PREJUIZOS CULTURAIS E EDUCACIONAIS DECORRENTES DO MODELO INSTITUCIONAL E LEGAL DO MERCOSUL

GEORGE LAURINDO DE ANDRADE

"Tudo tem sua história, inclusive a história. Todo argumento, toda lei, toda tese, toda hipótese tem sua história – o que significa que eles não podem ser perfeitos, completos nem eternamente imutáveis. É claro que isso envolve a precedência do pensamento histórico sobre o "científico". E implica que as formas de reconhecimento dos limites dos dois tipos de pensamento têm tamanha correspondência que, passados mais de quatrocentos anos, é chegada a hora de perceber que só existe um tipo de conhecimento, dependente das limitações inevitáveis do conhecedor humano".

John Lukacs. O fim de uma era.

INTRODUÇÃO

Este texto tem por finalidade tecer considerações de natureza sucinta sobre o fenômeno da globalização, em seu viés econômico, político e cultural, buscando apresentar a importância do processo de integração, mormente no caso do Mercosul.

Presta-se também como uma recolha bibliográfica, sobre os temas acima citados, bem como, de breves comentários sobre alguns dos entraves do processo de integração no cone sul, de como sua estrutura definitiva posta no Protocolo de Ouro Preto, representa verdadeiro obstáculo à evolução do Mercosul, e por conseguinte especificamente, trazendo prejuízos de ordem cultural e educacional, para segmentos de classe e Estados-parde do referido bloco.

Apresento também, segundo autores recolhidos conclusões sobre os fatos acima descritos, e breve comparação com o processo de construção do Espaço de Ensino Superior Europeu, bem como anexos capturados da internet para apresentar considerações sobre o chamado processo de Bolonha.

O fenômeno da globalização dos mercados, não é um conceito fechado, nem inteiramente novo, ou acabado. Como a própria sociedade em construção, a globalização econômica, tem propiciado também a integração de diversas regiões do planeta, sendo alvo de calorosa e receptiva acolhida, ou também de grande crítica e repulsa.

No espaço latino-americano, e em especial, sul americano, o Mercosul te, se constituído num processo de integração econômica, política e cultural, que padece de autonomia institucional e legal como um dos principais entraves ao maior crescimento econômico e institucional das nações que integram o bolco, em busca do referencial comunitário, em construção do modelo europeu.

A GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES, IMBRICAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS.

O mundo contemporâneo apresenta vários "matizes" interpretativos, a globalização, é indubitavelmente um desses conceitos complexos e de característica marcada pela não unicidade. Ao revés, converte-se num conceito plurívoco, extremamente bem explorado pela literatura anglo-saxônica, a partir do último quartel do século XX, centrada em nova economia política das relações internacionais.

Caraterística marcante da globalização tem sido a materialização das transformações, sobreposição e autonomia dos fatos econômicos sobre os fatos políticos e jurídicos, como um complexo de processos interligados. A tradução dessa posição hegemônica das esferas econômicas, pode ser definida na emergência de novas estruturas de decisão que operam em tempo real e com alcance mundial.

As alterações em em andamento na conjuntura de competitividade das empresas, setores, regiões, países e continentes, conjugadas às transformações do comércio internacional, às quais, abandonam os níveis inter-setoriais entre firmas convertendo-se em intra-setoriais e intrafirmas, dão vazão ao crescimento econômico avassalador dos últimos tempos. Outra grande transformação da realidade social em mutação, tem se constituído na desnacionalização dos direitos, que alteram sensivelmente o panorama dos conceitos tradicionais de soberania, tão sedimentados no passado e inscritos nos manuais de ciência política.

O sistema capitalista assiste, ensaia e "entroniza" uma série de mudanças, que culminam na descentralização de suas formas políticas, cujas práticas mais rotineiras avançam para a uniformidade e padronização no plano mundial das práticas comerciais. A desregulamentação dos mercados de capitais com a interconexão dos sistemas financeiros e de seguros em escala planetária, faz sentir a realocação geográfica dos investimentos, tanto produtivos, quanto especulativos, a ponto destes últimos terem representado sérias ameaças ao mundo chamado em desenvolvimento. Mega especuladores, movimentaram e reposicionaram seus investimentos especulativos, muitos deles da ordem de ordem superior a muitos PIB de numerosas nações, trazendo com esta prática a incerteza econômica no mundo.

O fenômeno das migrações internas e primordialmente internacionais, do mundo pobre para as nações consideradas desenvolvidas, representa caráter de unificação dos espaços e da reprodução social, que inauguraram-se e ampliaram-se sobremaneira desde o colapso do chamado "socialismo real", com a derrocada da ex-União Soviética e de seus satélites. As transformações no mundo do trabalho, sobretudo na divisão internacional do trabalho, comprovam parte das chamadas mudanças nas engrenagens, engendrou nova estrutura multipolar, onde sobretudo conflitos novos e velhos foram reacesos, e propiciam alterações geopolíticas em andamento, tanto no movimento de pessoas, como de capitais, ampliando o desenvolvimento mundial. Até alterações climáticas são apresentadas como falhas, ou externalidades do mercado, na problemática ambiental em meio ao contexto global.

Considero por fim, em breve e oportuno comentário, que a integração, constitui-se numa poderosa causa do fenômeno da globalização, do qual, a aproximação econômico-política faz brotar o surgimento dos blocos de poder geopolítico da atualidade, dentre os quais, nos toca mais proximamente, o Mercosul. Para dar maior enfase ao sentido de globalização como agente integrador, recorro à lição do professor OCAMPO (GRANILLO OCAMPO, 2007), o qual com maestria assim professa:

"Podríamos decir que la globalización es un proceso politico que tiende a la integración de los Estados, que nace a partir de un hecho cultural (las inovaciones tecnológicas y la revolución de las comunicaciones) y que tiene consequencias económicas, sociales, culturales y politicas y su corolario em el universo jurídico, al haberse introducido modificaciones em el universo fático"

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Contudo, a globalização não é aceita pelos doutrinadores como um fato histórico recente. Há quem diga que várias "globalizações" já se processaram na humanidade. O mundo da expansão romana, na antiguidade, é apontado como exemplo. Mas sobressai com mais nitidez e pungência dos fatos econômicos, da modernidade aos nossos dias. Cabe aqui breve nota histórica.

