Princípios de Deontologia Profissional – Uma Disciplina do Curso De Licenciatura em Educação de Infância na Escola Superior de Educação de Setúbal

 

Ana Bela Baptista da Silva

Professora adjunta de nomeação definitiva

Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal

 

Dezembro 2009

 

 

Se a pedagogia é relação, uma rede de compromissos e obrigações determinada pela nossa responsabilidade face ao Outro, então toda a relação pedagógica é uma relação ética” Vasconcelos , 2003: 4

 

O Curso de Licenciatura em Educação de Infância na Escola Superior de Educação de Setúbal integra no seu plano de estudos, no 4º a disciplina Semestral “Princípios de Deontologia Profissional”, unidade curricular cuja docência, me tem sido atribuída, desde o ano de 1998.

 

Porque sempre entendi que ser educador de infância, exige um ideal de serviço e um saber específico Silva, Ana Bela, 1998: 38 que permitem identificar este grupo profissional face a outras profissões e por pensar que era muito importante para os estudantes da Licenciatura em Educação de Infância terem uma disciplina que promovesse a reflexão sobre responsabilidades sociais e deontológicas de ser profissional de educação de infância, elaborei e apresentei na altura, o programa que apesar de ter tido adaptações, se encontra no essencial inalterado, até á presente data.

 

Assim, reflectir sobre as implicações de ser educador de infância em Portugal determinou que me debruçasse sobre problemas morais, partindo de dúvidas e dificuldades que se colocaram aos meus estudantes durante a prática profissional.

Alguns destes problemas não tinham sido identificados como dilemas éticos pelos educadores cooperantes, contudo os estudantes seleccionavam-nos como temas de estudo, identificando-os como “situações reais não resolvidas” e que eram dignas de poder vir a ser objecto de um trabalho mais aprofundado.

Logo em 1997-98, quando elaboramos o plano curricular do novo curso de Licenciatura em Educação de Infância (que termina durante o ano lectivo de 2009-2010, após o funcionamento dos cursos de Licenciatura em Educação Básica, segundo o modelo de Bolonha), apostámos na pertinência desta disciplina, no 4º ano deste curso.

Ou seja, foi nosso propósito dar oportunidade aos estudantes finalistas de efectuarem avaliações eticamente sustentadas, sobre o saber agir e ser, em diversos contextos educativos, tais como creches, amas, jardins de infância, serviços de pediatria hospitalar, bibliotecas, ludotecas e actividades de tempos livres. 

Espaços educativos muito diversos onde os nossos estudantes, sempre acompanhados por educadores de infância cooperantes, se deparavam com invariantes identitários da profissão “ o ponto chave da socialização profissional , deve proporcionar ao professor / educador não só a informação , os métodos e as técnicas científicas e pedagógicas de base mas, também a formação pessoal e social, apoiada numa sólida cultura geral, adequadas ao exercício da profissão” Silva. Ana Bela, 1998: 80

 

Se era certo que a disciplina de Prática Pedagógica e Seminário de Acompanhamento tinha permitido aos estudantes, durante os três primeiros anos do curso, viverem e reflectirem sobre situações pedagógicas, e se o 4º ano seria um novo ano de estágio e de projecto, sabia também, que as questões de natureza ética, necessitavam ser amadurecidas pela distância e por novas experiências, entretanto vivenciadas

Ou seja, apesar das reflexões feitas nas disciplinas de Prática Pedagógica e Seminário de Acompanhamento, a disciplina de Princípios de Deontologia Profissional tinha toda a pertinência para a formação inicial das estudantes finalistas na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal. “A Formação e a reflexão ética deveriam constituir um eixo fulcral da formação profissional de professores e educadores … uma vez que são justamente os saberes, saberes – fazer e atitude necessários ao exercício profissional que (…) legitimam o monopólio do exercício profissionalMaria Teresa Estrela, CEI nº , 1999 : 27,28.

 

Em Resumo:

 

Ao elaborar o programa da disciplina “ Princípios de Deontologia Profissional” pretendi incentivar os estudantes a :

 

 

 

Repensar os princípios norteadores e responsabilidades deontológicas dos educadores de infância na defesa dos Direitos da Crianças

Aprender sobre dimensões éticas e deontológicas enquanto estudantes de formação inicial de Licenciatura em  Educação  de Infância e futuros profissionais -  “ Educador de Infância”

Reflectir sobre vantagens e dificuldades da existência de um código deontológico nesta profissão

Reflectir sobre as implicações de ser profissional de educação, a partir do debate de dilemas fictícios e reais que confrontam os educadores com as crianças, os colegas, outros profissionais, direcções, famílias, e a comunidade.

 

Silva, Ana Bela,  Programa da Disciplina  2009-2010

 

Para alcançar os nossos objectivos considerando as horas atribuídas à disciplina, identifiquei os seguintes conteúdos programáticos:

 

1- Docência e Formação – dimensões do saber, da ética, da moral e da deontologia pedagógica no exercício da profissão;

 

2- Profissão, profissionalismo, profissionalidade: questões relativas à coesão, à identificação, identidade, e ao reconhecimento social e político dos docentes, dos formadores, e dos educadores;

 

3 – Deontologia pedagógica, responsabilidade moral e social, do profissional docente: princípio de duplo efeito.

