RESUMO

Na abordagem do "due process of law", o qual estabelece regras para que o Estado possa, manipulando seus órgãos, impor medidas socioeducativas ao infrator, conclui-se que é essencial um processo previsto em lei, onde o púbere possa realizar a sua defesa e o seu contraditório sob pena de inexistência do próprio processo. Desse modo, o enfoque do acesso à justiça se demonstra relevante à condução de uma melhor prestação jurisdicional, bem como o princípio do Juiz e do Promotor natural para se tutelar as garantias processuais do infrator. Além disso, nota-se a importância da simplificação e da desburocratização processual, da análise da complexidade processual e do comportamento dos litigantes, do aumento dos órgãos judiciais e, inclusive, que é indispensável o maior amparo de recursos tecnológicos e humanos para se atender a tempestividade da tutela juvenil. Outrossim, que o princípio da publicidade atinente ao ECA está em consonância com a CF/88 em face ao princípio da proteção integral. Além disso, que o princípio da dignidade da pessoa humana é de suma relevância ao jovem, uma vez que não se cuida do respeito à condição de homem, mas de adolescente como pessoa e, ainda, não se trata de ser responsável, mas sim de ser em desenvolvimento. Concernente ao princípio da igualdade dos púberes, apreende-se que se trata da isonomia material em virtude previsão constitucional especial. Ainda mais, a análise além do senso comum dos casos de comoção popular, evitando a aplicação de medidas contrarias ao Estado Democrático de Direito aos inimputáveis. Posteriormente, analisa-se que o problema inimputabidade dos jovens é menos de recrudescimento da pena do que de competência administrativa e articulação local. Notou-se que independentemente de qualquer ato infracional, o jovem usuário de drogas poderá ser submetido à a Justiça Terapêutica apesar da Lei nº 11.343 ser conflitante ao aludido tratamento. Infere-se que os adolescentes excepcionais sequer têm a percepção de seus atos infracionais, assim não podem ser submetidos às medidas socieducativas, considerando às circunstâncias e a gravidade de suas infrações. Verifica-se que o problema do jovem adulto perpassa por questões de ordem jurídicas, legislativas e executivas. Constata-se que a medida socioeducativa de advertência refere-se aos atos infracionais de pequena gravidade, no qual o infrator é advertido e compromissado para que reflita sobre as consequências de seus atos; que a medida de reparar o dano será aplicada nos casos de atos infracionais que gerem danos diretos ou indiretos ao patrimônio alheio com o desencadeamento da responsabilidade socioeconômica do jovem; que a de prestação de serviços à comunidade são aplicadas aos casos de infrações leves, na qual o infrator pode ser submetido a cumpri-la até o interregno de seis meses; que a medida de liberdade assistida é suplementar a entrega do infrator aos seus responsáveis ou a liberação de seu internato; que a semiliberdade é uma medida autônoma, na qual o jovem fica parcialmente internado sob supervisão de uma equipe multidissiplinar; e que a internação é relativa aos atos infracionais graves, sendo a mais rigorosa de todas as medidas mencionadas.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre as medidas socioeducativas em face aos princípios constitucionais e a maior idade civil.

A princípio, cuida dos princípios processuais da CFRB/88 concernentes ao devido processo legal, à isonomia, ao contraditório, ao acesso à justiça, ao juiz e ao promotor natural, à publicidade e a tempestividade da tutela, bem como aborda à guisa singela os direitos à dignidade humana e à igualdade.

Posteriormente, examina o ato infracional, apresenta casos de delinquência juvenil veiculados em jornais e em outros canais informativos no intuito de reduzir a menor idade penal, tangenciando algumas situações que geraram comoção popular.

Não se atendo somente ao exame supracitado, pois trata da lógica dos holofotes, onde somente se enfoca a conseqüência e não a causa da violência dos infantes.

Além disso, versa sobre as medidas aplicadas aos jovens infratores usuários de entorpecente, aos púberes excepcionais e, principalmente, aos infantes adultos. Como conseqüência, cuida da advertência, da obrigação de reparar o dano, da prestação de serviço comunitário, da liberdade assistida, da semiliberdade e das internações. 

 Também apresenta entendimentos dos Tribunais acerca da referida questão.

 No mais, através da coletânea informativa examinada, apresentada e pontuada no corpo deste trabalho, conclui-se acerca do eventual dano ao direito do adolescente infrator referente à maior idade civil e à aplicação da medida socioeducativa.        


2 PRINCIPIOS PROCESSUAIS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Com supedâneo nos ensinamentos de Ada Pellegrine Grinover (1998, p. 51), permite-se dizer que os princípios constitucionais são arcabouços de todas as disciplinas processuais.

De acordo com José Afonso da Silva (2006, p. 92): "princípios são ordenações que irradiam e imantam os sistemas de normas [...] são núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais".     

Esclarece o doutrinador Galdino Augusto Coelho Bordallo (2007, p. 507) que: "o título VI do Estatuto da Criança e do Adolescente, denominado Do Acesso à Justiça, cuida de toda a parte processual do Direito da Infância e da Juventude". Contudo, salienta que a melhor denominação a este título seria Do Devido Processo Legal. Na esteira deste raciocínio:

Ao assegurar as crianças e adolescentes o respeito aos seus direitos como pessoa, o ECA nada mais fez que atender aos ditames da Constituição Federal que, em seu art.5º, assegurou o respeito a determinados princípios processuais que, em seu conjunto, garantem a existência de um processo justo, onde a parte pode se defender do modo mais amplo possível, um devido processo legal.(BORDALLO, 2007, p. 508).

Elucidada a cizânia supracitada, Galdino Augusto Coelho Bordallo (2007, p. 508) conclui que não se pode estudar as regras processuais constantes no Estatuto da Criança e do Adolescente sem a análise preliminar dos princípios constitucionais do processo.

Desse modo, ab initio, será abordado o princípio do "due process of law", o qual estabelece regras para que o Estado possa, manipulando seus órgãos, impor  penas aos infantes que tenham cometido atos infracionais. Neste sentido, seguem ainda os entendimentos das doutrinadoras Bianca Mota de Moraes e Helena Viera Ramos, nas palavras de João Batista da Costa Saraiva:

O garantismo penal impregna a norma relativa ao adolescente infrator como forma de proteção deste face à ação do Estado. A ação do Estado, autorizando-se a sancionar o adolescente e infringir-lhe uma medida socioeducativa, fica condicionada à apuração, dentro do devido processo legal, que este agir típico se faz antijurídico e reprovável – daí culpável.(MORAES; RAMOS, 2007, p. 751).         

2.1 DEVIDO PROCESSO LEGAL

Este princípio prevê que o individuo não pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Tal princípio está expresso no art. 110 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual estabelece que: "Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal".

Saindo da esfera legislativa e adentrando no âmbito do judiciário, nota-se a aplicação clara do "due process of law", a qual é corroborada pelo julgado abaixo:

Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Do contrário, admitir-se-á a aplicação de uma medida tão grave como a internação ou mesmo simples reavaliação, sem pressuposto da verificação da existência do próprio fato que há de configurar, nos termos do art. 102 do Estatuto da Criança e do Adolescente, crime ou contravenção.(BRASIL, 1993). 

Além disso, Valter Kenji Ishida (2009, p. 168) esclarece que o devido processo legal possui dois significados, sendo o primeiro concernente à aplicação da pena conforme a regra da nulla poena sine judicio, ou seja, a necessidade do devido processo. E o segundo atinente ao adequado processo, qual seja, aquele que assegure igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa.

Desse modo, o doutrinador acima indicado ensina que o juiz só pode aplicar medida existente no ordenamento jurídico e de acordo com os parâmetros e regras estabelecidos. Com efeito, se apresenta o entendimento jurisprudencial a seguir:

A aplicação de qualquer medida socioeducativa, sem a observância do due process of law configura mácula insanável. Sem que se observe essa garantia, a imposição de advertência prevista no art. 112, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser cancelada. (BRASIL, 1994).   

Em outros termos, Galdino Augusto Coelho Bordallo (2007, p. 510) explica que: "Duas concepções do devido processo legal foram instituídas pela doutrina estrangeira e aplicada pelos tribunais, uma processual e outra material".

Portanto, pode-se dizer que na concepção processual deste princípio, para que seja aplicada uma medida socioeducativa ao jovem infrator, é essencial um processo previsto em lei, bem como, na sua concepção material, é imprescindível um processo justo e adequado, no qual o púbere possa realizar a sua defesa.

2.2 CONTRADITÓRIO

Com arrimo no art. 5º, LV, verifica-se que: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Fernando da Costa Tourinho Filho doutrina que o artigo constitucional mencionado é claro e, inclusive, esclarece que:

Tal princípio consubstancia – se na velha máxima parêmia audiatur et altera pars – a parte contrária deve ser ouvida. Traduz a idéia que a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra se opor uma das versões que lhe convenha, ou, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa. (TOURINHO, 2007, p. 21).    

Mutatis mudandis, o art. 111 do ECA vaticina que:

São assegurados aos adolescentes, entre outras, as seguintes garantias: I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante a citação ou meio equivalente; II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com a vítima e testemunhas e produzir todas as provas necessárias a sua defesa; III – defesa técnica de advogado; IV – assistência gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.(BRASIL, 2008).   

