Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Sistema Prisional Brasileiro e a Reabilitação como fim.

 

Murilo Rocha Motta

Graduando em Direito - Unama /PA

 

 

RESUMO

Este trabalho busca analisar a aplicabilidade principiológica constitucional no sistema prisional Brasileiro, bem como, a sua efetivação através de políticas públicas de prevenção e de reabilitação. Dando uma maior ênfase no princípio da Dignidade da Pessoa Humana, será visto se há a sua efetiva aplicação em nosso atual sistema penal.

 

Palavras-chaves: Direitos Humanos; Sistema Prisional Brasileiro; Aplicabilidade; Efetivação.

ABSTRACT

This work seeks to analyze the constitutional principled applicability in the Brazilian prison system , as well as its effectiveness through public policies of prevention and rehabilitation . Greater emphasis on the principle of Human Dignity , will be seen whether there is its effective implementation in our current penal system

Keyword: Human rights; Prison system Brazilian ; Applicability ; Effectuation .

 

1 INTRODUÇÃO.

        O referido artigo se fundamenta na análise do princípio da dignidade da pessoa humana no sistema prisional brasileiro e sua influência no processo de reabilitação. Sabemos que o referido princípio é tido como um dos basilares em nossa Constituição Federal de 1988, pois ele visa proteger uma série de direitos e garantias. Sendo assim, da mesma maneira que este princípio protege muitos direitos dos quais são inerentes ao homem em sociedade, o Direito Penal surge com o intuito de complementar a efetivação da eficácia deste princípio, buscando assim, a tutela dos referidos direitos e garantir que cada cidadão possa ter sua honra e dignidade preservadas em meio à sociedade. De acordo com o mencionado, pondera Moraes:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar

           Deste modo, em nosso plano material, nem sempre a idealização de princípios e a criação de políticas criminais para a defesa e tutela destes direitos e bens, conseguem ser efetivados e, muitas das vezes, nem mesmo a reabilitação do apenado consegue ser concretizada. Este fato se ratifica em nosso dia-a-dia, em que a criminalidade vem aumentando, consequentemente o número de vítimas aumenta e a prisão ao invés de preparar aquele indivíduo para ser reinserido na sociedade, acaba sendo uma espécie de qualificador para o crime.

           Desta maneira, o princípio da dignidade da pessoa humana se faz presente nos dois lados da balança. De um se encontra a vítima, que teve um direito violado e, do outro, temos o criminoso que terá sua pena aplicada e, desta forma, em algum aspecto, terá sua dignidade prejudicada. Sendo assim, não tão somente  à aplicabilidade da pena, o descaso do Estado em relação ao sistema prisional infringe muitos direitos e garantias que são constitucionalmente previstas, acarretando assim um aumento significativo da criminalidade nos próprios presídios e tensão entre os indivíduos que lá estão.

      Com isto, a análise do referido artigo gira em torno da afetação do sistema prisional brasileiro no princípio da dignidade da pessoa humana e a efetivação deste princípio no processo de reabilitação. Sabemos que este sistema no Brasil se encontra

completamente falido e está longe de servir como um ressocializador daqueles que estão à margem da lei. Diante disto, cabe mencionar que o sistema carcerário brasileiro é um dos piores, tendo a 4 maior população carcerária do mundo, possuindo péssimas condições de infraestrutura e de higiene. Assim sendo, percebe-se que o processo de reabilitação é extremamente prejudicado, pois o descaso público, o abandono e a falta de investimento geram tensão e constantes rebeliões dentro dos presídios.

   Diante desta análise inicial, a questão-problema se configura no processo de reabilitação tomando como base princípios como o da Dignidade Humana. Outro ponto importante é se o nosso sistema prisional cumpre o seu papel ressocializador, se o Estado por meio de sua política prisional está efetivando o princípio da dignidade da pessoa humana e quais direitos estão sendo violados com os descasos do Estado neste sistema.

 Com isto, é necessário a análise jurídica destes fatos que possuem caráter transgressor. Em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5, são reservados 32 incisos que versam basicamente sobre os direitos e garantias fundamentais e sobre os direitos inerentes ao preso. Além de previsão Constitucional, a nossa legislação infraconstitucional reservou à Lei de Execução Penal uma série de direitos que devem ser garantidos ao aprisionado.

