UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR DOM BOSCO

CURSO DE DIREITO 

FELIPE REZENDE ARAGÃO

LUANDIA GOMES DE CARVALHO 

TEORIA GERAL DO PROCESSO

São Luís

2010

FELIPE REZENDE ARAGÃO

LUANDIA GOMES DE CARVALHO 

PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS

Trabalho apresentado para obtenção de nota de Teoria Geral do Processo ministrada pela professora Gabriela Heckler. 

São Luís

2010

 

Entenda o caso:

José, 14 anos, pobre, pai desconhecido e filho de uma lavadeira que passou a se prostituir após perder o emprego em uma casa de família. Desde os 6 (seis) anos de idade, José e seus irmãos, acostumaram-se com a rotina de ter de ficar aguardando do lado de fora do barraco onde moravam,  enquanto sua mãe utilizava o “lar” da família para realizar seus programas sexuais.  Por diversas vezes, José, ficava nos sinais de trânsito limpando pára-brisas de carros em troca de algum “tostão”. Foi na rua que 'pegou o gosto” pelas drogas. Com 8 (oito) anos, saiu de casa e passou a viver nas ruas, dormia perto de uma banca de revistas com outros moradores de rua. Certa noite, quando já estava com 10 (dez) anos de idade, apanhou tanto de seus colegas que foi dormir em cima da banca de revistas. Um grupo de PM´s, contratados por comerciantes locais para “limpar” os pobres daquela região, chegou atirando e matou todos os meninos que ali estavam. José, como estava em cima da banca de revistas, sobreviveu ileso. A partir desse momento, sem entender porque sempre fora violentado pela vida e sem conseguir enxergar um meio honesto para se manter, passou a cometer crimes.

Com 14 (quatorze) anos de idade, José assaltou a residência de um rico e famoso político, localizada no bairro do Calhau, São Luís -MA. No assalto, atirou na mulher do político, deixando-a tetraplégica, e matou a filha do político, tendo em vista que ambas reagiram ao assalto.

 

1º Há efetividade do Estado no cumprimento de sua função ordenadora? Em situações como a de José, como o Estado, através das normas, cumpre ou busca cumprir essa função?   

     Não. O estado tem como função primordial de ordenar as relações políticas, jurídicas e sociais a fim de promover a realização dos valores humanos, a realização de tais valores se concretiza quando o Estado efetiva as normas descritas na Constituição Federal, tais quais previstas da Ordem Social como da seção I da Educação.

     Art.205 “A educação direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

     O Estado como um ente ordenador não cumpriu a sua função com José de apenas 14 anos, porque José não teve uma oportunidade de usufruir de seus direitos garantidos pela Constituição,José fora deixado a margem da sociedade abraçado pela desigualdade social.Como José poderia exercer sua cidadania, se este não tinha conhecimentos de seus direitos e deveres?

     Para que um cidadão possa gozar de seus direitos , é necessário que ele tenha uma educação de base, algo que José nunca teve, e por não possuir ingressou  na ilegalidade,ou seja o Estado deixou lacunas na efetividade de sua ordem nos três elementos:social;promover ações sociais de modo a inserir José na sociedade para que ele possa exercer sua cidadania, político;promover ação de execução das normas previstas na Constituição, tal como a promoção da educação de qualidade gratuito, e jurídico; neste caso caberia ao Estado intervir juridicamente para punir José pelo crime cometido.

     Foi a partir desse elemento jurídico que o Estado passou a interferir na vida de José, porque a partir do momento em que um indíviduo passa a cometer uma conduta ilegal, o estado exerce o seu braço coercitivo e  punitivo através do Direito Penal.

     Contudo, o que torna o discurso paradoxal é por que o Estado em sua  função jurisdicional só interferiu na vida de José de modo coercitivo?

     De acordo com a criminóloga Vera Regina de Andrade a problematização está focada no déficit do conceito da dimensão de cidadania que se encontra em minimização, e por outro lado, a maximização do sistema penal como resposta à criminalidade.

     José após cometido o crime será então taxado como um indivíduo de alta periculosidade social, ou seja, uma figura construída maniqueisticamente pelo senso comum, como um indivíduo que merece ser excluído pela sociedade, por não  saber utilizar sua liberdade corretamente, visto que também o autor do processo penal é o próprio Estado representando pelo Ministério Público e as duas vítimas são parentes de um famoso político rico, podemos perceber a discrepância da desigualdade social,econômica das duas partes na relação processual. Sabemos que no Brasil, o sistema penal é banalizado pelo senso comum e estereotipado pela sociedade pela constante ideologia da efetiva punição para os ditos “marginais”, deliquentes”, para que se possa ter o controle social e a plena realização da segurança pública.Portanto como José conseguirá ganhar a causa mediante tanto maniqueismo? Será que o juiz será sabedor que José foi vítima do Estado, pela falta de ações políticas e sociais deste?

     O juiz deve também se basear na discricionariedade judicial, visto que o Direito não é composto apenas de leis e normas, mas também de principios e de questões sociais, e ainda que o juiz não é apenas um mero aplicador da lei mas um sujeito que efetivida a justiça em suas decisões.

2º Há princípios constitucionais processuais que tutelam os direitos de José?

Sim, existem princípios constitucionais processuais que tutelam os direitos de José. Sendo o Estado brasileiro um Estado Democrático de Direito, é necessário que os juízes tenham uma garantia para que se trabalhe pautado e legitimado, essa é uma das funções dos princípios.

