Principio do duplo grau de jurisdição

 

Luiz Carlos Teixeira de Macêdo Junior e

Rodrigo Barbosa Vieira*

 

*Graduandos de Direito na Universidade Federal do Maranhão, no 5º semestre.

Resumo

O presente artigo destina-se a explorar a temática concernente ao principio do duplo grau de jurisdição, principio este dotado de notável importância dentro da temática processualista, bem como da própria jurisdição, no que toca à efetiva aplicação do direito. Para tanto, de modo a traçar linhas gerais acerca do referido instituto, buscou-se abordá-lo por meio de renomado aparato doutrinário (proveniente da imprescindível produção dos juristas pátrios), atendo-se ainda à legislação pátria pertinente, além daquela alienígena que pudesse de algum modo contribuir para vislumbre de maior nitidez e profundidade perante o principio em comento. Além disso, necessário se fez encontrar a efetiva constatação do duplo grau de jurisdição como pilar da construção jurisprudencial brasileira, mormente preciosas alusões insertas no seio dos julgamentos dos tribunais superiores como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, sem deixar de advogar, todavia, a valia da figura do juiz. Para tanto, os a visão esteve sempre voltada ao sistema recursal firmado no Código de Processo Civil de 1973, atualmente vigente, buscando situar, de forma crítica, o principio enunciado nesta sistemática em consonância com uma efetiva e célere prestação jurisdicional.

Introdução

O sistema processual é norteado e suplantado por uma série de principios a exemplo do contraditório, da ampla defesa, da publicidade dos atos judiciais, da igualdade entre as partes, bem como do que aqui se incide foco maior - duplo grau de jurisdição. O respeito e a utilização de tais principios no direito processual conferem possibilidade de consolidação do devido processo legal, claramente garantido na Carta Magna de 1988.

Alvo do estudo aqui apresentado, o principio do duplo grau de jurisdição se destaca pela peculiar natureza jurídica, de modo que não se encontra taxado de forma específica na Constituição Federal, diversamente, por exemplo, do contraditório e da ampla defesa.

Entretanto, a doutrina lembra que a previsão constitucional de órgãos de segundo grau com competência recursal, bem como as disposições existentes nos Códigos de Processo civil, de Processo Penal, na Consolidação das leis do trabalho e legislação extravagante dão corpo a tal principio de peculiar natureza jurídica. (1)

Ademais, importa ponto crucial no tratamento do duplo grau de jurisdição destacar os pontos favoráveis e os desfavoráveis que podem vir à tona quando confrontados valores como a segurança jurídica, a falibilidade do juiz, a celeridade e a economicidade processual, bem como a efetividade da prestação jurisdicional contraposta com uma razoável duração do processo.

Todos esses fatores constituem o cenário propício para uma visão da sistemática recursal no que tange à demasia da atividade jurisdicional recursal (com uma conseqüente ampliação da duração do processo na maioria dos casos, ofendendo a celeridade processual) na realidade dos tribunais brasileiros, aliada a uma consideração não tão prestigiosa da atividade do juiz que profere as decisões atacadas pelas vias recursais. Correlaciona-se a estes pontos a ampla possibilidade de manejo de meios de impugnação dados pela lei processual.

Para tanto, também se procedeu à análise, em linhas gerais, de determinadas peculiaridades recursais a fim de capturar uma instrumentalidade constante na lei processual apoiada neste principio basilar.

Desta forma, apesar de não se tratar aqui de principio jurídico constante, expressis verbis, na Constituição brasileira de 1988 ou na legislação pátria, como garantia absoluta do litigante, o tema em comento encontra forte irradiação no ordenamento, dando ensejo à atividade recursal tendente à reapreciação de matérias já versadas, mas em sede diversa, por órgão distinto e colegiado, tendente a um maior acerto da tutela jurisdicional garantida pelo Estado (art. 5º, XXXV da CRFB/88).

Delimitação conceitual

Ante a falta de alusão específica da legislação pátria acerca do duplo grau de jurisdição, cabe à doutrina a tarefa de conceituação e dissecação do instituto. Para tanto, importa remessa aos mais autorizados juristas que nesta seara teceram produção de grande valia.