  Sendo assim, mesmo com a adoção de diversas convenções e tratados sobre direitos humanos em que o Brasil é signatário, estas garantias constitucionais não estão sendo aplicadas em nosso sistema prisional e, com isto, nossos presídios e cadeias fabricam indivíduos violentos e sem esperança em um futuro com dignidade.

 2 APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.

  Diante dos tantos problemas abordados acerca do nosso atual sistema prisional, resta claro que se deve buscar meios para uma maior efetivação das políticas públicas, das garantias individuais e da aplicação correta e eficaz da Lei de Execução Penal.

   A função essencial de um  princípio é servir como um norte para a criação e aplicação de regras básicas de condutas e de convivência. Sendo assim, um ordenamento jurídico deve ter suas disposições enraizadas em um determinado princípio, o qual irá caracterizar e produzir diversas regras e normas. Com isto, o Brasil possui em seu ordenamento jurídico com diversos valores, os quais estão normatizados através de sua Carta Magna. Assim sendo, é de suma importância que haja a efetiva aplicação deste princípio em meio à sociedade para que ocorra uma convivência pacífica e harmoniosa dos indivíduos que compõem a mesma.

   Cada setor ou órgão do Estado possuem seus próprios princípios, o quais devem reger aquele determinado sistema. Para que ocorra o correto funcionamento deste sistema, é necessário que se siga e aplique aquele ou aqueles determinados princípios. Diante desta análise inicial, podemos perceber que em muitos momentos esta efetivação principiológica não ocorre, criando dificuldades para atingir determinados objetivos criados pelo próprio Estado. A mesma situação de precariedade e fragilidade na aplicação de normas ocorre em nosso sistema prisional, o qual se mostra decadente e com inúmeros problemas estruturais e sistemáticos.

   Há uma grande controvérsia na aplicação efetiva do princípio da Dignidade Humana em nosso sistema prisional. O Brasil é signatário de convenções e tratados internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. Diante disto, a ineficaz aplicação dessas regras gera efeitos muitos negativos para a sociedade, e em se tratando de sistema prisional, o aumento da criminalidade é a consequência.

   Sendo assim, a efetiva aplicação de regras e normas baseadas em princípios constitucionais, tendo como base o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é de fundamental importância no processo de reabilitação do preso e para o próprio sistema prisional. O Estado deve dar condições básicas para o indivíduo para que este possa ser reinserido na sociedade de maneira eficaz. Atualmente, vemos que a reabilitação é extremamente prejudicada pela falta de estruturação e aplicação de normas principiológicas para um convívio pacífico dentro do presídio e cadeias.

2.1 EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA NO SISTEMA PRISIONAL.

   Diante dos fatos abordados, constatamos que o Estado acaba não atingindo o seu objetivo principal. Há uma imensa lacuna dentro deste sistema prisional, pois o Estado não conseguir efetivar com êxito o processo de reabilitação. Esta lacuna se mostra presente a partir do momento em que não há a observância de princípios dignos àqueles que estão nos presídios. Como foi dito, o processo de reabilitação é bastante prejudicado em locais em que a criminalidade, falta de estruturação e higiene são altas.

  Percebemos que a nossa política prisional é baseada na repressão e exclusão, em que aqueles que estão cumprindo a sua pena passam a não ter qualquer tipo de esperança em meio à sociedade. É fato que este sistema nos mostra uma realidade social em que a população mais carente está diretamente inserida, e a falta de políticas públicas básicas ocasionam um aumento significativo de pessoas dentro de cadeias e presídios. Há de se saber que essa grande parcela da população é simplesmente aprisionada sem o devido e justo processo legal, em que muitas vezes a prisão é provisória, o que acaba abarrotando os presídios de indivíduos.

   Sendo assim, nos resta perceber que a dignidade humana está sendo claramente afetada, não apenas se tratando da aplicação da pena de maneira inadequada, mas desde o momento em que o Estado deixa de exercer seu papel assistencial à população por meio de políticas públicas, permitindo assim o aumento da criminalidade.

   Diante disto, a conclusão inicial que podemos auferir é de que o Estado infringe pela falta de apoio, diversos princípios constitucionais, tendo como principal o da Dignidade Humana. O sistema prisional brasileiro acaba sendo um agravante na penalização do indivíduo. A ideia de ressocialização e educação como objetivo deste sistema, serve como uma máscara para a atual condição que ele proporciona ao apenado. Portanto, a reabilitação como fim está longe de ser alcançada, pois a falta de aplicação de normas constitucionais, infraconstitucionais e apoio estatal geram uma grande paralisação do sistema.

