Possibilidade de concessão de APOSENTADORIA ESPECIAL aOS SERVIDORES PÚBLICOS

Vanderlize Nicolini Girardi, acadêmica do curso de Direito, centro Universitário – UNIVATES.

Sumário: 1. Introdução.  2. Falta de regulamentação legal. 3. O princípio da igualdade na Constituição de 1988. 4. O entendimento jurisprudencial. 5. Projeto de Lei para regulamentação da matéria. 6. Referências bibliográficas.

1 Introdução

Neste artigo, busca-se analisar a falta de regulamentação da aposentadoria dos servidores públicos diante da exigibilidade imposta pela Constituição Federal. Para isso, importante fazer um estudo sobre o princípio da igualdade, bem como sobre a utilização do mandado de injunção pelos servidores públicos. Também será feita uma explanação a respeito do posicionamento dos tribunais em relação ao assunto e da atual situação legal da matéria.

2 Falta de regulamentação legal

A aposentadoria especial está regulada pelo artigo 57 da lei 8.213/91, pois assim exigia o §1º do art. 201 da Constituição Federal de 1988, no que se refere ao regime geral de previdência social. No entanto, em relação aos servidores públicos, tal exigência também foi feita, de acordo com o art. 40 da CF/88, in verbis:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

[...]

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I portadores de deficiência;

II que exerçam atividades de risco;

III cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. (grifei).

Veja-se, pois, que neste artigo há o condicionamento de lei complementar para regular a matéria pertinente a aposentadoria especial. Do mesmo modo, segundo Freudenthal (p. 127) ocorre com a lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, das Autarquias e das fundações públicas federais, vejamos:

Art. 186.  O servidor será aposentado: 

I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;

III - voluntariamente:

a) aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e aos 30 (trinta) se mulher, com proventos integrais;

b) aos 30 (trinta) anos de efetivo exercício em funções de magistério se professor, e 25 (vinte e cinco) se professora, com proventos integrais;

c) aos 30 (trinta) anos de serviço, se homem, e aos 25 (vinte e cinco) se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;

d) aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e aos 60 (sessenta) se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

[...]

§ 2o  Nos casos de exercício de atividades consideradas insalubres ou perigosas, bem como nas hipóteses previstas no art. 71, a aposentadoria de que trata o inciso III, "a" e "c", observará o disposto em lei específica.

Dessa forma, como explica Freudenthal (p. 128) “ficam os servidores públicos pendentes de legislação especial para a aposentadoria assim denominada. E tal lacuna se estende, por longo tempo, aos servidores dos Estados e Municípios”. Isso faz com que os servidores públicos que exerçam atividades que prejudiquem a integridade física ou a saúdem fiquem desamparados frente a falta de legislação específica.

Em assim sendo, diante dessa omissão legal, importante analisarmos o princípio da igualdade, visto que todos os seres humanos tem assegurado pela Constituição Federal de 1988 a garantia à igualdade de tratamento, até porque os danos causados pela atividade penosa, perigosa e insalubre ao servidor do regime geral, também o será ao servidor público. 

3 O princípio da igualdade na Constituição de 1988

O princípio da igualdade vem estampado em nossa Carta Magna em seu art. 5º, caput, onde dispõe que todos são iguais perante a lei. Mello (p. 9) explica que pela redação de tal artigo “Entende-se, em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe em nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia”.

Isso nos remete ao item anterior, pelo fato de haver previsão legal para a atividade especial para os empregados do regime geral e não para os que estão trabalhando sob o regime próprio de previdência, embora estejam trabalhando sob o mesmo grau de prejuízo à saúde e à integridade física do segurado. Por isso, tal princípio merece tamanho destaque.

Sobre ele, Nascimento (p. 34) destaca que a igualdade pretendida pelo texto constitucional “é aquela em que se inadmite a ação desigualitária que não se apoie em princípios aceitos pelo ordenamento jurídico-constitucional ou que se embase na finalidade exclusiva de discriminar”, ou seja, trata-se, como o próprio art. 5º menciona, de uma igualdade perante a lei, regulada por ela.

O doutrinador Moraes (p. 32) tece comentários a respeito da desigualdade:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

Dessa forma, como o próprio autor (p. 32) diz: “[...] os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado”. Entende-se com isso que a desigualdade é permitida desde que necessária ao fim social e respeitando as regras constitucional.