O eminente processualista José Carlos Barbosa Moreira, em relação ao duplo grau de jurisdição, assevera que:

“as lides ajuizadas devem submeter-se a exames sucessivos, como garantia de boa solução. A justificação política do principio tem invocado a maior probabilidade do acerto decorrente da sujeição dos pronunciamentos judiciais ao crivo da revisão. É dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema frequentemente conduz a mais exata conclusão [...]”(2)

 

Com grande propriedade, Araken de Assis também contribui significativamente para a construção do conceito de duplo grau. Em suas palavras,

“[...] a lei confere o direito de provocar outra avaliação do seu alegado direito, de ordinário perante órgão judiciário diverso e de superior hierarquia. A remessa da causa para outra avaliação, em órgão diferente, sugeriu a formulação básica e a ulterior explicitação do principio do duplo grau de jurisdição. Fiel à natureza do recurso, aqui adotada, o duplo grau efetiva no mesmo processo. Por essa razão, receberá a designação de principio do duplo grau na unidade do processo.”(3)

 

André Ramos Tavares também, nesse segmento, preleciona que:

 

“o postulado do duplo grau de jurisdição desenvolve-se sob o pressuposto de que os conflitos de interesses são mais justamente decididos quando passam pela apreciação de dois juízos diferentes. Resulta, pois, da certeza na falibilidade humana”(4)

O mesmo autor tece crítica concisa à expressão “duplo grau de jurisdição” ao apontar que se trataria de expressão tecnicamente incorreta, de modo que a jurisdição é una, importando assim falar em um duplo grau de cognição ou de julgamento das lides. Quanto ao termo “grau”, segundo o mesmo jurista, este deve ser entendido como fase, etapa, e não como necessariamente interligado à idéia de hierarquia, já que, a exemplo dos Juizados Especiais Cíveis, o colégio recursal é formado por juízes de primeira instância. (5)

Acompanha esta crítica Luiz Guilherme Marinoni, o qual dispõe que “nessa linha, o denominado duplo grau de jurisdição poderia ser mais bem definido como um duplo juízo sobre o mérito.” (6)Nesta mesma linha manifesta-se Araken de Assis:

“Entre nós, a jurisdição revela-se imune a graus. O direito brasileiro adotou o principio da unidade jurisdicional. A separação baseia-se na hierarquia, e não na qualidade intrínseca do corpo julgador. Neste sentido, a consagrada nomenclatura –duplo grau-, induzindo a ideia de pluralidade de jurisdições, revela-se imprópria.” (7)

Percebe-se que renomada doutrina ao perscrutar o tema, debruça-se sobre a possibilidade de reapreciação dos conflitos trazidos ao Poder Judiciário por órgão diverso (não necessariamente de hierarquia superior, conforme alhures apontado), intentando conferir maior acerto, ou ao menos, menor falibilidade ao pronunciamento judicial final. Notadamente, o órgão de segundo grau é normalmente composto por magistrados especialmente escolhidos segundo os ditames constitucionalmente previstos para tanto.

Os recursos são instrumentos hábeis a remeter à matéria ao segundo grau (à exceção dos embargos de declaração) ante a irresignação da parte vencida. Cabe aqui lembrar a definição de Barbosa Moreira de recurso (já que se mostra como a mais completa). Seria “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna.” (8)

Abordagem histórica

O duplo grau de jurisdição surge na história da administração da justiça ainda na fase da antiguidade. O incidente da revisão de um julgamento por autoridade hierarquicamente superior já se desenhava entre romanos, egípcios, hebreus e atenienses na figura da provocatio, direcionada ao rei.

O direito romano sempre mostrou notável construção e solidez em seu aparato jurídico. O instituto da apelação (meio de reforma de sentença) tem origem em Roma, sob o império de Adriano, conferindo possibilidade de reexame da sententia, denominada apellatio. Ensina José Carlos Barbosa Moreira que “a apellatio veio a firmar-se, no ordenamento romano, já no período da cognitio extra ordinem, com a oficialização da máquina judiciária e a inserção dos juízes na pirâmide burocrática cujo vértice era ocupado pelo imperador”8

Por meio da delegação dada ao pretor e ao cônsul, o imperador atendia excepcionalmente aos casos em que deveria proceder em revisão perante julgados proferidos por seus delegados. Preciosa é a lição de Araken de Assis quanto ao instituto:

 

“Para a instituição de um instrumento tão complexo e refinado como a apelação, mostraram-se imprescindíveis transformações profundas e vertiginosas no aparelho estatal romano, na expansão imperialista imposta a seguir, criando uma máquina judiciária, hierarquicamente distribuída, e encimada pelo imperador. Neste sentido, a apelação romana, à semelhança dos recursos contemporâneos, repousa na hierarquia judiciária”(9)

 

A figura da apellatio surge na fase da cognitio extra ordinem romana, período de tonificação dos poderes do príncipe, sendo de fato verdadeiro recurso em face das figuras da intercessio, infitiatio, revocatio in duplum e a restitutio in integrum, que eram capazes de impugnar as sentenças, sem, entretanto dar azo à sua reforma. Visavam, entre outros efeitos, a suspensão da execução de decisão e a denunciação de vício existente na mesma.

