Crônica

                                                       POVO FELIZ

                                                                                                         

                                                                Edevaldo Leal 

                                       Carnaval, para mim, não é o que é para os outros, a festa da carne. Prefiro o recolhimento, quase sempre em locais distantes da agitação desses dias. É no recolhimento que busco respostas  aos enigmas da vida, diga-se de passagem, ainda uma interrogação.     

                                       Estranho, estranho ser, dirão. Nem tanto , já fiz parte do espetáculo, respondo.

                                       Houve um tempo, breve, em que, nesses três dias de excesso de liberdade, bebi a taça da embriaguez  do corpo e experimentei os delírios da paixão da carne. O que ganhei em noitadas  de completa entrega a esse prazer febril   de passos que se aventuram na dança  de desejos ,suor e sexo ? Nada acrescentei ao significado da vida. Gastei dinheiro, perdi energia, o sono ( que não se recupera ) e rasguei aquele restinho de pureza e encantamento dos meus vinte e poucos anos.

                                      Como disse, eu fiz parte do espetáculo que um dia me disseram ser a festa do povo   brasileiro. No país do carnaval eu era uma isca, entre milhões que o poder fabrica para deixar,  nas prateleiras do esquecimento, as inadiáveis questões sociais e que por lá ficam até o próximo carnaval. Digam-me, senhores, façam comigo esta  pergunta: quantos milhões de reais o governo gastou este ano para estimular o crescimento dessa gigantesca máquina de entretenimento  ?

                                       O povo  quer diversão. O povo gosta da luz e do luxo das passarelas.

                                       Povo que se diverte não se aborrece. É povo feliz.

                                      Este ano o bloco “Família Tavares” saiu às ruas de Marapanim, cidade balneária do nordeste paraense. Foi a primeira vez que a família, de 170 pessoas, botou o bloco na rua. Venderam abadás, esbanjaram alegria e deram visibilidade aos negócios da família, com a publicidade de  pequenas e médias empresas que vão  do ramo hoteleiro ao varejo  de bebidas e produtos alimentícios. Diga-se, porém: esse bloco é um raro caso à parte de apenas poucas horas de uma tarde de alegre lazer  . E mesmo entre os integrantes do bloco, que já falam em ampliar o número de brincantes, para alcançar pessoas não ligadas por laços de família, a insatisfação com o atraso do município vai ficando  cada vez menor. E cada vez menor ficará, à medida que o tempo disponível for sendo  preenchido com os preparativos para o próximo carnaval.

                                      Muito bem. Junte-se ao carnaval a copa do mundo de 2014 e então saberemos: poucos escaparão da anestesia geral.

                                      Ah!, quanta alegria, quanta festa nas ruas e nos salões. É hora de esquecer os prefeitos corruptos que desviam o dinheiro da merenda escolar. É hora de esquecer o matadouro em que se transformaram os hospitais públicos. É hora de esquecer a falência da saúde e da educação.

                                      Quanta festa.  É hora de esquecer  a insegurança do cidadão nas ruas. Que insegurança, se povo alegre é povo feliz ?

                                         Marapanim/PA,10 de fevereiro de 2013.