Apesar das previsões legais supramencionadas, Valter Kenji Ishida (2009, p. 170) apresenta várias decisões que sequer respeitaram este princípio, as quais foram reformadas. Neste sentido, identifica-se uma delas abaixo:

Cada representação é um processo autônomo e autonomamente deve ser processado. Não se justifica, data vênia, que uma nova representação seja juntada à anterior, mesmo da hipótese, que é a dos autos, de ser a primeira transitada em julgado. O que deve ocorrer, nesse caso, é o apensamento dos autos da segunda representação aos autos da primeira, processando-se normalmente a derradeira. A juntada da segunda representação em autos de representação em andamento também é coisa que não se justifica, em face do tumulto processual que irá gerar. A responsabilidade do menor, pelo segundo fato, deve ser apurada autonomamente, podendo ele, inclusive, vir a ser absolvido da segunda imputação, em procedimento contraditório. (BRASIL, 1993). 

Com efeito, conforme o mencionado a alhures, pode-se afirmar que o contraditório integra o "due process of law".

Logo, parafraseando Alexandre Freitas Câmara (2002, p. 49), conclui-se que: "não existe processo, onde não existe contraditório".

2.3 ACESSO À JUSTIÇA

Com arcabouço nos ensinamentos de Mauro Cappeletti e Bryant Garth (2002, p. 12), conceitua-se o acesso à justiça como: "o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar o direito de todos".

Ilustrando os dizeres acima, pode-se destacar um fragmento do informativo nº 534 do STF, no qual o Ministro Gilmar Ferreira Mendes proferiu discurso referente à relevância da implementação deste princípio:

Considerando que o acesso à justiça ainda é um problema para grande parte da população brasileira, se não houver uma revisão da "práxis judicializante" em breve não haverá estrutura possível para a prestação jurisdicional que se exige no País. Ressalte-se que esta forte demanda não pode desestimular as ações para tornar o Poder Judiciário mais aberto e acessível. Nesse sentido, a cooperação do Judiciário com as defensorias públicas, com a OAB e instituições voluntárias para expandir a assistência judiciária deve ser aprofundada com maior afinco, dados os excelentes frutos percebidos nestas iniciativas. Daí a importância de firmar-se uma das diretrizes da atual política judiciária: estimular a solução de conflitos mediante conciliação de interesses, viabilizar meios de extensão da normatização de direitos, de maneira a alcançar a concretização de mais direitos com menor judicialização, até porque interessa ao próprio Estado brasileiro mais proatividade de seus órgãos em busca dessa universalização de direitos sem que seja necessária a intervenção judicial tópica.(BRASIL, 2009).

No que concerne aos direitos da criança e do adolescente, visualiza-se claramente este princípio constitucional no art. 141 do ECA, o qual prevê: "É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos".

Entrementes, o maior acesso à prestação jurisdicional desencadeou também a sobrecarga do poder judiciário. Com isso, verifica-se a necessidade do que Mauro Capelletti e Bryant Garth (2002, p. 164) vaticinam no sentido de reduzir essa carga e encontrar mecanismos mais simples de soluções de conflitos. Outrossim, os referidos autores (2002, p. 165) esclarecem que: "a finalidade não é fazer uma justiça "mais pobre", mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres".

Acrescentando e traduzindo os ensinamentos dos autores supracitados, segue o entendimento abaixo:

[...] o problema do acesso à justiça – no sentido integral, ressaltamos – pode ser visualizado por meio de três "ondas". A primeira onda cuida de assegurar a assistência jurídica aos pobres; a segunda onda, também cognominada de coletivização do processo, propugna uma adequada representação dos interesses coletivos lato sensu, que abrangem os interesses difusos, coletivos (strito sensu) e individuais homogêneos; a terceira onda – também chamadas pelos referidos autores de "enfoque do acesso a justiça" – é a mais abrangente, porque nela reside uma enorme gama de fatores a serem analisados para melhor aperfeiçoamento da solução dos conflitos. É nessa última onda que surgem os novos mecanismos judiciais que visam, sobretudo, à celeridade do processo, como os juizados especiais de pequenas causas, a antecipação de tutela, o procedimento sumaríssimo; além de outros institutos alternativos extrajudiciais, como a arbitragem, a mediação, a conciliação, o termo de compromisso de ajuste de conduta firmado perante o Ministério Público etc. (LEITE, 2009, p. 131).    

Portanto, também se faz presente esta necessidade no âmbito dos direitos da criança e adolescente, para alcançar aquilo que Capelletti e Bryant Garth (2002, p. 165) ensinam: "o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior "beleza" – ou melhor qualidade – do que aquele de que dispomos atualmente".

2.4 JUIZ NATURAL

A princípio, impende frisar que este princípio está previsto no art. 5º, XXXVII e LIII da CF/88, respectivamente, in verbis: "não haverá juiz nem tribunal de exceção" e "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente".

Arrimando-se nas previsões supramencionadas, sintetiza-se este princípio  como um alongamento do princípio da igualdade. Neste sentido, segue o ensinamento abaixo:

O conteúdo jurídico do princípio pode ser resumido na inarredável necessidade de predeterminação do juízo competente, quer para o processo, quer para o julgamento, proibindo-se qualquer forma de designação de tribunais para casos determinados. Na verdade, o princípio em estudo é um desdobramento da regra da igualdade. (LENZA, 2008, p. 618).

No entanto, Pedro Lenza (2008, p. 618) esclarece que a vedação supracitada não se trata da Justiça especializada.     

Desse modo, atendo-se as medidas socioeducativas, o ECA traz em seu artigo 148, I, a competência da Justiça da Infância e da Juventude para aplicação das mesmas.

Com efeito, Galdino Augusto Coelho Borballo (2007, p. 518) doutrina que o princípio do Juiz Natural é conseqüência do "due process of law", pois a existência própria para julgar determinado assunto é uma das garantias contra os desmandos dos governantes.

Entrementes, comenta Valter Kenji Ishida (2009, p. 225) que a autoridade judiciária, prevista no art. 146 do ECA,  é o Juiz da Infância e da Juventude, onde pode haver previsão de cumulação de outras competências.

Em conclusão, o princípio do Juiz natural, no que tange às aplicações das referidas medidas, é exercido pelo Juiz da Infância e da Juventude ou pelo Juiz que exerce essa função, sendo este um dos princípios responsáveis pelo devido processo legal.

2.5 PROMOTOR NATURAL

Este princípio está albergado no art. 5º, XXXV e, assim como o Juiz natural, sua previsão está no LIII do mesmo artigo da CF/88.

De acordo com Pedro Lenza (2008, p. 530),  a finalidade deste princípio é a de não permitir a retirada do promotor para a designação de outro, à guisa unilateral, pelo Procurador-Geral e fora dos limites legais. De forma direta, o autor vaticina que: "Além de ser julgado por órgão independente e pré-constituído, o acusado também tem o direito constitucional de ser acusado por um órgão independente do Estado, vedando-se, por conseqüência, a designação, inclusive, de promotores ad hoc". 

Sob o mesmo ponto de vista, segue a doutrina abaixo:

Além de ser uma garantia para os cidadãos, funciona como garantia constitucional da independência funcional para os próprios Promotores de Justiça de atuarem nos processos de sua atribuição com total liberdade. Fica vedada, assim, a designação, pela chefia institucional, de Promotor para atuar em um caso específico, evitando-se perseguições injustas ou a não propositura de determinadas medidas judiciais ou extrajudiciais, com o intuito de atender a interesses particulares, garantindo-se, assim, a ordem jurídica do Estado de Direito. Só atuará em processo aquele Promotor que tenha atribuição prevista em lei para tanto, com base em critérios pré-estabelecidos. (BORDALLO, 2007, p. 519).    

No entanto, Valter Kenji Ishida (2009, p. 350) ventila que não é apenas o Promotor da infância e da Juventude o único órgão do Ministério Público que zela pelos direitos e interesses ligados à proteção dos menores, pois toda instituição do Parquet está investida na proteção da infância e da juventude.

Porém, conforme dito alhures, nota-se que a competência ministerial concernente à representação do ato infracional tem a égide deste princípio. Neste sentido, segue a compreensão infracitada:

"[...] a garantia de toda e qualquer pessoa que figura em determinado processo que reclame a intervenção do Ministério Público, em ter um órgão específico do Parquet atuando livremente com atribuição pré-determinada em lei, e, portanto, direito subjetivo do cidadão ao Promotor [...]". (BORDALLO, 2007, p. 518).

Portanto, embora renomado autor tenha esclarecido que toda a instituição do Ministério Público é investida na proteção da infância e da juventude, verifica-se, data venia, que atinente ao princípio em análise, não cabe a todo o Parquet agir processualmente, pois o princípio do promotor natural reside na independência funcional do Promotor para atuar nos processos de sua atribuição com total liberdade, neste caso, o Promotor da Infância e da Juventude.

2.6 TEMPESTIVIDADE DA TUTELA

Com o surgimento da E.C nº 45/04, o princípio da tempestividade da tutela encontrou abrigo no inciso LXXVII do art. 5º da CF/88, prevendo que: "a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação".