 

4- Dilemas éticos e dilemas morais: papel da inquietude e da reflexão na profissão

 

Os educadores confrontam-se diariamente com situações, problemas e dilemas que, pela sua singularidade, reclamam respostas sustentadas em competências relacionais e decisionais de elevada preparação técnica, científica mas também ética - Silva , Ana Bela, 2005:27

 

 

 

 

 

 A Metodologia utilizada nestas aulas foi a seguinte:

 

Apresentações teóricas;

 

Grupos de discussão;

 

Apresentações em grande grupo;

 

Condução dos debates sobre dilemas morais: O Método de Interrogação;

 

Elaboração de um trabalho final sobre um ou dois dilemas reais, ou fictícios e ou sobre temáticas consideradas relevantes na profissão do educador de infância, nomeadamente a  construção do raciocínio sócio moram da criança – papel do educador de infância.

 

 

 

Os trabalhos efectuados pelos estudantes são hoje objecto de estudo, que se encontra ainda numa fase inicial, uma vez que ainda não foram recolhidos os últimos trabalhos do último ano do curso, ainda em funcionamento.

 

 

 

 


 

Posso de momento mencionar que, no âmbito da formação inicial  foram desenvolvidos cerca de 250 trabalhos , implicando 283 estudantes (alguns trabalhos foram efectuados em grupo)

 

agrupados em três  grandes categorias

 

1-     Casos reais 90%

2-     Casos fictícios 2%

3-     Outros 8%

 

 

 

 

 

 

As temáticas estudadas pelos estudantes , face aos dilemas em análise no que respeita a categoria “casos reais “ foram a seguintes :

 

 

Educador -> Auxiliar de sala – auxiliares 49%

 

Comportamentos dos adultos durante as horas não lectivas - nos refeitórios (obrigar a comer , apressar as crianças), sestas , higiene . Desrespeito pelas crianças (falar mal das famílias)

 A importância de valores humanos como a partilha, a relação e a capacidade de escuta, fazem do diálogo um fim em si mesmo e não apenas um meio para atingir um fim” Isabel Baptista,  2002 : 6-  Frase que integra alguns dos trabalhos dos estudantes

 

 

 

Educador -> crianças -

 

Castigos , Discriminação (étnica, social, género) Direitos das Crianças 

 

“Não se pode esperar que os educadores / professores das crianças estejam familiarizados com todas as normas e valores e expectativas de cada um dos grupos culturais representados pelos alunos (…) mas a consciência de que existem variações pode ajudar o professor a interpretar correctamente , sentimentos e necessidades das crianças”  KATZ; Mc Clean,  2005 : 20 -  Frase que integra alguns dos trabalhos dos estudantes

 

 

 

Educador -> Famílias - 

 

Maus tratos e Negligencia, Incumprimento de Horários, Ausências, Litígios.

 

“A complementaridade escola família é muito importante para o bem - estar da criança”. O Educador é eticamente responsável por promover este relacionamento…” Diversos - Frase que integra alguns dos trabalhos dos estudantes

 

 

 

 

 

 

 

Educadores -> direcções

Estatuto, funções, horários, outras exigências.

 

 

 

 

Outras  situações

 

A morte, como falar da morte de um amigo, colega, familiar (abordagem religiosa, científica)

As religiões

Diferentes hábitos culturais

Problemas graves de higiene (piolhos, maus cheiros)

Comunicar com crianças surdas (Gestualizar,  Oralizar (respeitar certos médicos) ou o que consideram ser  do interesse das crianças.

 

“Ser pessoa e ser profissional , um excelente educador não é um ser humano perfeito , mas alguém que tem serenidade para se esvaziar e sensibilidade para aprender”

 Cury, 2006: 17-  Frase que integra alguns dos trabalhos dos estudantes

 

 

Pela selecção já efectuada posso concluir que :

 

A temática do trabalho de equipa foi a mais estudada pelos estudantes.

Esta opção poderá estar relacionada com o facto de que a maioria dos estudantes da nossa Escola fazem estágios no distrito de Setúbal em instituições particulares de solidariedade social, estabelecimentos onde, muitas vezes, o estatuto e funções dos educadores de infância e dos auxiliares de acção educativa parecem confundir-se.

Ou seja, se para as crianças todos os adultos são educadores, na verdade as responsabilidades de ambos os profissionais são diferentes e complementares. E os estudantes relembram com frequência que “ o educador de infância é o profissional do saber e da relação pedagógica, afectiva, social e moral, com responsabilidades únicas no campo da educação e do desenvolvimento harmonioso e global das crianças”- Frase que integra alguns dos trabalhos dos estudantes

 

Sendo os Educador de Infância, os profissionais da educação, têm um papel específico e uma identidade própria que permite que se estabeleçam fronteiras com outros profissionais tais como os assistentes sociais, os psicólogos, os animadores sócio - culturais, os auxiliares e até mesmo os professores. Mas mais do que o estabelecimento de fronteiras, é fundamental a complementaridade alcançada num eficaz trabalho em equipa com todos estes profissionais, e sempre em parceria com as famílias das crianças.

Deste modo, o educador consciente e eticamente formado, nunca esquece que quando está em causa o interesse da criança terá de se formar e  formar “ Colocar a formação como exigência ética implica assumir o princípio da educabilidade, também ao nível do desenvolvimento profissional” Baptista, Isabel, 2005:113 e informar, nunca se alienar do imperativo ético de se envolver sempre que necessário, na defesa dos direitos não apenas das “suas” crianças, mas de TODAS AS CRIANÇAS.

 

 

 

 

Bibliografia

 

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http://www.apbioética.org/fotos/gca/11537417322pt.pdf Arquivo capturado em 12/11/08

 

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