UTILIZAÇÃO DE PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NA PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UMA UNIDADE DE SAÚDE DO DISTRITO SANITÁRIO II DA CIDADE DO RECIFE-PE.

Ednaldo Pereira da Silva (SILVA EP)
FORMAÇÃO: Psicólogo, Especialista em Saúde Coletiva e Sociedade
INSTITUIÇÃO: Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão (IBPEX) da Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER).

Jailson Lopes de Sousa (SOUSA JL)
Cirurgião-dentista, Mestre em Saúde Coletiva, Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão (IBPEX) da Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER).


RESUMO: Neste artigo pretende-se descrever a utilização das Práticas Integrativas e Complementares em uma unidade de saúde do SUS, localizada na cidade de Recife-PE, no período de 2005 a 2007. Inicialmente se apresenta um pequeno histórico sobre a promoção da saúde no âmbito das práticas integrativas e complementares no Brasil. A seguir, apresenta-se a Unidade de Cuidados Integrais à Saúde - UCIS, com um resumo das práticas e oficinas realizadas. Em seguida, a partir de um levantamento realizado é traçado um perfil sócio-economico dos usuários e o motivo do encaminhamento, com as queixas e patologias mais frequentes. Na discussão dos resultados se evidenciam uma população constituída prioritariamente por mulheres (83%), com renda mensal entre 03 e 04 salários mínimos (51%); apontando ainda, entre outros problemas de saúde, a dor como a queixa mais freqüente (26%). Finaliza-se oferecendo reflexões e sugestões para a implantação das UCIS no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Palavras-Chave: Práticas Integrativas, Cuidados Integrais à Saúde, Promoção da Saúde, Estudos de Casos

INTRODUÇÃO

A crise experimentada pela ciência em geral, incapaz de prover respostas a várias questões da maior importância, tanto no plano individual como sócio-cultural, tem produzido duas atitudes positivas: a diminuição da arrogância que percebia todos os demais saberes como algo inferior e algum interesse dirigido para o entendimento e preservação de formas alternativas de saber(¹).

Nessa perspectiva trabalhamos com um conceito de saúde construído dentro de sociedades que, além da produção, possuem certas formas de organização da vida cotidiana, da sociabilidade, da afetividade, da sensualidade, da subjetividade, da cultura e do lazer, das relações com o meio ambiente, e antes, resultante do conjunto da experiência social, individualizado em cada sentir e vivenciado num corpo que é também biológico(²).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) vem estimulando o uso da Medicina Tradicional/Medicina Complementar/Alternativa nos sistemas de saúde de forma integrada às técnicas modernas da Medicina Ocidental e que em seu documento Estratégia da OMS sobre Medicina Tradicional 2002-2005 preconiza o desenvolvimento de políticas de saúde observando os requisitos de segurança, de eficácia, de qualidade, de uso racional e de acesso(3, 4, 6).

Entre as novas estratégias em busca dessa integralidade, o Ministério da Saúde, através da Portaria Ministerial N° 971/GM, de 3 de maio de 2006, aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, apontando como principais práticas a Acupuntura, a Homeopatia, a Fitoterapia, o Termalismo e a Medicina Antroposófica, entre outras terapias de harmonização corpo e mente(3, 4, 6).

Práticas Integrativas e Complementares (PIC) são técnicas que visam atenção à saúde do indivíduo, seja na prevenção, tratamento ou cura, considerando-o como mente/corpo/espírito e não um conjunto de partes isoladas. Seu objetivo, portanto, é diferente daqueles da assistência alopática, também conhecida como medicina ocidental, em que a cura da doença deve ocorrer através da intervenção direta no órgão ou parte doente(7).
As PIC têm alcançado um desenvolvimento excepcional nas últimas décadas. Alheia à falta de comprovação científica de muitas práticas e às discussões entre médicos e outros profissionais da saúde sobre quais categorias são aptas para as utilizarem, uma grande parcela da população de muitos países vem aderindo a estas formas de tratamento. Conforme estudo realizado, entre 30% e 50% da população adulta de países industrializados utilizam alguma forma de PIC para prevenir ou tratar algum problema relacionado à saúde. Em outra pesquisa, entre os anos de 1997 e 2002 nos Estados Unidos, estima-se que 35% da população adulta (cerca de 72 milhões de pessoas) utilizam algum tipo de PIC (7).
Estudos recentes afirmam uma tendência mundial de crescimento de práticas não convencionais no campo da saúde, e de legislação para sua integração nos sistemas nacionais de saúde. Assim, as PIC vêm sendo gradativamente inseridas no SUS, como prevê a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Todavia, embora essa temática esteja também incluída na Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, há escassez de estudos publicados nessa área. A Organização Mundial da Saúde aponta como grandes desafios a realização de estudos de custo-efetividade, bem como de segurança, eficácia e qualidade de tais práticas, além de estabelecer as situações clínicas nas quais elas podem ser aplicadas(7, 9).
Promoção da Saúde no Âmbito das Práticas Integrativas e Complementares no Brasil