Ada Pellegrini Grinover (1998, p. 86) ensina que para atender este princípio, se faz necessário a análise da complexidade do assunto, do comportamento dos litigantes e da prestação do órgão jurisdicional. Da mesma forma, segue a explanação abaixo:

No que concerne à complexidade do tema objeto do processo, não se pode querer que todos tenham a mesma duração. Não se pode pretender que uma ação de separação judicial consensual dure o mesmo tempo que uma ação de despejo e que esta tenha duração idêntica a uma ação de adoção. Da mesma forma, não se pode pretender que duas ações de adoção venham a ter o mesmo prazo de duração, pois a situação litigiosa existente em um processo pode ser mais complexa do que a existente em outro, o que exigirá maior demora na análise dos fatos e do direito. O comportamento das partes e de seus procuradores deve ser levado em conta. É certa a regra constante na legislação ordinária referente à litigância de má-fé e lealdade processual (arts. 14 a 18 do CPC). Agirão de forma a realizar dilações indevidas aquelas partes ou procuradores que procurarem obstar o bom andamento do processo com argumentação e requerimentos manifestamente infundados, realizados com um única intenção de procrastinar e tumultuar o trâmite processual, que são comportamentos diferentes daquelas que devem ser utilizadas para a defesa dos direitos das partes. [...] a atuação do órgão jurisdicional é também importante para que a tutela jurisdicional seja prestada em tempo razoável. O tempo de julgar deve ser adotado à necessidade que o julgador tenha para analisar as questões de fato e de direito. Não é necessário que as sentenças e acórdãos se transformem em tratados e peças demonstradoras da erudição do julgador, sendo necessário que se atenham, única e exclusivamente, aos requisitos ditados pelo legislador.(BORDALLO, 2007, p. 731). 

            Entretanto,  pode-se observar a seguir que alguns pontos abordados alhures já estão sendo atendidos:

Alguns meios que garantirão a celeridade processual foram inseridos na própria Carta Magna, por força da EC n. 45/2004, tais como: a previsão de que "a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado as férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionado, nos dias em que não houver expediente normal, juízes em plantão permanente (CF, art. 93, XII); a permissão para que os servidores recebam "delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório" (idem, XIV) e a determinação de que "a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição"(idem, XV). Além disso, a alínea e do inciso II do art. 93 da CF, com redação dada pela EC n. 45/2004, estabelece uma importante medida de natureza administrativa para assegurar a celeridade da tramitação do processo, na medida em que será proibida a promoção do "juiz que, injustamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-lo ao cartório sem o devido despacho ou decisão".(LEITE, 2009, p. 62).    

Além disso, reforçando a citação acima, Pedro Lenza (2008, p. 637) sinaliza que é necessário, para atender à tempestividade da tutela, uma reforma na legislação processual no sentido de desburocratizar e simplificar o processo.

Posteriormente, impende observar na erudição da doutrinadora Ada Pellegrini Grinover (1998, p. 86), que das garantias processuais do Pacto São José da Costa Rica, a tempestividade da tutela é aplicável ao processo penal e ao não penal. Desse modo, pode-se dizer que este principio é aplicável ao ECA. Com efeito, segue os dizeres abaixo:

O princípio em estudo está  plenamente afinado com o princípio da prioridade absoluta previsto no art. 227, caput, da Constituição Federal e no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Agora, mais do que nunca temos a certeza que encontra-se inserido no princípio da prioridade absoluta a rápida solução dos processos que tratem da matéria de infância e juventude. Para que tal desiderato efetivamente ocorra é imperioso que o Poder Judiciário coloque as Varas da Infância e Juventude como prioridade em seus programas de trabalho, aumentando o número de órgãos, dotando de material humano e equipamentos adequados. (BORDALLO, 2007, p. 523).

Ademais, Galdino Augusto Coelho Bordallo (2007, p. 523) ressalta que é necessária uma ponderação na aplicação do princípio da tempestividade jurisdicional, pois o mesmo não pode servir como uma forma de serem subvertidas as demais garantias constitucionalmente asseguradas. 

Somando tudo, verifica-se que a simplificação e a desburocratização processual é importante, porém conclui-se que não se trata apenas de uma questão de alteração legislativa, pois é necessária à análise da complexidade do assunto para se assegurar as garantias constitucionais, o comportamento dos litigantes que devem ser adequados, o aumento de órgãos judiciais para compor os conflitos à guisa rápida e ponderada, inclusive, acrescenta-se que é indispensável o maior amparo de recursos tecnológicos e humanos, estes qualificados para se atender a tempestividade da tutela constitucionalmente almejada.     

2.7 PUBLICIDADE

Este princípio está previsto nos artigos infracitados da CF/88, os quais estabelecem que:

art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o originem; art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a presença do direito a intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.(BRASIL, 2007).     

Galdino Augusto Coelho Bordallo (2007, p. 520) leciona que este princípio é uma garantia do Estado de Direito Democrático porque traz luz aos atos estatais, bem como configura uma forma de controle dos atos judiciais pelo povo. Ilustra este controle citando as audiências públicas e a possibilidade do acesso aos autos do processo.

Entrementes, verifica-se que existem exceções a regra deste princípio em face à intimidade ou ao interesse social. Neste sentido, segue o exemplo abaixo:

Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. As audiências televisionadas têm provocado em vários países profundas manifestações de protesto. Não só os juízes são pertubados por uma curiosidade malsã, como as próprias partes e testemunhas vêem-se submetidas a excessos de publicidade que infringem seu direito à intimidade, além de conduzirem à distorção do próprio funcionamento da Justiça através de pressões impostas a todos os figurantes do drama judicial. (GRINOVER, 1998, p. 70).    

No que concerne ao ECA, tal princípio está previsto nos arts. 143 e 144, nos quais verifica-se que a exceção constitucional é trazida como regra.  Com efeito, seguem suas redações:

art. 143 – É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a criança e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Parágrafo único – Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome. art. 144 – A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade.(BRASIL, 2008).

Apesar da aparente inversão do princípio da publicidade, o Estatuto está em consonância com a CF/88 porque, de acordo com Valter Kenji Ishida (2009, p. 224), o escopo dos artigos acima é preservar a honra do adolescente. Em outros termos, nota-se aqui a presença do princípio da proteção integral, na qual é protegida a condição de ser em desenvolvimento da criança e do adolescente.

Portanto, no que tange ao ECA, pode-se concluir nas palavras de Ada Pellegrini Grinover (1998, p. 70), que coube a técnica legislativa o justo equilíbrio entre o problema e a solução mais adequada em face da experiência e dos nossos costumes.

3 DIREITO MATERIAL SOB O ENFOQUE CONSTITUCIONAL

Andréa Rodrigues Amin (2007, p. 31), conceitua os direitos fundamentais como direitos inatos do ser humano, os quais variam ao longo da história. 

No que tange à criança e ao adolescente, Valter Kenji Ishida leciona as normas do ECA foram planejadas com o escopo de atender este princípio. Com efeito, segue seu ensinamento abaixo: 

As normas do Estatuto da Criança e do Adolescente tencionam à proteção dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, adotando-se a doutrina da proteção integral. O Estatuto da Criança e do Adolescente, nesse ponto, como um microssistema jurídico, cria mecanismos de amparo e proteção à criança e ao adolescente, garantindo – lhes instrumentos efetivos de defesa. (ISHIDA, 2009, p. 13).         

Desse modo, por ser o tema muito vasto, não se visa aqui exauri-lo, mas apenas tecer pontos importantes sobre a questão, abordando, respectivamente, os princípios da dignidade da pessoa humana e o da igualdade. 

3. 1 DIGNIDADE HUMANA

Inicialmente, impende notar a lição de Fábio Konder Comparato (2005, p. 103), na qual faz alusão a este princípio ao narrar acerca da importância histórica da declaração da independência dos Estados Unidos, discorrendo que a citada declaração foi o primeiro instrumento político reconhecedor da existência de direitos inerentes a todo ser humano.

Em se tratando da nossa Carta Maior, Luiz Regis Prado (2005, p. 144) ensina que: "Com o advento da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana foi guinada à categoria de valor fundamentador do sistema de direitos fundamentais [...]". Do mesmo modo, a alta cúpula do Poder Judiciário, no informativo nº 538, vaticinou que:

[...] o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). (BRASIL, 2009). 

Desse modo, pode-se dizer que o ECA está sob a égide deste princípio, pois à guisa expressa, em seu art. 18, prevê que: "É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor".  

Acrescentando ao assunto em comento, Valter Kenji Ishida (2009, p. 25) doutrina que: "O ECA tenta com este artigo sensibilizar a sociedade sobre o tema da criança e do adolescente, no sentido de participação, visando evitar atos desumanos contra os mesmos".  

Dessa maneira, nota-se que o estatuto está em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, com a própria constituição. Analogamente, segue o ensinamento abaixo:

[...] se o Direito não quiser ser mera força, mero terror, se quiser obrigar a todos os cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição do homem como pessoa, como um ser responsável, pois, no caso de infração grave ao princípio material da justiça, de validade a priori, ao respeito à dignidade da pessoa humana, carecerá de força obrigatória e, dada a sua injustiça, será preciso negar-lhe a caráter de Direito. (PRADO, 2005, p. 145).        

Somando tudo, pode-se dizer que este princípio é aplicável, mormente, no âmbito menorista, uma vez que aqui não se cuida de respeito à condição do homem, mas de criança e adolescente como pessoa e, ainda, não se trata de um ser responsável, mas sim de um ser em desenvolvimento.  

