Prescrição do Exercício da Pretensão Punitiva no Processo Administrativo contra Pessoa Jurídica no Ilícito de Cartel

1. Introdução 

Os esforços e a prioridade dada no combate a cartéis, em diversos setores da economia, pelas autoridades antitruste brasileiras têm sido notáveis, nacional e internacionalmente, a serviço da consolidação de efetiva política nacional de defesa da concorrência.

Ao lado desta escalada, surge à questão do limite temporal para se instaurar uma investigação para apurar a formação de cartel. Dentro dessa seara, verifica-se um enorme esforço para instaurar tais investigações contra pessoas jurídicas, por vezes assentadas em pretensões potencialmente prescritas.

A prescrição no processo administrativo em matéria de defesa da concorrência veio tratada no artigo 46 da Lei nº 12.529/11, sendo possível que o prazo de prescrição alcance 12 anos.

Isto porque a multiplicidade de pretensões concorrentes oriundas do mesmo direito subjetivo resulta, também, em prazos prescricionais próprios de cada pretensão concorrente, como em relação à pessoa jurídica e à pessoa física.

Contudo, a prescrição não pode ser tratada de forma e aplicação geral.  O escopo desse trabalho é analisar e verificar, que diante do fenômeno da concorrência de pretensões, o prazo prescricional é distinto para cada pretensão, e que por isso tal prazo prescricional pode incidir de forma distinta à pessoa jurídica em relação à pessoa física. 

2. Persecução Administrativa e Penal das Infrações à Ordem Econômica – Cartel 

A Constituição Federal reconheceu no combate às infrações à ordem econômica um meio legítimo de intervenção do Estado no domínio econômico a fim de estabelecer e perseguir os fundamentos da ordem econômica. A Lei nº 12.529/11, conhecida como Lei Antitruste ou de Defesa da Concorrência, é uma das legislações que mais materializa esta função.

A parte material da Lei nº 12.529/11 está estruturada em: (i) repressão às infrações à ordem econômica, através do controle de condutas; e (ii) prevenção das infrações à ordem, econômica mediante controle de estruturas. Assim, a atividade administrativa destes controles foi atribuída ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC[1]. No entanto, esse trabalho terá como foco apenas a repressão às infrações à ordem econômica cometida através de cartel[2]. 

O cartel, além de constituir um ilícito administrativo, também, é considerado ilícito penal (crime) sob a égide da Lei nº 8.137/90[3], podendo ser objeto de persecução tanto administrativa como criminal.

Contudo, no que se refere à responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação aos crimes praticados contra a ordem econômica, incluindo o cartel, a Constituição Federal deixou para a legislação ordinária fixar seus parâmetros e como verificaremos inexistente no atual ordenamento jurídico brasileiro.

3. Prescrição 

          O interesse juridicamente protegido pelo direito objetivo, o direito subjetivo, não deve ser confundido com a pretensão nem com o direito de ação. O direito subjetivo é conferido pelo direito objetivo e é pré-processual.

         A exigibilidade do direito subjetivo pressupõe a pretensão, conforme PONTES DE MIRANDA (1970, p. 45): “não há exigibilidade sem pretensão”. A pretensão é a condição de se poder exigir a satisfação do direito subjetivo num plano real, ela surge quando o direito subjetivo passa a ser exigível. E, ambos, pretensão e direito subjetivo, são conceitos extraídos do direito material. 

         É da não satisfação da exigência da pretensão que nasce a ação de direito material. Sobre pretensão e ação: 

(...) exercer pretensão é exigir a prestação; propor ação é pedir a tutela do Estado, deduzindo-se o que se pede (pretensão, ação). Que apenas interpela não aciona. Às vezes, o titular da pretensão exige, porém não pode propor ação. São as pretensões sem ação. (PONTES DE MIRANDA, 1970, p. 86) 

         Por sua vez a ação de direito material, só pode ser exercida mediante a utilização da ação de direito processual, isto porque, não é possível exercer a autotutela em detrimento do monopólio jurisdicional do Estado[4], ainda que a coletividade seja o titular da pretensão.

O direito de ação deve ser visto, sob uma dupla ótica: (i) num plano jurídico-material, a qual se dirige contra um sujeito passivo da relação de direito material, que pode ser um particular ou mesmo o próprio Estado; e (ii) num plano jurídico-processual, cuja ação processual é o veículo que conduz a ação de direito material, e é dirigida contra a jurisdição exercida pelo Estado.

