Dizer que os contratos devem ser interpretados conforme o princípio da boa-fé significa dizer que as partes contratantes devem agir de forma proba, leal e diligente (reciprocamente) em todas as fases da contratação. Estabelece-se uma relação de causa e efeito entre aquilo que objetivou a contratação e a real execução do contrato, ou seja, o comportamento das partes perante a execução daquilo que contratado anteriormente. Não é (a boa-fé) mera intenção das partes agirem dessa forma, mas sim, um imperativo-objetivo de conduta, exigência de respeito e coerência no cumprimento das obrigações reciprocamente confiadas.

Obviamente que este artigo trata da boa-fé objetiva e não a boa-fé subjetiva que é aquela pautada na ignorância (desconhecimento) por parte de um ou outro contratante. Exatamente por este fato é que as partes devem agir com boa-fé em todas as três fases da contratação (pré-contratual, contratual e pós-contratual).

Cumpre-me informar que o princípio a que se refere este artigo era implícito no Código Civil de 1916. Contudo, a primeira positivação propriamente dita deste princípio deu-se com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que o postulou como uma linha teológica de interpretação e, como cláusula geral aos negócios (art. 51, IV), na tentativa de buscar uma harmonização dos interesses recíprocos (art. 4º, III - CDC).

O atual Código Civil (Lei 10.406/02) trouxe o princípio em seus artigos 113, 187 e 422.

O princípio da boa-fé desempenha três funções, quais sejam, integrativa (art. 422 CC); delimitativa (art. 187 CC) e interpretativa (art. 113 CC). A primeira função tem como efeito a imposição dos chamados deveres instrumentais (também denominados de deveres anexos ou colaterais) e não estão previstos expressamente nos contratos, mas certamente devem ser respeitados pelos contratantes. Esses deveres podem se resumir em três fases, sendo elas: a fase pré-contratual, na qual as partes têm o dever de informação, de forma a não deixar nada obscuro ou dúbio para o parceiro contratual. A segunda fase é a fase contratual, no qual o dever é o de cooperação/colaboração, sendo que nesta fase é que as partes estão cumprindo o contratado. Por fim, a última fase é a pós-contratual, sendo o dever de assistência, de forma a evitar que as partes ajam como se o contrato nunca existira e agir de forma a evitar a que seu parceiro contratual se onere por demais em face de algo que poderia ter sido feito pelo outro parceiro sem o menor problema.

Há se falar, algo que não decorre necessariamente da boa-fé, mas certamente com ela há uma relação. São os institutos/princípios: "Venire contra factum proprium" e "tu quoque". Aquele prescreve que o comportamento do contratante deve ser mantido, de forma a evitar comportamento contraditório repentinamente. Por exemplo: suponhamos um contrato de locação que prescreve o dever do locatário efetuar o pagamento todo dia 5 de cada mês. Mas o locatário paga todo dia 10, e isto é aceito pelo locador sem o menor problema. Não poderá o locador alegar mora no pagamento do locatário, em determinado momento, pois o seu comportamento (ainda que diverso daquilo que previsto no contrato) vincula e gera expectativa no locatário. O argumento de defesa do locatário é exatamente o princípio do venire contra factum proprium. Outro exemplo que pode ser citado ocorre quando o plano de saúde de um indivíduo o autoriza a realizar exames periódicos em lugar diverso do de cobertura, em virtude daquele local não possuir os equipamentos necessários à realização do exame e, surge a necessidade de se realizar uma cirurgia que o plano cobre. Mas o plano não a autoriza por se tratar de local diverso do contratado para cobertura. O argumento para defesa é exatamente o mesmo do exemplo supra.

Já o tu quoque prescreve a vedação de "utilização de dois pesos e duas medidas", na medida em que uma parte contratante não poderá exigir da outra aquilo que lhe fora concedido anteriormente como exceção ao contrato. Por exemplo: duas empresas realizam entre si contrato de fornecimento de materiais. Em um primeiro momento a empresa que contratou atrasa o pagamento e é aceita pela empresa que fornece. Em um segundo momento, a empresa fornecedora atrasa a entrega de materiais. In casu não poderá a empresa que contratou exigir a entrega imediata, perdas e danos, exceção do contrato não adimplido ou qualquer outra multa e/ou sanção (também não restou configurada relação de consumo). O argumento de defesa é o tu quoque.

Pautado nas mais respeitáveis doutrinas, verificam-se, claramente, alguns critérios/regras necessários à interpretação dos contratos, como um todo. São eles:
a) Modo pelo qual as partes executam o contrato deve servir de critério para a interpretação. O comportamento vincula, mas muitas vezes contradita aquilo que previamente pactuado;
b) O contrato deve ser interpretado como um sistema, evitando-se a interpretação isolada de suas cláusulas;
c) Na dúvida, interpreta-se o contrato contra quem o redigiu. Aquele que redige deve fazer sem obscuridade e/ou contradição; e
d) Havendo mais de uma interpretação de uma cláusula, deve-se adotar aquela em que o contrato gera seus efeitos (princípio da Preservação dos Contratos).

Outrossim, o artigo 423 do Código Civil Brasileiro dispõe o seguinte: "quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente" ("in dubio pro adherente"). Aqui, a Lei expressamente prevê hipótese para contratos de adesão. Mas nos demais contratos, não benéficos, admite-se a interpretação extensiva, de forma que é interpretado em favor do contraente. Ou seja, interpreta-se contra quem redigiu o instrumento (contratante).

Com efeito, cumpre-me acrescentar ao presente estudo que a interpretação extensiva decorre ainda do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) especificamente em seu art. 47, no qual "as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor". Desta maneira, a "parte fraca" do contrato (como alguns costumam dizer) tem a interpretação a seu favor nos casos de obscuridade. Ponto importante que merece ser destacado é que somente contratos NÃO BENÉFICOS admitem interpretação extensiva.

Por fim, anoto que os Tribunais utilizam-se desse festejado princípio, interpretando os contratos conforme o mesmo, em lides que lhes são apresentadas, formando jurisprudência praticamente pacificada a respeito do assunto.

Em sendo assim, serve o presente artigo apenas expor um breve estudo sobre como o princípio da boa-fé é e deve ser utilizado na interpretação de praticamente todos os contratos e negócios jurídicos que norteiam a sociedade em que vivemos.

Referências:

- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2005.
- DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2005.
- FIUZA, Cesar. Curso Completo de Direito Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
- Notas de aulas de Direito Civil, lecionadas pelo Prof. Dr. Sérgio Mendes Botrel Coutinho, 1º semestre/2010.
- Jurisprudências dos principais Tribunais de Justiça estaduais (MG, SP, RS, RJ) e Superior Tribunal de Justiça.