Mas de fato, o que a maioria destas pessoas sonha é com um recomeço feliz em seu final de estrada. O encontro de um novo amor, de um novo companheiro(a) para preencher o seu vazio, a sua solidão. Algumas porque ficaram sós por viuvez, outras porque foram abandonadas pelos maridos, ou esposas pelos amantes, pelos companheiros e assim, estas pessoas solitárias em suas noites de insônia, noites frias sem o aconchego de um outro corpo, sem os sons de uma voz que lhes sussurre palavras de amor, sem uma boca que lhes beije, sem mãos que lhes viagem pelo corpo, essas pessoas se plugam na internet para esquecer que estão sós e abafar o silêncio ao derredor do ambiente interno e externo de suas casas e aplacar as ânsias e os desejos que ainda gritam dentro delas.

"O Amor... o Desejo de Fusão – física e espiritual – não tem idade. Nossos corações estão sempre prontos para amar. Esta é a verdade do homem... pois o homem não é só matéria, é também espírito e este se conserva sempre jovem, independentemente do estado da matéria; se envelhece, se está enferma, mas apesar disto o espírito não se alimenta somente de coisas etéreas, se nutre também do gozo do corpo, do afago, da carícia."

Analisando os motivos das pessoas que ficam plugadas na internet ou vidradas em uma televisão: são em essência a falta de uma motivação maior na vida. Não devemos falar apenas nos referindo às pessoas com mais de 50 anos; os jovens também, se estiverem por algum motivo desmotivados, se sentindo rejeitados ou sem um plano de carreira, longe da família e dos amigos, se absorvem na internet, na televisão; e melhor este vício, quase inocente, que buscar outros caminhos como os das drogas, do álcool e das perversões.

Ninguém que tenha uma vida feliz, um amor de verdade, uma família, uma vida cheia de relacionamentos sadios e satisfatórios, um trabalho gratificante ou um objetivo maior que preencha suas expectativas de ser humano e que lhe aponte uma realização, seja amorosa ou apenas fraternal, e mesmo ainda que seja só profissional, irá se plugar numa telinha. Ninguém que tenha uma companhia agradável, seja um simples amigo ou amiga, um(a) namorado(a), um(a) companheiro(a) ou um(a) amante, irá optar entre gozar esta verdade da vida a se plugar na ilusão virtual. O que leva milhões de pessoas a essa tela e a se viciar em suas amarras é a necessidade cruciante de se relacionar, de se sentir amado, amar, e/ou pelo menos, participar de um grupo, sentir outras pessoas ou mesmo manter-se ocupado. E a necessidade dessas mulheres que são a maioria nos chats dos mais de 50, e dos poucos homens que adentram a internet em busca de relacionamentos é a de preencher um vazio, um espaço de suas vidas não satisfatoriamente preenchido.

"Mas que vã ilusão", pensa Clarissa, lá com seus botões, no seu cantinho, olhando para a tela do computador se perguntando, entre angustiada e já meio fascinada:

– "Como podemos ter um relacionamento amoroso virtual??? Mas como? Imagina!?! Impossível!. Como tocar alguém na distância e ser tocada a ponto de se sentir desejos e afeto? Como? Impossível!.."

Esta pergunta ela se faz com base em relatos que algumas amigas virtuais lhe fizeram, de que tiveram e mantiveram durante algum tempo romances na net e que sentiam tal como se fossem verdadeiros. – "Mas como??? Como???", se pergunta Clarissa, meio confusa com tal idéia.

Mas apesar de sua descrença de que a internet de fato possa preencher o vazio de qualquer pessoa que se encontre em estado de solidão, ou passando por um momento de crise afetiva, Clarissa volta todas as noites à sala “amigos + amigos" para papear e deixar as horas de suas longas noites sem ninguém ir passando com a sensação ilusória da casa cheia de gritos, risos, conversas íntimas, confissões feitas em cochichos no canto da sala, onde por certo não falta música ambiente, bebidas, fumaça de cigarros, quitutes sobre a mesa e todos participando como se TUDO REALIDADE FOSSE.

- "Ah! sinto como se a casa estivesse cheia de gente!!! Cruzes... cruzes... estou enlouquecendo... que fantasia maluca!... Cá estão todos, junto de mim... e lá estou eu, junto a todos em suas casas, nos seus aconchegos que nem sei como são! Ah... ilusão virtual!!!"

Mas pela cabeça de Clarissa não passa nem a mais leve sombra de ilusão de encontrar um novo amor, um namorado ou um passatempo na internet. Clarissa está acostumada com sua vidinha recolhida, de pouca vaidade, de poucos desejos; há muito não pensa em um recomeço, nem na busca de um novo amor. Clarissa está morna por dentro, esquecida por completo que é mulher, um ser humano, e como tal, também precisa de um amor, de alguém que lhe acaricie o corpo, a faça vibrar e lhe reacenda o fogo e os desejos de sexo e afeto.

Ficara viúva já há mais de 10 anos e não se importara de substituir o marido por um outro homem, pois tinha os filhos, a vida para cuidar. Não fora fácil tudo sozinha, apesar do marido ter lhe deixado uma boa pensão e algumas economias que bastaram para a sobrevivência e a criação dos filhos. Nunca foram ricos e viveram sempre em rígido controle orçamentário. Mas Clarissa não precisou nem quando seu marido era vivo ou mesmo depois de sua morte, sair como muitas mulheres o fazem, para enfrentar o mundo competitivo de trabalho. O marido, homem resmungão, mas prevenido e responsável, a deixara em tranqüilidade financeira. Mas só a lida da casa e a preocupação com o futuro das crianças foram o suficiente para que se esquecesse que ficara viúva jovem ainda (sexualmente apta, afetivamente íntegra) e deixasse o tempo passar sem procurar novos contatos. O casamento rendera-lhe 3 (três) filhos, dois homens e uma mulher, e quando enviuvou, estes filhos estavam nas faixas etárias de 8, 10 e 12 anos, ou seja, ainda por serem preparados para a vida, e Clarissa consumiu o resto da sua juventude nesta tarefa: transformar os três rebentos em gente, pessoas responsáveis, profissionais prontos para levantarem vôos sozinhos pelo mundo. Foi para o mundo que Clarissa preparou os seus filhos, para uma independência pessoal e emocional e sentia-se agora, embora só, como tendo realizado por completo a sua tarefa.

Ângela, a alemãzinha, conta-lhe então, dos vários e muitos amigos que fizera na internet, indica-lhe outros sites para que visite. Luana, ensina-lhe um monte de coisas novas, como fazer e-mails coloridos, formatados, introduzir música, aumentar e diminuir letras e como salvar papéis de parede, criar páginas e muitas outras coisas que Clarissa acha interessante e aos poucos vai colocando em prática.

Clarissa ouve os problemas dos outros e conta os seus. As horas passam e a internet tem o dom de transformar a sua casa tão silenciosa num palco de fantasmas que a rondam, pessoas que entram... pessoas que saem... é uma vida virtual. A ilusão de estar sem estar, falar sem falar, sentir sem sentir, ter amigos que não se tocam fisicamente mas deixam suas marcas indeléveis na alma, uns dos outros. É O MUNDO DA ILUSÃO CRIADO PELA INTERNET.

Uma ilusão-realidade, pois de fato, do outro lado da tela, lá longe, onde nem sabe, as outras pessoas de fato existem, conversando com seus botões, se queixando... vangloriando-se, amando, odiando, sentindo com intensidade todas as emoções de relacionamentos reais.

Autora Regina Celia - Campo Limpo Paulista - SP - 2002