Para citar os "prolegômenos" da atual Globalização, nos valemos aqui dos apontamentos de (FARIA, 2004), que assim afirma:

"Globalização também não é um fenômeno novo. Ele já estava presente, por exemplo, nos antigos impérios, provocando sucessivos surtos de modernização econômica, cultural e jurídica. Na era moderna, foi impulsionado pela interação entre a expansão da cartografia, o crescente domínio das técnicas de navegação pelos povos ibéricos e a própria evolução do conhecimento científico. Esses foram os fatores responsáveis pelas grandes descobertas e pelos projetos ultramarinos de Portugal e Espanha, a partir do final do século XV; pelas formas manufatureiras desenvolvidas em Florença, Gênova, Milão, Veneza e outras cidades do norte da Itália, no século XVI; e pela formação de um sistema internacional de pagamentos baseado em letras de câmbio entre banqueiros e negociantes, tornando possível o estabelecimento de rotas globais de comércio, a exploração sistemática do ouro e da prata nas Américas, o início de um amplo e completo processo de colonização e expansão territorial, a chegada da civilização européia aos extremos da Ásia e a formação de estruturas decisórias dotadas de uma capacidade organizacional para controlar o meio social e político em que se realizava a acumulação de capital em escala mundial. Entre os séculos XVII e XVIII, esses fluxos mundiais de comércio e riqueza levaram ao aparecimento de novos pólos de poder na Europa, com o fortalecimento econômico, social e político da burguesia; à formação de Estados nacionais unificados e centralizados nesse continente; e ao advento do mercantilismo e à aplicação do colonialismo europeu. Mais tarde, especialmente no apogeu da hegemonia inglesa, entre o final do século XIX e começo do século XX, quando o padrão-ouro proporcionou moedas automaticamente conversíveis e estimulou a criação de instituições destinadas a garantir o livre-câmbio e as inversões estrangeiras, aumentando significativamente a movimentação de matérias-primas, produtos acabados, produtos semi-acabados, capitais e serviços sobre as fronteiras nacionais, esse fenômeno se torna objeto de um intenso debate sobre o alcance da interconexão das economias relevantes; sobre as conseqüências da internalização dos fatores de produção e a homogeinização das estruturas capitalistas em nível mundial; sobre os novos papéis do capital financeiro; e sobre as implicações políticas e sociais do imperialismo econômico e territorialista.

Por isso mesmo, globalização está longe de ser um conceito original ou inédito na história, na sociologia política, na teoria econômica ou mesmo na ciência do direito. Embora com outra designação, ele pode ser encontrado em análises paradigmáticas sobre os vínculos entre a criação e a reprodução ampliada do capitalismo histórico – enquanto sistema mundial – com os processos de formação de Estados e mercados quanto em textos clássicos sobre a organização e a interação de espaços econômicos auto-suficientes e amoldados à natureza mercantil dos impérios modernos. (...) O que parece ser realmente novo é o inédito processo de superação das restrições de espaço pela minimização das limitações de tempo, graças ao vertiginoso aumento da capacidade de tratamento instantâneo de um gigantesco volume de informações; a um fenômeno complexo e intenso de interações transnacionais, onde a empresa privada progressivamente substituiu o Estado como ator principal, criando algo qualitativamente diferenciado de quase tudo o que se teve até agora em matéria de ordenação sócio-econômica e de regulação político-jurídica; à avassaladora dimensão alcançada pelos movimentos transnacionais de capital, especialmente o financeiro; e à formação de uma hierarquia dinâmica de acesso e trocas desiguais entre os fatores de produção, com amplitude mundial".

Depreende-se por conseguinte, que, a integração econômica consolida-se na reunião de esforços para a promoção do desenvolvimento de determinada região, e este obviamente, traduz-se no rol de atividades econômicas pelo aumento das trocas comerciais e pela redução das barreiras tarifárias e alfandegárias.

A integração européia tem sido apontada como modelo paradigmático de integração, onde objetivamente não se visou unicamente a formação de um único Estado, mas com certeza tem promovido sobremaneira a aproximação deles. No caso europeu, o tratado de integração apresenta argumentos que ultrapassam as contingências e objetivos meramente econômicos, embora seja esta a grande mola propulsora do desenvolvimento do referido bloco. O tratado pois, reafirma e rememora as bases históricas, culturais e as tradições de cada um de seus membros, e esta integração acaba por adquirir conotação e modelo de influência mundial.

A concepção de integração econômica adquire contornos e formas as mais variadas possíveis, ultrapassando os limites da relatividade e hodiernidade do conceito de soberania.

Os preparativos para o passo da integração como bloco regional, é precedida de uma série de atos e de protocolos de intenção, manifesta numa agenda, a qual, via de regra pressupõe uma série de ajustes de natureza a conduzir na cooperação econômica dos Estados-partes, visando equiparar e aproximar suas economias, nas mais das vezes, tão dispares. A etapa inicial da integração econômica, na fase de mercado livre é colimada para o fim gradual das tarifas aduaneiras, permitindo a posteriori, maior liberdade de comércio, circulação de pessoas, serviços, mercadorias e capitais dos Estados.

Os passos subseqüentes envolvem mutações mais profundas nas políticas macroeconômicas, primordialmente no sistema monetário, com vistas no futuro à adoção de uma moeda única, ou um padrão monetário único para todo o bloco, obviamente com a implementação de uma série de políticas econômicas uniformes.

A etapa político-jurídica, passa então a ser colocada na ordem do dia, com a estruturação de organismos parlamentares deliberativos comuns, onde a adoção de normativas promove a unificação legislativa, para todos os Estados do mesmo bloco. A partir da integração econômica, nas mais das vezes, permeada por um conjunto normativo mínimo, o bloco, operará progressivamente uma integração mais plena, ou seja no nível político e jurídico.