         A ação de direito processual é independente da ação de direito material, pois o Estado deve se pronunciar sempre quando provocado, ainda que de forma negativa. A ação de direito de material e a pretensão só são asseguradas com um pronunciamento positivo do Estado, ou melhor, com o reconhecimento/procedência de tal ação e pretensão. 

Para bem se ver quanto são inconfundíveis os direitos subjetivos, as pretensões e as ações, basta que se pense no seguinte: a) é possível permanecer intacta a legislação quanto ao direito subjetivo e mudar quanto às pretensões, ou permanecer inalterado quanto àquele e a essas, e mudar quanto às ações; b) haver prazos para a ação, sem que com a extinção dela se extinga a pretensão ou o direito subjetivo; c) existirem direitos subjetivos e até pretensões sem ação, como os créditos de jogo e certas situações, transitórios de tempo de guerra ou de golpes de Estado. (PONTES DE MIRANDA, 1970, p.33) 

         Avançando ao tema, é possível constatar que um direito subjetivo pode originar mais de uma pretensão. No âmbito administrativo, o direito subjetivo a repressão à infração contra a ordem econômica, caracterizada por cartel, permite a pretensão de responsabilizar pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, associação de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

         A prescrição é a extinção da pretensão (ação de exigir + atividade para a satisfação) em razão da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo fixado em lei[5]. É uma medida de ordem pública que visa proporcionar segurança às relações jurídicas.

Neste contexto, é possível haver direito subjetivo sem pretensão, cuja exigibilidade não seja mais possível. Isso ocorre porque a prescrição atinge a pretensão, inclusive a exigibilidade jurídica (ação de direito material), mas não alcança o direito subjetivo. Os efeitos da prescrição limitam-se à pretensão.

           Um mesmo direito subjetivo pode originar diversas pretensões, e cada uma delas podem possuir, portanto, um prazo prescricional distinto para que possa ser exercida, conforme determinado pela lei. A prescrição de uma pretensão, não necessariamente, extingue as demais pretensões de origem comum, caso tenham prazo prescricional distinto para serem exercidas.

Nesse sentido, apoiamos nos apontamentos feitos por PONTES DE MIRANDA (2000, p. 475): “Se há concorrência de pretensões, com ou sem identidade de prestação, o exercício de uma não extingue a outra, nem há exceção de litispendência, nem sentença desfavorável na primeira ação, que se propõe, é exceção à propositura da outra”.        

3.1. Prescrição no Processo Administrativo Punitivo no CADE 

         O instituto da prescrição é expressão concreta que revela profunda aspiração à estabilidade e segurança inerente ao Direito. O ordenamento jurídico não convive, em regra, com pretensões condenatórias ou executivas perpétuas, é preciso verificar qual seja o seu prazo prescricional atribuído pelo ordenamento.

         Esta concepção aplica-se integralmente aos processos administrativos[6] que visam apurar a prática de cartel, instaurados pelo SBDC. O prazo prescricional da pretensão da ação punitiva do CADE é regido pela Lei nº 12.529/11, que prevê, em regra, um prazo de cinco anos:

 

Art. 46.  Prescrevem em 5 (cinco) anos as ações punitivas da administração pública federal, direta e indireta, objetivando apurar infrações da ordem econômica, contados da data da prática do ilícito ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessada a prática do ilícito. 

§ 1o  Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração contra a ordem econômica mencionada no caput deste artigo, bem como a notificação ou a intimação da investigada. 

(...)

§ 4o  Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”.  

         O mesmo artigo dispõe sobre prazo diverso da regra geral. Trata-se de fatos cujo objeto da ação punitiva também constitui crime. O cartel tipificado na Lei nº 8.137/90 prevê pena privativa de liberdade máxima de cinco anos[7]. E neste caso, o prazo da prescrição é remetido ao Código Penal, sendo regida pela prescrição abstrata, como segue:

        

Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

(...)

III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito”;

 

A partir desse ponto, é que surge uma significante divergência em relação à aplicação do prazo prescricional para o processo administrativo contra pessoa jurídica, se cinco anos ou doze anos.