O período da Revolução Francesa foi um marco importante ao principio em comento quanto a sua delimitação. Este resistiu apesar da manifestação de grupos contrários, que firmavam sua falibilidade uma vez que os tribunais superiores ainda estavam presos às amarras feudais, formando uma aristocracia que feria a democracia liberal e que a hierarquia de instâncias feria o principio da igualdade. O duplo grau, entretanto, persistiu ante a nova ordem social advinda com a Revolução Francesa sob os pilar de maior garantia ao cidadão de uma decisão judicial mais acertada, inserta no corolário de direitos individuais assegurados a partir de então. Ademais, a revisão das decisões permitia um controle frente a possíveis injustiças, o que seria menos possível perante o contexto de uma jurisdição concentrada em uma só pessoa ou órgão. Desta forma, “o principal fundamento para a manutenção do principio do duplo grau é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. [...] Eis a conotação política do principio do duplo grau de jurisdição.”(10) O ordenamento jurídico pátrio, inspirada no direito romano e canônico também adotou o duplo grau de jurisdição no bojo de suas Cartas políticas. Aliás, a figura das querimonias já cumpria o papel da apelação ainda em tempos de monarquia portuguesa. Na Constituição do Império de 1824, por exemplo, o art. 158 trazia expressa previsão da garantia do duplo grau de jurisdição(11).

Embora do mesmo modo não tenha se dado em todas as Constituições subseqüentes, entende-se (grande parte da doutrina) que uma análise sistemática da Carta Magna permite constatar-se proteção ao duplo grau de jurisdição, embora de maneira implícita, como se verá a seguir.

Natureza Jurídica

A natureza jurídica do principio do duplo grau de jurisdição é alvo de interessante discussão doutrinária, atendo-se sempre a uma índole constitucional como embasamento. Nesta seara, em uníssono soam as vozes doutrinárias pátrias, quanto a presença do principio, que se encontraria disseminado no corpo constitucional, sendo que a ausência de previsão expressa não é óbice a uma leitura sistemática e teleológica da Constituição Federal de 1988, havendo embate de posicionamentos em relação a absoluta e ilimitada manifestação desse principio, ante as disposições legais em âmbito recursal.

Posicionam-se nesta linha Nelson Nery Junior, Luiz Guilherme Marinoni, Araken de Assis, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco, como alguns dos grandes nomes da doutrina praticamente absoluta. Preleciona neste sentido, os três últimos autores:

“O duplo grau de jurisdição é, assim, acolhido pela generalidade dos sistemas processuais contemporâneos, inclusive pelo brasileiro. O principio não é garantido constitucionalmente de modo expresso, entre nós, desde a República; mas a própria Constituição incumbe-se de atribuir a competência recursal a vários órgãos da jurisdição (art. 102, II; art. 105,II; art. 108, II), prevendo expressamente, sob a denominação de tribunais, órgãos judiciários de segundo grau (v.g., art. 93, III). Ademais, o Código de Processo Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho, leis extravagantes e as leis de organização judiciária prevêem e disciplinam o duplo grau de jurisdição” (12)

Entretanto diverge a doutrina quanto à extensão da garantia de um direito à dupla (ou múltipla) apreciação de demanda dada em decorrência da delimitação de um sistema recursal (a exemplo dos artigos 102, II e III e 105, II e III da Carta Magna) ou por meio de outros dispositivos como os incisos LIV (devido processo legal) e LV do art. 5º (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). Isso não significaria, necessariamente, a possibilidade de impugnação de qualquer decisão judicial. Com brilhantismo que lhe é constante, ensina Araken de Assis:

“No entanto, o duplo grau de jurisdição não representa uma imposição constante da Carta Política. Assim, o art. 121, §3º, declara irrecorríveis os pronunciamentos do TSE, salvo quando houver ofensa à Constituição. Diz-se, então, que o duplo grau representa simples previsão da CF/88, não integrando compulsoriamente direito fundamental à ampla defesa consagrado no art. 5º, LV, da CF/1988. (13)

