Daiane Melo de Castro

Esta resenha parte da leitura da obra Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Jr. e elege o capítulo Vida Social e Política, para tanto destacar a idéia da colonização portuguesa no Brasil, e procurando compreender a vida social na colônia. No que tange o capítulo Vida Social e Política o autor inicia conceituando Colonização:
Observamos nos seus diferentes aspectos esse aglomerado heterogêneo de raças que a colonização reuniu aqui ao acaso, sem outro objetivo que realizar uma vasta empresa comercial, e para que contribuíram conforme as circunstâncias e as exigências daquela empresa, brancos europeus, negros africanos, indígenas do continente (p.341).

Raças e culturas totalmente desiguais, que segundo o autor, eram selvagens por natureza e tiveram sua cultura sufocada, que foram trazidas para cá pela força e violência, e sem oferecer preparo e educação para o convívio em uma sociedade totalmente estranha para elas, onde tiveram apenas como escola o eito e a senzala.
Sendo essa a base da população, a de se considerar os principais problemas ocasionados, no qual são apontados pelo autor, a "falta de nexo moral" raças, indivíduos e grupos díspares que "não se unem não se fundem num todo coeso", desconexos "apenas coexistem e se tocam". Envolvidos pelos laços do trabalho servil, subordinados aos seus senhores, a sua integridade social será essa, envolvida pelas relações de trabalho e produção em seu caráter primário.
Toda essa dominação impedia o individuo de desenvolver qualquer capacidade de superação vivendo sempre ao serviço dos senhores e impregnando neles toda essa cultura de subserviência e exploração. Essa era a estrutura da colônia, de onde surge a desagregação, as forças dispersivas, tudo fundada nas relações de trabalho, nada vai além da exploração e a não valorização do ser humano. Somente assim "a obra da colonização pode progredir."
Caracterizando a sociedade organizada social e politicamente, Caio Prado Jr. resume uma sociedade fundada na regulamentação dos instintos econômicos e sexuais. O primeiro marcado por relações de trabalho, o segundo, por relações de família. Uniformidades de "atitudes", de usos, de crenças, de língua, de cultura, serviriam de base moral e psicológica para a formação do Brasil como nação.
O trabalho conceituado como regime servil era visto como algo deprimente por causa das coerções que lhe eram impostas de onde também surge o estímulo para a ociosidade. De acordo com o autor:
Tudo repousará exclusivamente no trabalho forçado e não consentido imposto pela servidão; fora disto, a atividade colonial é quase nula. Onde falta a obrigação sancionada pelo açoite, o tronco e demais instrumentos inventados para dobrar a vontade humana, ela desaparece. Os libertos que se tornaram via de regra vadios, apesar da escola em que se formaram, é disto uma das provas. (p.347)

O setor em que se encontravam mais atividades é no dos colonos recentes que ainda não estavam contaminados pelo exemplo do país, com uma cultura de ambição diferente dos brasileiros. "Eles representam com os escravos os únicos elementos verdadeiramente ativos da colônia" (p.347).
Nesta perspectiva ressalta o autor, do teor econômico da colônia tido como uma lástima porque afora o trabalho mal executado pelo escravo que não iria além do necessário, para não permanecer a míngua. Isto explica as condições gerais da economia: o baixo padrão de vida na colônia e sua pobreza. Do Brasil cita VILHENA que, apesar dos recursos naturais dele, é a "morada da pobreza".
No que se refere às relações sociais derivada dos impulsos sexuais do indivíduo, o autor se refere aos imigrantes que, vem tentar uma aventurar, e mesmo tendo família veem solitários a procura de estabilidade espera que se prolonga e/ou se eterniza e, acabam se acostumando a "mulheres submissas de raças dominadas que encontrará aqui, ás restrições que a família lhe trará" (p.351) o que vem reforçar a irregularidade dos costumes sexuais da colônia, onde dá base para toda uma estrutura não familiar na colônia, em caso limitado á "casa-grande" onde seu núcleo é a família. Porém ao contrário do que se afirma na formação brasileira não se processou num ambiente de família.
Contudo o sistema de vida da casa-grande dá lugar à promiscuidade com escravos, as facilidades ás relações sexuais e a desordem, mal disfarçada por uma hipócrita submissão de pai chefe, se tornando uma escola de vícios, desregramento, prostituição em um campo aberto para o desenfreado sexualismo. Inexistia um sentimento religioso, que coibisse tal indisciplina, a religião resumia-se em procissões, termos de ajuntamento, desleixo do clero, e atividades privadas.
Para sintetizar o panorama da sociedade colonial: "incoerência e instabilidade no povoamento; pobreza e miséria na economia; dissoluções nos costumes; inércia e corrupção nos dirigentes leigos e eclesiásticos" (p. 356). De acordo com o autor o esboço do cenário que caracterizam a colonização e se constituem em 300 anos de esforços:
(...) devassou á terra, explorou o território e nele instalou aquela população; quando finalmente remeteu por cima do oceano, para os mercados da Europa, caixas de açúcar, rolos de tabaco, fardos de algodão, barras de ouro e pedras preciosas. Até ai construiu; mas ao mesmo tempo, e a par desta construção, foi acumulado um passivo considerável. (...) a incorporação apressada de raças e culturas tão diferentes entre si, o trabalho servil, a dispersão do povoamento... (p.356).