3.2 IGUALDADE

O cerne deste princípio estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Entrementes, Pedro Lenza (2008, p. 595) esclarece que se deve buscar, mormente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Como ilustração, cita-se o ensinamento abaixo:

Adolescentes infratores, provisoriamente internados, ou em cumprimento de medida sócioeducativa também devem ter assegurado o direito a educação, como parte integrante do processo de ressocialização. O período da medida não pode ser motivo para interromper a formação do adolescente. Ao revés, de suma importância que seja prestada com qualidade e com maior ênfase aos valores sociais e morais, pois só assim a medida alcançará o seu fim. (AMIN, 2007, p. 47).

Além disso, verifica-se que a própria CF/88 tratou da isonomia material, no que tange à criança e ao adolescente, uma vez que expressou em seu art. 227, § 3º, I, II, III, IV, V, VI e VII, o direito a proteção especial aos mesmos.

No que concerne à relação processual, o aludido inciso IV prevê a seguinte proteção: "garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica". Já atinente à medida privativa de liberdade, o referido inciso V expressa que: "obediência à brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento [...]". Similarmente, quanto à última abordagem, Valter Kenji Ishida vaticina que:

O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-se a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar tão – somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido de que se deve ser a última medida a ser aplicada pelo Juiz quando da ineficácia das outras; e (3) o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento, por exemplo, garantindo o seu ensino e profissionalização. (ISHIDA, 2009, p. 188).  

Em síntese, o princípio da igualdade dos pueris e dos púberes cuida-se da isonomia material, uma vez que a própria constituição prevê tratamento especial para os mesmos. Ou seja, trata-se de mentes em processo formação, as quais são tratadas à guisa desigual para alcançar o escopo deste princípio.

4 ATO INFRACIONAL

De acordo com a redação do art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente, "Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal".

A princípio, impende destacar o art. 1º da lei de introdução ao Código Penal, o qual vaticina que:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, 2008).  

Somando tudo, ato infracional é a conduta descrita como infração penal que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativamente com a pena de multa ou a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Valter Kenji Ishida (2009, p. 158) esclarece que: "A criança e o adolescente podem vir a cometer crime, mas não preenchem o requisito da culpabilidade, pressuposto da aplicação da pena." 

Em contraste, verifica-se a explanação infracitada:

É preciso, portanto, para a caracterização do ato infracional, que este seja típico, antijurídico e culpável, garantindo ao adolescente, por um lado, um sistema compatível com o seu grau de responsabilização, e por outro, a coerência com os requisitos normativos provenientes da seara criminal. (MORAES; RAMOS, 2007, p. 751).        

Entrementes, analisa-se que a imputabilidade é um dos elementos da culpabilidade e, no caso em comento, a criança e o adolescente estão abrangidos por uma das causas de exclusão da imputabilidade. Com efeito, segue o ensinamento abaixo:

Menoridade – menores de dezoito anos – consagra-se aqui o princípio da inimputabilidade absoluta por presunção (art. 27, CP), com fulcro no critério biológico da idade do agente, e que, a partir da Carta de 1988, tem assento constitucional (art. 228, CF). Porém, ficam os menores de sujeitos às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104 da Lei 8.069/1990). Esse diploma legal prevê, no caso de ato infracional (crime ou contravenção penal) praticado por criança ou adolescente, medidas de proteção genéricas (art. 98, ECA) e específicas (art. 101, ECA) e, ainda, para o adolescente, medidas socio-educativas (art. 112, ECA).(PRADO, 2005, p. 442).

Portanto,  apesar da existência de corrente doutrinaria oposta, nota-se que sequer existe culpabilidade nas condutas das crianças e dos adolescentes, uma vez que de acordo com Valter Kenji Ihida (2009, p. 158), a imputabilidade penal inicia-se aos 18 anos, ficando os mesmos sujeitos à aplicação de medidas socioeducativa.

 Em virtude da aludida inimputabilidade, impende abordar alguns casos de comoção popular e a lógica dos holofotes.  

4.1 CASOS DE COMOÇÃO POPULAR

Precipuamente, Roberto Romano (2006, p. 4) faz alusão a um caso de comoção popular, no qual um adolescente foi acusado de matar um casal com frieza, após cometer seqüestro seguido de estupro. Por conseqüência, sintetiza a visão da opinião pública: "O jovem, porque não atingiu a maior idade, pode escapar ileso dentro de pouco tempo. Como em todo o evento que choca a sensibilidade coletiva, as relações previsíveis são paradoxais".

De acordo com o doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho (2007, p. 624), a comoção popular é uma das espécies da qual a ordem pública é o gênero. Posteriormente,  questiona como o Juiz tem a noção de que a ordem pública está perturbada, a não ser pelo noticiário. Ainda mais, menciona que os jornais, sempre que acontece um crime, o veiculam. Contudo, esclarece que não é pelo fato da notícia ser mais ou menos extensa que pode caracterizar a perturbação da ordem pública, sob pena de essa circunstância ficar a critério da mídia. Com efeito, segue a reportagem abaixo:

O horrível dos infanticidas é a extinção cabal da compaixão. "Não sei, não tenho filho", disse um dos assassinos, ao lhe perguntarem o que imaginava sentirem os pais de João Hélio.[...] Criminosos, hoje, lucram na razão direta de sua falta de compaixão, de sua desumanidade. [...] As estatísticas mostram o fracasso do Estado em recuperar o criminoso, tarefa que parece exigir dedicação quase religiosa. [...] Ouvi o padre Júlio Lancelotti [da Pastoral do Menor] dizer que a liberdade assistida, alternativa inteligente ao aprisionamento dos menores delinquentes, para que eles trabalhem, estudem, saiam do crime, custaria seis salários mínimos per capita ao mês. [...] É caro, embora talvez metade do custo da Febem, com vantagem de que pode recuperar a pessoa para a vida inteira, enquanto a Febem faz o contrário". [...] A maioria esmagadora da população é contra o crime, quer compaixão. Mas, até agora, adiantou a indignação popular? O meio jurídico e político teve palavras de consolo e apoio para a multidão sofrida ou frustrou-a, como o juiz de menores que disse que o assassino jovem de João Hélio ficará três anos internado – e falou isso como se fosse normal? Como pode as pessoas falarem tão friamente e querer compreensão? [...] (FOLHA DE SÃO PAULO, 2007).

De certo que o caso supracitado gerou grande debate acerca da referida inimputabilidade, porém impende destacar a lição de Marilena Chauí (2002, p. 111), na qual diferencia o senso comum da atitude científica, explicando que antes de tudo, a ciência desconfia da veracidade de nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas, da ausência de crítica, da falta de curiosidade. Onde o senso comum vê fatos e acontecimentos, a atitude científica vê aparências que precisam ser explicadas.

Logo, se revela patente a necessidade da visualização dos casos de comoção popular além do senso comum, evitando a aplicação de medidas contrarias ao Estado Democrático de Direito.

       

4.2 LÓGICA DOS HOLOFOTES

Valendo-se mais uma vez do cabedal cultural de Roberto Romano (2006, p. 4), pode-se dizer que: "a técnica do holofote consiste em iluminar excessivamente uma pequena parte de um grande e complexo contexto, deixando na escuridão todo o restante que puder explicar a parte". Neste sentido, segue a veiculação abaixo:

Nos casos da TV e do adolescente assassino, é forte o desejo de oferecer juízos em preto e branco. Há um prudente conselho do alemão Erich Auerbach, notável hermeneuta da vida ocidental e da literatura, que previne contra a técnica do holofote, a qual consiste em "iluminar excessivamente uma pequena parte de um grande e complexo contexto, deixando na escuridão todo o restante que puder explicar em parte. (...) Assim, "o público sempre volta a cair nesses truques, sobretudo em tempos de inquietação. O truque é fácil de ser descoberto. Mas falta ao povo ou ao público, em tempos de tensão, a vontade séria de faze-lo.(...) Falta o tempo para a prudente pesquisa das causas que geram os escândalos. Restam a violência e o desalento. Isso é Brasil. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2006).

  Desse modo, impende-se expor o conjunto de variáveis que levam os púberes a cometerem delitos, os quais têm gêneses diversas, revelando citá-las não de forma determinista, mas relativa, como: "o desemprego, a pobreza, a falta de escolarização, a ausência de capacitação profissional, a desestruturação familiar, a violência doméstica, o uso de álcool e drogas, a participação em gangues e organizações criminosas", entre outras.

Portanto, revela-se notar a inversão da aludida ótica, utilizando como ilustração algumas medidas semelhantes às adotadas em Medellín e Bogotá, extraindo o "know How" dos colombianos que trabalharam com grupos de jovem, ou seja, focaram em programas de inserção dos adolescentes. Assim, usaram a arte para gerar um senso de pertencimento entre os jovens e como mecanismo de retomar as ruas. Além disso, criaram centros de recuperação de adolescentes infratores que é considerado exemplo mundial em eficiência, administrados em contrato de gestão, por uma entidade privada. Agiram na reforma dos espaços públicos, na melhora das escolas, criaram centros de convivência comunitária, introduziram mecanismos de soluções de conflitos, melhoraram os transportes públicos nos bairros pobres, abriram ciclovias, reservaram em fins de semana as principais vias para pedestres e implementaram uma gigantesca rede de bibliotecas.

Em linhas gerais, a diminuição do número de jovens envolvidos com atos infracionais não está na imputabilidade penal, a qual é fruto da lógica dos holofotes,  pois esse problema é menos de recrudescimento da pena do que de competência administrativa e articulação local. 