Desta forma, a limitação do sistema recursal (que nem sempre preverá meios de impugnação a todos os pronunciamentos judiciais, a exemplo dos despachos sem conteúdo decisório, art. 504 do CPC) não fere necessariamente os principios do devido processo legal, ou mesmo do próprio grau de jurisdição, de modo que a vasta amplitude de remédios contra pronunciamentos judiciais, além de tornar inconcebível uma célere prestação jurisdicional (engessando assim a demanda dos tribunais, principalmente dos superiores), não necessariamente condiz com uma efetiva tutela do Poder Judiciário. Em complementação:

“os meios e recursos inerentes à ampla defesa, e explicitamente mencionados no art. 5º, LV da CF/88, limitam-se àqueles instituídos pelo legislador ordinário. Os principios do devido processo legal e do duplo grau não se mostram interdependentes, nem há relação de continência entre o último e o primeiro, concebendo-se um processo com as garantias básicas do primeiro sem o reexame obrigatório de todos os atos decisórios. Assim, a irrecorribilidade das interlocutórias é comum no processo civil norte-americano, vigorando a regra do appeal tão só do final judgment, e semelhante esquema respeita o due process of Law (14)

Ante a certos limites existente ao poder de recorrer existentes no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, certos institutos visam acelerar a prestação da tutela judiciária, em serviço à celeridade, economicidade e instrumentalidade do processo. Entre as mais variadas técnicas, tem-se como exemplo o julgamento da apelação pelo órgão ad quem quando não se alcnça o exame de mérito em sede de sentença, nos moldes do §3º do art. 515 do Código de Processo Civil. Este está assim disposto “Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.” Trata-se da chamada “causa madura”, como está disseminada a denominação na doutrina. Recorre-se aqui às magistrais palavras do eminente José Carlos Barbosa Moreira:

“Colhe-se daí mais um dado relevante para a configuração exata do principio do duplo grau de jurisdição, tal como agasalha o Código de 1973. Consoante já se frisou, no regime originário, era inadmissível que o órgão superior se pronunciasse sobre o meritum causae, sem que antes o tivesse feito o juízo inferior. O acréscimo do §3º, feito pela lei nº 10.352, não era necessário que a atividade cognitiva do iudex a quo houvesse esgotado a matéria de mérito. O principio do duplo grau, no sistema do atual estatuto, e independente d inovação trazida pela lei 10.352, não reclama que só passem ao exame do tribunal as questões efetivamente resolvidas na primeira instância: fica satisfeito com a simples possibilidade de que essas questões fossem legitimamente apreciadas ali. Deve reconhecer-se tal possibilidade sempre que o juiz a quo já estivesse em condições de resolvê-las, no momento em que proferiu a sentença” (15)

Nesta seara, em sede de julgamento de recurso especial e recurso extraordinário, tem-se de levar em consideração os julgamentos por amostragem previstos nos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 543-b. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§ 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.

§ 2º Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§ 3º Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4º Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§ 5º O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2º Não adotada a providência descrita no § 1º deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”

Esta técnica de julgamento de recursos excepcionais tem como objetivo acelerar a prestação jurisdicional perante uma multiplicidade de recursos que versem sobre matéria idêntica, de modo que uma solução única sirva de parâmetro para os demais (podendo os demais recursos ficar prejudicados ou seguirem o trâmite normal para julgamento nos tribunais superiores. Tal técnica tem nítido caráter de serventia a um processo célere que ao mesmo tempo não deixa de ser efetivo, tornando-se um instrumento essencial para “desafogar” as vias de impugnação extraordinária que, embora dotadas de pressupostos de admissibilidade específicos que afunilam as possibilidades de interposição, ainda abarrotam os tribunais superiores, ante a sua quantidade expressiva. Barbosa Moreira lembra que semelhante técnica é aplicada no direito norte-americano, pela Supreme Court, através, principalmente, da petition of certiorari

A título de exemplo do instituto no âmbito do STJ, confira-se o REsp 1.116.620-BA, de relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado em 9/8/2010.

Há também a figura da súmula impeditiva de recurso, refletida nos enunciados sumulados pelos tribunais os quais se refere à legislação. Tais enunciados baseiam-se na construção jurisprudencial reiterada acerca de determinada matéria há muito tratada no seio do próprio tribunal, de modo que a pacificação de determinado entendimento por um tribunal serve de parâmetro para julgamento dentro do próprio tribunal e também nas instâncias logo abaixo na hierarquia. A legislação adjetiva, tendente a dar maior celeridade ao procedimento, estabelece certas regras que exigem a sintonia da decisão impugnada com súmula para não admissão do recurso (a exemplo do § 3º do art. 475, do §1º do art. 518, §1º-A do art. 557, todos do CPC).

