Erro 678

Minha internet não conecta. Reinicio várias vezes e nada. Sensação de solidão num planeta deserto. Meus e mails de trabalho, meus spams, os PPS de auto-ajuda, meus vírus, os banklines, tudo...inacessível. Meu mundo caiu. A vontade é de tomar um tarja preta 20 mg, me enrolar nas cobertas e gravar na secretária: - Não deixe recado e nunca mais ligue. Desisti.
- Mas, coragem! Ligue para o provedor! digo a mim mesma.
Preparo um sanduíche, um suco, e sento-me decidida à frente do computador. Daqui não saio. Vamos lá 0800!
"Esse número não existe" é a primeira coisa que escuto. Normal. Fico uma hora para conseguir o número certo e mais meia até chegar ao suporte técnico. Prestes a espumar sou atendida:
- Bom dia! Meu nome é Henrique. Para sua segurança, esta ligação está sendo gravada e vou estar confirmando alguns dados. Por favor, anote o protocolo.
O gerúndio desnecessário desperta meus piores instintos. Engulo o suco, mas o mau humor enrosca na garganta.
Ele pergunta nome, CPF, RG, endereço e eu soletro as respostas lentamente, até a lenga lenga acabar.
- Em que posso ajudá-la?
- Estou sem conexão.
- O que está acontecendo?
- Meu amor, acabei de dizer!
- Senhora, eu estou querendo saber o que acontece quando a senhora tenta a conexão.
Percebo que ele já está aflito e respondo com voz bem doce:
- Meu anjo, erro 678 ? o computador remoto não responde. Por favor, seja paciente, pois sou idosa. Tenho mais de 60 anos. Promete?
- Ok, senhora. A senhora está na frente do computador?
- Não. Estou na pia com um peixe numa mão, a faca em outra, e o telefone preso entre o ombro e o queixo. Minha bursite dói demais!
- Para eu estar tentando resolver o problema é preciso que a senhora esteja na frente do computador.
- Ok. Vou estar me transferindo para lá. Aguarde.
Coloco a Marcha Fúnebre de Chopin no último volume e volto ao sanduíche.
- Sr. Guilherme?
- Meu nome é Henrique. A senhora está na frente do computador?
- Sim.
- Por favor, clique em Meu Computador.
- Sr. Guilherme, já fiz isso e desabilitei as conexões existentes. Estou em Criar Nova Conexão, me sentindo uma hacker. Vamos? O maldito gato está na cozinha de olho no peixe.
- OK. No espaço em branco digite POP 3.
- BOB? Como? Acho que meu aparelho de surdez caiu quando segurei o telefone com o ombro. Vou estar me transferindo até a pia. Aguarde.
Aumento novamente o som, como mais um pedaço do sanduba e retomo:
- Sr. Fernando? Achei o aparelho! Aproveitei para colocar a cabeça do peixe no freezer para preservar as células-tronco. Nunca se sabe, né? Vi na TV que os cientistas podem recriar animais extintos e acho que robalos estão no fim da espécie, pois só achei esse na feira. Onde a gente estava mesmo?
- Senhora, quero que me diga o que está vendo na tela.
- No desktop? Uma loira peladíssima! Coisa do meu neto! No meu tempo....
- Senhora, preciso que clique novamente em Meu Computador!
- A loira vai gostar! Quer saber onde está o ícone?
- Senhora, vamos continuar?
- O peixe! Solte o peixe, gato! grito. Senhor Gustavo, preciso salvar o peixe! Vou estar transferindo o senhor para minha amiga que veio almoçar. Ela fez até curso para a terceira idade, o senhor vai gostar dela. Aguarde só um minutinho!
Coloco Cauby Peixoto cantando Ronda, termino de comer o sanduíche e retomo com uma voz centenária:
- Senhor Henrique? Sua internet não conecta? Esses provedores são todos horrorosos! Minha amiga já volta. Ela foi colocar o gato no forno, mas ele é muito arisco! O senhor também tem gato?