5 DOS TRATOS DISTINTOS E DAS SITUAÇÕES ESPECÍFICAS

Esse tema cuida dos tratamentos diferenciados para situações específicas atinente ao art. 101 do ECA. De forma geral, segue o comentário abaixo:

Verificada a hipótese da criança ou do adolescente em situação irregular, têm-se as medidas do art. 101 pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude. Primeiro, deve-se procurar a reintegração familiar, ou seja, o encaminhamento aos genitores ou responsável legal (inciso I). Verificada a necessidade de acompanhamento, deve o Juiz ordenar o acompanhamento pela equipe interprofissional (inciso II). Por exemplo, no caso de maus tratos, alcoolismo etc. ou o encaminhamento a programa específico (inciso IV). Outra preocupação é com a educação do menor, podendo obrigar a matricula da criança ou do adolescente (inciso III). Outras medidas incluem requisição de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico (inciso V) e o acompanhamento de dependentes de drogas ou álcool (inciso VI). Como medidas extremas, tem-se a medida de abrigamento (inciso VIII) em entidade governamental ou não governamental. (ISHIDA, 2009, p. 152).

Em síntese, verifica-se a aplicabilidade do princípio da igualdade material no que tange à própria particularidade do infrator expressa no artigo supracitado.

No que concerne ao escopo desta pesquisa, impende analisar os incisos V e VI, bem como a questão do jovem adulto, do qual se faz alusão para atender a celeuma colocada em xeque, qual seja, a maior idade civil em face à manutenção da medida socioeducativa.  

5.1 ADOLESCENTE E O USO DE DROGAS

Valter Kenji Ishida (2009, p. 182) sinaliza que: "O consumo de droga pelo adolescente infrator permite aplicação da medida de prestação de serviços, ao passo que o indício de participação na comercialização veda a mesma".  Como exemplar:

Menor – Medida socioeducativa – Prestação de serviços em delegacia – Admissibilidade – Confissão do infrator – Maconha encontrada em suas vestes – Efeito terapêutico e educacional da sanção – Tentativa de ressocialização do infrator – Recurso não provido. (BRASIL, 1994). 

Entrementes, Bianca Mota e Helena Vieira Ramos (2007, p. 788) explicam que os infantes usuários ou dependentes de entorpecente poderão ser incluídos em programa específico de tratamento, independentemente do ato infracional que tenha praticado. Além disso, lecionam que no caso do púbere estar inserido em regime de semiliberdade ou de internação, e uma vez judicialmente determinado, tal tratamento deverá ser providenciado pela equipe técnica de instrução de cumprimento da medida restritiva e liberdade, para a qual tenha sido o jovem encaminhado. As aludidas doutrinadoras (2007, p. 789) vaticinam que: "Em algumas comarcas há sistema de operacionalização deste tratamento, usualmente denominado Justiça Terapêutica, que visa a recuperação do adolescente e costuma conferir especial enfoque em questão da abstinência". Analogamente, se apresenta o fragmento do informativo nº 564 do STF:

(...) o adolescente registraria antecedentes pela prática de outros atos infracionais, tendo sofrido medida sócio-educativa, além de ser usuário de substâncias entorpecentes. Tendo em conta o caráter educativo, protetor das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, asseverou-se que não pareceria desarrazoado o que fora decidido pela Corte de origem, ou seja, a aplicação de medida consistente na liberdade assistida, pelo prazo de seis meses — mínimo previsto pelo art. 188 do ECA —, além de sua inclusão em programa oficial ou comunitário de combate à dependência química (ECA, art. 101, VI). (BRASIL, 2009).   

Outrossim, impende observar o enfoque interdisciplinar da questão em comento:

É comum o questionamento a respeito das chances de recuperação dos adolescentes infratores. Dos estudos sobre os efeitos de agressões ambientais ao desenvolvimento dos adolescentes e de técnicas que possibilitem a recuperação apreendemos muito nas últimas décadas. Tais estudos vieram de dados obtidos em épocas de guerra, de desnutrição e privação afetiva extrema durante o desenvolvimento humano. Os profissionais envolvidos mais pessoalmente com as crianças que ameaçam a população conhecem de perto a realidade individual de cada uma delas e sabem que a violência a que foram submetidas, embora não justifique seus atos violentos, muitas vezes supera a violência de que foram agentes. Podem, portanto, essas crianças ser comparadas às vítimas de guerra. A questão de sabermos se são recuperáveis ou não depende da quantidade de esforço e de recursos financeiros investidos nesse trabalho. A sociedade está disposta a investir nessa recuperação? Haverá casos mais brandos, que dependerão de medicação, psicoterapia e reinserção social. Entretanto, podemos responder que é possível se conseguir recuperação, senão de todos, pelo da maioria dos adolescentes infratores. E aqueles que não se recuperarem deixarão sem resposta a dúvida de se foram empregados esforços suficientes nesse sentido. (ANDRADE; SILVA; MATTOS, 2004, p. 139).

Conforme Bianca Mota e Helena Vieira Ramos (2007, p. 789), a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 ao tratar das atividades atinentes ao uso indevido de entorpecente, deslocou o aspecto repressivo para o educativo, o que conflita com os princípios da Justiça Terapêutica.

No que concerne ao conflito supramencionado, impende destacar o princípio do melhor interesse, o qual segundo Andréa Rodrigues Amim (2007, p. 28): "trata-se de princípio orientador tanto para o legislador como para o aplicador, determinado a primazia das necessidades da criança e do adolescente como critério de interpretação da lei, deslinde de conflitos, ou mesmo para elaboração de futuras regras".    

Em síntese, nota-se que independentemente de qualquer ato infracional, o jovem usuário de drogas poderá ser submetido ao aludido tratamento e, apesar da lei mencionada ser conflitante com o princípio da Justiça Terapêutica, a questão em análise se revela mais de saúde pública do que de educação, o que garante a aplicação da citada Justiça com arrimo no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.     

5. 2 ADOLESCENTE DEFICIENTE MENTAL

O artigo 112, §3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente expressa que: "Os adolescentes portadores de doenças ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições".

Contudo, Bianca Mota e Helena Vieira Ramos (2007, p. 791) apontam que além da reduzida normatização para tratar do caso em tela, na prática ocorre a ausência de instituições para cuidar de forma adequada e individual os púberes, o que desencadeia diversidade de atuações relativas aos casos em concreto. Além disso, ressaltam que na maior parte das vezes é aplicada a medida socioeducativa de internação, deixando sob responsabilidade da entidade recebedora do jovem as providências acerca do tratamento de seu distúrbio psiquiátrico.

Valter Kenji Ishida (2009, p. 175) ilustra o aludido tema com o julgado abaixo:

A decisão de internação de adolescente com distúrbio mental possui apenas caráter retributivo, incompatibilizando-se com o fim reeducativo. Dessa forma, a saída é a aplicação de medida socioeducativa da liberdade assistida conjugada com acompanhamento pela situação peculiar. (BRASIL, 2007).

Ademais, Bianca Mota e Helena Vieira Ramos (2007, p. 792) vaticinam que: "Tais adolescentes não são detentores da capacidade de cumprir medidas socioeducativas, fato que não pode ser desconsiderado, na forma do §1º do art. 112, do ECA".

Somando tudo, infere-se que tais adolescentes sequer têm a percepção de seus atos infracionais, assim pode-se concluir que estes infantes não podem ser submetidos às medidas socieducativas, considerando às circunstâncias e a gravidade de suas infrações, pois se revela inócua a aplicação da referida medida por não atender ao fim social a qual se destina, qual seja, a reeducação dos mesmos. 

5.3 JOVEM ADULTO

A princípio, impende destacar que existe cizânia jurisprudencial acerca deste tema.

Desse modo, há correntes que defendem a aplicação da medida socioeducativa ao jovem adulto, sob o argumento de interpretação única do Estatuto da Criança e do Adolescente e, outras, acerca da não aplicação da aludida medida em face à maior idade civil ou penal. Nesta esteira deste raciocínio, segue o primeiro entendimento sublinhado abaixo:

HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA. EXTINÇÃO. MAIORIDADE. NOVO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. TEMPO DO FATO. ART. 104, PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 121, PARÁGRAFO ÚNICO E ART. 121. PARÁGRAFO 5º, DA LEI 8069/90. É induvidosa a distinção entre as órbitas civil e infracional juvenil, tirando-se daí que qualquer discussão implicativa destoa da realidade legal. Sendo assim, a nova disposição do Código Civil, quanto à maior idade, não derrogou a previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente que autoriza o cumprimento de medida socioeducativa além dos 18 anos de idade, ex vi do art. 121, § 5º, restando inabalável a concepção de que o importante é o fato ocorrer no transcurso da inimputabilidade. (BRASIL, 2005).