Isto porque, a pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo do crime de cartel. O artigo 11 da Lei nº 8.137/90[8] estabelece a responsabilidade penal individual, isto é, somente as pessoas físicas podem ser responsabilizadas por crimes praticados contra a ordem econômica.

De acordo com SALOMÂO FILHO (2006, p. 262): “Para que se admitisse a responsabilização da pessoa jurídica seria imprescindível que a lei a estatuísse expressamente”.

 

(...) parece que a única interpretação razoável sobre a inserção da referida locução é deixar explícito que a responsabilidade pela ação criminosa é da pessoa física, ainda que se dê em favorecimento da pessoa jurídica ou no exercício de cargo ou representação de pessoa jurídica, como é o caso da maioria dos tipos descritos na Lei nº 8.137/90. (SALOMÃO FILHO, 2006, p.262).

 

         Para a criminalização da pessoa jurídica é imprescindível à expressa previsão legal, como ocorreu na lei de crimes ambientais. Portanto, a conduta penal é atribuída a pessoas físicas e não jurídicas.

Contudo, para a Procuradoria do CADE (ProCADE)[9], o prazo prescricional no processo administrativo deve ter por base a lei penal, prescrevendo o processo administrativo que apura o cartel em doze anos:

 

65. (...) O que a lei exige para aplicação do prazo penal é que o fato possa ser considerado criminoso e esta questão independe de se foi praticado por agente imputável ou inimputável.

66. Na verdade, esta questão não surge na análise da existência do crime, mas na análise da possibilidade de aplicação da pena ao agente que praticou fato criminoso, o que já estaria fora do enunciado da Lei nº 9.873/99.

 (...)

69. Realmente, a pessoa jurídica não pode figurar como ré em um processo da instância criminal, porém o seu preposto sim, na condição de representante da sociedade empresária na prática do ato que é considerado criminoso.

70. (...) o que importa é que o fato seja a um só tempo ilícito administrativo e criminal”. (grifo nosso)

 

O texto acima deve ser visto com muita cautela. Em primeiro lugar, porque o parecer proferido, ao justificar a aplicação do prazo prescricional previsto na lei penal, confunde conceitos e inova na interpretação penal, tendo em vista que ele tenta justificar, e não, compreender a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

A busca de restrições ao alcance da norma penal está ligada à idéia da teoria da imputação objetiva, pela qual, a relação de causalidade material deixa de ser avaliada, cedendo espaço à atribuição normativa do resultado ao agente, a qual permite a imputação[10]. Nesse sentido, se o resultado, juridicamente, não puder ser imputado ao agente, nem se chegará à aferição de sua conduta (dolo ou culpa), descaracterizando-se, portanto, o fato típico, de modo que nem se fará necessária à análise dos demais elementos do crime[11].

Ademais, o parecer estratifica o crime em detrimento de seu conceito unitário que se esgota no plano formal, revelando notadamente a sua ineficiência na aplicação prática:

 

Deve ficar claro que quando afirmamos que o conceito ou explicação que damos do delito é estratificado, queremos dizer que se integram em vários estratos, níveis ou planos de análises, mas isto de nenhuma maneira significa que estratificado seja o delito: o estratificado é o conceito de delito que obtemos por via da análise. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 368).

    

É dizer que, a norma penal anteposta ao tipo formal não se encontra isolada no ordenamento, e sim conglobada com as demais normas, formando a ordem normativa.

Por isso que, o prazo prescricional previsto no artigo 46, § 4º do da Lei nº 12.529/11, considerado isoladamente, permite, aparentemente, a realização de uma conduta, mas sua permissão deverá ser analisada de forma conglobada. Para ZAFFARONI e PIERANGELI (2004, p. 522): “a tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, à adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma”.

Daí, porque, a interpretação da lei pelo parecer está equivocada, uma vez que o ordenamento jurídico ao não estabelecer a tipicidade de conduta a pessoa jurídica, não pode, posteriormente, valer-se outra norma para invalidar esta atipicidade, através da permissão de conduta, pois a ordem jurídica não pode permitir interpretação que a própria norma rejeita na tipicidade formal.

Também, observa-se uma confusão quanto à possibilidade ou não de a pessoa jurídica ser réu em processo penal, o preposto, por ser um representante legal da pessoa jurídica não pode ser responsabilizado criminalmente "na prática do ato que é considerado criminoso".