Depreende-se portanto, via de regra, apresentar a integração dos Estados em um só bloco, cinco etapas, a saber: duas de cooperação econômica, a zona de Livre Comércio e a zona de União Aduaneira. Já para a etapa de integração econômica, são envidados os esforços no sentido de construir uma Zona de Mercado Comum, Zona de União Política e Econômica, e num processo mais profundo, o que muitos doutrinadores chamam de Zona Equivalente à uma Confederação. Tais etapas, pelo menos algumas podem ser vislumbradas na evolução da União Européia, e guardadas as devidas proporções, com todos os percalços, e atrasos no Mercosul.

À guisa de fonte e ilustração doutrinária recorro à lição de GRANILLO OCAMPO (2007), para enfatizar tal progressão do processo de integração voluntário, em bases resumidas:

" La integración es um Proceso Voluntário. La integración económica es uma opción de política al alcance de los países, em su búsqueda de uma estrategia de desarollo económico. Por ello sus benefícios y costos potenciales deben compararse com los de otras opciones de política y, em particular, com los de cualquierotra estrategia orientada a la exportación. (...) De ninguna manera puede ser considerada como un fin em sí mismo, sino como un medio para alcanzar el mayor desarollo económico y por esta vía, contribuir para al mayor bienestar general.

Finalmente, non debe confundirse integración com cooperación, que son procesos diferentes no solo desde un punto de vista cuantitativo, sino tambien cualitativo. Es que mientras la cooperación implica acciones destinadas a disminuir la discriminación, la integración económica compreende medidas conducentes a la supresión de la discriminación (diferencia cuantitativa). Mientras la cooperación implica que cada país continúa teniendo sus próprios objetivos, que se lograrían más fácilmentemediante el trabajo conjunto com otro país u otros paíse que también persiguen sus proprios objetivos (obviamente compatibiles com el primero), la integración implica la transformación de los objetivos individuales de cada país en un objetivo único para el conjunto (diferencia cualitativa). El fin es el mismo, esto es, el logro de uma mayor calidad de vida y/o desarollo económico y/o desarollo social, pero mientras la cooperación lo logra mediante la realizacion conjunta de los objetivos próprios de cada país, la integración lo hace mediante la transformación de los objetivos individuales em un solo objetivo para el conjunto".

Na verdade, em tempos de globalização, a integração das nações e sua subseqüente conformação em respectivos blocos tem norteado a dinâmica do fenômeno do século XX aos nosos dias. Retomando ainda breves considerações sobre o conceito de globalização, faz-se necessário todavia, afirmar que seu caráter polissêmico, costuma proporcionar ao mesmo grande imprecisão, por conseguinte, no mundo acadêmico, quanto na mídia, muitos o rotularam tratar-se de um conjunto de fatos e fenômenos inexoráveis. A despeito de pretensas generalizações, a globalização, trouxe consigo, um cabedal de circunstâncias novas e outras, do ponto de vista histórico, bastante antigas.

Contudo, antigos ou novos, todos guardam algum nexo entre si, e isso é evidente na medida em que a percepção da multivariada gama de bens e serviços de enorme valor agregado, em se tratando de ganho tecnológico e intelectual, ´´e então oportunizada à comunidade internacional, com a expansão dos processos de informatização dos sistemas de gestão e produção, da desregulamentação do dos mercados financeiros e internacionalização dos mesmos. Em uma palavra a globalização econômica das nações, promove a substituição da hierarquia pelo modelo de rede como instrumento de organização das corporações; a facilitação e alargamento dos movimentos de circulação de mercadorias, serviços, tecnologia e informação aproxima cada vez mais as relações sociais, proporcionando por conseguinte implemento da abrangência geopolítica e das interações sociais regionais relevantes, daí despertar na integração dos povos um ganho qualitativo, quantitativo e relevante como fenômeno mundial do nosso tempo. A Integração, portanto, constitui-se em poderosa e eficaz ferramenta de leitura a adequação aos "desígnios" da sociedade global.

Tornam-se então perceptíveis, em razão da complexidade e dinâmica dos grupos sociais representados por trabalhadores, camponeses, funcionários públicos, empresários, e outros, das nações onde residam, que o fenômeno da globalização está sendo receptivamente aceito, ou duramente criticado, revelando destarte, o surgimento dos defensores e oponentes da crescente interdependência dos mercados.

Tomando de empréstimo a lição de Alexandre de Freitas Barbosa (BARBOSA, 2003): quem seriam estes protagonistas intitulados de profetas e os críticos do mundo globalizado?

"Os profetas da globalização também poderiam ser encontrados em algumas instituições internacionais que se transformaram em propagandistas das vantagens da integração dos mercados, tais como: Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, OMC, OCDE, entre outras.

Vejamos como o sociólogo italiano Domenico de Masi exalta a nova sociedade, no seu entender, dinâmica, plástica inovadora: "Superada a secular vida sedentária dos nossos antepassados, só nos resta aproveitar e dar sentido ao nosso destino de nômades pós-industriais, que à viagem física soubemos ainda acrescentar a viagem virtual da internet".

Outro sociólogo, o norte-americano Francis Fukuyama, chegou a decretar em 1992 o fim da História. Para ele, estaríamos vivendo a era do último homem, tendo-se chegado a um modelo definitivo e quase perfeito de sociedade, no qual a economia de mercado se combina com a democracia política e a liberdade. Como se essa equação fundamental pudesse ser encontrada em todos os países do mundo... Senão, como explicar o massacre de Kossovo e a guerra civil de Angola nesse universo de conto de fadas?

A globalização possui também seus críticos. Instituições como a Associação pela Tributação Financeira em Apoio aos Cidadãos (ATTAC) defendem a taxação do capital financeiro, procurando impedir que a abertura dos mercados e a privatização reduzam as receitas dos orçamentos públicos e generalizem o desemprego e a informalidade.

Os críticos da globalização ressaltam ainda que a liberalização do movimento de mercadorias e capitais não veio acompanhada da liberdade do fluxo de mão-de-obra. Na verdade, a própria liberdade de locomoção é desigualmente distribuída".