O duplo grau de jurisdição não deve ser tido como absoluto. A verdade é que o litigante sempre se mostrará inquieto perante a decisão judicial que não lhe for favorável (seja total, seja parcialmente), fazendo uso de todos os meios que lhe são dados na intenção de reforma desta decisão, por vezes de forma desvirtuada, em casos de impugnações meramente protelatórias, que não são repreendidas de forma satisfatória. Deve-se buscar assim, no sistema recursal existente, uma visão equilibrada quanto à disposição de mecanismos efetivos (que não necessitam existir em demasia na legislação) de impugnação das decisões judiciais e uma tutela jurisdicional que não se dilate excessivamente no decurso do tempo e que muitas vezes, na prática, subsiste o provimento dado pelo juízo de primeiro grau. Em crítica bastante interessante acerca dos “graus” de jurisdição na estrutura judiciária pátria, pronuncia-se o saudoso Araken de Assis:

“Nesta conjuntura, o principio do duplo grau, embriagado pela ideologia da recorribilidade, e desviado de seus rumos por dois generosos tribunais de superposição- a última tentativa de combater os efeitos em lugar das causas reside no instituto da repercussão geral, todavia circunscrito ao extraordinário-, abdicou da sobriedade que lhe revestia a concepção originária. O aparecimento frequente e simultâneo das questões federal e constitucional nas causas mais banais, por razões diversas e típicas da organização constitucional pátria, gera um “duplo” grau exponencial: há o terceiro grau despontando no STJ, cada vez mais propenso a eliminar obstáculos ao cabimento do recurso especial (art. 105, III, da CF/88), para todos os efeitos comportando-se como autêntico tribunal de apelação; e há quarto grau, a cargo do STF. E, internamente ao terceiro e quarto graus, os litigantes dispõem de outros recursos- agravo interno, embargos de declaração e embargos de divergência-, encerrando um quadro altamente insatisfatório” (16)

No caso do Supremo Tribunal Federal, cabe frisar que, em determinadas situações as matérias analisadas por este tribunal de superposição não implicarão em reexame de outras decisões, ou seja, não funcionará como um segundo (ou quarto, conforme crítica acima) grau de jurisdição. Trata-se das matérias de competência originária desta Corte Superior, que escapam as demais competências recursais. Nos termos da Constituição Federal, mais precisamente nas alíneas “a” a “r” do inciso I do art. 102, entre os casos de competência originária, temos a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, o julgamento do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, de seus próprios Ministros e do Procurador-Geral da República, nos crimes comuns, a extradição solicitada por Estado estrangeiro, entre outras.

Nestes termos, pregamos pelo reconhecimento (embora não expresso) do duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico brasileiro a partir de uma leitura sistemática, teleológica e principiológica da Carta Magna de 1988. Entretanto filiamo-nos à crítica quanto qualquer alusão a um absolutismo desta garantia que obste a prestação de tutela jurisdicional célere (e coerente, frise-se), gerada pelo abarrotamento de recursos nos tribunais superiores, que muitas vezes não tem natureza tão nítida de estrito guardião da Constituição (no caso do Supremo Tribunal Federal) ou de tribunal de uniformização jurisprudencial (Superior Tribunal de Justiça, ante sua diversidade de entendimentos em seu próprio corpo de julgadores em algumas matérias)

O duplo grau na legislação alienígena

O duplo grau de jurisdição, por se mostrar como principio basilar dos sistemas recursais e serviente, em análise mais ampla, do próprio Estado Democrático de Direito, encontra abrigo também na legislação de diversos países que se estruturam nessa base político-jurídica. Assim, a exemplo do Brasil, alguns ordenamentos alienígenas não possuem o duplo grau de jurisdição contido expressis verbis em seus diplomas legais, mas está implícito no próprio ordenamento. Há sempre, no entanto, embate doutrinário quanto à constitucionalidade ou não do duplo grau “extraído” das Cartas Magnas. Os argumentos favoráveis sustam-se na maioria das vezes na possibilidade de interposição de recurso e assim, de provocação de uma segunda instância julgadora. Já os contrários assentam-se principalmente na ausência de disposição constitucional expressa de um segundo grau de jurisdição.

No ordenamento italiano, este argumento encontra abrigo no art. 111 da Constituição da República Italiana. Este tem o seguinte conteúdo: “Todas as medidas jurisdicionais devem ser motivadas. Contra as sentenças e contra as medidas concernentes à liberdade pessoal, pronunciadas pelos órgãos jurisdicionais, ordinários ou especiais, é sempre facultado o recurso junto à Corte de Cassação por violação da lei. Pode-se derrogar de tal norma somente para as sentenças dos tribunais militares em tempo de guerra. Contra as decisões do Conselho de Estado e do Tribunal de Contas, o recurso à Corte de Cassação é admitido unicamente por motivos inerentes à jurisdição.”