O direito penal não permite a responsabilidade penal objetiva[12], ou seja, atribuir responsabilidade penal sem a possibilidade de aferição da conduta (dolo ou culpa) de quem infringe à norma penal incriminadora, se a infração foi cometida por um empregado à revelia do representante da pessoa jurídica, este não pode ser penalmente punido.

Se a pessoa jurídica não comete crime de cartel por falta de previsão legal, não pode o administrador público inovar para tentar aplicar os efeitos criminais a um fato atípico, de maneira indireta, responsabilizando o representante da pessoa jurídica.

 

Não há como, em termos lógico-jurídicos, quebrar princípio fundamental como o da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica, ancorado solidamente no sistema de responsabilidade da pessoa natural, sem fornecer, em contrapartida, elementos básicos e específicos conformadores de um subssistema ou microssitema de responsabilidade penal, restrito e especial, inclusive com regras processuais próprias. (PRADO, 2001, p. 130).

 

A Lei nº 12.529/11, apesar de estender algumas exceções, seguiu a mesma lógica do prazo da prescrição já previsto na Lei nº 9.873/99[13]. Portanto, se a opção legislativa pretendesse elucidar ou apontar o sentido da interpretação do prazo de prescrição nos processos administrativos no CADE, previsto na Lei nº 12.529/11, ela não teria reproduzido e mantido o mesmo texto legal, objeto da discussão.  

O CADE já decidiu um caso concreto em que acolheu o prazo de cinco anos para a prescrição punitiva da Administração Federal como segue:

 

“Averiguação Preliminar. Apuração de possíveis condutas infringentes à ordem econômica passíveis de enquadramento no art. 20 c/c art. 21 da Lei nº 8.884/94. Postos revendedores de combustíveis. Acolhida preliminar de prescrição, art. 1º da Lei nº 9.873/99. Arquivamento”. (Averiguação Preliminar nº 08012.004842/2000-31. Relator: Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado. DJ: 21.03.2007).

 

Note-se que no caso acima, o CADE aplicou o prazo prescricional de cinco anos, em investigação instaurada após a vigência da Lei nº 9.873/99. A resposta acerca do correto prazo de prescrição tem que ser buscada e nos é dada pelo próprio ordenamento jurídico. É impossível aplicar a regra prescricional do Código Penal à pretensão que sequer existe no ordenamento jurídico brasileiro.

 

(...) no que toca aos crimes praticados contra a ordem econômica (art. 173, §5º) deixou que o alcance dessa responsabilidade fosse fixado por lei ordinária, ainda inexistente em nosso ordenamento jurídico. Resta, pois, apurar-se a responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, nos casos tipificados na Lei nº 8.137/90. (OLIVEIRA e RODAS, 2004, p.365).

 

         O ordenamento jurídico é sistemático, de sorte que a resposta deve ser buscada a partir de uma interpretação sistemática. Qualquer análise que se afaste da interpretação sistemática, na verdade, se distancia da ciência do Direito e por fim de um Estado Democrático e de Direito.

         Aplicar o prazo de doze anos, conforme previsto na lei penal, às pessoas jurídicas nos processos administrativos que investigam a prática de cartel[14] é ilógico do ponto de vista jurídico, visto a intenção em atribuir prazo prescricional à pretensão que sequer existe, qual seja, crime contra a ordem econômica cometida por pessoa jurídica.

Assim, o prazo de cinco anos para a tutela da pretensão administrativa nos processos administrativos contra pessoas jurídicas, ainda que existam pessoas físicas envolvidas, devido à multiplicidade de pretensões e cada qual com seu próprio prazo prescricional, é condizente com o prazo para o exercício da pretensão material do CADE e condizente com a atual sistemática antitruste.

 

 

 

 

 

 

 

4. Anteprojeto de Código Penal – “Novo Código Penal”

        

         Em 11 de maio de 2012, a comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de Código Penal[15] aprovou a proposta que atribui responsabilidade penal a pessoa jurídica por atos praticados contra a ordem econômica e financeira, economia popular, meio ambiente e à administração pública. Além disso, cria a possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica independentemente da responsabilização da pessoa física, que atualmente não é reconhecida pela jurisprudência brasileira.