A investigação e provocação do judiciário no processo de José são feitas pelo Ministério Público sendo o braço do Estado que puxa esse direito pra si, já que questões penais são indisponíveis, assim o Estado tem o dever de punir caso seja provado o crime cometido e a forma como fora cometido esse delito. No caso de José, não há como opinar se irá continuar ou interromper o processo penal do adolescente, mesmo que o político entenda a situação social e cultural vivida pelo mesmo, uma vez que se trata de direito indisponível, sendo que “o crime é uma lesão irreparável ao interesse coletivo e a pena é realmente reclamada, para a restauração da ordem jurídica violada”. (GRINOVER; 2008, p.66)

Uma vez constatado as investigações do Ministério Público, não há obrigatoriedade das partes em aceitar tais provas colhidas pelo órgão investigador.  Dessa forma, assim como José, o político pode se valer do devido processo legal; que traz no seu bojo, o princípio do contraditório e da ampla defesa para que seus direitos sejam pleiteados pelo órgão jurisdicional.  O interesse processual é das partes do processo, deste modo ambos podem manobrar o mesmo. Sendo esse um direito fundamental, José irá se valer dessa garantia, mesmo sendo réu no processo em que vitimou a filha e a esposa do famoso político. Assim, no decurso do processo, José ira se proteger e contestar todas as alegações feitas pela investigação ou qualquer outra prova que lhe incrimine, pois não se trata de um processo inquisitivo, mas um meio legal dialético.

Sendo José um adolescente (menor de idade), devemos preservar sua identidade. A condição financeira precária de José faz com que o Estado lhe auxilie juridicamente, já que os ditames processuais são dispendiosos, é previsto na Lei de Assistência Jurídica tal acesso:

 

Art. 2º - Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar, ou do trabalho.                                                                                                           Parágrafo único. Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

 

A justiça gratuita é um importante elemento processual para aqueles que são hipossuficientes, não é uma questão destinada somente aos “miseráveis”, mas a todos que não tem condições de sustentar seu processo no tramite judicial, logo não estamos mencionando somente de partes sem emprego ou sem patrimônio, mas partes que economicamente estão incapazes de pagar custas processuais ou honorários advocatícios. Para que se sustente em um processo em tramite judicial é necessário que se tenha uma boa reservar econômica, pois no decorrer do processo esse não da qualquer retorno as partes podendo essas passar por dificuldades.

Existem processos que são destinados à justiça gratuita, mesmo que a parte solicitante seja um rico empresário, pois o Estado Democrático de Direito concede essa prerrogativa processual, assim como toda a população, tal fenômeno ocorre, pois pode esse empresário estar com suas contas bloqueadas ou qualquer outra situação que lhe trará prejuízos quanto ao desembolso desse dinheiro para sustentar seu processo.

Esse é o primeiro passo, eliminar todas as dificuldades econômicas encontradas no processo como mostra na nossa Constituição Federal: “Art. 5º, LXXIV- O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiente de recursos.” Com essa garantia constitucional o curso do processo corre sem mais problemas para José, pois o mesmo sendo parte hipossuficiente fica isento de tais custas, o Advogado pode ser um Defensor publico concedido e também financiado pelo Estado.

     O princípio da independência, no caso de José deve ser utilizado, visto que o crime o qual cometeu fora contra um político, logo esse tem influência na esfera executiva ou legislativa. Esse princípio limita os poderes desse político assim como qualquer outra classe que queira intervir no âmbito judicial. Sendo assim, o trabalho dos juízes destina-se em aplicar leis ou fundamentar seu entendimento em estudos sociais; desvinculando assim de qualquer argumento viciado, ou qualquer outra esfera do poder estatal, que desvirtue suas decisões e não tornem tais decisões justas. Corroborando com o entendimento, o art. 2º da Carta Magna aduz que: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Ademais, faz-se necessário mencionar o principio do Juiz Natural: “É importante valer que esse caso fora de grande comoção pública. Não é por essa razão que se deve convocar ou formar um tribunal ou juízo, essas instituições jurisdicionais devem ser formadas antes do fato motivador de sua atuação, assim como seus critérios tem que estar embasados em procedimentos ou lei, já instaurado no ordenamento.” (ROCHA, 2001, p.52)

 Portanto, a partir dos fatos alegados no caso, José sacrificado por todas as questões sociais, desprovido de proteção do Estado ou mesmo instrumento que lhe desse artifícios para ter melhores condições financeiras e educativas para não cometer tais crimes, difere da família do famoso político que detinha uma estrutura financeira e social estável. Posto isto, observa-se que em questões processuais, o político terá uma vantagem em face da condição apresentada por José, que terá um defensor que por não receber custas para movimentar o processo acaba perdendo o interesse na causa.

Logo, o que se pretende é que “no processo civil as normas e medidas possam ser legitimadas a fim reequilibrar as partes e permitir que litiguem em paridade em armas, sempre que alguma causa ou circunstância exterior ao processo ponha uma delas em condições de superioridade ou de inferioridade em face da outra”. (GRINOVER, 2008, p.60)

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. 

CARVALHO, Gustavo Arthur Coelho Lobo de. Os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e os limites de intervenção do Poder Judiciário nos partidos políticos. Disponível em. < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2515> . Acesso em: 16 de Ago de 2010.

CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2008.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.