Já em relação à igualdade, o doutrinador Mello (p. 9) comenta:

O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, à própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.

 

Consoante a isso, Moraes (p. 32) explica a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade, ou seja, da limitação ao legislador, ao intérprete/autoridade pública e ao particular:

 

O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, são incompatíveis com a constituição federal.

O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalta-se que, em especial o poder judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.

[...]

Finalmente, o particular não poderá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação em vigor. 

 

Seguindo este raciocínio, Mello (p. 10) completa dizendo que “A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos”. E acrescenta ainda que “Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes”.

 

Enfim, como diz Moraes (p. 31), de acordo com o princípio da igualdade “[...] todos os cidadãos tem o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico”. Segundo ele “Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça [...]”.

 

É nesse sentido que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul se posiciona:

 

Ementa: APELAÇÕES CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO. INSURGÊNCIAS MINISTERIAL E DEFENSIVA. I) INCONFORMIDADE DEFENSIVA. ARTIGO 33. LEI 11.343/06. TRÁFICO. INVOCAÇÃO DE INSUFICIENCIA PROBATÓRIA. PRETENSÃO À ABSOLVIÇÃO. Prova dos autos permite o juízo condenatório, soando a tese defensiva de enxerto desassociada do contexto probatório. II) INCONFORMIDADE MINISTERIAL. REDUTORA DO §4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/06. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Na espécie, imperioso anotar que a declaração de inconstitucionalidade constitui tarefa que refoge ao alcance deste juízo, porquanto, nos termos da Súmula Vinculante nº 10/STF, não pode um órgão fracionário dos Tribunais afastar a incidência, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo, impondo-lhe a pecha de inconstitucional. Contudo, verifica-se que a minorante em tela traduz operação de abrandamento da pena corporal que atende plenamente aos ditames do diploma legal de repressão aos entorpecentes, ao teor do que previsto no artigo 33, §4º. Depois, não se vislumbra inconstitucionalidade na referida norma, porquanto o legislador, ao estabelecê-la, obedeceu aos critérios previstos na Constituição Federal no que diz respeito ao princípio da igualdade (tratamento desigual aos desiguais). APELAÇÕES DEFENSIVA E MINISTERIAL DESPROVIDAS. (Apelação Crime Nº 70035080167, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laís Rogéria Alves Barbosa, Julgado em 28/07/2011). (grifei).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. PREVI. BENEFÍCIO ESPECIAL DE RENDA CERTA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE ASSOCIADOS QUE CONTRIBUIRAM COM MAIS DE 360 PARCELAS QUANDO EM ATIVIDADE E OUTROS QUE TENHAM EXCEDIDO ESSE MONTANTE NA INATIVIDADE. Não há falar em tratamento igual para situações desiguais, pois é evidente que, tendo o associado implementado seu tempo para aposentação (quando poderia entrar em gozo de benefício) e optando por continuar em atividade, isso representa uma despesa a menos para o Plano. A situação é muito diversa daquela de outro associado que tenha se jubilado assim que completados os 360 meses de contribuição (ou até menos, como no caso dos autores, que recebem benefício proporcional, por terem, durante a atividade, contribuído com menos de 360 parcelas) e que passa desde logo a desfrutar do benefício. Portanto - é de milenar sabença -, para situações desiguais, tratamento desigual, como forma de estabelecer a igualdade. Atender à pretensão dos autores, significaria isentar os associados aposentados de qualquer contribuição, a partir da 360ª, o que significaria completo rompimento do equilíbrio atuarial do Plano, em detrimento de todo o conjunto de associados que depositaram sua confiança em um futuro mais tranqüilo no ocaso da vida. NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70036327781, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 25/08/2010) (grifei).

 

Nesta senda, percebe-se que o tratamento desigual é permitindo, justamente para proteger o princípio da igualdade, já que conforme Moraes (p. 31) “[...] o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito [...]”.

 

Assim, verifica-se que no caso analisado no presente trabalho trata-se de situações iguais, porém com tratamento desigual, o que fere este princípio tão importante em nosso ordenamento jurídico. Devido a isso, os servidores passaram a se valor do mandado de injunção para suprir a falta de regulamentação a respeito da matéria.