As transformações ocorridas principalmente a partir das décadas de 1950 e 1960, na estrutura econômica brasileira, sobretudo o avanço do processo de industrialização, determinaram significativas alterações na esfera social, política, demográfica e epidemiológica. As cidades cresceram, inchando seus espaços periféricos e não satisfazendo as necessidades existenciais de seus habitantes. A partir de então, as mudanças ocorridas no processo de trabalho (posição na ocupação, ritmo, numero de horas trabalhadas, etc.) alteraram significativamente a dinâmica do modo de vida da população. Verificaram-se, ainda, transformações no estilo (tabagismo, consumo de álcool, comportamento sexual, atividade física, locomoção, tempo dedicado a lazer, medicalização, etc.) e nas condições de vida (alimentação, habitação, saneamento, acesso à água, destino do lixo, educação, acesso a bens e serviços, etc.) (10).

Na perspectiva epidemiológica e demográfica, diminuíram as taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias (processos agudos) e elevou-se a mortalidade por doenças crônico-degenerativas, levando a uma redução de fecundidade, aumento da expectativa de vida e envelhecimento populacional. Todavia, no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, essas mudanças não ocorreram no mesmo processo histórico para toda a população, ocorrendo uma heterogeneidade característica de nossos territórios. Este fato contribuiu para que houvesse, sobretudo no perfil de morbidade e mortalidade no país, a persistência de problemas da pobreza e a sobreposição com os males da modernidade(10).

Uma grande parcela da população passou a ser exposta simultaneamente a esses riscos e a outros advindos com a industrialização: acidentes de trabalho, doenças do aparelho circulatório, transtornos de ordem emocional, neoplasias e mortes violentas. Historicamente, o enfrentamento desses problemas pela população e serviços de saúde implicaram na maioria dos casos, no uso diário de medicamentos caros, sendo muitas vezes indutores de muitos efeitos colaterais, e de abordagens focadas no modelo biomédico, não obtendo em todos os casos o alívio do sofrimento das pessoas (10, 11).

Neste sentido, a adesão a outras práticas terapêuticas pela população tem sido cada vez mais observada. Algumas dessas práticas às quais a população adere, como acupuntura, homeopatia, fitoterapia, antes marginalizadas, ocupam agora lugar de destaque nos discursos médico-institucionais e nas políticas de saúde(7, 12, 13).

Dados levantados, no ano de 2006, apontavam que 19 capitais e 232 municípios do país já adotavam uma ou mais dessas práticas. O Distrito Federal faz parte do seleto grupo de unidades que têm práticas integrativas de saúde disponíveis na atenção básica de todas Regionais. O Núcleo de Medicina Natural e Terapêutica de Integração (Numenati), oferece aos pacientes da rede pública Shantala, automassagem, Lian Gong, meditação e Tai Chi Chuan(12,13).
Considerando ainda, a Portaria nº 971/GM, 2006, entende-se que a construção da saúde individual e coletiva deve buscar alcançar: capacidade para responder ao sofrimento manifesto, o que depende tanto da postura dos profissionais, como da organização dos serviços; postura não reducionista frente à necessidade de ações e serviços de saúde apresentada pelos sujeitos; capacidade de apreensão ampliada das necessidades de ações de saúde, no contexto de cada encontro, por meio do olhar atento; e por fim, reconhecimento e defesa da intersubjetividade inerente às práticas em saúde, que fundamentalmente envolvem uma dimensão dialógica ou de negociação, entre profissionais e usuários, quanto à definição dos seus projetos terapêuticos (6,14).
Com isso, estudos que se proponham a pesquisar a inclusão dessas práticas integrativas como estratégia de promoção da saúde se justificam pela necessidade de se conhecer, avaliar, apoiar, incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados, como uma estratégia efetiva de buscar a integralidade da atenção à saúde.