Situação idêntica se passa no ordenamento português, além de Espanha, Uruguai, entre outros.

Cabe destacar também que o principio em estudo também encontra assento no ordenamento norte-americano, que em sua Constituição Federal, atribui à Supreme Court competência recursal (appellate jurisdiction), inclusive no tocante a decisões estaduais, reexaminadas pelas vias do appeal e do writ of certiorari.

Distinto contexto se perpassa no ordenamento francês já que a Constituição Francesa não estabelece previsão recursal. Esta encontra sítio legal na legislação ordinária, o que dá ensejo a fortes alegações de não constitucionalidade de um sistema recursal, de um duplo grau de jurisdição. De tal modo, fica a cargo do Nouveau Code de Procédure Civile, por exemplo, em seu art. 542, tratar do recurso da apelação.

Entretanto, é de se observar a taxatividade do duplo grau de jurisdição nas Cartas Políticas de determinados países. Entre eles destaque-se Rússia, Austrália e Dinamarca.

Contribuição Jurisprudencial Pátria

A atividade dos tribunais sem dúvida é de essencial valia à delimitação do alcance do principio do duplo grau de jurisdição na sistemática recursal, de modo que pontualmente, certas matérias demonstram-se pacificadas nos próprios tribunais enquanto outras ainda são alvo de divergências, seja quanto à fundamento diverso para uma mesma decisão,  ou mesmo entendimento diferente quanto à própria decisão.

Ante a inimaginável diversidade de matérias alvo de tratamento em sede recursal pelos tantos tribunais superiores, trouxemos aqui certos pontos de relevância presentes em julgamentos dos tribunais de superposição, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, apenas como amostra da importância do principio em comento na atividade jurisprudencial brasileira, mas mais pertinente ainda, sua limitação em face da sistemática recursal vigente, não comportando falar, reitere-se, num principio do duplo grau de jurisdição em concepção absoluta.

Nesta seara, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do art. 34 da lei 6.830/80, em decisão do Plenário da Corte no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 637975. O art. 34 veda a interposição de apelação em sede de execução fiscal cujo valor seja inferior a 50 Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN). Os fundamentos para tal entendimento seriam a compatibilidade deste artigo com os princípios  do  devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do acesso à jurisdição e do duplo grau de jurisdição.

Outros pontos também são tratados em relação ao principio do duplo grau de jurisdição, senão veja-se:

CONSTITUCIONAL. PROMOTOR DE JUSTIÇA. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 279-STF. PREQUESTIONAMENTO. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. I. - O exame da controvérsia, em recurso extraordinário, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório trazido aos autos, o que esbarra no óbice da Súmula 279-STF. II. - Ausência de prequestionamento das questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário. III. - A alegação de ofensa ao inciso LIV do art. 5º, CF, não é pertinente. O inciso LIV do art. 5º, CF, mencionado, diz respeito ao devido processo legal em termos substantivos e não processuais. Pelo exposto nas razões de recurso, quer a recorrente referir-se ao devido processo legal em termos processuais, CF, art. 5º, LV. Todavia, se ofensa tivesse havido, no caso, à Constituição, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E, conforme é sabido, ofensa indireta à Constituição não autoriza a admissão do recurso extraordinário. IV. - Não há, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Prevalência da Constituição Federal em relação aos tratados e convenções internacionais. VI. - Agravo não provido. (AI 513044 AgR / SP - Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO Julgamento:  22/02/2005 Segunda Turma)

“HABEAS CORPUS. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDITOS. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU. ORDEM DENEGADA. 1. A pretensão revisional das decisões do Tribunal do Júri convive com a regra da soberania dos veredictos populares (alínea “c” do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal). Regra compatível com a garantia constitucional que atende pelo nome de duplo grau de jurisdição. Garantia que tem a sua primeira manifestação na parte final do inciso LV do art. 5º da CF, a saber: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Precedente: HC 94.567, da minha relatoria. 2. Se a decisão do Tribunal do Júri é manifestamente contrária à prova dos autos, abre-se ao Tribunal de Segundo Grau a possibilidade de devolver a causa ao mesmo Tribunal do Júri para novo julgamento. 3. No presente HC, o acolhimento da pretensão defensiva implicaria o revolvimento e a revaloração de todo o conjunto fático-probatório da causa, incompatíveis com a natureza processualmente contida do habeas corpus. 4. Ordem denegada.” (HC 104285 / MG Relator(a):  Min. AYRES BRITTO Julgamento: 19/10/2010; Segunda Turma)