Do mesmo modo, verifica-se o argumento doutrinário abaixo:

O limite fixado para a maior idade, pelo novo Código Civil, fez surgir a polêmica acerca da revogação das normas do ECA que regem a possibilidade de aplicação de medidas socioeducativas até os vinte e um anos de idade (arts. 5º do Código Civil e 121, §5º, do ECA). Entender, no entanto, que a nova lei civil teria revogado implicitamente os dispositivos do ECA é interpretação que ensejaria a imunidade, frente ao ordenamento jurídico, daqueles que cometessem atos infracionais às vésperas de completar 18 anos de idade. Ademais, a norma do art. 121, §5º, da Lei 8.069/90 tem uma razão própria de existência, completamente diversa daquela que estabelece a capacidade civil. Tal raciocínio emerge, inclusive, da obtenção histórica da situação que ocorria anteriormente, sob a égide do Código de Menores, época em que, acaso o menor atingisse 21 anos de idade sem que sua medida não fosse integralmente cumprida, não se via dela desincumbido, já que passava à jurisdição das Varas de Execuções Penais (art. 40 §§ 3º e 4º, da Lei 6.697/79). Assim, fica claro que o que pretendeu o ECA foi afastar o jovem adulto dessa extensão, por considera-la excessiva e indevida. (MORAES; RAMOS, 2007, p. 752).

Corroborando com o entendimento supra, Pedro Lenza (2008, p. 758) leciona que o ECA expressa casos de aplicação excepcional às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, apresentando o posicionamento do STF sublinhado abaixo:

Mas, a questão que ora se enfrenta diz respeito ao efeito da superveniência da maioridade penal do sócioe-educando no curso da medida sócio-educativa que lhe foi imposta. É evidente que a aplicação do ECA estará sempre dependente da idade do agente no momento do fato (art. 104, parágrafo único). Contudo, afirmar, que, atingindo a maioridade, a medida deve ser extinta é fazer 'tábua rasa' do Estatuto. Isso porque esta seria inócua para aqueles que cometeram atos infracionais com mais de dezessete anos. Com efeito, no limite, adotada a tese de defesa, pode-se-ia admitir medidas sócio-educativas com duração de um dia, hipótese, data venia, incompatível com os seus objetivos [...] A manutenção do infrator, maior de dezoito e menor de vinte e um anos, sob o regime do ECA, em situações excepcionais, taxativamente enumeradas, longe de afigura-se ilegal, tem como escopo, exatamente, protegê-lo dos rigores das sanções de natureza penal, tendo em conta a sua inimputabilidade, e reintroduzi-lo paulativamente na vida da comunidade. O Juízo da Infância e da Juventude, no caso em exame, agiu corretamente ao determinar a progressão do regime do paciente, mantendo-se, todavia, nessa situação de semiliberdade, ainda que completados os dezoito anos, em atenção ao que dispõe o art. 121 do ECA, bem assim aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que regem o instituto da internação. (BRASIL, 2007).

Semelhantemente, a alta cúpula do Poder Judiciário reafirmou o seu posicionamento acerca da maioridade penal no informativo nº 547:

Medida Sócio-Educativa e Advento da Maioridade. A Turma reafirmou jurisprudência da Corte no sentido de que o atingimento da maioridade não impede o cumprimento de medida sócio-educativa de semiliberdade e indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a extinção dessa medida aplicada ao paciente que, durante o seu curso, atingira a maioridade penal. Sustentava a impetração constrangimento ilegal, dado que, como o paciente completara a maioridade civil — 18 anos —, e, portanto, alcançara a plena imputabilidade penal, não teria mais legitimação para sofrer a imposição dessa medida sócio-educativa. Asseverou-se, todavia, que, se eventualmente a medida sócio-educativa superar o limite etário dos 18 anos, ela poderá ser executada até os 21 anos de idade, quando a liberação tornar-se-á compulsória. (BRASIL, 2009).

Em contraste, se visualiza no sentido da impossibilidade da aplicação e da desnecessidade da medida socioeducativa, as jurisprudências infracitadas: "Alcançando o menor a idade de 18 anos, fica inviabilizada a aplicação da medida socioeducativa preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente"1.

Se o menor completa a idade de 18 anos após a aplicação da medida socioeducativa, mas antes da apreciação do recurso interposto e a infração praticada é leve e despida de maior gravidade, impõe-se o afastamento da medida restritiva, bastando que seja advertido de eventuais e futuras transgressões, agora que atingiu a maior idade penal. (BRASIL, 1992).  

O Desembargador Siro Darlan de Oliveira entende que o pelo o critério cronológico, com o advento do novo Código Civil, houve a derrogação da maior idade de 21 anos para 18 anos. Neste sentido:

HABEAS CORPUS. ECA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO OU MANUTENÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA AO INFRATOR QUE  ATINGE 18 ANOS DE IDADE. Alegação de constrangimento ilegal por parte do Juízo da Vara da Infância e da Juventude da Capital por ter a autoridade apontada como coatora em sentença de reavaliação de medida sócio-educativa determinado a progressão da medida de internação para a de semiliberdade, quando o mesmo já atingiu a maioridade. Cediço que os menores de 18 anos, ficam sujeitos as medidas sócio-educativas, curativas e disciplinares determinadas em legislação especial, entendendo-se que a questão do adolescente em conflito com a lei é um problema social humano, e não de reação penal por parte do estado. Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba ele medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social. Malgrado os defensores da aplicação do ECA excepcionalmente as pessoas entre 18 e 21 anos de idade, com base em interpretação extensiva do parágrafo único do art. 2º da Lei 8069/90, entendo que o critério cronológico adotado pelo legislador da época da sua promulgação, quando a maioridade civil estava estabelecida pelo Código Civil de 1916 a partir dos 21 anos de idade, houve derrogação com o estabelecimento da mesma aos 18 anos de idade (art. 5º do NCC), equiparando-se com a imputabilidade penal. Percebe-se nítida contrariedade entre o novo Código Civil que estabelece a capacidade civil e o dispositivo do ECA que impede a execução de medidas a maior de 21 anos, eis que ao atingir a idade de 18 anos, o indivíduo torna-se adulto, conferindo-lhe a plena aptidão para o exercício de seus direitos e a possibilidade de lhe serem cobrados seus deveres, ao passo que, a medida sócio-educativa tem uma face preventiva, distinta da pena criminal, em que se acresce a esta última, uma orientação retributiva. Ademais, não se concebe que o sistema institucional que tem como objetivo a reintegração do adolescente à sociedade, possa de alguma forma atuar de igual forma ao jovem adulto de 18 anos completos. Não se argumente que o ato infracional praticado permanecerá impune, eis que não é essa a finalidade das medidas sócio-educativas e sim a promoção de sua ressocialização. Considerar que a permanência do jovem após atingir a maioridade poderá se recuperar é uma ilusão e manter apenas tão somente em razão do ato infracional praticado é laborar contra os interesses da coletividade. Por fim, se não foram atingidos os objetivos ressocializadores das medidas aplicadas devem, a família, o poder pública e a sociedade responder por sua própria ineficiência e negligência no cumprimento de norma constitucional que obriga a todos. Ordem concedida para fim de ser declarada extinta a medida sócio-educativa de semiliberdade, em razão da maioridade atingida pelo paciente, determinado em seu favor a expedição do competente alvará de soltura, para cumprimento, se por outro motivo, não estiver internado. (BRASIL, 2009).  

Contudo, pode-se notar, com ensinamentos de Noberto Bobbio (1995, p. 205), que quando existe um conflito entre critério de especialidade (ECA) e critério cronológico (novo Código Civil), a norma precedente e especial prevalece sobre a posterior geral.

Já Valter Kenji Ishida (2009, p. 192) sinaliza que para dar solução acerca da entrada em vigor do novo Código Civil em face da aplicação das medidas socioeducativas seria uma emenda constitucional ao art. 228 da CF, reduzindo a maior idade penal para 16 anos de idade. Desse modo, a medida de internação para os que cometessem ato infracional próximo da maioridade penal seria possível pelo prazo, no mínimo, de dois anos.

Buscando outro enfoque, a reportagem abaixo apresenta questionamento relativo à convivência entre jovens de faixa etárias variadas e a influência que o infante adulto exerce sobre os demais. Com efeito:

[...] Não seria justo dizer que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor desde 1990, inventou o problema, que vinha do tempo do velho SAM (Serviço de Assistência ao Menor). Mas é certo que ele está carregados de boas intenções e de eufemismos, e não são presos, e sim internados. E a internação é "sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O que na verdade é uma pena de prisão que atende pelo apelido de "cumprimento de medida socioeducativa". Belas palavras. Nada têm a ver com a realidade. Segundo levantamento do IPEA, há cerca de dez mil adolescentes em 190 instituições em todo o Brasil. Delas, 71% são o que responsáveis pelo estudo definem como "sucursais do inferno". O situações como a de São Paulo, onde 68 estabelecimento houve, só em oito meses, 190 rebeliões, motins e fugas. Ou seja, os números provam que essas penitenciarias – para lhes dar o nome certo – não recuperam ninguém. Os líderes dos internos são os mais velhos. É fácil imaginar o que resulta da convivência de homens feitos, de 17 e 18 anos – sem falar no grupo de 21 anos, que em algumas circunstâncias não vão para penitenciária de adultos – com quase crianças de 13, 14 ou 15 anos. Quem quer sobreviver precisa aprender bem cedo a usar as "naifas", apelido de facas improvisadas, imagino que uma deturpação de knifes. Como os economistas, pelo visto, até meninos criminosos usam vocabulário importado. Com certeza, existem casos em que menores saem das sucursais do inferno para uma vida honesta. Com mais certeza ainda, grande parte trocará a "naifa" pelo fuzil – metralhadora do traficante. Autoridades falam em reformar o sistema. Talvez valha a pena também examinar a distância entre o Estatuto do Menor e do Adolescente e a realidade. Afinal, de boas intenções estão calçados o inferno e suas sucursais. (O GLOBO, 2003).