A partir dessa perspectiva, buscou-se descrever aqui neste estudo, o funcionamento de uma unidade de saúde voltada para a aplicação das Práticas Integrativas e Complementares na promoção da Saúde, apresentando um perfil sócio-econômico de sua clientela e o motivo do encaminhamento com as queixas e patologias mais freqüentes.


PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foi realizado um estudo de caso, descritivo, na Unidade de Cuidados Integrais à Saúde Professor Guilherme Abath (UCISGA), localizada no município do Recife, capital do estado de Pernambuco, situado no Nordeste brasileiro, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2007. A população estudada foi constituída de 3.160 usuários que se submeteram a triagem multiprofissional no período em questão.

Trata-se de uma pesquisa com dados secundários, sendo coletados através das fichas de triagem de usuários que se encontram nos arquivos da UCISGA e nos mapas de atendimentos enviados pela unidade à Secretaria Municipal de Saúde, para fins de produtividade.

As variáveis investigadas foram: a) sócio-econômicas: sexo, idade, renda familiar; unidade de origem e Distrito Sanitário; b) motivo do encaminhamento: queixas e patologias mais frequentes.

Para classificar as queixas e patologias mais freqüentes, utilizou-se a descrição por categorias de sintomas de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10).

Os dados coletados foram sistematizados através de tabelas utilizando como ferramenta os programas World e Excel (versão 2007).

O referido estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital da Restauração, Recife?PE, respeitando-se a Resolução nº. 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Unidade de Cuidados Integrais à Saúde - UCIS

Implantada em setembro de 2004 e inserida no projeto Práticas de Promoção à Saúde da Secretaria de Saúde da Prefeitura da Cidade do Recife, a Unidade de Cuidados Integrais à Saúde (UCIS) Prof. Guilherme Abath, está localizada no Distrito Sanitário II, que corresponde a uma população de aproximadamente 270.000 habitantes (16).

Dinâmica de Funcionamento

Os usuários são encaminhados pela Estratégia de Saúde da Família - ESF, Policlínicas, Centros de Saúde, Centros de Atenção Psicossocial - CAPS e outras unidades da rede pública de saúde. As triagens são agendadas por telefone, pelo usuário ou pela unidade de origem, e ocorrem de segunda à sexta feira, no horário das 7:30 às 17:30h.
O processo de triagem consta de uma entrevista semi-aberta realizada por equipe multiprofissional, composta por: médicos homeopatas, médicos acupunturistas, farmacêutica e nutricionistas. A triagem tem a finalidade de levantamento dos dados pessoais e sócio-econômicos, motivo da consulta, informações complementares e o estabelecimento do plano terapêutico inicial.
Após a triagem, os usuários são encaminhados para o grupo de acolhimento, realizado pelos profissionais de cada prática. Na ocasião, são prestadas informações e esclarecimentos sobre a prática a ser realizada e ouvidas as necessidades relacionadas ao motivo do atendimento, confirmando ou não a indicação terapêutica da triagem.

Quinzenalmente são realizadas reuniões técnicas com toda a equipe, com o objetivo de discutir casos clínicos, debater assuntos de interesse da unidade e da rede assistencial.

O tratamento em cada prática dura em média 04 meses. Após esse período, é facultado ao usuário um espaço de escuta, denominado grupo de egresso. É um espaço para incentivar a manutenção do estilo de vida que incorpora o modelo de saúde integral, tirar dúvidas, rever os exercícios aprendidos e avaliar o desaparecimento ou alívio das queixas inicialmente apresentadas.


Descrição das Atividades Desenvolvidas

As práticas e oficinas são desenvolvidas por profissionais habilitados através das profissões regulamentadas já existentes no SUS e por instrutores com formação comprovada, contratados para esta finalidade. No período circunscrito a esse estudo, o quadro de profissionais da USISGA estava composto por um(a) instrutor(a) para cada uma das práticas: Tai chi chuan, Lian Gong, Yoga, Bioenergética, automassagem, alimentação saudável, fitoterapia, dança e percussão. Além de 02 (duas) nutricionistas, 01 (uma) farmacêutica, 02 (duas) médicas Homeopatas e 01 (uma) médica e 01 (um) médico acupunturista (16, 17).

