderá, sob pena de responsabilidade, tomar para si o interesse de uma das partes.

Finalmente, o princípio do dever de exercício, em que o notário não pode se negar a realizar atos de sua função. A não ser que a recusa se justifique, de forma fundamentada, no caso de ferir qualquer dos princípios supra ou os princípios de Direito. Importa na obrigação de múnus, sem qualquer tipo de discriminação, exceto a decorrente e impeditiva da qualificação notarial (ato a que falte algum elemento essencial).

4.3 A Manutenção da segurança jurídica das sentenças em face da presença do tabelião e do advogado

Não há que se falar em manutenção da segurança jurídica das sentenças do Código de Processo Civil, no que tange à separação e divórcio, (inventário, partilha) consensuais pela via administrativa, sem a aplicação do Princípio da Notoriedade ou da Fé Pública do Tabelião e o Princípio da Segurança Jurídica atreladas à presença indispensável do advogado na seara extrajudicial.

Primeiramente, no que tange à conceituação, Follmer (2004, p.97) define a fé pública como "aquilo que é de conhecimento de todos como algo verdadeiro. Ela decorre da lei e consiste em considerar como verdadeiro um determinado fato".

A fé pública, ensina Azevedo (1975), atribuída aos tabeliães, "atende às exigências da ordem jurídica, de modo que os documentos notariais devem superar as suspeitas tranqüilizando o corpo social".

Para Pugliese (1989, p.70), traduzindo pensamento de Firmo Silva, a fé pública é fruto da confiança, que surge pela boa fé, pela veracidade, garantida pelo valor que é conferido ao documento, oral ou escrito, isentando de dúvida, face à presunção que surge em razão da autoridade de onde emanou, que presumidamente, admite-se ter cumprido às formalidades necessárias, para ao final atestar como dogma a declaração.

No dicionário Aurélio, vê-se dentre os significados de fé e fé pública, os seguintes: Fé: "firmeza na execução de uma promessa ou de um compromisso; crença, confiança; asseveração de algum fato; testemunho autêntico que determinados funcionários dão por escrito acerca de certos atos, e que tem força em juízo". Fé pública: "Presunção legal de autenticidade, verdade ou legitimidade de ato emanado de autoridade ou funcionário devidamente autorizado, no exercício de suas funções".

Assim, o Estado atribui constitucionalmente a determinadas pessoas o direito de representação para algumas tarefas. Entre estas estão incluídos os notários. A fé pública atribuída a estes se dá em decorrência constitucional, em cumprimento de algumas formalidades, mas restrita a garantir e certificar uma segurança jurídica nas relações sociais, buscando a paz social.

Nesse sentido, Rezende ( 1997, p.53), prelecionaque:

esse mesmo Estado, na multiplicidade e desenvolvimento de suas quase infindáveis atividades como representante do povo, atribui, nos termos da Constituição, a determinados cidadãos, o direito de representação para determinadas e específicas tarefas, os quais concorrem para a paz social, pessoas nas quais estão concentradas ações de intensa repercussão no mundo dos negócios.

O referido autor assevera que a fé pública, nesta conjuntura individualizada na figura do notário, "é uma das mais amplas já conhecidas, pois ao detentor dessa atribuição cabe-lhe a expressão da verdade, ou melhor, vige a crença popular de ser correto, autêntico em tudo aquilo que dita e escreve, salvo incontestável prova em contrário". Dessa forma, a fé pública é fundamental para a sociedade, uma vez que garante a segurança da veracidade dos atos.

Para Ferreira (2007, p.41), a fé pública, como princípio – e como efeito do ato notarial –, ou princípio da notoriedade, "implica em reconhecer que os fatos que o tabelião presencia e também os que não presencia, mas pela cognição indireta decide declarar no ato notarial como verdadeiros, têm a presunção de veracidade".

       Dessa afirmativa, ressalta o autor que a "notoriedade advém da convicção do notário sobre determinado fato ou situação jurídica. Decorre de um juízo de ciência ou valor que faz e assume como verdade para o ato que redige". Assim, "independente dos meios utilizados para chegar e esta convicção, é um juízo de responsabilidade exclusivo do notário que cria uma presunção de verdade suscetível de impugnação judicial".

Ainda segundo o autor, tal é o teor das conclusões 9 e 10 da Declaração de Princípios do Sistema de Notariado Latino, aprovadas pelo Conselho Permanente da União Internacional do Notariado – UINL, entidade que congrega os notários do mundo todo, em março de 1986, em Haia, Holanda: 

9. os documentos notariais gozam da uma dupla presunção: de legalidade e exatidão.

A presunção de legalidade implica em que o ato ou negócio jurídico que o documento formaliza reúne as condições requeridas para sua validade e, em particular, que o consentimento em presença do notário. A presunção de exatidão significa que os fatos que o documento relata que tenham ocorrido em presença do notário ou que ele conheça por notariedade, são reputados verdadeiros. 

10. as presunções de legalidade e de exatidão às quais se refere o artigo procedente não poderão ser contestadas senão por via judicial. 

O princípio da notariedade está expresso nos arts. 334 e 364 do Código de Processo Civil[2]. Portanto, não dependem de prova os fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade, lançados na escritura pública sobre fé pública e responsabilidade do notário. Ademais, o documento público faz prova dos fatos que o tabelião declarar que ocorrem em sua presença. Assim, para Ferreira (1997, p.42):

a fé do notário a propósito das declarações recebidas é absoluta quanto à existência delas relativa quanto ao conteúdo. De todo modo, qualquer contestação à existência ou ao conteúdo das declarações somente pode ser feita na via judicial por parte com legitimação ativa.