 

4 O entendimento jurisprudencial

 

Consoante o relatado pelo doutrinador Freudhental (p. 128) os servidores públicos dependem de regulamentação legal para poderem beneficiar-se da aposentadoria especial, já que o art. 40, §4º da CF/88 assim o determina. Dessa forma, muitos servidores públicos tem se socorrido de mandado de injunção, frente à omissão legal, para garantirem seu direito.

 

Nesse sentido, importante colacionar o entendimento do Des. Federal Fernando Quadros da Silva a respeito do assunto:

 

Trata-se de mandado de segurança, impetrado por Ivânio Luiz Bolson em face de ato atribuído ao Chefe do Setor de Recursos Humanos do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, visando a obter aposentadoria especial por desempenhar atividades insalubres. Aduz ser médico perito concursado da autarquia previdenciária. [...]

 

Verifica-se, assim, que trata-se de pedido de aposentadoria especial por parte de médico perito do INSS, Autarquia Federal, situação que encaixa-se no §4º do art. 40 da CF/88, onde o relator proferiu o seguinte voto:

 

A r. sentença, proferida pelo MM. Juiz Federal, Dr. Roberto Fernandes Junior, julgou com acerto a lide, merecendo ser mantida pelos seus próprios fundamentos, verbis:

"O deslinde do feito restou apontado quando do exame ao pedido de liminar, cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

"Na decisão monocrática que tomou no Mandado de Injunção n. 992-DF, a Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie determinou que as autoridades competentes examinem os pedidos de aposentadoria especial, formulados na esfera administrativa, pelos médicos peritos que sejam associados à Associação Nacional dos Médicos da Previdência Social, à luz dos requisitos estabelecidos no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991.

Precisamente, esse é o pedido que o impetrante formulou na esfera administrativa, e que se vê obrigado a formular nesta impetração, diante dos termos do ato impetrado praticado, hospedado à fl. 12 dos autos, no qual se vê que a autoridade administrativa extraordinariamente se recusou a cumprir a determinação monocrática acima citada, ao argumento, também extraordinário, de que não recebeu nenhuma orientação jurídica nesse sentido.

É evidente que, e nem é esse o pedido, e tampouco o Supremo Tribunal Federal deu margem a essa interpretação, no Mandado de Injunção n. 795, do qual se originou a decisão proferida no Mandado de Injunção n. 992, que os demais requisitos necessários para aquisição do direito à aposentadoria especial pelos servidores públicos ficariam afastados, não devendo ser apreciados pela autoridade que apreciar o pedido de aposentadoria especial. Apenas, o que se afastou foi a possibilidade de se haver o indeferimento do pedido de aposentadoria especial, formulado por servidor público, no primeiro mandado de injunção referido, por policial civil, e, no segundo mandado de injunção, pela Associação dos Médicos Peritos da previdência social, sob o fundamento de que a norma do artigo 40, parágrafo 4º, da Constituição Federal de 1988, que previu o direito à contagem especial de serviço por servidor público que preste o seu serviço em condições especiais, não é ainda eficaz, à míngua de edição de lei complementar prevista naquele preceito constitucional.

Nessas condições, a autoridade impetrada deverá examinar o pedido de aposentadoria especial formulado pelo impetrante, na esfera administrativa, à luz da decisão proferida pela Ministra Ellen Gracie, no Mandado de Injunção n. 992-DF, dos requisitos estabelecidos no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991, e dos demais requisitos previstos para a aposentadoria especial para os trabalhadores em geral. Exigirá, inclusive, a comprovação de que o impetrante está associado à Associação autora do Mandado de Injunção n. 992-DF."

Portanto, as alegações de que o impetrante não teria juntado aos autos prova do exercício de atividade insalubre ou dos demais requisitos para a concessão de aposentadoria especial não subsistem, uma vez que o pedido formulado e o provimento deferido visam a garantir que a Autoridade Impetrada examine o pedido de aposentadoria especial por ele formulado observando a decisão proferida no Mandado de Injunção n. 992/DF.

Desse modo, não cabe no presente feito verificar se o impetrante preenche ou não os requisitos para a aposentadoria especial nos termos reconhecidos no Mandado de Injunção, pois tal questão foi remetida à análise na via administrativa.