Dentre as práticas integrativas e complementares utilizadas nesta unidade entre 2005 e 2007, temos a centralidade em sete estratégias a partir da triagem realizada com o usuário: acupuntura, bioenergética, homeopatia, lian gong, nutrição, tai chi chuan e yoga. Abaixo segue uma pequena descrição e indicação de cada uma delas:


Acupuntura, modalidade terapêutica utilizada originalmente pela medicina tradicional chinesa, hoje adequadamente integrada à prática médica convencional. Funciona através da estimulação de pontos específicos no corpo do indivíduo, onde se utiliza agulhas, calor (moxabustão), ventosas, laser e massagens. Constitui-se um valioso recurso terapêutico, tanto no aspecto assistencial, como preventivo, com atuação integrada às outras especialidades médicas. Dentro da concepção chinesa, a acupuntura tem como princípio o equilíbrio físico e mental do indivíduo(16).

Bioenergética, considerada uma especialidade da Psicologia, trabalha através do verbal, corporal e respiração os conteúdos emocionais. São utilizados exercícios específicos, com o objetivo de distensionar e facilitar a expressão dos sentimentos. É principalmente indicada, para pessoas com problemas emocionais e doenças psicossomáticas(16).

Homeopatia é um sistema terapêutico desenvolvido pelo médico alemão Samuel Hahnemann no século XVIII, baseado no princípio da semelhança, isto é, um medicamento que é capaz de provocar sintomas em um indivíduo sadio, é também capaz de curar esses mesmos sintomas em um indivíduo doente. Os medicamentos são de origem animal, vegetal e mineral. Na consulta homeopática o paciente é visto como um todo, o que é feito através da anamnese dos sintomas físicos e emocionais. A unidade possui uma farmácia que manipula e disponibiliza a medicação Homeopática para os pacientes atendidos(16).
Lian gong (pronuncia-se lian cum) é um tipo de ginástica terapêutica com 17 exercícios, desenvolvida na China, pelo Dr. Zhuang Yuen Ming, médico ortopedista da Tradicional Medicina Chinesa, na década de 60. Tem como objetivo o tratamento e prevenção das algias, disfunções dos órgãos internos e restabelecimento do equilíbrio emocional(16).

Nutrição, considerando-se a importância de uma boa alimentação para uma melhor qualidade de vida e a prevenção de doenças, são realizadas palestras e consultas com nutricionistas que examinam o estado nutricional dos usuários, avaliam os fatores relacionados com problemas de alimentação, elaborando cardápios e dietas especiais com sugestões sobre a introdução gradativa de produtos naturais mais nutritivos e econômicos para a população (16).

Tai chi chuan, é definido como "a arte da meditação em movimento", os movimentos flexíveis e lentos do Tai chi chuan promovem a harmonização das energias Yin e Yang através da coordenação entre a consciência e a respiração, liberando as tensões corporais. Seu efeito terapêutico se faz sentir sobre a saúde física e no equilíbrio emocional (16).

Yoga, originária da Índia, é uma prática milenar com cerca de 5.000 anos de existência. Propõe a evolução global e contínua das capacidades humanas físicas, mentais e espirituais, e possui a concepção de homem como ser de totalidade e relações (pensamento, emoção e outras ações interligadas). O Tantra Yoga trabalha com exercícios corporais que levam ao equilíbrio e energização dos 7 centros energéticos principais, os Chacras (16).

Além das estratégias acima citadas, a unidade também ofertava algumas oficinas, por demanda espontânea, sem a necessidade prévia de triagem do usuário, tendo como objetivo a educação em saúde:

Alimentação saudável supervisionadas por nutricionistas, são oficinas que buscam ensinar a população a aproveitar todas as partes dos alimentos utilizados no seu dia-a-dia (talos, cascas, folhas e sementes), como também, o desenvolvimento de novos hábitos alimentares(16).

Automassagem, através de exercícios físicos e de relaxamento, busca desenvolver nas pessoas a capacidade de realizar em si mesmo uma sessão completa de massagem, como forma de promover o alívio de dores e tensões acumuladas(16).