Depreende-se portanto, que tal fenomenologia, complexa, e inexoravelmente real na vida das sociedades hodiernas, exige melhor compreensão e análise, para aceitação da necessidade de sua premissa básica na busca do desenvolvimento econômico com justiça social, qual seja, uma verdadeira e duradoura integração. Analisemos doravante, sucintamente os níveis da globalização e sua importância.

IMPORTÂNCIA DOS NÍVEIS DE GLOBALIZAÇÃO

No entendimento de EDUARDO FARIA (FARIA, 2008), a globalização como fenômeno antigo e hodierno das nossas sociedades, é ao mesmo tempo, a priori, um processo multicausal, multidimensional, multitemporal e multicêntrico; tão complexo quanto real, que desafia e relativiza conceitos anteriormente considerados pela doxa política, quase dogmático, quanto paradigmático, como é o caso da soberania dos Estados Nacionais. Portanto, tomando por base o mesmo autor acima mencionado, a globalização se porta em níveis de atuação, quais sejam: o nível econômico, o institucional, e social, para os quais apresentarei breve relato.

O NÍVEL ECONÔMICO

A economia-mundo avança mesmo diante de sobressaltos, e crises cíclicas, nas novas configurações de poder proporcionadas pelo incremento do intercâmbio comercial dos dos chamados mercados intercruzados, prova disso, se verifica na internacionalização do sistema financeiro e o aparecimento de produtos e serviços derivados dos títulos e ações, mais conhecidos como "derivativos", sendo conhecidos na linguagem de mercado, como "opções", "futuros" e "swaps" (FARIA, 2008).

Outra característica deste nível, está centrada no acirramento da concorrência, em caráter universal e planetário, traduzindo-se em segmentos de ponta como, a colocação no mercado da propriedade intelectual, e os direitos a ela inerentes, a concentração do poder empresarial, nas corporações mundiais, gigantescos potentados econômicos, desfiadores da regulação e legislação concorrencial e consumerista. Estes e outros caracteres econômicos, como foi dito mencionado, desafiam as conformações políticas dos Estados nacionais, proporcionando gradual enfraquecimento do poder dos Estados, e de sua conseqüente soberania nas decisões de política econômica. Um dado numérico pode realçar esta argumentação, no ano de 2007, os investimentos estrangeiros diretos globais ultrpasaram a cifra dos US$ 1,5 trilhão, sendo dois terços deste valor utilizados para fusões e incorporações de empresas, exteriores aos países de origem das corporações.

Ainda nesta "roda econômica" da hodierna globalização, a circulação de capitais, quase ilimitada, centrada na chamada riqueza financeira, elevou-se em níveis substanciais, e não somente nos capital financeiro, muito dele, meramente especulativo, mas também, no crescimento dos mercados securitários, de consultoria contábil, administrativa, notadamente nas áreas de publicidade, desenho, marketing, relações públicas, segurança, sistemas de informação, consultoria e prestação de serviços de assessoramento jurídico.

NÍVEL INSTITUCIONAL

Neste nicho global, apresentam-se enormes discrepâncias e problemáticas para o poder público dos Estados Nacionais, frente à onda global. A crescente internacionalização das decisões econômicas, perpetrada tanto por instituições privadas, quanto públicas, mas principalmente por organizações de natureza privada, tem posto em cheque, a segurança e sistemática das regras político-legislativas, acomodadas e tradicionalmente vigentes do direito positivo. Parece que a avassaladora e crescente dinâmica da economia-mundo, desafia a tradição hierárquica das normas do direito imposto ou melhor, posto, na apresentação do Estado de direito como ordenador da vida em sociedade.

Desta mobilidade econômica, surgem novas relações de poder político, e institucional, rompendo nas mais das vezes a linha tênue, que delimita o Estado e a sociedade, inclusive aquele como promotor do crescimento e desenvolvimento desta. A idéia de soberania nacional, esboçada, em um de seus elementos basilares da enfocados pela ciência política, vai como que, sendo eliminada, ou reestruturada, na relativização e importância de suas fronteiras territoriais.

A questão institucional avança, tendo por iniciativa o nível econômico, mas não para aí, uma vez que tais atividades, produtivas, comerciais, financeiras, e sociais, passa exclusivamente pelo controle e dependência proporcional e direta do incremento proporcionado pela circulação de pessoas, e com estas, coisas, direitos, e ações em âmbito mundial. É o processo de integração como passo contínuo da globalização. Para tanto, utilizo as palavras de JOSÉ EDUARDO FARIA (2008), renomado mestre da Universidade de São Paulo:

"(...) No plano político, por conseqüência, rompe-se a aliança histórica entre o Estado nacional, sistema econômico e democracia representativa. Na medida em que a globalização econômica é assimétrica, conduz à interdependência, estimula a formação de blocos regionais e provoca uma diversificação crescente dentro de cada região, com impacto e resultados distintos, ela introduz novas lógicas espaciais e também cria novas dinâmicas intra e inter-regionais, estimulando com isso a expansão de formas de coordenação política não-hierárquica e com geometria variáveis".

NÍVEL SOCIAL E CULTURAL

As alterações promovidas pela onda global são perceptíveis no interior das sociedades, vez que, as estruturas sociais e sua interação são abaladas pelas constantes diversificações e diferenciações funcionais conduzidas pela dinâmica econômica. Esta diferenciação funcional altera sobremaneira as complexas e intrincadas relações estruturais da sociedade moderna, promovendo verdadeiros solapamentos e rupturas jurídicas, institucionais e políticas em dimensão mundial. No direito brasileiro,temos portanto, um exemplo claro desta influência sócio-cultural nos moldes ou matrizes curriculares dos cursos jurídicos, por exemplo, a introdução do Direito Empresarial, em substituição ao Direito Comercial, terminológica, conceitual e estruturalmente falando. As mudanças educacionais no âmbito jurídico, supra citadas, já vinham se processando no viés econômico, e no último quartel do século XX, já influenciavam a elaboração de normas de direito positivo no Brasil, entre as quais poderíamos mencionar, a Lei 8.078/90, conhecida como, código de defesa do consumidor, a lei da propriedade industrial, o novo Código Civil, e a Nova lei de Falências, que instituiu a Recuperação Extra judicial e a Recuperação Judicial das empresas, deixando o instituto da Falência como última etapa a ser utilizada na vida e sobrevida das empresas em situação de crise financeira e econômica. Todas estas mudanças na legislação brasileira, refletem as alterações de paradigma conjuntural do mundo econômico em mutação, no século XX, sob o influxo de uma teoria nitidamente de contornos econômicos e não jurídicos, qual seja, a teoria da empresa.