“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E 3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de natureza absoluta. 4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição.” (AI 601832 AgR Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA; Julgamento:  17/03/2009; Segunda Turma)”

“Depósito para recorrer administrativamente. - Em casos análogos ao presente, relativos à exigência do depósito da multa como condição de admissibilidade do recurso administrativo, esta Corte, por seu Plenário, ao julgar a ADI 1.049 e o RE 210.246, decidiu que é constitucional a exigência desse depósito, não ocorrendo ofensa ao disposto nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Carta Magna, porquanto não há, em nosso ordenamento jurídico, a garantia ao duplo grau de jurisdição.” (RE 356287 / SP; Relator (a):  Min. MOREIRA ALVES; Julgamento:  19/11/2002; Primeira Turma)

Também já entendeu o STF que não fere o princípio do duplo grau de jurisdição o julgamento de apelação por colegiado de órgão formado por juízes convocados, conforme o RE 597.133/RS julgado em 17/11/2010 pelo Plenário do Tribunal.

Destaque-se aqui, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema:

“Processo civil. Ação cautelar. Cancelamento de protesto de título pago. Natureza satisfativa. Hipótese excepcional. Caso concreto. Violação do duplo grau de jurisdição. Prequestionamento. Ausência. Recurso desacolhido.

I - Em hipóteses excepcionais, como no caso, tem a Turma admitido o efeito satisfativo da ação cautelar, a dispensar a propositura de posterior ação principal.

II - Na linha da jurisprudência deste Tribunal, ainda que se trate de questão surgida no julgamento de segundo grau, indispensável se mostra o prequestionamento.

III - De qualquer forma, mesmo que cassada a sentença, por violação do duplo grau de jurisdição, nenhum benefício teria o recorrente com o provimento do recurso, uma vez que o processo perdeu seu objeto com o cumprimento da liminar.” (RECURSO ESPECIAL N.º 285.279/MG ; Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira/4.ª Turma)

 

“Não se pode admitir que o tribunal a quo limite-se a manter a sentença por seus fundamentos, pois é de rigor que acrescente fundamentação que lhe seja própria a respeito das teses apresentadas pela defesa, sob pena de violação do dever de motivação das decisões (art. 93, IX, da CF/1988). A simples repetição da sentença recorrida não só desrespeita o referido dever constitucional, mas também causa prejuízo à garantia do duplo grau de jurisdição, pois descarta a substancial revisão judicial da primeira decisão. Anotou-se não desconhecer precedentes tanto do STF quanto do STJ em sentido contrário” (HC 91.892-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 5/8/2010; 6ª Turma)

Diante da jurisprudência acima vislumbrada do STF e do STJ, percebe-se que o duplo grau de jurisdição não é absoluto, devendo ser sopesado com questões inerentes a demais pontos tanto constitucionais como inerentes ao sistema recursal que merecem a atenção devida. De tal modo, não pode exigir a efetividade do duplo grau de jurisdição a aparte que por exemplo não atende a determinado requisito de admissibilidade de um recurso, seja ele geral ou específico (como o caso do prequestionamento). Entretanto não se pode colocar em risco a própria existência do princípio diante de um acórdão não devidamente fundamentado, por exemplo. Perceba-se que o duplo grau pode funcionar como argumento bastante forte à parte irresignada ante as decisões judiciais no âmbito do processo em quaisquer situações em que seu direito de reforma da decisão judicial desfavorável não é absoluto. Entretanto, caberá sempre ao julgador sopesar o peso desta alegação em respeito à própria legislação e aos demais princípios constitucionalmente previstos, estando sempre em consonância com a jurisprudência pacificamente assentada e revestida de forte vinculação.

Efetividade versus celeridade

A efetividade da prestação jurisdicional constitui o pronunciamento judicial de autoridade competente no intuito de resolver a lide com um resultado reportado como acertado, que seja aceito de forma geral como justo (apesar da subjetividade do termo). O respeito à principios basilares como o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, ao juiz natural é essencial para que se possa falar em tutela jurisdicional efetiva. Porquanto não possa o Poder Judiciário se afastar de apreciar lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV), não se pode exigir uma produção judiciária que não seja baseada na justiça, na lei e nos princípios, inclusive de ordem política que regem a sistemática processual.