Tudo isso que fora em seu tempo inevitável, necessário e por isso mesmo "acertado", se revelava agora, três séculos depois do início da colonização, seu lado negativo ocasionada pelas contingências que não poderiam evitar. Com um sistema colonial baseado na exploração com o intuito de extrair daqui riquezas e exportá-los abastecendo o comércio internacional, chega-se a insuficiência de se manter tal estrutura por causa da infertilidade dos meios materiais "(...) terras esgotadas por processos bárbaros de cultura e por devastações impensadas, depósitos minerais exauridos..." (p.359), e o desequilíbrio entre as categorias sociais, contingentes que crescia cada vez mais. "O desequilíbrio era fatal." (p.360)
Segundo PRADO (2004) é nos fins do sec. XVIII começam a surgir os "reformadores" com seus projetos. A maioria pregava a não mudança e o restabelecimento do sistema em sua pureza original, outras já falavam em reformas substanciais. O governo metropolitano revelava a compreensão da necessidade de reformas ou pelo que alguma coisa deveria ser feita, mas a atitude tomada não produziu muito efeito, pois "não se tocou nos elementos substanciais do sistema" (p.361).
A incapacidade de realizar reformas trata-se de uma atitude geral do governo português com relação a sua colônia brasileira fundada num aspecto de lógica de mercado, comandada por Portugal que tem sua figura central no rei e na corte, sendo o rei o principal usufrutuário e não a nação tem-se aqui um olhar para os problemas decorrentes do declínio do sistema, totalmente baseado numa visão financeira.
Conforme o autor a principal reforma seria a separação da colônia que se apresenta com bastante relevo. Momento que estavam influenciados pela independência das colônias inglesas da América do norte (1776), e começa em círculos secretos aparecer pequenos resquícios de todo um processo que baseado nas contradições ocasionadas pela crise do sistema colonial darão ênfase a independência, mas não é nesse momento que a idéia de independência aparece como fonte renovadora, mas ela é um resultado de todo esse processo contraditório.
Esse processo contraditório tem seu centro nas relações e oposições dos indivíduos entre senhor de engenho e comerciante, caixeiro, pé descalço, mulato e branco, lavrador e senhor de engenho.
Há uma mudança profunda na vida e psicologia das classes, de um lado o brasileiro que acostumado na fartura e entre escravos não preferem o trabalho e, do outro o "mascate" e o imigrante que vem para o Brasil e formado na rude escola de trabalho empolga o comércio e exclui o brasileiro, que vê cortado pela raiz seu meio de sustento aprofundando assim o conflito entre as classes.
De acordo com PRADO (2004) outra contradição é do sistema colonial de natureza étnica preconceito contra a posição deprimente do escravo negro e em menor proporção contra o indígena. Isso causa uma revolta, pois a maioria da população é atingida e reúnem forças contra o sistema que "além do efeito moral, resulta para ela na exclusão de tudo quanto de melhor oferece a existência na colônia" (p.367). Mas as estas situações acrescem outras mais que resultam da administração metropolitana: "a ação de fisco, os processos empregados no recrutamento, a mesquinha política econômica da metrópole o despotismo dos capitães generais, etc.?? (p.368)
Mas diante de toda essa realidade com o intuito de derrotar o absolutismo europeu, por via das colônias, a maçonaria ganha seu papel de estimulador de uma independência desse sistema. Interligaram-se por casualidade seus interesses mundiais como os específicos da independência brasileira. É ela que fornecerá toda base de organização sistemática e agirá por detrás das ações individuais com uma força propulsora de ideologia, pois os indivíduos daqui não saberiam como agir.
Dominados pela filosofia francesa do sec. XVIII "liberdade, igualdade e fraternidade", diante de todo esse processo,
(...) ela servirá de lema para todos que pretendiam alguma coisa: senhores de engenho e fazendeiros contra negociantes, mulatos contra brancos; pés descalços contra calçados; brasileiros contra portugueses... Faltou apenas "escravos contra senhores", justamente aqueles a quem mais se aplicaria como lema reivindicador; é que os escravos falavam ? quando falavam, porque no mais das vezes agiram apenas e não precisaram de roupagens ideológicas -, falavam na linguagem mais familiar e acessível que lhes vinha das florestas, das estepes e dos desertos africanos..." (p.377)

Mas essa independência tinha as mesmas roupagens do antigo sistema só que vista de outro ângulo. Isso explica porque ainda hoje existem em nossa sociedade muitas coisas do Brasil colônia, porque a nossa independência foi para atender a interesses externos a nós. Percebendo como foram se gerando todas essas contradições e transformações até chegar a nossa independência que é o produto de toda essa contradição; houve todo um movimento dessa realidade que é apropriado pela historicidade, ou seja, o movimento da realidade que gera sucessivas transformações não necessariamente pela superação, mudou-se o sistema, mas a base continua a mesma.
Prova disso é, continuamos produzindo para o mercado europeu, o sistema capitalista é ainda extremamente excludente, destacando-se pela ausência de nexo moral nas relações de trabalho baseado na exploração e na não valorização do ser humano, aumento da marginalização, prostituição etc. Várias coisas presentes que não formas superadas aparecem em novas roupagens.
Portanto a questão das raças e da sexualidade desperta reflexões para se pensar o sentido do Brasil, suas desigualdades sociais, suas polêmicas questões políticas, suas relações econômicas com o mundo capitalista, competitivo e globalizado. Este livro contribui inestimavelmente para pensar a relação do trabalho do Serviço Social com o estudo de Caio Prado Jr. sendo de suma importância para que venhamos conhecer a realidade social do nosso país desde seu início a atualidade. É uma boa recomendação de leitura a todo cidadão brasileiro.