Nessas condições, é de se confirmar a medida liminar que ordenou à autoridade impetrada que examinasse o pedido de aposentadoria especial formulado pelo impetrante na esfera administrativa, à luz da decisão tomada pela Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie no Mandado de Injunção n. 992-DF, dos requisitos estabelecidos no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991, e dos demais requisitos previstos para a aposentadoria especial para os trabalhadores em geral, devendo, ainda, verificar a condição de associado do impetrante da Associação autora do Mandado de Injunção n. 992-DF."

 

Nota-se, assim que o MM. Juiz Federal, Dr. Roberto Fernandes Junior faz referência ao Mandado de Injunção nº. 795-1/DF, cujo teor deu margem a essa decisão, por isso, importante analisarmos o referido MI que trata-se de pedido de aposentadoria especial de um policial civil:

 

[...] 2. O Impetrante alega omissão da autoridade impetrada, pois, segundo pretende e explicita em sua petição inicial, “ingressou na Polícia Civil do Estado de São Paulo…a função exercida (pelo Impetrante) é de natureza perigosa e insalubre, conforme reconhecido pela Lei Complementar Estadual n. 776 de 23 de dezembro de 1994… ingressou com requerimento pleiteando a concessão de aposentadoria nos termos da Lei Complementar Federal n. 51/85…tendo como resposta que só poderia usufruir do dirieto a

partir de 60 anos de idade, tendo em vista a falta de regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição Federal” (fls. 2 a 4). 

Daí a presente ação, na qual requer seja julgada “procedente o pedido para, reconhecendo o direito do impetrante a aposentadoria especial prevista no § 4º do artigo 40, da Constituição Federal, formular supletivamente a regulamentação faltante e definir a norma adequada à regulação do seu direito, tornando viável o seu exercício...”(fl. 21).

[...]

3. O mandado de injunção é garantia constitucional prestante, exclusivamente, a viabilizar direitos ou liberdades constitucionais, bem como a soberania, a cidadania e a nacionalidade, quando não puderem eles ser exercidos por ausência de norma regulamentadora (art. 5º, inc. LXXI, da Constituição da República). 

Pressupõe, portanto, a existência de preceito constitucional dependente da regulamentação por outra norma, esta de categoria inferior na hierarquia dos tipos normativos.

[...]

4. Na espécie aqui apreciada, o Impetrante alega ausência de norma regulamentadora do art. 40, § 4º, da Constituição brasileira, o que o impossibilita de exercer o seu direito a ter a sua aposentadoria especial, em face da periculosidade do cargo por ele exercido e que teria de ser cuidado por lei complementar para a definição dos termos da pretendida aposentação.  

 Não tendo obtido o reconhecimento do exercício deste direito pela via administrativa, ao argumento de ser o sistema carente da norma constitucional mencionada (art. 40, § 4º, da Constituição brasileira), vale-se, agora, o Impetrante da presente ação.

[...]

No caso em exame, fica caracterizado o dever do Poder Judiciário de afastar a inércia do Presidente da República e do Congresso Nacional e atuar de forma a viabilizar a imediata aplicação do direito ao caso concreto, sob pena de ter-se, nesse ponto, uma Constituição ineficaz.

[...]

Dessa forma, reconhecidas a mora legislativa e a necessidade de se darem eficácia às normas constitucionais e efetividade ao direito do impetrante, proponho como solução para integrar a norma constitucional garantindo-se a viabilidade do direito que lhe é assegurado no art. 40, §4º, da Constuição brasileira, a aplicação ao caso, no que couber e partir da comprovação dos dados perante a autoridade administrativa competente, do art. 57 da Lei n. 8.213/91.

 

Do mesmo modo o ilustre juiz refere-se ao Mandado de Injunção nº. 992, do qual se extrai o seguinte trecho:

 

[...]

O presente mandado de injunção coletivo, impetrado pela Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, teve o seu pedido parcialmente deferido por força de decisão por mim proferida em 25.05.2009 que, além de declarar a mora legislativa na regulamentação do art. 40, § 4º, da Constituição Federal, determinou a aplicação, “pela autoridade administrativa competente, dos termos do art. 57 da Lei 8.313/91, para fins de averiguação do atendimento de todos os requisitos necessários à concessão de aposentadoria especial em favor dos servidores públicos representados pela associação impetrante” (fls. 165-167).