Notavelmente, a reapreciação de uma decisão proferida em 1º grau de jurisdição por um órgão colegiado formado por seletos julgadores tende a conferir maior acerto na composição do litígio. Neste ponto, não se diminui o mérito do juiz de direito, mas constata-se a simples e notória falibilidade da ação humana, que há de ser remediada, quando ocorrer, ante a sua revisão e reforma. De tal modo se procede à busca de uma decisão menos sujeita a erros, seja de técnica de julgamento, seja do próprio julgar. A questão se torna complexa quando, diante de uma sistemática recursal que elenca diversos remédios para impugnação das decisões judiciais, aliada à burocracia e alta demanda dos órgãos judiciários, muitas vezes ainda amarrados a um ritualismo demasiado, verifica-se a dilatação penosa do processo no tempo. A justiça que é “feita” depois de anos de litigância, é muitas vezes tida como uma forma de injustiça, porque tardia.

Humberto Teodoro Junior sobre o tema afirma que:

“O retardamento dos processos, impende reconhecer, quase nunca decorre das diligências e prazos determinados pela lei, mas, em regra, é o resultado justamente do desrespeito ao sistema legal pelos agentes da Justiça. [...] O que retarda intoleravelmente a solução dos processos são as etapas mortas, isto é, o tempo consumido pelos agentes do Judiciário para resolver a praticar os atos que lhes competem. O processo demora é pela inércia e não pela exigência legal de longas diligências. [...] O drama envolve, é certo, algumas complicações de ordem normativa, como v.g., o excesso de recursos permitidos pela lei processual brasileira. Todavia, seu núcleo, seu ponto crítico, situa-se no plano administrativo, ou de organização e gerenciamento dos serviços forenses, já que “são as etapas mortas e não os prazos previstos em lei que retardam a marcha dos processos a ponto de exasperarem partes, advogados, interessados, com graves prejuízos para o bom nome da justiça e do próprio Estado” (17)

 

Louvando as mais variadas técnicas legislativas (como a antecipação dos efeitos da tutela, a previsão de procedimentos mais céleres como o sumaríssimo, a tentativa de conciliação pelo magistrado, bem como outras formas de composição alternativa dos conflitos, etc.) bem como a jurisprudência defensiva dos tribunais superiores que buscam imprimir maior instrumentalidade ao procedimento, e a iminente grande reforma na esfera processual civil com o advento de um novo Código de Processo Civil (ainda em trâmite) o que obsta a prestação célere da tutela jurisdicional é o anacronismo ainda constante na dinâmica do serviço prestado nos órgãos judiciários. Exige-se nos dias atuais, uma maior sensibilidade do julgador ao dinamismo das relações que ensejam conflitos. Deste modo, seja, o juiz de primeiro grau, seja o ministro do Supremo Tribunal Federal, o julgador deve sempre sopesar o respeito ao rito necessário com a instrumentalidade e a busca por maior celeridade processual, no que for cabível. Só assim, nos aproximaremos de uma tutela jurisdicional satisfatória dentro do limite do possível. Por fim, sempre se fazem cabíveis as palavras do mestre José Carlos Barbosa Moreira:

“De vez em quando, o processualista deve deixar de lado a lupa com que perscruta os refolhos de seus pergaminhos e lançar à sua volta um olhar desanuviado. O que se passa cá fora, na vida da comunidade, importa incomparavelmente mais do que aquilo que lhe pode proporcionar a visão de especialista. E, afinal de contas, todo o labor realizado no gabinete, por profundo que seja, pouco valerá se nenhuma repercussão externa vier a ter... O processo existe para a sociedade, e não a sociedade para o processo”(18)

 

 

 

 

 

 

 

Notas

1 CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. Pág. 77

2 MOREIRA, José Carlos Barbosa.Comentários ao Código de Processo Civil. pág. 237

3 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 74-75

4 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. pág. 743.

5 Curso de Direito Constitucional. pág. 744-745.

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. pág. 497.

7 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 75

8 Comentários, pág. 233.

9 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 379

10 CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, Teoria geral do processo, pág. 76-77.

11 LASPRO, Oreste Nestor. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, pág. 58

12 CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, Teoria geral do processo, pág. 77.

13 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 79

14 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 79

15 MOREIRA, José Carlos Barbosa.Comentários ao Código de Processo Civil. pág. 444.

16 ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. pág. 83

17 JUNIOR, Humberto Theodoro. Celeridade e efetividade da prestação juridicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. 2004.

18 MOREIRA, Barbosa. O juiz e a cultura da transgressão. Revista Jurídica, v. 267, p. 12, jan./2000.