  Deste modo, a melhor maneira de se concluir o fim a que se propõe este sistema, é a efetiva aplicação na prática, de ideias construídas e normatizadas por princípios como o da Dignidade Humana.

  Diante dos fatos, a exposição da vulnerabilidade do ser humano em um sistema prisional mal organizado, escancara os múltiplos problemas que o Estado possui diante da sua política criminal. Percebemos que inúmeros direitos estão sendo violados com a falta de aplicação de normas principiológicas. Sendo assim, a lista de direitos e garantias lesados é bastante extensa.

 Com isto, a violação de direitos e garantias aos presos começa a ser percebida em muitos noticiários, em que rebeliões reivindicam a melhoria de condições básicas de sobrevivência. Além disso, é garantido ao preso, conforme o artigo 5º, XLIX o respeito à integridade física e moral. Sabemos que atualmente, dentro dos presídios o que mais se tem são agressões físicas e morais por parte de policiais e agente prisionais. As corregedorias de polícia vivem abarrotadas de processos contra policiais por agressões e homicídios, tudo isto dentro dos próprios presídios. Estes fatos mostram o despreparo e a falta de capacitação decorrentes da precariedade do Estado com o sistema.

 

3 EFETIVIDADE DAS POLÍTICAS PRISIONAIS.

  Sabemos que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana possui um valor axiológico em nossa Constituição de extrema relevância. Diante desta premissa, o referido artigo busca se compromete na analise se o Estado, por meio de sua política prisional, cumpre e efetiva este princípio.

   É de conhecimento público e notório que o nosso sistema prisional é ineficaz, onde a cada dia temos uma superlotação dos presídios e uma péssima infraestrutura para comportar todos aqueles que lá estão. Diante disto, é passível de discussão a aplicabilidade do princípio da Dignidade Humana neste sistema, pois muitos direitos estão sendo violados e o principal objetivo do encarceramento não está sendo alcançado. É fato que, se a aplicação de técnicas de ressocialização com base principiológicas e sendo garantidas pelo direito à Dignidade Humana, a reabilitação seria facilmente alcançada. Porém, em nossa realidade, o cidadão que cai neste sistema acaba indo para uma "universidade do crime", em que a falta de apoio do Estado gera um aumento significativo da criminalidade dentro dos presídios.

   Além disto, o sistema prisional brasileiro é conhecido pela sua grande precariedade. O descaso do Estado perante este sistema gera muitos problemas que atingem diretamente o objetivo da reabilitação. A superlotação, a insalubridade e entre outros problemas geram um aumento significativo de epidemias e o contágio com os mais diversos tipos de doenças. Tudo isto ligado à falta de nutrição adequada, gera entre os detentos um grande fator de risco, o qual muitos dos que entram em condições saudáveis, saem fragilizados. Além da grande proliferação de doenças, os detentos ainda lidam com mazelas psicológicas. Aos que estão sujeitos a este sistema, a probabilidade de psicopatias é um fator a ser considerado, pois as condições de convivência são precárias, onde os indivíduos que lá se encontram, convivem em meio a agressões físicas e psicológicas.

  Com isto, é clara a influência da omissão estatal diante de nosso sistema carcerário. O desrespeito e descaso com o ser humano que lá vive, gera uma série de consequências para a sociedade. Atualmente, infelizmente muito pouco se vê a efetividade de políticas que proporcionem a dignidade daquele que já está com seu direito de liberdade restringido.

4 CONCLUSÃO.

  Diante do exposto, em breve análise, o princípio da Dignidade Humana passou por diversas análises em diferente momentos históricos. Sendo assim, com inúmeras guerras e propagações de terror à humanidade, a necessidade de proteção aos direitos individuais e do homem enquanto ser social, foi crescente.

  De acordo com Zaffaroni, há décadas o sistema penal tornou-se totalmente inseguro, apresentando uma série de problemas que são percebidos por toda a América Latina, com isto, percebe-se que há um colapso não somente na esfera sistemática do direito penal, mas em toda a sua esfera estrutural.     