Do ponto de vista cultural, a expansão das fronteiras eletrônicas, promove dia dia mudanças bruscas nas relações em sociedade, uma vez que, propicia a ampliação dos contatos diretos entre as pessoas e ou entre comunidades em sintonia virtual, e em tempo real, o que efetivamente redimensiona a delimitação de espaço territorial. A internet além de aproximar indivíduos e ou comunidades nos mais variados lugares do mundo, proporciona na mesma dimensão, a apropriação de costumes, e paradigmas locais, promovendo inclusive a tomada de ações conjuntas para problemáticas comuns. Este processo contínuo e em escala global crescente, conduz a alterações e interações de grupos humanos anteriormente mais afastados, propiciando novas realidades inerentes à crenças, identidades, antes delimitadas pelos Estados nacionais, resultando por exemplo, na relativização de concepções tradicionais de cidadania, como no caso da União Européia.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRASIL E O MERCOSUL

Qualquer comentário sobre o Mercosul, deve ser levado em consideração do ponto de vista "objetivo", mesmo que se proponha abstraí-lo das investidas da conjuntura nacional, será obviamente perpassado e intrinsecamente delineado pela perspectiva dos interesses do observador e de sua cidadania. Em específico, no caso deste despretensioso escrito, os olhares do Brasil, na condição de Estado-membro do Mercado do Cone Sul, de maior contingente populacional, extensão territorial e sobretudo, o porte de sua economia, em relação a seus parceiros, conduzirá por conseguinte, a uma análise "vazada" de quem observa e comenta, vez que, o nicho econômico e institucional brasileiro, repercutem nos passos da integração do Mercosul.

Da opinião abalizada de Paulo Roberto de Almeida, apud CASELLA (2000), oportunamente cito:

"Independentemente, porém, da margem do Prata a partir da qual o analista instale a sua luneta de observador, parece claro que qualquer exercício de "futurologia" em torno do MERCOSUL, deve, antes de mais nada, delimitar as opções econômicas e comerciais em jogo e as propostas políticas disponíveis em termos de organização institucional, do ponto de vista de seu desenvolvimento interno. Caberia considerar em seguida, os elementos do relacionamento externo do esquema integracionista, notadamente no que se refere ao processo hemisférico e à continuidade do processo de aproximação com a União Européia, para poder projetar, os cenários possíveis ou prováveis da evolução futura do Mercosul. Do ponto de vista deste observador, mas respeitando-se o caráter "objetivo" dos números relativos e das "relações de força" em jogo, parece evidente, em qualquer hipótese que o itinerário de médio e longo prazo do MERCOSUL dependerá, em grande medida, das escolhas que faça seu mais importante protagonista, a saber, o Brasil. A propósito, uma análise operada a partir da outra margem do Prata poderia observar que, sem a colaboração e a cooperação ativas de seus demais sócios no empreendimento, o Brasil não poderia levar o MERCOSUL a nenhum destino diverso daquele a ser decidido de comum acordo, uma vez que os atuais mecanismos decisórios podem, de fato, obstar a qualquer itinerário estabelecido unilateralmente. Não obstante essa realidade, do ponto de vista de suas possibilidades efetivas e potenciais de desenvolvimento, não se poderia recusar o fato de que o Brasil detém, de fato, a chave estratégica do itinerário político e econômico do MERCOSUL no século XXI, mesmo considerando-se que esse país não ostenta, objetivamente, nenhum comportamento econômico "imperial" e que ele se tenha despido de qualquer veleidade política unilateralista ao engajar-se decisivamente no projeto integracionista com a Argentina a partir de meados dos anos 80".

Inobstante não seja objetivo deste opúsculo, aprofundar questões atinentes à estrutura institucional do Mercosul, em se tratando do alcance dos objetivos deste ensaio é perceptível nos comentários doutrinários sobre o processo de integração do Cone Sul, que existem além dos entraves econômicos, dada a desproporção dos membros do bloco, aos aspectos jurídicos internos de cada Estado-membro, que em especial as nações que integram o bloco, estão perdendo oportunidades de acelerar o processo integracionista. Desta maneira, desde o Tratado de Assunção, aos Protocolos de Ouro Preto (SEITENFUS, 2004), de estrutura diversa do tratado inicial, perpassando pelo interregno, ou lapso temporal, para implementação das medidas integracionistas o Mercosul, efetivamente, esbarra numa série de óbices à formação de um verdadeiro Mercado único nos moldes, por exemplo da evolução do Mercado Europeu. No caso do Mercosul, a carência de autonomia institucional e legal, parece ser um poderoso entrave ao processo de integração. Veja-se por exemplo o caso normativo brasileiro, no qual, o obstáculo à implementação dos atos e decisões jurídicas emanadas em caráter de bloco, não se aplicam de imediato no ordenamento jurídico pátrio, devendo ser convertidos em espécie normativa de direito interno, como os Decretos chancelados pelo Senado Federal, para ao final incorporar-se ao ordenamento jurídico de direito interno. Esta característica do direito brasileiro, corrobora o que foi acima descrito por ALMEIDA, apud CASELLA.

É com base na lição de OCAMPO (2007), o qual com maestria, assim delimita esta relação assimétrica no Mercosul, na crítica à estrutura definitiva do Mercosul, a converter-se em verdadeiro muro para efetiva integração do bloco, a qual, por oportuno passo a citar:

"Como hemos manifestado precedentemente, la estructura definitiva del mercosur, definida por el POP, no es substancialmente diferente de la estructura provisória que había definido el TA. Nuestros países perdieron la oportunidad de aprovechar la experiencia acumulada durante el período de transición y de superar las desconfianzas existentes, generando un programa de integración netamente de corte comunitario, compuesto por instituciones organizadas de forma tal que representen el interés del conjunto y no el interés de uno de los países partes; y que puedan emitir normas de aplicación directa, inmediata y preeminente, invocables no solo los Estados y las instituciones del processo ante los órganos de solucion de conflitctos del Mercosur, sino también por los particulares y ante cualquier juez nacional".