Dança e percussão, oficinas onde os participantes através da utilização de instrumentos musicais de percussão e da dança, trabalham o ritmo, o som, os movimentos corporais, associados à música étnica, buscando promover a liberação das tensões e equilíbrio emocional(16).

Fitoterapia é considerada a mais antiga prática terapêutica da humanidade de que se tem registro. Nas oficinas são ensinadas manipulações caseiras com base em critérios de segurança e eficácia, utilizando as espécies de plantas medicinais mais comuns na região(16).

Com relação aos quase 50.000 atendimentos realizados nas práticas consideradas como centrais no atendimento da UCIS entre 2005 e 2007, observou-se que os serviços mais utilizados foram os de nutrição, seguido da acumpuntura e Lian Going. Yoga foi o serviço menos utilizado em todos os anos estudados, provavelmente pela dificuldade de adesão dos usuários desta unidade (Tabela 1).

Dentro do período estudado, existiram variações em relação ao número de atendimentos de cada técnica, ora por dificuldades do serviço, ora por adesão dos usuários a determinada estratégia, como a yoga.

Perfil dos usuários

De acordo com a pesquisa realizada nos arquivos da UCIS, verificamos que no período de 2005 a 2007 foram realizadas 3.160 triagens assim distribuídos: 1339 pacientes em 2005 (42%), 895 em 2006 (28%) e 926 em 2007 (30%).

Houve uma redução das triagens de novos pacientes entre os anos estudados, provavelmente devido à ação de três fatores: mudança na forma de encaminhamento para a unidade, pois em março de 2006, os atendimentos deixaram de ser realizados por demanda espontânea, e passaram a ser referenciados pela rede pública de saúde, o que representa uma estratégia de regulação do acesso; insuficiência da capacidade instalada da unidade, já que houve um grande aumento na demanda, devido, provavelmente, a uma maior divulgação e aceitabilidade das práticas pelos usuários; e por fim, a necessidade de incluir gradativamente na programação da unidade os pacientes egressos.

Em 2007, constata-se uma leve recuperação no número de triagens realizadas, o que provavelmente se deu por uma ampliação da cobertura da atenção básica no território adscrito da UCIS, a uma maior divulgação das ações ofertadas pela unidade, bem como uma maior qualificação da demanda, sendo respeitados os fluxos de regulação do acesso à UCIS.

Na distribuição da clientela por sexo, houve uma diferença importante, sendo os usuários predominantemente formados por mulheres em todos os anos estudados (Tabela 2). Embora a literatura já aponte que as mulheres representam sempre a maioria dos usuários dos serviços de saúde em geral, a diferença aqui apresentada é maior do que outros estudos, provavelmente por questões culturais, onde as mulheres estariam mais abertas para práticas alternativas não convencionais(18,19).

A respeito desse resultado, seria importante que fosse desenvolvido um estudo mais aprofundado, sobre o que leva a clientela do sexo feminino procurar em maior número os serviços da UCIS e qual o motivo da menor procura por atendimento pelos usuários do sexo masculino. Isso se faz fundamental para a criação de estratégias de sensibilização diferenciada para o sexo masculino para adesão a estas práticas. Estando essa preocupação coerente com o conceito de equidade, já que é uma população extremamente expostas aos fatores de risco e que se beneficiariam muito com essas novas práticas de promoção da saúde(20,21)

Em relação à faixa etária, pode-se afirmar que existe predominância entre as idades de 40 a 59 anos (42%) dos usuários atendidos, embora se verifique também uma importante quantidade de pessoas situadas na faixa de 20 a 39 anos de idade (27%). A demanda da UCIS portando, encontra-se situada principalmente nestes dois grupos, que representa 69%, ou seja, pessoas em idade produtiva do ponto de vista profissional (Tabela 3).

Para determinar o nível sócio-econômico, foi utilizada como referência a renda familiar. O estudo apontou que houve uma predominância na faixa compreendida entre três e quatro salários mínimos, totalizando (51,0%), seguidos de renda com dois salários (21,0%). Chamou atenção a quantidade de usuários com renda com quatro ou mais salários, o que sugere que as PIC, são mais conhecidas e procuradas por classes economicamente mais diferenciadas (Tabela 4).


