2.3. Princípio da ofensividade com fundamento na dignidade da pessoa humana.

A República Federativa do Brasil, não se resume somente a um Estado de Direito, onde está submetido aos imperativos das leis, mais do que isso, é um Estado Democrático, em que se presa sempre pela paz, ordem, crescimento, igualdade e justiça social para os indivíduos que o compõe, sob a égide da dignidade da pessoa Humana, direito fundamental de todo individuo.

Nunca é demais lembrarmos, que todo o ordenamento jurídico Brasileiro sofre reflexos das normas e princípios da nova ordem Constitucional que norteiam todo o andar normativo pátrio.

Pois, ao que se ver, os vários ramos do direito tiveram as suas proposições basilares irradiadas pelos princípios constitucionais, fomentando-os com o garantimos neo constitucional, sendo inadmissível a aplicação da norma se não conforme a constituição. Na doutrina de Regis Prado.

Como postulado fundamental, peculiar ao Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana há de plasmar todo ordenamento jurídico positivo – como dado imanente e limite mínimo vital a intervenção jurídica. Trata-se de um principio substancial, de validade a priori, positivada - constitucionalmente. (PRADO, 2008, p 134).

Com o direito penal não foi diferente, pois, ao cuidar dos bens jurídicos relevantes para o convívio em sociedade de forma harmônica, elegendo o principio da lesividade como sendo um dos norteadores do direito penal e a sua aplicabilidade nos casos concretos, vemos que esse princípio encontra fundamento de validade na dignidade da Pessoa Humana, onde é corolário a sua aplicação desde instauração do inquérito policial até o transito em julgado da sentença penal condenatória ou absolutória, não se balizando o jurista somente na aplicação da letra fria da lei, onde segundo as idéias de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez:

Ao jurista importa primacialmente encontrar critérios de garantias individuais diante da intervenção punitiva estatal. Os princípios constitucionais e as garantias individuais devem atuar como balizas para a correta interpretação e o justo emprego das normas penais, não se pode cogitar de uma aplicação meramente robotizada dos tipos incriminadores, ditada pela verificação rudimentar da adequação típica formal. (BONFIM e CAPEZ, 2004, p.114).

A ofensividade da conduta delituosa deve encontra adequação e razão no principio da Dignidade da pessoa Humana, pois se a prática de atos comissivos ou omissivos perpetrada pelo agente não tiverem o condão de causar o mínimo risco de violação da incolumidade física ou psíquica dos indivíduos, esta não estará sujeita à tutela penal.

Em um Estado Democrático de Direito, que a sua Carta Política é nucleada pela dignidade de pessoa humana é incongruente que não haja um direito penal democrático, que nas linhas de Capez, quer dizer, “passando o tipo penal a ser uma categoria aberta cujo conteúdo deve ser preenchido em consonância com os princípios derivados deste perfil político democrático”.[1]

Ao que pese tudo isso, punir-se um individuo por ter praticado infração que possui como principal característica a falta de lesividade, indiscutivelmente estaríamos ai sim, diante de uma flagrante violação constitucional, fundada na Dignidade da Pessoa Humana, comungando dos ensinamentos de Edilson Mougenot Bonfim e Fernando Capez, aduzem que:

Dentre os princípios contendores da pretensão punitiva, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, inserto na constituição federal no art.1 III. Nenhuma previsão legal de infração penal pode sobreviver ao controle vertical de constitucionalidade se o conteúdo da disposição for claramente atentatório ao princípio da dignidade da pessoa humana. (BONFIM e CAPEZ, p.115).

Destarte, o principio da dignidade da pessoa humana ser imprescindível em qualquer relação social, principalmente no direito penal, a sua aplicabilidade não é absoluta, pois quando houver esse conflito de direitos e princípios fundamentais, tem-se que fazer uma ponderação desses direitos e princípios, no sentido de equilibrar a dosagem das limitações impostas por sua observância, socorrendo-se da razoabilidade e da proporcionalidade aferidas no caso concreto.

Assim, mesmo sob a ótica da relativização da sua aplicação em determinadas situações, a sua observância tem caráter de prevalência ao aferir-se o nível de reprovabilidade da conduta do agente, sob pena de violar a supremacia da constituição e eivar a ato ou a lei penal de insanável inconstitucionalidade, nesta linha aduz Fernando Capez.

Podemos, então, afirmar, que o estado democrático de direito parte o princípios da dignidade da pessoa humana, orientando toda a formação do direito penal. Qualquer construção típica, cujo conteúdo contrariar e afrontar a dignidade da pessoa humana será materialmente inconstitucional, posto que atentatória ao próprio fundamento da existência de nosso estado [...] cabe ao operador do direito exercer controle técnico de verificação da constitucionalidade de todo tipo e de toda adequação típica, de acordo com o seu conteúdo. afrontoso a dignidade da pessoa humana, deverá ser expurgado do ordenamento jurídico.(CAPEZ, 2008, p.7).

Para um direito penal Constitucional o tipo incriminador não pode estar adstrito ao que diz a norma penal em uma analise meramente formal, mas deverá selecionar de forma vinculada à Constituição os delitos, os comportamentos que em sua concretude tragam risco de lesão.

 Neste diapasão, o principio da ofensividade encontra respaldo constitucional frente à dignidade da pessoa humana, pois norma penal incriminadora não deve descrever somente uma conduta típica e ilícita e culpável, mas, de algum modo, as infrações tem que realmente trazer potencialidade lesiva ou proporcionar um perigo concreto de prejuízo a um bem jurídico tutelado pelo direito penal, evitando-se uma incompatibilidade vertical, com a Lei Maior.



[1] Cf. Capez, Fernando, curso de direito penal, parte geral, p.7