CARÊNCIA DE AUTONOMIA INSTITUCIONAL E LEGAL DO MERCOSUL. QUESTÕES RELEVANTES NO ÂMBITO EDUCACIONAL

Por acreditar na assertiva do professor OCAMPO, acima descrita, passo a analisar algumas questões de âmbito jurídico e educacional no contexto do Mercosul, mormente, na esfera da validação dos títulos universitários celebrados por ocasião do pacto firmado entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, incorporado ao direito brasileiro por ocasião do Decreto número 5.518/2005, entendendo que tais instrumentos jurídicos, do ponto de vista do direito positivo vigente, conformam-se estruturalmente como espécies normativas em perfeita consonância e legalidade no direito posto, vez que, o "Protocolo de Integração Educacional para Prosseguimento de Estudos de Pós-Graduação nas Universidades dos Países Membros do Mercosul" encontra-se convertido em lei interna do Brasil, eis que aprovado pelo Decreto Legislativo nº 33, de 7 de Junho de 1999 e promulgado pelo Decreto nº 3.196, de 5 de Outubro de 1999, do Presidente da República, tendo sido publicado no Diário Oficial da União - DOU do dia 6 de outubro de 1999. Em consonância com o "artigo 1" desse Protocolo, "os Estados Partes, por meio de seus organismos competentes, reconhecerão, unicamente para a realização de estudos de pós-graduação acadêmica, os títulos universitários expedidos pelas Instituições de ensino Superior reconhecidas"; e pelo "artigo 4", "os títulos de graduação e de pós-graduação, regidos pelo presente Protocolo, serão reconhecidos, unicamente para fins acadêmicos, pelos organismos competentes de cada Estado Parte.

O Protocolo acima mencionado confere aos portadores de títulos de graduação ou de pós-graduação obtidos em países integrantes do Mercosul o direito ao reconhecimento desses títulos, para fins de discência, docência e pesquisa universitária, sem necessidade de submissão a processo de revalidação.

A questão então não se funda na configuração e limites da elaboração ou técnica legislativa, ou em atecnia do decreto,ou do tratado firmado no Mercosul, mas na própria estrutura e carência de autonomia institucional e legal do referido bloco, que não propiciou avanço significativo como nos moldes comunitários europeus.

Corroborando mais uma vez com esta compreensão, OCAMPO, aponta exatamente na ausência de autonomia institucional e legal do Mercosul, em sua estrutura definitiva, contida no Protocolo de Ouro Preto, em que, destarte, cito:

Como todas las organizaciones clássicas del derecho internacional, el Mercosur está constituido por órganos decisorios integrados por funcionarios nacionales, em los que solo están representados los Estados y en los que solo cabe la representación del interés del Estado. En la Unión Europea, como em uma organización clássica del derecho comunitário, em cuatro sobre cinco de sus instituciones (Comissión, Parlamento, Corte de Justicia y Tribunal de Cuentas), sus integrantes son funcionários del proceso de integración (non de los Estados nacionales membros) y no representan los interesse de los Estados, sino el interés general o comunitario.

Em la Unión Europea las instituciones emiten normas juridicas que, uma vez aprobadas, son obligatórias no solo para las próprias instituciones y los Estados miembros, sino también para los habitantes de cada uno de ellos, debiendo aplicarse de inmediato (no es necesaria su incorporación al ordenamiento jurídico nacional de los países membros); tienen primacia sobre el derecho interno nacional y su aplicación pude ser reclamada no solo por los Estados, sino también por las instituciones del proceso y por los particulares, tanto a los órganos judiciales de cada uno delos Estados nacionales miembros. Em el Mercosur sus instituciones emiten normas obligatorias para los Estados (no para sus habitantes), que para entrar em vigor deben ser incorporadas al ordenamiento jurídico interno de los Estados miembros, que no tienen primacia sobre el derecho interno de los países miembros y cuya aplicación solo puede ser solicitada por los Estados (no por los particulares, ni por las instituciones del proceso) y ante los tribunales arbitrales ad-hoc previstos em el sistema.

Esta debilidade estrutural do Mercosul, nos aspectos institucional e legal, é apontada por muitos dos doutrinadores como um grave obstáculo ao prosseguimento do processo de integração na América do Sul. Mais uma vez sirvo-me da lição contida na obra de MOYA DOMINGUEZ (2006), dissertando sobre os mecanismos jurídicos que podem propor soluções aos problemas da integração latino-americana, dentre os quais, mormente como condutas a serem desferidas pelos Estados-membros: uma hierarquia normativa comum em todos os estados membros; mecanismos adequados e acordados entre os quatro países, para internalizar as normativas do Mercosul; estabelecimento de meios judiciais para solução das controvérsias e por fim, o estabelecimento de um sistema de publicidade das normas formuladas no âmbito do Mercosul ao processo de incorporação dos direitos internos de seus membros. Por considerar relevante as palavras da autora acima, transcrevo suas conclusões básicas para as soluções acima descritas:

"Conclusivo: resulta conveniente y necessario que tanto Brasil como Uruguay reformen sus constituciones para adecuarlas a los requerimientos de un proceso de integración de grado superior como lo es del derecho comunitario. En cuanto a Argentina y Paraguay, ambos necessitan dotar de más precisión sus fórmulas de ordenación, a fin de assegurar la primacía del derecho del MERCOSUR así como la aplicabilidad inmediata de sus normas y su efecto directo, garantía de seguridad jurídica que debería ser igual em los cuatro Estados partes. En consecuencia, sería recomendable que también procedieran a reformar suas cartas constitucionales em aras de uma mayor seguridad jurídica. Esa será la mejor forma de que los países miembros plenos del MERCOSUR se dispongan a integrarse com sus asociados Chile, Bolivia, Peru y Venezuela, más el resto de la Comunidad Andina de Naciones, conformando entre todos la Unión Sudamericana, cuya puesta em marcha ya se anuncia como tema prioritario de la agenda de la Cumbre de Presidentes de la América del Sur".