Motivo da Consulta
Analisando o tipo de problemática apresentada pelos usuários dentro das principais queixas relatadas, nota-se um predomínio da dor (dores musculares, artroses, artrites, doenças reumáticas, enxaquecas) com 26% do total, seguidos pelas queixas associadas à obesidade e aos distúrbios metabólicos (diabetes mellitus, dislipidmia, desnutrição) com 23%; imediatamente após, estão os problemas relacionados à ansiedade e transtornos mentais (Insônia, depressão) com 22%; também são citadas as queixas relacionadas à Hipertensão e outros transtornos cardiovasculares (doença coronariana, arritmia) com 13%, e as alergias e transtornos respiratórios (renite, asma) com 7% (Tabela 5).

Apresentaram-se ainda, só que em menor número: Gastrite e Transtornos do aparelho digestivo (constirpação intestinal) com 4%, Menopausa e queixas relacionadas à saúde da mulher (cólica menstrual, dismenorréia, cisto mamário, mioma, infecções vaginais) com apenas 3%. Também foram citadas algumas queixas de ordem neurológica (Tabela 5).

CONCLUSÕES

Nos últimos anos a população brasileira, em função das políticas de governo, tem tido a possibilidade de acesso às condições básicas de educação e distribuição de renda com o Programa Bolsa Família dentre outras estratégias, e as ações de enfrentamento aos problemas de saúde, através da Estratégia Saúde da Família. Com isso, buscou-se superar, ainda que timidamente, as mazelas sociais herdadas do passado.

Quando se apontam as Práticas Integrativas e Complementares como uma estratégia de promoção da saúde, nota-se que elas estão sintonizadas com os princípios norteadores do SUS. Sua aplicação representa, de maneira concreta, a busca da Integralidade e da universalidade dentro de um conceito ampliado de saúde, como apontado no início deste trabalho.

Diferentemente da abordagem feita pelo modelo hegemônico que objetiva a eliminação ou ausência da doença, o projeto da UCIS se concentra no restabelecimento do equilíbrio do indivíduo como ser integral, buscando prevenir o aparecimento de algumas doenças advindas da modernidade. Muitas vezes é mais fácil tomar um medicamento para aliviar um sintoma, do que procurar compreender o que o organismo nos quer comunicar. Outro aspecto bastante positivo da UCIS é o trabalho com grupos, pela possibilidade de aproximar as pessoas da comunidade e de compartilhar suas experiências.
Ainda se for considerada a demanda, o Projeto da UCIS, ao longo dos 03 anos pesquisados, apresentou um aumento considerável no número de procedimentos realizados, totalizando quase 50.000. Houve um aumento progressivo neste período, podendo isso apontar, para uma maior divulgação e adesão da população à proposta de cuidados integrais à saúde, representando a descoberta de uma nova forma de cuidado.

O perfil do usuário da unidade estudada foi predominantemente formado de mulheres, na faixa etária de 40 a 59 anos, com renda familiar acima de 3 salários mínimos e tendo a dor como sua principal queixa.

Do ponto de vista estrutural, podemos considerar que a dinâmica de funcionamento de uma UCIS, aproxima-se, ao de uma unidade básica de saúde, no que diz respeito a sua estrutura física, sem depender, necessariamente, do acesso às tecnologias. Seu baixo custo de implantação e a capacidade de atendimento, já que prioriza o trabalho nos grupos, pode significar uma maior facilidade de acesso na assistência e promoção da saúde.

Se tomarmos como exemplo, em uma única oficina de automassagem, que dura em torno de 60 minutos, nela podem participar 80 ou mais pessoas. Isso se estende também, ao Tai Chi Chuan e ao Lian Gong, com cerca de 40 participantes por sessão.

Outro aliado importante para disseminação das Práticas Integrativas e Complementares no SUS, e sua conseqüente referenciação às UCIS, é a Estratégia do Saúde da Família que pode integrar ações de orientação e de qualificação em PIC, através da Educação Permanente e do provimento do acesso aos medicamentos homeopáticos e fitoterápicos.

Por fim, não podemos deixar de perceber o momento favorável que a população brasileira tem de reafirmar sua confiança no Sistema Único de Saúde, o qual tem recebido as mais diversas críticas, principalmente em relação ao acesso. O Projeto da UCIS não tem a pretensão de resolver essa questão, todavia, utilizando-se de uma visão de clínica ampliada e acolhendo os diversos saberes, pode representar um avanço na promoção da saúde.


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