Ainda no que concerne à fé pública, Follmer (2004, p.97) destaca que os instrumentos notariais possuem presunção de veracidade até que se prove o contrário, ou seja, tais documentos possuem a presunção juris tantum:

um instrumento público é um documento aberto, redigido publicamente, portanto podemos afirmar que o caráter público não está somente a serviço das provas, mas sim objetiva, acima de tudo, a busca da verdade.

Nesse sentido, evidencia a autora:

para o tabelião dotar um instrumento de fé pública, compete-lhe verificar a presença de determinados requisitos legais, presentes no nosso ordenamento jurídico, pois o Estado atribui ao notário a fé pública, mas, para que este possa declará-la, faz-se necessária a observância dos requisitos legais exigidos para cada documento, bem como a lisura na atuação do notário, calcada na imparcialidade, independência, etc., características estas que sustentam a função notarial e que ora estão sendo analisadas nos presentes princípios que regem tal profissão.

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Sobre o assunto, Vasconcelos e Cruz (2000, p.3) prelecionam que os notários são "instrumentos a serviço da justiça, pois sua atuação, necessariamente equilibrada e institucionalizada, pode ser ao mesmo tempo uma ação equilibradora, permitindo composição de interesses contrapostos eventualmente em conflito extrajudicial".

Por fim, o fundamento da existência da fé pública encontra-se na vida social, que requer estabilidade em suas relações, para que venham alcançar a evidência e permanência legal.

Outrossim, dentre os princípios garantidores do Estado Democrático de Direito que necessariamente informam a conduta estatal, o princípio da segurança jurídica ocupa lugar destacado como consectário da dignidade da pessoa humana e da secular necessidade de estabilidade nas relações sociais.

A importância do princípio da segurança jurídica, antes que passemos a conceituá-lo, remonta aos primórdios da elaboração da idéia do Estado Democrático de Direito e, neste pensar, assinala Canotilho (1991, p.384) se constituiria tal princípio em uma das vigas mestras da ordem jurídica.

Segundo Couto e Silva, um "dos temas mais fascinantes do Direito Público neste século é o crescimento da importância da segurança jurídica", que se liga visceralmente à moderna exigência de maior estabilidade das situações jurídicas, aí incluídas aquelas, ainda que na origem, apresentem vícios de ilegalidade. Para o autor, "a segurança jurídica é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito".

Nicolau Junior (2005), assim postula:

As pedras fundamentais em que se assenta toda a organização política do Estado Democrático de Direito são a dignidade humana e o respeito aos direitos individuais e sociais dos cidadãos, conforme destacado no preâmbulo e no artigo primeiro de nossa Carta Magna.

Para o autor, a segurança jurídica, espécie do gênero direito fundamental, ocupa lugar de destaque no ordenamento jurídico atual, tanto que o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito são postulados máximos de cumprimento inclusive pela legislação infra-constitucional.

Conforme nos ensina Barroso (2002, p.49), a segurança encerra valores e bens jurídicos que não se esgotam na mera preservação da integridade física do Estado e das pessoas: açambarca em seu conteúdo conceitos fundamentais para a vida civilizada, como a continuidade das normas jurídicas, a estabilidade das situações constituídas e a certeza jurídica que se estabelece sobre situações anteriormente controvertidas.

E, no dizer de Nassar (2004, p.18), "em nome da segurança jurídica, consolidaram-se institutos desenvolvidos historicamente, com destaque para a preservação dos direitos adquiridos e da coisa julgada". Agregando-se a esse conceito vem a força imperiosa da acomodação fática por via da consolidação dos direitos exercidos e não disputados que se origina no instituto da prescrição, vale dizer, a estabilização das situações jurídicas potencialmente litigiosas por força do decurso do tempo.

A segurança não é apenas a proteção da vida, da incolumidade física ou do patrimônio, mas também e principalmente a segurança jurídica. Eis que, no dizer do culto magistrado Nicolau Junior (2005, p.21), "a segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes".

Por fim, com base no que foi exposto, evidencia-se que quanto à segurança jurídica, é preciso observar que o Tabelião, assim como o Juiz no processo judicial, deve zelar pela correta aplicação da lei. Por essa razão, pode se negar a lavrar a escritura pública, conforme art. 32 da Resolução nº 35/2007[3] do CNJ.

A presença obrigatória do advogado (profissional liberal) ou do defensor público (agente político do estado) assistindo às partes – conforme já tratado em tópico próprio – também é essencial à administração da Justiça, nos termos do art. 133 e 134 da CF[4].

Como visto, além da segurança jurídica auferida ao casal, a obrigatoriedade da assistência prestada pelo advogado ou pelo defensor público garante a manutenção dos princípios gerais de direito no tocante ao equilíbrio, proporcionalidade e isonomia no resguardo dos direitos dos cônjuges, bem como refletirá o exercício máximo de seus direitos garantidos constitucionalmente pela Constituição Federal.

Por todas essas considerações, a realização de separação e divórcio na forma extrajudicial é uma alternativa que deve considerada, valorizada e implementada, sempre que possível.




[1] Imediação: O fato de estar imediato; vizinhança, proximidade, contigüidade.

[2]Art. 334 do CPC - Não dependem de prova os fatos:

I - notórios;

II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III - admitidos, no processo, como incontroversos;

IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade

Art. 364 do CPC - O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.

[3] Art. 32 da Resolução nº 35/2007 do CNJ: "O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário ou partilha se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade de algum dos herdeiros, fundamentando a recusa por escrito". Nesse sentido, doutrinadores sobre o tema, analisando as conclusões do Grupo de Estudos instituídos pela Portaria CG nº 01/2007, afirmam que a negativa do tabelião em lavrar a escritura cabe também nos casos de separação e divórcio pela via administrativa.

[4]Art. 133 da CF/88 – "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".Art. 134da CF/88- A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.




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