         No que diz respeito a este trabalho, é relevante a análise do anteprojeto no que tange à responsabilização penal da pessoa jurídica aos crimes contra a ordem econômica, vejamos o que dispõe o texto do anteprojeto do novo Código Penal:

 

Responsabilidade da Penal da Pessoa Jurídica

Art.41. As pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

§1º A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destas.

§2º A dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a responsabilidade da pessoa física.

§3º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes cominadas referidos neste artigo, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”. (grifo nosso)

 

No anteprojeto, a prática de cartel ganha definição legal e um destaque e é incorporado ao texto do anteprojeto de Código Penal:

 

“Prática de cartel

Art. 373. Formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes visando:

I – à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;

II – ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;

III – ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

Pena – prisão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”.

 

         O dispositivo acima, se baseia no artigo 173, §5º da Constituição Federal[16], que abrigou a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica. Se aprovado o anteprojeto de Código Penal, o crime de cartel cometido por pessoa jurídica passa a ter existência jurídica, advindo de uma escolha política.

         Assim, poderá ser analisado o prazo prescricional da pretensão da ação punitiva da Administração Pública com base na legislação penal (art. 46, §4º da Lei nº 12.529/11).

Conforme relatório final da comissão de juristas, entregue em 27 de junho de 2012, expôs: “Os crimes praticados pelas pessoas jurídicas são aqueles previstos nos tipos penais, aplicando-se a elas as penas neles previstas, inclusive para fins de transação penal, suspensão condicional do processo e cálculo da prescrição”[17] (grifo nosso).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. Considerações Finais

 

         As considerações acima permitem, no mínimo, identificar e distinguir duas pretensões que podem surgir de direitos subjetivos passíveis de subsunção à hipótese legal prevista na lei de defesa da concorrência. São elas: pretensão de direito material a repressão contra pessoa jurídica e pretensão de direito material a repressão contra pessoa física, dirigente ou administradora da pessoa jurídica.

O ordenamento jurídico determina o prazo para que a exigibilidade jurídica dos direitos subjetivos seja exercida, isto é, a exigibilidade jurídica que advém do direito subjetivo, e não, o direito subjetivo em si.

A confusão dos conceitos que se relacionam com a prescrição, como direito subjetivo, pretensão, ação de direito material e ação processual, suscitam as grandes dúvidas em matéria de prescrição. A distinção entre estes conceitos permite visualizar corretamente o que a prescrição atinge, bem como a compreensão do fato de que o direito subjetivo pode originar mais de uma pretensão. Nesse sentido, a prescrição atinge a pretensão e não o direito subjetivo em si.

         A reposta ao correto prazo prescricional nos processos administrativos contra pessoa jurídica envolvida no cartel, abrange a compreensão correta do próprio instituto da prescrição.

Decorre, também, da possibilidade de existir mais de uma pretensão oriunda de um mesmo direito subjetivo, e cada uma delas possuir um prazo prescricional distinto para ser exercida, observando-se, no entanto, que a prescrição de uma pretensão não implica a prescrição das demais pretensões concorrentes.

Como ocorre no ilícito de cartel de empresas ou associações, em que o direito subjetivo para ser exercido, no âmbito do CADE, necessita a instauração de um processo administrativo, que se desdobra, no mínimo, em duas pretensões: (i) condenação da pessoa jurídica e (ii) condenação de seu dirigente e/ou administrador.

O Projeto de Lei do Senado nº 236/12 que se propõe a substituir o atual Código Penal, prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica, e consequentemente, altera o prazo prescricional no processo administrativo.   

No entanto, a prescrição atinge a pretensão e não o direito subjetivo, logo, é possível cada pretensão possuir prazo prescricional distinto. No caso de cartel, para as pessoas jurídicas e associações, deve ser observado o prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 46, caput, da Lei nº 12.529/11, enquanto que para pessoas físicas deve ser observado o parágrafo quarto deste mesmo artigo e diploma legal, que remete o prazo prescricional do Código Penal (prescrição abstrata) de doze anos.

A busca do correto prazo prescricional é dada pela interpretação sistemática, não cabendo opções casuísticas ou que melhor coadune a atividade do CADE, prática que se afasta de um Estado Democrático e de Direito e se aproxima de uma discricionariedade de um Estado arbitrário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6. Bibliografia

 

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ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, Enrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Vol. 5. São Paulo: Editora RT, 2004.