Em virtude do exposto acima, impende destacar que apesar do Ministério da Justiça desenvolver programas para ampliar a estrutura de atendimento desses jovens, hoje a situação se demonstra muito aquém do desejado ou almejado, pois na maioria dos casos os estados não dispõem de infraestrutura e nem pessoal adequado para aplicação das medidas socioeducativas, seja em regime fechado ou aberto. As instituições de internação enfrentam problemas como: a superlotação,  o agrupamento de menores de idade e periculosidade diferentes, a falta de assistência médica e psicológica, de atividades educativas e profissionalizantes que possibilitem a reeducação e reintegração social desses adolescentes2.

Em síntese, verifica-se que o problema do jovem adulto perpassa por questões de ordem jurídicas, legislativas e executivas, uma vez que o infante não pode ficar isento do seu ato infracional, não pode sofrer de forma precoce a imputação penal e, ainda, em tese, não poderia ser submetido à instituição carente de infraestrutura para aplicar as medidas socioeducativas como prevê o ECA.

6 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Com arrimo no artigo 112 do ECA, se deslumbra as espécies de medidas socioeducativas, que são: "I – advertência; II - a obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviço à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das medidas previstas no artigo 101, I a VI", estas já tratadas no capítulo 5 desta pesquisas.

Desse modo, se faz necessário tecer comentários sobre as demais medidas ainda não abordadas, quais sejam, todas as supracitadas com exceção das medidas previstas no aludido art. 101. 

6.1 ADVERTÊNCIA

O dicionário Aurélio conceitua advertência em "ato ou efeito de advertir, censurar ou repreender com brandura, chamar a atenção, prevenir, admoestar".

Similarmente, se verifica a explanação doutrinária inframencionada:

A advertência consiste na admoestação verbal feito pelo Juiz da Infância e da Juventude ao adolescente, devendo ser reduzida a termo e assinada pelo infrator, pais ou responsável, e tem por objetivo alertá-los quanto aos riscos de envolvimento do adolescente em condutas anti-sociais e, principalmente, evitar que se veja comprometido com outros fatos de igual ou maior gravidade. (MORAES; RAMOS, 2007, p. 795). 

Sob o mesmo ponto de vista, Valter Kenji Ishida (2009, p. 178) ensina que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que esta medida consiste na leitura do ato infracional praticado e no compromisso de se abster de praticá-lo novamente. Além disso, ensina que os atos infracionais cometidos com primariedade, como lesões leves ou vias de fato, podem levar a aplicação da referida medida. Como exemplar, apresenta-se o julgado infracitado:

MENOR– MEDIDA SOCIOEDUCATIVA – SEMILIBERDADE – INADMISSIBILIDADE- Adolescente que tem passado aceitável – Família bem estruturada socioeconomicamente – Medida de advertência que se apresenta como mais compatível – Recurso parcialmente provido. (BRASIL, 1994).

Em síntese, a medida socioeducativa de advertência refere-se aos atos infracionais de pequena gravidade, no qual o infrator é advertido e compromissado para que reflita sobre as consequências de seus atos, buscando evitar novas condutas inadequadas à convivência social.   

 6.2 OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

Arrimando-se no art. 116 do ECA, nota-se que para a aplicação desta medida socioeducativa, é necessário que haja uma diminuição patrimonial desencadeada pelo infrator em face à outrem, podendo esta ser direta ou indireta. Neste sentido:

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma, compense o prejuízo a vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada. (BRASIL, 2008).

Igualmente, Valter Kenji Ishida (2009, p. 179) leciona que a lei estabelece reparação de dano na situação de infrações com reflexos patrimoniais. Além disso, apresenta como ilustração: os crimes de trânsito, dos quais desencadeiem lesões culposas, homicídio culposo, direção perigosa e ausência de habilitação. Sobretudo, salienta que tal reparação tem como escopo despertar no púbere o senso de responsabilidade social e econômica em face ao patrimônio de outrem. Com efeito:

ECA – ATOS INFRACIONAIS EQUIPARADOS AOS DELITOS DE LESÃO CORPORAL E HOMICÍDIO CAUSADOS POR CONDUÇÃO IMPRUDENTE DE VEÍCULO AUTOMOTOR NA VIA PÚBLICA, SENSO AS VÍTIMAS COLHIDAS NO PASSEIO PÚBLICO – FUGA SEM PRESTAÇÃO DE SOCORRO – CONFISSÃO – PROVA FIRME – MATERIALIDADE POSITIVADA – SENTENÇA VÁLIDA – NULIDADES INCORRENTES – REPARAÇÃO DO DANO – MEDIDA PREVISTA NO ESTATUTO – SENTENÇA MANTIDA. Recuso improvido. (BRASIL, 2003). 

No que concerne ao parágrafo único do aludido artigo, impende sublinhar o julgado abaixo:

ATO INFRACIONAL ANALOGO - HOMICIDIO CULPOSO – INDENIZAÇÃO-REDUÇÃO DO VALOR. Apelação. ECA. Acidente com jet-sky. Reparação do dano. Sentença que fixa quantia exagerada. Reforma parcial. Adolescente infrator que, na condução de um jet-sky, na Lagoa de Araruama, atinge, fere e mata uma banhista. Imposição de medidas socio-educativas, entre as quais a de reparar o dano, em favor da família da vitima. Fixação de quantia exagerada, que os pais do adolescente, responsáveis solidários pela reparação, demonstram não ter condições de pagar. Redução da indenização a nível módico, passível de ser atendido pelos devedores.(BRASIL, 2003).

Em suma, verifica-se que esta medida será aplicada nos casos de atos infracionais que gerem danos diretos ou indiretos ao patrimônio alheio e, inclusive, tem o fito de desencadear a responsabilidade socioeconômica do jovem, o qual despende de recursos financeiros, caso possua, no intuito de repor o status quo ou mitigar o dano realizado através do ato que perpetrou.     

6.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE

Antônio De Paulo (2004, p. 273) conceitua esta medida socioeducativa como pena que consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, as quais são realizadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos, entre outros estabelecimentos congêneres e, ainda, em programas comunitários ou estatais. No mesmo sentido, impende sublinhar o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente:             

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto à entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou jornada normal de trabalho. (BRASIL, 2008).     

Valter Kenji Ishida (2009, p. 182) comenta que a fixação do interregno de seis meses para o cumprimento desta medida socioeducativa é adequado. Com efeito:

Prática de ato infracional – Aplicação de medida socioeducativa – Prazo de cumprimento da prestação de serviços à comunidade fixado em seis meses pelo Magistrado Singular – Inconformismo do apelante – Recurso pugnando a redução do período da medida aplicada. Improvimento. (BRASIL, 2009).

Bianca Mota Moraes e Helena Vieira Ramos (2007, p. 797) ensinam que tal medida está relacionada com a natureza do ato infracional perpetrado pelo infante. Neste sentido:

Menor – Medida socioeducativa – Prestação de serviços à comunidade – Admissibilidade – Fixação em razão da natureza do ato infracional, equivalente a lesão corporal de natureza leve, decorrente de agressão – Autoria e materialidade comprovadas – Recurso improvido. (BRASIL, 2001).

Analogamente, utilizando a inteligência de Luiz Regis Prado (2005, p. 616), nota-se que o escopo desta medida é reinserção social do infrator, sem que este sofra os dissabores que o cumprimento de uma eventual internação poderia lhe trazer.

Em resumo, verifica-se que as medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade são aplicadas aos casos de infrações leves, na qual o infrator pode ser submetido a cumpri-las até o interregno de seis meses, à guisa gratuita, servindo como resposta social menos gravosa pela perpetração de seu ato inadequado ao convívio social.

 6.4 LIBERDADE ASSISTIDA

Valter Kenji Ishida (2009, p. 184) conceitua esta medida parafraseando Luiz Otávio de Oliveira Amaral, o qual vaticina que: "A liberdade assistida consiste em submeter o menor, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, à assistência (inclusive vigilância discreta), com o fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação".

De acordo com Bianca Mota Moraes e Helena Vieira Ramos (2007, p. 797), a aludida assistência será prestada por um orientador apto e designado pela Autoridade Judicial. No mesmo sentido, acrescentam com as palavras de Giuliano D'Andrea que:

O infrator será mantido em liberdade e a ele será designada pessoa capacitada para acompanhá-lo, ocorrendo, normalmente, encontros periódicos com o menor e a sua família a fim de orientação e sugestões que visem não só localizar o motivo pelo qual o adolescente praticou a infração, mas o que poderá ser feito para melhorar sua conduta e seu desenvolvimento. (MORAES; RAMOS, 2007, p. 798).

Somando tudo, nota-se que esta medida é suplementar a entrega do infrator aos seus responsáveis ou a liberação de seu internato, tendo o fito de inibir a reincidência do infante através da orientação e acompanhamento de um profissional qualificado para tanto.