Passo doravante a tecer breves comentários a cerca do atual modelo educacional, em fase de implementação para os níveis de ensino superior para aplicação às nações que compõem a União Européia, um sistema, conhecido como Processo ou diretiva de Bolonha, bem como a traçar prováveis pontos de confronto com o modelo acima descrito, implantado no Mercosul.

O PROCESSO DE BOLONHA – A CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO EUROPEU DE ENSINO SUPERIOR (EEES).

O ordenamento econômico da União Européia decorre do processo de integração econômica e social em que aquele bloco de nações esteve e mantém o empenho de prosseguir na criação do chamado Espaço Comunitário de um mercado comum europeu. Tal integração, em processo contínuo de realização, ampliando a estabilidade por conseqüência da adoção de políticas comuns e de uma moeda única. Este processo amplia-se na consolidação de uma união ECONÔMICA E MONETÁRIA.

O chamado Mercado Comum Europeu, foi concebido como um instrumento de integração econômica e social no espaço europeu; este "mercado comum" assenta na criação de uma União Aduaneira, nas intituladas "QUATRO LIBERDADES", quais sejam, a liberdade de circulação de pessoas em geral; a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços; a liberdade de circulação de capitais e por fim, a consagração de uma União Econômica e Monetária.

Estas QUATRO LIBERDADES, estão consignadas num ordenamento jurídico assentado nos chamados tratados comunitários, os quais decorrem da evolução política e econômica da Europa no século XX. Os principais tratados comunitários europeus, podem ser assim enumerados: os dois tratados de Roma de 25 de março de 1957, que criaram a Comunidade Econômica Européia, e a Comunidade Européia da Energia Atômica. Os referidos tratados de Roma foram completados por diversas convenções, anexos e protocolos de uma ou de outra Comunidade ou comuns a ambas (grifo e negrito meu).

Em mais de 40 anos, outros pactos comunitários foram concluídos para revisar os Tratados originários, podendo ser nominado o Ato Único Europeu concluído em 1987; o Tratado de Maastricht em 1992, conhecido como Tratado da União Européia; o Tratado de Amsterdã de 1997, e por fim, o chamado Tratado de Nice.

Como bem assevera JOÃO MOTA DE CAMPOS (CAMPOS, 2004), os tratados comunitários são fontes de onde emana o ordenamento jurídico comunitário, e desta forma assim preconiza:

"Os tratados, fonte primária ou originária de direito comunitário, são convenções internacionais de tipo clássico, produto exclusivo da vontade soberana dos Estados contratantes, que foram concluídas na conformidade das regras do direito internacional e das respectivas normas constitucionais.

Mas, como próprio Tribunal Constitucional alemão reconheceu na sua decisão de 18 de Outubro de 1967, esses tratados representam, 'de certo modo, a Constituição da Comunidade' e, portanto, a base de toda a ordem jurídica comunitária".

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Uma vez que, o processo de integração Europeu é diferente, em diversos caracteres em relação ao Mercosul, e em sua consecução ao longo de várias décadas, implementaram progressivamente etapas concernentes à configuração de uma comunidade de nações, em moldes de uma União econômica e monetária, as políticas sociais comuns passam a ocupar juntamente com as questões econômicas porção de destaque. Destarte a política que objetiva à construção de um modelo unificado de ensino para toda a comunidade, constitui-se na elaboração do chamado Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES), em cuja Declaração de Bolonha, temos o documento iniciador da política conjunta. Mas o que vem a ser o Processo ou Declaração de Bolonha?

Em 19 de junho de 1999, 29 Ministros da Educação Europeus, componentes dos Estados-Partes da Comunidade, celebraram em Bolonha, uma declaração conjunta, visando a implementação de uma série de medidas comuns para o Ensino Superior, objetivando sua implementação completa em 2010.

Em linhas gerais, a Declaração prevê a adoção de um sistema de graus acadêmicos compatível e comparável, objetivando, unificar o Ensino Superior Comunitário, a existência e estruturação de dois ciclos de estudos de pré-doutoramento, com sistema de créditos e suplemento ao diploma, visando sobretudo a livre circulação de estudantes, professores e pesquisadores, para desenvolvimento de seus padrões de ensino e pesquisa.

Tais graus acadêmicos e diplomas obtidos passam a ser automaticamente reconhecidos em todos os estados aderentes, facilitando, desta forma, o reconhecimento das qualificações e a mobilidade das pessoas.

Vê-se portanto a diferença em relação aos apontamentos referentes à validação dos títulos obtidos no Mercosul, em função da conjuntura do bloco europeu, dada sobretudo, pela existência de autonomia institucional e legal, proveniente do Tratado de adesão à União Européia, como foi descrito no tópico acima. Portanto, mais uma vez, corroborando com as palavras do professor OCAMPO, ao menos neste e em outros aspectos, sofremos incontáveis prejuízos, por não termos superado óbices em relação ao processo de integração, mormente no âmbito educacional. A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nos arts. 52, I e 87, § 2º (LDB), determina que as universidades deveriam ter pelo menos um terço do seu corpo docente com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado em até oito anos desde a edição dessa lei. Se verificarmos então as demandas educacionais crescentes do Brasil, por exemplo, para a expansão dos quadros docentes nas Universidades brasileiras, ante o modelo obsoleto e "feudal", dos programas de formação de professores e pesquisadores no Brasil, poderemos então confirmar a partir da comparação do sistema de validação de títulos do Mercosul com o caso europeu. No caso brasileiro, a disparidade e desproporção dos modelos, problemas da reduzida quantidade de cursos e da grande concorrência pelas poucas vagas disponíveis, somou-se o fato de que, em geral, os cursos existentes seguiam padrões metodológicos conservadores, não admitindo a adoção de calendário escolar nem de horários de aulas adaptados às necessidades e à demanda crescente de profissionais, muitos brasileiros passaram a optar por cursarem mestrado e doutorado em universidades estrangeiras, principalmente universidades dos Estados Unidos, da Espanha, de Portugal, da Argentina e do Chile, empós conclusão dos referidos programas, adveio o problema da não aceitação da revalidação automática dos títulos oriundos do Mercosul pelas universidades brasileiras, afrontando princípio normativo originado do bolco do cone sul. Percebe-se com clareza, objetivamente relacionado ao modelo europeu, derivado de autonomia institucional e legal, as diferenças e prejuízos tornam-se evidentes.

