O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar ainda é assunto de grande divergência, que sempre são fundadas em preconceitos, onde até juízes se escondem em mecanismos legais e processuais para não darem parecer sobre um tema tão polêmico.

Trata-se de verdadeira condenação à invisibilidade afirmar que uma pretensão sequer merece ser apreciada pela justiça. Talvez não exista punição mais perversa do que negar a existência do direito. Reconhecer a impossibilidade jurídica de alguma pretensão pela só inexistência da lei é, ao fim e ao cabo, negar acesso à Justiça, um dos direitos fundamentais assegurado a todos pela Constituição Federal.

Porém, mesmo que nenhum juiz queira julgar uma ação envolvendo homoafetividade, há de se convir que estas, mesmo não tendo previsão legal, encontram respaldo nos princípios norteadores de nossa Carta Magna.
Tanto a LICC, em seu artigo 4°, dizendo que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito", quanto o artigo 126 do Código Civil, onde "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legai; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.?
Assim impõe que o juiz decida, mesmo não existindo o dispositivo legal pertinente, pois a lacuna da lei, não o permite.
A união homoafetiva deveria ser considerada uma entidade de fato, porém tal conceito não foi bem aceito pelos homossexuais, pois assim recairiam somente no Direito das Obrigação, tendo caráter meramente patrimonial, perdendo o cunho afetivo, não podendo ser reconhecido como família.
A Constituição Federal de 1988, deixa claro em seu artigo 226, §3, qual seja:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...);
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento;

As leis que tutelam a união estável, a norma constitucional e o CC são claros em estabelecer que a união estável é fundada no vínculo entre "homem e mulher", excluindo inicialmente as relações homossexuais. Porém, a analogia, primeiramente, fez-se mister para a quebra de tal barreira.
Não demorou muito para a justiça gaúcha ter o entendimento da união homoafetiva como união estável.
União homossexual. Reconhecimento de união estável. Partilha. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união estável. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. Negaram provimento.

No entanto, as uniões homoafetivas, apesar de não haver a diversidade de sexo, se fundam no afeto e no desejo de se manter uma relação duradoura e contínua, que se tornam fundamentais a configuração de uma entidade familiar, independente do sexo que tem. Assim, também, devendo ter proteção constitucional.

Descabido negar direitos a vínculos afetivos que não tem a diferença de sexo como pressuposto. A dimensão metajurídica de respeito à dignidade humana impõe que se tenham como jurídicos os relacionamentos afetivos independentemente da identificação do sexo do par: se formados por homens e mulheres, ou só por mulheres, ou só por homens.

Nos traz a aludida Carta Magna respeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade, impondo que se tenha, as uniões homoafetivas, com o mesmo efeito jurídico de qualquer outra entidade familiar, não se importando qual a forma de constituição dos indivíduos da relação.
Assim, tendo o mesmo efeito da união estável, deverá ser-lhes atribuídos os mesmos direitos e obrigações de tal entidade familiar, configurando duas formas de união estável: a heterossexual e a homossexual.
Não havendo lei que tutele a união homoafetiva, cria-se, assim a necessidade de busca da legislação por analogia nas relações heterossexuais, se adequando às uniões homossexuais.
E é exatamente através dessas analogias que juízes estão aplicando leis de união estável a união homossexual, reconhecendo todos os direitos possíveis.
É o que pode ser visto no Rio Grande do Sul desde 2001:

União homossexual. Reconhecimento. Partilha do patrimônio. Meação paradigma. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária, Nelas remanescem consequências semelhantes as que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio havido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros

Tornou-se possível o reconhecimento de uma união homossexual como sendo união estável.
Também já pode-se ver tal posicionamento nos Tribunais de Justiça de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro:

Ação Ordinária. União Homoafetiva. Analogia. União estável protegida pela Constituição Federal. Princípio da igualdade (não-discriminação) e da dignidade da pessoa humana. Reconhecimento da relação de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os fins de direito. Requisitos preenchidos. Pedido procedente. À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito .

Também há de citar a Decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de setembro de 2008, dando possibilidade jurídica ao pedido, seja ela:

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.
Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. Recurso especial conhecido e provido.

Assim, por analogia os magistrados estão conferindo aos homossexuais, que possuam vínculo como qualquer união estável.

Família. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Relação homoafetiva. Artigo 3º, inc. IV, da CF. A Constituição Federal é expressa no sentido de que constitui objetivo fundamental da República a promoção do bem de todos, tornando defeso qualquer tipo de preconceito ou discriminação ligada a condições que sejam inerentes à pessoa humana

Assim, podemos notar que os magistrados se embasam nos mesmos princípios norteadores da Constituição Federal. Princípios, quais, estão servindo para dar um pouco mais de dignidade e igualdade à uma classe nada privilegiada e discriminada.