6.5 SEMILIBERDADE

Conforme assevera Valter Kenji Ishida (2009, p. 186), esta medida consiste na permanência da internação do adolescente, no entanto, o mesmo poderá realizar atividades externas. Neste sentido, segue a Resolução nº 47 do CONANDA, a qual expressa que:

Art. 1º O regime de semiliberdade, como medida socioeducativa autônoma (art. 120 caput, inciso), deve ser executada de forma a ocupar o adolescente em atividades educativas, de profissionalização e de lazer, durante o período diurno, sobre o rigoroso acompanhamento e controle de equipe multidiciplinar especializada, e encaminhado ao convívio familiar no período noturno, sempre que possível. Art. 2º A convivência familiar e comunitária do adolescente sob o regime de semiliberdade deverá ser, igualmente, supervisionada pela equipe multidiciplinar. Parágrafo único- A equipe multidiciplinar especializada incumbida do atendimento ao adolescente, na execução da medida em que trata este artigo, devera encaminhar, semestralmente, relatório circunstanciado e propositivo ao Juiz da Infância e da Juventude competente. (BRASIL, 1996).     

Em conformidade com esta resolução, segue o entendimento jurisprudencial abaixo:

Habeas Corpus. Representação contra adolescente capitulada no art. 155, §4º, inciso I e IV, do Código Penal. [...] Aplicada medida socioeducativa de semiliberdade provisória, com fulcro nos arts. 120, §2º, e 124, inciso VI, ambos do ECA, tendo em vista que o adolescente não estuda e não tem endereço certo e demonstra personalidade distorcida. Inocorrência de constrangimento ilegal. É dever do magistrado prover, prevenir e prever a reincidência, através de medidas socioeducativas enquanto é tempo para aplicá-las. Completados os dezoito anos pouco ou nada se pode fazer. Todos devem participar do processo de reeducativo, nos termos do art. 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ordem denegada, com recomendação. (BRASIL, 2005).    

Em suma, comparando a liberdade assistida com a semiliberdade, infere-se que  esta é mais rigorosa do que aquela, uma vez que é uma medida autônoma, na qual o jovem fica parcialmente internado e, inclusive é supervisionado por uma equipe multidissiplinar. Não obstante as diferenças mencionadas, ambas possuem a mesma finalidade reeducativa.

6.6 INTERNAÇÕES

De forma sucinta, a internação consiste na medida socioeducativa privativa de liberdade, com a finalidade educativa e sancionadora, submetida aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de pessoa em desenvolvimento, os quais já foram abordados no subtítulo 3.2.

De acordo com Valter Kenji Ishida (2009, p. 188): "constitui a medida de internação a mais grave dentre as socioeducativas, constituindo, [...], em medida privativa de liberdade".

Desse modo, impende salientar a existência de três tipos de internações, ou seja, a provisória, a definitiva e a sanção.

Semelhantemente ao Processo Penal, a internação provisória refere-se as seguintes situações:

a) quando existam indícios suficientes de materialidade, devendo restar demonstrada a imprescindibilidade da medida ou b) quando a garantia da segurança pessoal do adolescente ou a manutenção da ordem pública assim o exigirem, em função da gravidade do ato infracional praticado. (MORAES; RAMOS, 2007).  

            No mais, a referida internação terá o prazo máximo de 45 dias, conforme o art. 108 do ECA.  No mesmo sentido, segue o informativo nº 533 do STF:

Excesso de Prazo e Internação Provisória. Por considerar que a internação provisória extrapolaria, em muito, o prazo assinalado pelo art. 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, de modo a afastar a excepcionalidade própria da restrição preventiva da liberdade, assumindo a feição de punição antecipada, a Turma, em votação majoritária, superou o Enunciado 691 da Súmula do STF e deferiu habeas corpus impetrado em favor de menor cuja apreensão ocorrera em 11.7.2007 (ECA: "Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias."). De início, ressaltou-se que o feito encontrar-se-ia na fase de defesa prévia, quando da concessão de medida liminar (3.4.2008) pelo Min. Carlos Britto, relator, sem que a demora na prestação jurisdicional pudesse ser imputada à defesa ou à complexidade da causa. Tendo isso em conta, asseverou-se que deveriam ser sopesados, de um lado, os valores constitucionais do exercício do poder-dever de julgar (art. 5º, XXXV) e, de outro, o direito subjetivo à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII), sobretudo quando em jogo a liberdade de locomoção daqueles a quem a Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e um particular conjunto normativo-protetivo (artigos 227 e 228). Vencidos os Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski relativamente ao conhecimento do writ. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de aguardar, em liberdade assistida, o julgamento da ação. (BRASIL, 2008).

Pelo contrário, de acordo com Bianca Mota de Moraes e Helena Vieira Ramos (2007, p. 807), "a internação definitiva não comporta prazo determinado – mas não pode ultrapassar o período de três anos e precisa ser reavaliado a cada seis meses". Além disso, a mesma possui os seguintes requisitos: "o cometimento de ato infracional com grave ameaça ou violência a pessoa (art. 122, I); ou b) a reiteração em outras infrações graves (art. 122, II)". Com efeito, segue o julgado abaixo:

HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO PORTE ILEGAL DE ARMAS DE USO PERMITIDO. DESNECESSIDADE DA ARMA ESTAR MUNICIADA PARA CARACTERIZAR CRIME. ATIPICIDADE. INEXISTÊNCIA. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO POR PRAZO INDETERMINADO. INEXISTÊNCIA DE REITERAÇÃO DE CONDUTA INFRACIONAL GRAVE. MALFERIMENTO AO ART. 122 DO ESTATUTO MENORISTA. ROL TAXATIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PRECEDENTES. 1. Basta a configuração do crime do art. 14 da Lei nº 10.826/03, o porte de arma de uso permitido sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sendo irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada. 2. A internação, medida socioeducativa extrema, só está autorizada nas hipóteses taxativamente elencadas no art. 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Somente ocorre reiteração de conduta infracional pelo menor, quando, no mínimo, são praticadas três ou mais condutas infracionais. 3. Precedentes do Supremo Tribunal de Justiça. 4. Ordem parcialmente concedida para, reformando o acórdão vergastado, restabelecer a sentença de primeiro grau. (BRASIL, 2006).      

Conforme ainda Bianca Mota de Moraes e Helena Vieira Ramos (2007, p. 822), diferentemente das aludidas internações, a internação sanção é o meio legal pelo qual se faz regredir uma medida anteriormente aplicada.

Em suma, verifica-se que esta medida socioeducativa é relativa aos atos infracionais de natureza grave, sendo a mais grave de todas as medidas mencionadas e, inclusive poderá ser aplicada de acordo com critérios e períodos distintos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

7 CONCLUSÃO

A princípio, apreende-se que para atender o devido processo legal, se faz necessário a aplicação do processo nos moldes da lei, no qual o jovem possa realizar a sua defesa. Com isso, caso o processo não possibilite o direito ao contraditório do jovem, o mesmo deve ser desconsiderado.

Posteriormente, nota-se a necessidade da implantação de novos mecanismos judiciais que simplifiquem e desburocatizem os tramites processuais, de meios que assegurem o comportamento não procrastinador dos litigantes,  a atualização dos operadores do direito para manejar casos complexos e, ainda, o aumento de órgãos, de  recursos humanos e tecnológicos para compor os conflitos juvenis. No entanto, não deixando de lado as garantias que norteiam o processo.

Saliente-se que o infrator não pode ser submetido ao rigor do sistema penal, uma vez que necessita das medidas socioeducativas para a sua reeducação.

Desse modo, apesar dos casos de comoção popular, no qual se apresentam vozes clamando pela menoridade penal, temos que ter em mente que muita das vezes, a  primeira vez que Estado alcança esses jovens é na aplicação da medida socioeducativa. Ou seja, o amparo público sequer foi oferecido pelo Estado para compor a sua formação, sendo a aludida medida uma oportunidade para o púbere entender e exercer o seu papel social conforme as leis norteadoras do Estado Democrático de Direito.

Entretanto, nota-se a necessidade de uma articulação envolvendo as três esferas do Poder Executivo, bem como da própria sociedade para atender os planos estabelecidos pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos,  dentre eles, a garantia de atendimento especializado para adolescentes com deficiência e em sofrimento psíquico ou com dependência química, afirmação da natureza pedagógica e sancionatória da medida socioeducativa, primazia das medidas socioeducativas em meio aberto, reordenamento das unidades mediante parâmetros pedagógicos e arquitetônico, formação continuada dos operadores do sistema de garantia de direitos, mobilização da comunidade e da mídia, dentre outros.

Quanto à aplicação da medida socioeducativa ao púbere adulto em face à maioridade civil se mostra aplicável, uma vez que se o infante cometesse ato infração próximo aos 18 anos sequer seria sujeito a alguma intervenção estatal. Por lado, se fosse reduzida a menor idade penal para 16 anos de idade, o colocaria no sistema carcerário, o qual sequer prevê os meios pedagógicos para reeducação desse jovem. Contudo, se mostra patente a necessidade da adequação das instituições recebedoras desses infantes no intuito de evitar a superlotação e a junção de jovens de idade e periculosidades diferentes, bem como qualificá-los de forma que o mercado de trabalho os acolha, o que se revela indispensável para aplicação de medidas socioeducativas à guisa satisfatória, buscando-se o fim reeducador e ressocializante para qual foram criadas.

Além disso, pode-se concluir que a norma precedente e especial (ECA), prevaleceu sobre a posterior geral (novo Código Civil).

Portanto, o eventual dano ao direito do adolescente infrator referente à maior idade civil em face à aplicação das medidas socioeducativas se evidência muito mais pelas condições fornecidas para a sua reeducação do que pelo advento da maior idade civil.


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