[1] Este sistema é formado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE. O CADE é composto por: (i) um Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, encarregado de julgar os atos de concentração e processos administrativos; (ii) uma Superintendência-Geral, com competência para instruir atos de concentração e processos administrativos para apuração de infrações à ordem econômica; e (iii) um Departamento de Estudos Econômicos, responsável pela elaboração de estudos e pareceres econômicos. A SEAE é responsável pela advocacia ou promoção da concorrência.

[2] Cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixar preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação. O objetivo é, por meio da ação coordenada entre concorrentes, eliminar a concorrência, com o consequente aumento de preços e redução de bem-estar para o consumidor.

[3] Neste trabalho, não analisaremos a responsabilidade civil decorrente do cartel.

[4] A tutela coletiva e administrativa dos bens jurídicos, em relação às infrações à ordem econômica, é exercida pelo CADE, prevista no artigo 4o da Lei nº 12.529/11: “O Cade é entidade judicante com jurisdição em todo o território nacional, que se constitui em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e competências previstas nesta Lei”. (grifo nosso)

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2. 16ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 345.

[6] Neste trabalho o termo processo administrativo para apuração de formação de cartel, refere-se ao: (i) processo administrativo para imposição de sanções administrativas por infrações à ordem econômica; (ii) inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica; e (iii) procedimento preparatório de inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica.

[7]Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas.

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa”.

[8]Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

[9] Parecer ProCADE nº 390/2011 no Processo Administrativo nº 08012.000751/2008-64. Relator: Conselheiro Olavo Zago Chinaglia. Disponível em: http://www.cade.gov.br/temp/D_D000000629951826.pdf. Acesso em: 12 de setembro de 2012. Vale ressaltar que, embora o parecer da ProCADE, da Secretaria de Direito Econômico e do Ministério Público Federal refutam a preliminar de prescrição, opinam pelo arquivamento pela ausência de indícios à infração à ordem econômica. Em, 25 de julho de 2012, foi proferido o voto do Conselheiro-Relator no sentido do arquivamento do processo administrativo, tendo em vista a incidência de prescrição da pretensão punitiva e no mérito, pela inexistência de infração à ordem econômica. O presente caso não foi julgado pelo plenário do Tribunal Administrativo. Esta foi informação obtida no sítio do CADE. Disponível em: http://www.cade.gov.br/Default.aspx?b576899f66bb4ea679aa76d46f. Acesso em 05 de outubro de 2012.

[10] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. Vol. 1. Método: São Paulo, 2010, p. 74.

[11] A fragmentação analítica do conceito formal de crime pode ser dividida em: (i) fato típico; (ii) antijuridicidade; (iii) culpabilidade; e (iv) punibilidade.

[12] O Superior Tribunal de Justiça repele a responsabilidade penal objetiva, vejamos:

RHC. Penal. Processual. Pessoa Jurídica. Sócio. Responsabilidade Penal. Denúncia. Requisitos. A responsabilidade penal é pessoal. Imprescindível a responsabilidade subjetiva. Repelida a responsabilidade objetiva (…) Caso contrário ter-se-á, odiosa responsabilidade por fato de terceiro (…)”. (RHC nº 2.882/MS. Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro. Sexta Turma. DJ: 17/8/1993. STJ).

Penal e Processual Penal. Recurso Especial. Crimes contra o Meio Ambiente. Denúncia. Inépcia. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Responsabilidade Objetiva. (…) a imputação penal às pessoas jurídicas, frise-se carecedoras de capacidade de ação, bem como de culpabilidade, é inviável em razão da impossibilidade de praticarem um injusto penal.” (REsp nº 622.724-SC. Rel. Ministro Felix Fischer. Quinta Turma. DJ: 18/11/2004. STJ).

[13] De acordo com esta lei: “Art. 1o  Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

(...)

§ 2o  Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”.

[14] Frise-se, o escopo deste trabalho não é analisar o prazo prescricional no processo administrativo contra pessoa física, e sim, contra pessoa jurídica.

[15] Projeto de Lei do Senado nº 236/2012 de 09 de julho de 2012.

[16] “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(…)

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

[17] Relatório Final da comissão de juristas para a elaboração de Anteprojeto de Código Penal, pg. 231. Disponível em: http://www.ibccrim.org.br/upload/noticias/pdf/projeto.pdf. Acesso em: 27 de setembro de 2012.