Propõe-se a análise detalhada de cada principio frente a atuação jurisdicional e a aplicação das súmulas, sob a ótica da regularidade imposta pelo princípio diretriz no devido processo legal.

 

1.1.        ACESSO À JUSTIÇA E EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO

A expressão acesso à justiça, pode ser determinada como uma finalidade básica do sistema jurídico, qual seja o poder da sociedade de reivindicar direitos ou conjuntamente com estas aspirações, resolver litígios sob a  tutela do Estado, sendo acessível a todos e que possa produzir resultados justos e individualizados.

Ora, nas palavras da respeitável doutrina de Kazuo Watanabe, citado na obra de Brunela Vieira de Vincenzi, temos a definição para o autor de direito de acesso à justiça:

“o direito de acesso à justiça é, fundamentalmente, direito de acesso à ordem jurídica justa, sendo dados elementares desse direito: (1) o direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição constante da adequação entre ordem jurídica e a realidade socioeconômica do País; (2) direito de acesso à Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização de uma ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça como tais características.”[1]

Desta forma, se fez necessário a garantia de postular em juízo o provimento jurisdicional à instância ou Tribunal previamente constituído e que seja apto a prover um julgamento imparcial, sendo imprescindíveis o direito de ação e direito de defesa, como meio de acesso à justiça, destacando o preceito na commum Law como “the right to be ahead and to be given a fair hearing”.[2] 

No mesmo entendimento, Ada Pellegrini Grinover, define:

“acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial.”[3]

Devemos entender que, então o acesso á justiça, e assim, o direito ao processo, deve ser um processo que reserve resultados no plano empírico, no mundo real dos fatos e que se alcance a concretização do direito material.

Para Wambier, o direito de acesso à justiça é o próprio direito à efetividade da jurisdição, uma vez que entende que é um direito fundamental e sua ineficácia atinge diretamente todos os outros direitos fundamentais.

Ademais, o princípio da efetividade da jurisdição pode ser considerado um princípio constitucional especial,[4] pois este princípio que permite que os outros princípios constitucionais sejam suscitados e questionados perante no judiciário, uma vez que sem o acesso à justiça, não há como atingir-se o bem jurídico tutelado.

Uma vez elevado à princípio constitucional, o legislador protegeu esta garantia, incluindo no artigo 5.º, inciso XXXV, bem como o inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988, a garantia do acesso à justiça com a previsão de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”,  respectivamente.

De modo geral, a garantia do acesso à justiça é vista como a inafastabilidade do controle jurisdicional, para que a sociedade obtenha a prestação da tutela jurisdicional, e assim a efetividade do processo.[5]

1.2.        DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

O duplo grau de jurisdição pode ser definido como a possibilidade de reexame da decisão definitiva proferida em determinada causa, pó outro órgão de jurisdição que não o prolator da decisão para a qual se deseja a reapreciação, normalmente de hierarquia superior.

Ademais, cumpre observar que o reexame proposto, em regra, deve ser feito por órgão diverso daquele que proferiu a decisão não sendo obrigatória ordem hierárquica entre eles.

Neste sentido, leciona Milton Paulo de Carvalho:

“Este princípio assegura o direito ao recurso. Respeita a tendência inata no homem de não se conformar com um primeiro e único juízo sobre a sua disputa, e atende à necessidade prática de remediar os erros decorrentes da falibilidade humana, possibilitando que um órgão hierarquicamente superior corrija o meu julgamento do inferior.”[6]

Encontra-se positivado e consagrado como princípio constitucional no artigo 5.º, inciso LV, da Constituição Federal, o qual descreve que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. É portanto, princípio constitucional implícito.

Além disso, é necessário destacar a natureza política da aplicação deste princípio. Neste sentido:

“o principal fundamento para a manutenção do principio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragrados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram as urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso. É preciso, portanto, que se exerça ao menos o controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias. Eis a conotação política do princípio do duplo grau de jurisdição.”[7]

Portanto, o duplo grau de jurisdição, como garantia constitucional, atende e resguarda aplicação da justiça, bem como o exercício da justiça em conformidade com a legalidade, estabelecendo não só um controle jurisdicional material, mas também uma forma de limitação de natureza política.

Desse modo, sua inobservância, conforme visto, além ferir o ordenamento constitucional, acaba por prejudicar a fiscalização sobre a função jurisdicional do Estado, fazendo com que o órgão prolator torne-se imune de controle.

 

 

1.3.        RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

 

Consagrado pela Emenda Constitucional n.º 45 o princípio da duração razoável do processo encontra-se disposto no inciso LXXVIII, artigo 5.º da Constituição Federal.

Estabelece tal inciso que,

“a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

            Exterioriza-se através de decisões que garantam a celeridade na tramitação do processo para a sua razoável duração, visto que o processo deve caminhar sem dilações desnecessárias, observando as garantias constitucionais das partes envolvidas, evitando atos protelatórios.

            Não basta a celeridade do processo pura e simples; o que se busca é a diminuição do tempo gasto, de forma inteligente a ponto de eliminar os desgastes trazidos por um processo que se arrasta pelo tempo e, conseqüentemente a perda da prestação jurisdicional pleiteada, pela periclitação do direito envolvido, alcançando, de forma efetiva, a resolução do conflito.

            Para que se atinja este objetivo, ações são necessárias, tais como meios materiais suficientes para que a máquina judiciária tenha condições de cumprir os prazos estabelecidos e o esforço para prestar um serviço efetivo, sem que seja abreviada a prestação jurisdicional.

            Desse modo, pode-se verificar que

“ao estabelecer o texto constitucional que o processo tenha duração razoável, prescreve-se que a justiça deva atender ao interesse público de solução de controvérsias, mediante a atuação jurisdicional, de forma breve, mas pronta a ser eficaz. Atende-se aos interesses do Estado-poder e do Estado-sociedade.”[8]

            Sendo assim, o que se espera na aplicação do principio da razoável duração do processo é a prestação jurisdicional em tempo razoavelmente apto a fazer com que esta seja efetiva, sem que sejam criados mecanismos de ordem limitativa às demais garantias, como o acesso à justiça e o duplo grau de jurisdição.



[1] VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa – Fé no Processo Civil. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 38; apud “Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In: Participação e Processo. Obra coletiva coordenada por Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. P. 135

[2] VICENZI, Brunela Vieira de. A Boa – Fé no Processo Civil. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 39

[3] GRINOVER, Ada Pelegrini. A assistência judiciária e acesso à justiça in Novas tendências do direito processual, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, pp. 244-245

[4] WAMBIER, Luiz Rodrigues. O Contempt of Court na Recente Experiência Brasileira – Anotações a respeito da necessidade premente de garantir efetividade das decisões judiciais. Revista de Processo. nº 119. São Paulo. Janeiro/2005. P. 39

[5] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência – tentativa de sistematização. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 65

[6] CARVALHO, Milton Paulo de; ASSIS, Carlos Augusto de; CARACIOLA, Andrea Boari e DELLORE, Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 83

[7] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo/ GRINOVER, Ada Pellegrini/ DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 74

[8] SCARTEZZINI, Ana Maria Geffi Flaquer. O prazo razoável para a duração dos processos e a responabilidade do estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, ET. AL. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.43