A referida decisão foi devidamente comunicada, por ofício e por telex, à autoridade impetrada, o Senhor Presidência da República, bem como ao Ministro de Estado da Previdência Social e ao Presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (fls. 170, 173, 176, 179-181, 183-185 e 187-189).

Transcorrido in albis o prazo recursal, a decisão de mérito prolatada transitou em julgado em 18.06.2009 (certidão de fl. 195).

Em 24.06.2009, a impetrante protocolizou petição noticiando que, não obstante a ordem mandamental concedida, muitos de seus associados estão tendo os seus pedidos de aposentadoria especial sobrestados ou indeferidos pelos departamentos regionais do INSS, que alegaram a inexistência de orientação da Diretoria de Recursos Humanos daquela autarquia.

Requer, assim, que o Diretor de Recursos Humanos do INSS seja chamado a “comprovar todos os procedimentos realizados para fazer cumprir a referida decisão mandamental”, com a cominação de multa diária “às autoridades coatoras (...) como forma de compelir os responsáveis a respeitarem a determinação judicial” (fl. 198).[...]

 

Nesta senda, percebe-se que, no caso dos policiais civis e dos médicos peritos do INSS, pertencentes à Associação dos Médicos Peritos da Previdência Social, a questão está pacífica e aplica-se a eles as regras do art. 57 da LB, ou seja, por analogia, as regras são as mesmas que para os segurados do Regime Geral de Previdência Social. Assim também foi o entendimento no REEXAME NECESSÁRIO CÍVEL Nº 0003102-94.2009.404.7201/SC[1].

 

No entanto, para os demais servidores públicos a jurisprudência tem entendimento diverso:

 

A sentença de lavra do eminente Juiz Federal Caio Roberto Souto de Moura apreciou corretamente a matéria tratada nos autos, em fundamentação a que me reporto como razões de decidir:

A associação autora pretende a imediata contagem especial de tempo de serviço para todos os servidores docentes que desenvolvem atividades sujeitas a condições nocivas à saúde ou integridade física.

Disciplinando a matéria, o art. 40, § 4º, da Constituição Federal estabelece:

§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

I- portadores de deficiência;

II- que exerçam atividades de risco;

III- cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

O texto constitucional estatui que não haverá aposentadoria especial para o servidor público até o advento de lei complementar que defina os requisitos e critérios diferenciadores. Trata-se, pois, de norma não auto-aplicável, cuja integração compete ao Poder Legislativo e se faz por iniciativa privativa do Presidente da República (61, § 1º, II, da CF/88).

Sendo assim, não pode o Judiciário determinar a concessão de espécie de benefício não prevista em lei, sob pena de invadir a atribuição específica dos Poderes Legislativo e Executivo, em manifesta afronta ao princípio da separação de poderes.

Destacando a ausência de lei complementar, a autora sustentou que o mandado de injunção pode ter eficácia sobre uma coletividade, motivo por que a decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Injunção n. 721, estende-se a todos os servidores que estejam na mesma situação da servidora impetrante, ou seja, exercendo atividades nocivas sob regime estatutário.

Sem razão, contudo. O mandado de injunção não é instrumento jurídico idôneo para obter regulamentação, em caráter geral e abstrato, de determinada matéria prevista na Constituição Federal. Para que essa demanda venha a abranger um determinado grupo de indivíduos, necessário que o mesmo esteja presente ou se faça representar no pólo ativo da ação.

No mandado de injunção citado, a decisão proferida pelo STF produziu apenas efeitos inter partes, como se infere do voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio:

"Não se há de confundir a atuação no julgamento do mandado de injunção com atividade do Legislativo. Em síntese, ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização, no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional, das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo." (destaquei)

A decisão do Pleno restou assim ementada:

"MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91." (MI 721/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ 30-11-2007) (grifei)

Portanto, inexistindo legislação integradora do preceito constitucional em análise, deve ser rejeitado o pedido.

Não há qualquer reparo a ser feito à sentença, uma vez que inexiste norma eficaz que estabeleça a contagem especial do tempo de serviço no regime estatutário após o advento da Lei nº 8.112/90, e considerando, ainda, que a decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção nº 721 tem efeitos restritos às partes daquele processo.