Por oportuno, em razão dos argumentos acima delineados retomo nestes breves comentários uma citação do grande mestre PEDRO DEMO, um observador dos mais preparados na seara educacional, bem como, cientista social brasileiro, em sua obra A NOVA LDB: RANÇOS E AVANÇOS, analisa a norma educacional pátria, em especial, o Ensino Superior e a Universidade brasileira, sob uma perspectiva critica e pontual, na qual DEMO (2002), com profundidade assevera:

"Talvez não fosse exagero aventar que a parte mais caduca da LDB é sua visão de educação superior. (...) No Art. 52, ao definir as universidades como "instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano", faz de novo predominar a visão formalista que, no fundo, basta-se com o mero ensino. Além de acenar para as ambigüidades dos termos ensino, pesquisa e extensão, acrescenta um entendimento restritivo da "produção intelectual institucionalizada", voltada para o estudo sistemático dos temas e problemas relevantes, permanecendo no plano mais vago possível, para não dizer aéreo. Mesmo apontando para a referência regional e nacional, o termo "estudo" serve para qualquer coisa, sobretudo para o mero ensino. O mais grave vem a seguir: um terço deve ter pelo menos titulação acadêmica de mestrado ou doutorado, e um terço deve ter tempo integral. Certamente se supõe que tudo isso esteja a serviço do ensino, perdendo-se a oportunidade de estabelecer que, mais do que essa formalidade, é essencial a capacidade de reconstruir conhecimento. Mas esse desafio, a rigor, a universidade como um todo ou de modo geral ainda não descobriu".

Não se faz necessário recorrer às estatísticas para verificar que na atualidade, milhares de jovens brasileiros estão realizando sua formação no ensino de graduação, mormente no curso de medicina, e nos programas de formação docente, para obtenção dos títulos de mestre e doutor, em universidades Argentinas, Uruguaias, e Chilenas, por exemplo. Até aí nada de estranho, ou de grave prejuízo, ao revés, é até uma salutar constatação do processo de integração da América do Sul, mas atentamente, devemos volver nossos olhar em sentido diverso. Ou existe no caso brasileiro, em algumas áreas, verdadeira reserva de mercado, ou o modelo educacional superior no Brasil, é "obsoleto, feudal e corporativista", não acompanhando as inovações contidas na sociedade global. Ademais, em desfavor daqueles que investiram na qualificação e titulação nos países do Mercosul, quando de seu retorno ao Brasil, necessitam nas mais das vezes, dirigir-se ao poder judiciário para fazer valer seus direitos, já outrora postos e consignados no ordenamento jurídico do bloco do cone sul, uma verdadeira aberração, contra-senso e sobretudo custo-prejuízo, para os indivíduos e para o país (grifo e negrito meu).

No caso Brasileiro e do Mercosul, um sistema que reserva "encastelada" de mercados, e no caso europeu, a promoção da livre circulação de pessoas, capitais, e por conseguinte tecnologia, resultando em maior desenvolvimento econômico e social dos cidadãos da comunidade.

Ante tal perspectiva comparada em breves comentários fica a indagação: por que não ousamos enquanto bloco em integração ultrapassar barreiras, sobretudo econômicas e políticas, para implementar uma verdadeira e crescente integração das nações que compõem o Mercosul? Poderemos então adiar por quanto tempo mais o processo de integração de nossos povos de posições doutrinárias e ideológicas, hoje relativizadas relativizadas no panorama global? Estas e outras questões merecem profunda reflexão, sobretudo em tempos e conjunturas, com as quais nos encontramos na crise da modernidade. O mundo em que vivemos, nos coloca dia a dia frente a novos desafios e dilemas inerentes à complexidade das nossas sociedades, o que nos faz lembrar da obra de Marshal Berman referindo-se a Marx: "Tudo que é sólido desmancha no ar (grifo e negrito meu)", e sendo tão oportuna em razão do que aqui foi exposto, inclusive sobre o Mercosul, em tempo cito o referido autor a versar versar sobre a modernidade:

EXISTE UM TEMPO DE EXPERIÊNCIA vital – experiência de tempo e espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei esse conjunto de experiências como 'modernidade'. Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, 'tudo que é sólido desmancha no ar'."

BIBLIOGRAFIA

LUKACS, John. O fim de uma era. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

DEMO, Pedro. A nova LDB : Ranços e avanços, Campinas, SP: Papirus, 1997.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo, SP: Companhia das letras, 2008.

Legislação Internacional (TRATADO DE ASSUNÇÃO1991)

PROTOCOLO DE OURO PRETO SOBRE A ESTRUTURA DEFINITIVA DO MERCOSUL (1994) ). SEITENFUS, Ricardo (Org.). Barueri, SP: Manole, 2004.

BARBOSA, Alexandre de Freitas. O Mundo Globalizado. São Paulo: Contexto, 2003.

GAMA, Ricardo Rodrigues. Introdução ao Direito Internacional. Campinas, SP: Bookseller, 2002.

FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica: direito e conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008.

FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004.

CAMPOS, João Mota de. Manual de Direito Comunitário. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

Casella, Paulo Borba. Org.. Mercosul: Integração Regional e Globalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

DOMINGUEZ Moya, Maria Teresa. Dercho de la Integración. Buenos Aires: Ediar, 2006.

GRANILLO OCAMPO, Raúl. Derecho Público de la Integración. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 2007.

INTERNET

http://www.ipleiria.pt

http://www.jusnavigandi.com.br