   Além do ilustre jurista argentino Zaffaroni, há a clara e correta argumentação acerca deste grande problema que é o sistema prisional brasileiro, do advogado criminalista René Ariel Dotti, o qual destaca em seu livro "A Crise do Sistema Penitenciário" , que o sistema penal e penitenciário trazem consigo muitos problemas que se tornaram uma constante. De acordo com Dotti, o Estado possui aparato processual e estrutural de recursos para a boa prática da administração prisional, buscando assim a resolução de problemas referentes aos deliquentes, ao delito e das múltiplas reações penais. Porém, vivemos em um país aonde a corrupção e improbidades administrativas são comumente escancaradas em sociedade. Sendo assim, em decorrência desta infeliz realidade, o poder político se torna insensível e hostil à efetivação de políticas públicas nos setores prisionais. A burocracia se instala em Delegacias de Polícia, Tribunais criminais e nos próprios estabelecimentos e instituições penais. Neste sentido, pondera René Ariel:

"Como estruturas de apoio do sistema penal e penitenciário compreendem-se os recursos e serviços para administrar os problemas relativos ao delito, ao delinqüente e às reações penais. A improbidade administrativa, a insensibilidade gerencial, a indiferença humana e a hostilidade burocrática são as coordenadas do abandono a que foram reduzidas as estruturas das Delegacias de Polícia, dos Juízos e Tribunais criminais, dos estabelecimentos e das instituições penais. E a responsabilidade por tais vícios é exclusivamente do poder político que domina a Administração Pública, diuturnamente omissa quanto à gravidade e a proliferação dos problemas e incapaz de estimular o espírito missionário de uma grande legião de operadores do Direito e da Justiça, obstinados em cumprir os seus deveres com dedicação e honestidade."

   Com isto, Dotti ratifica o despreparo e o descaso do poder público com este sistema, em que há uma grande precariedade no provimento ou na reforma de estabelecimentos penais. De acordo com o autor, a Lei n.º 7.210, de 11.7.1984 se propôs à construção de estabelecimentos e serviços penitenciários, a qual estabeleceu o prazo de 6 (seis) meses para a manutenção e construção de mais estabelecimentos. Após o período previsto, constatou-se que não houve qualquer iniciativa por parte do Estado na aplicação da referida lei.

  Como foi visto anteriormente, constatou-se que a falta de estruturação adequada e o descaso do poder publico, gera uma grande tensão entre os indivíduos apenados. Na análise do autor, há uma grande constante nas reclamações e denúncias feitas pelos presos, a primeira é a superlotação dos cárceres e a segunda é violação de direitos fundamentais.

   Sendo assim, a crise carcerária que se instala atualmente, se mostra caracterizada pela falta de estruturas humanas e materiais. Com isto, gera-se uma grande reação em cadeia, em que rebeliões e motins se tornam constantes. Além disto, o autor revela que as crises carcerárias deixaram de ser um problema localizado e passaram a assumir uma proporção muito maior, em que há vítimas dentro e fora dos presídios. Nesse sentido, revela René Dotti:

" As rebeliões carcerárias desde há muito tempo deixaram de ser um problema localizado, no interior dos muros, para assumirem proporção de terror comunitário quando se multiplicam as vítimas dos seqüestros impostos como condição para se efetivar garantias constitucionais e legais. Há uma nova legião de reféns nesses conflitos fabricados pela anomia e pela desesperança. Além dos guardas de presídios – os involuntários parceiros dessas rotas de fuga – a vitimidade de massa envolve outros atores: os dirigentes e técnicos dos estabelecimentos penais e os familiares dos presos. Até mesmo crianças, levadas pelas mãos calejadas das mulheres para a visita semanal, fazem parte dessa cadeia de novos flagelados da violência institucional e privada."

  Com isto, podemos concluir que o tema em questão é comumente abordado por muitos penalistas. Dessa maneira, esta reiteração de ideias sobre o referido sistema, mostra o quão desestabilizado ele é, bem como, mostra o descaso estatal para com a sociedade em geral, pois um Estado que não pratica a integralização institucional de direitos reconhecidos constitucionalmente, acaba deixando de proporcionar assistência em diversos outros setores sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


REFERÊNCIAS.

MOARES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas S.A, 2006.

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, volume 1: Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977

BECCARIA, Cesare , Dos delitos e das penas. São Paulo : Madra Editora, 2002

DOTTI, René Ariel. A crise do sistema penitenciário. Disponível em:http://www.memorycmj.com.br/cnep/palestras/rene_dotti.pdf . Acesso em: 08 abril. 2016.