 

No mesmo sentido a Apelação Cível Nº 2007.71.01.002853-4/RS[2], visto que o entendimento é no sentido de que a posição favorável aplica-se aos médicos peritos da Previdência pertencentes à Associação de médicos peritos e aos policiais civis, e por isso não estende-se aos demais casos.

 

Entretanto, toda a discussão a respeito deste assunto pode estar chegando ao fim, haja vista estar tramitando no Congresso dois projetos de Lei complementar para regulamentar a matéria, conforme veremos a seguir.

 

5 Projeto de Lei para regulamentação da matéria

 

 De acordo com o exposto neste capítulo, o qual foi o objeto de estudo deste trabalho, há falta de regulamentação do art. 40, §4º da CF/88, o que ensejou diversos Mandados de Injunção na tentativa de obter a aposentadoria especial por parte dos servidores públicos.

 

Ocorre que, de acordo com informações obtidas no site da câmara dos deputados[3], A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou no dia 05 de outubro do corrente ano, proposta que regulamenta a aposentadoria especial dos servidores público que exercem atividades de risco à saúde ou à integridade física.

 

De acordo com o texto, de Rodrigo Bittar, “O texto foi aprovado na forma do substitutivo da deputada Manuela d´Ávila (PCdoB-RS) ao Projeto de Lei Complementar 555/10, do Executivo. Essa proposta tramita apensada ao PLP 472/09, do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que foi rejeitado”. E acrescenta ainda:

 

Em julho de 2010, o Ministério da Previdência publicou instrução normativa idêntica ao conteúdo do projeto do Executivo, que, se aprovado, transformará essas regras em lei, possivelmente com alterações.

O substitutivo acrescenta o período em que o servidor estiver em licença médica para tratamento de saúde entre aqueles que o profissional pode incluir no seu tempo de atividade, desde que estivesse exercendo a atividade no início de seu afastamento.

Os períodos citados na proposta do governo (férias; licença por acidente em serviço ou doença profissional; licença gestante, adotante e paternidade; ausência por doação de sangue, alistamento como eleitor, participação em júri, casamento e morte de pessoa da família; e deslocamento para nova sede) foram mantidos no texto aprovado.

“A lacuna do texto [do governo] deve ser corrigida, de forma análoga ao Regime Geral de Previdência, reconhecendo a continuidade da contribuição social por parte do servidor, ainda que afastado das atividades especiais”, justificou a deputada. “Vale lembrar que essa hipótese, para todos os demais fins, exceto no que diz respeito à percepção de vantagens remuneratórias, é equiparada à efetiva prestação do serviço”, acrescentou.

O substitutivo também permite o cômputo proporcional do tempo considerado especial quando agregado a tempo de serviço de outra natureza.

Entretanto, conforme o texto “As propostas ainda serão analisadas pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois, seguirão para o Plenário”, ou seja, finalmente o assunto está encaminhando-se para uma regulamentação esperada há mais de vinte anos.

6 Referências bibliográficas

FREUDENTHAL, Sergio Pardal. Aposentadoria especial. São Paulo: LTR, 2000.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo juridico do principio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2005.

NASCIMENTO, Tupinamba Miguel Castro do. Comentários à Constituição federal: direitos e garantias fundamentais - artigos 5. a 17.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.



[1] TRF4, Reexame Necessário Cível Nº 0003102-94.2009.404.7201/SC, Autor: Salvio Roberto Ribeiro. Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Relator: Jorge Antonio Maurique. 30/09/2010. Disponível em <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/proxy/public/pages/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=3721119&termosPesquisados=%2Bservidor|p%FAblico|mandado|injun%E7%E3o|aposentadoria|especial> acesso em: 12 out. 2011.

[2] TRF4, AC n. 2007.71.01.002853-4/RS, Apelante: Associacao dos Professores Da Universidade do Rio Grande – APROFURG.  Apelado: Fundacao Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Relator: João Pedro Gebran Neto. 10/11/2010. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/proxy/public/pages/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=3793108&termosPesquisados=%2Bservidor|p%FAblico|mandado|injun%E7%E3o|aposentadoria|especial> Acesso em: 12 out. 2011.

[3] Informação disponível em <http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/203728-COMISSAO-APROVA-REGULAMENTACAO-DE-APOSENTADORIA-ESPECIAL-DE-SERVIDOR.html>. Acesso em 12 out. 2011.