Possibilidade de cláusula de renuncia à indenização de benfeitorias e ao direito de retenção em contrato de locação (contrato de adesão)[1]

Caroline Duailibe Dos Santos [2]

Sumário: Introdução; 1 Contrato de adesão; 1.1 Características do contrato de adesão; 1.2. Natureza Jurídica; 2 Contratos de locação; 3 Renúncia à indenização por benfeitorias e ao direito de retenção nos contratos de locação; 3.1 Renúncia em contrato locação comum; 3.2 Renúncia em contrato de locação como sendo contrato de adesão; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo a análise da possibilidade de haver em um contrato de locação (contrato de adesão) celebrado com uma administradora de imóveis, a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção. Para tal, inicialmente será dada uma visão geral sobre o contrato de adesão e suas características para a melhor compreensão do problema a ser analisado.

PALAVRAS-CHAVE

Contratos de adesão. Contrato de locação. Benfeitorias.

Introdução

 Dentro do direito romano já existia a figura de um contrato chamado locatio conductio, o qual compreendia três espécies de locação: a locatio conductio rerum, que seria a locação de coisas, através da qual o locatário pagava uma quantia em dinheiro ao locador para usar certo bem; a locatio conductio operarum, que é a locação de serviços, pela qual um indivíduo se dispunha a prestar serviços ao outro, mediante pagamento; e a locatio conductio operis, locação de obra ou empreitada pela qual um sujeito encomendava a outro a execução de uma obra mediante pagamento.[3]

Atualmente, o contrato de locação de imóvel urbano – contrato este de grande relevância - tem a sua regulação pela Lei do inquilinato, nº 8.245 de 18 de outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. O contrato de locação pode ser analisado a partir da natureza de sua obrigação, podendo ser um contrato por adesão ou um contrato paritário. Neste trabalho será enfatizado o contrato de locação como contrato de adesão, mas para sua melhor compreensão, o contrato de locação paritário será comentado nos tópicos posteriores.

1 Contrato de adesão

O caput do art. 54 do Código do Consumidor traz a definição de contratos de adesão:

Art. 54. Contrato de adesão é aqueles cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar  substancialmente o seu conteúdo.

A partir desse artigo, podemos considerar que o contrato de adesão se caracteriza por “permitir que seu conteúdo seja pré-construído por uma das partes, sendo eliminada a livre discussão que precede normalmente à formação dos contratos[4]”. Desta forma, percebe-se que a sua estrutura difere do modelo tradicional de contrato, uma vez que apenas uma das partes estabelece as cláusulas do contrato, cabendo a outra parte apenas aceitá-las ou não, sem que haja discussão sobre o conteúdo. O contrato de adesão, então, é justamente o oposto do contrato paritário, no qual as partes estabelecem livremente as cláusulas contratuais na fase de puntuação, uma vez que se encontram nas mesmas condições de negociação.

Conceitua-se o contrato de adesão como “toda relação de constituição bilateral em que o consentimento de uma das partes há de consistir, por circunstâncias diversas, na aprovação irrecusável das cláusulas ditadas pelo outro contratante[5]”. Cláusulas estas que apresentam como características fundamentais a abstratividade e a uniformidade.

1.1 Características do contrato de adesão

O tópico anterior já mostrou algumas das características gerais do contrato de adesão, como, por exemplo, a ausência da possibilidade de discussão acerca das cláusulas contratuais; assim como o fato de só ser possível a sua aceitação ou rejeição em bloco; e como a impossibilidade de mudar seu conteúdo. 

No entanto, existem mais características abordadas pela doutrina, como é o caso da uniformidade, predeterminação e rigidez das cláusulas. Como coloca Orlando Gomes[6], a uniformidade é uma exigência da racionalização da atividade econômica que se desenvolve por seu intermédio, tornando possível, desta maneira, o alcance de um número indeterminado de aderentes. A uniformidade é alcançada apenas com a predeterminação unilateral das cláusulas, ou seja, pelo pré-estabelecimento das cláusulas contratuais por uma das partes. A rigidez das cláusulas é um desdobramento das características anteriormente citadas – que são a uniformidade e a predeterminação – pois as cláusulas são rígidas a partir do em momento que são uniformes, não podendo haver flexibilidade para não desfigurar a técnica contratual. Entende-se assim que os contratos de adesão impõem limites à liberdade contratual.

1.2 Natureza jurídica do contrato

Existe uma grande divergência acerca da natureza jurídica do contrato de adesão. Das diversas teorias que discorrem sobre tal assunto, podemos considerar as teorias normativista e negocial como sendo as mais importantes.

Também chamada de anticontratualista, a teoria normativista teve grande repercussão na Alemanha. Essa teoria nega o caráter contratual do contrato de adesão, ao considerá-lo ato normativo.

Em contrapartida, a teoria negocial (também chamada de contratualista), foi desenvolvida na França e teve suas idéias disseminadas até chegar no Brasil. Esta teoria afirma a natureza contratual dos pactos de adesão. A partir dela, se entende que a declaração de vontade do contratante é o que configura a adesão, transformando as condições gerais do contrato em cláusulas contratuais.

2 Contratos de locação

De acordo com o que foi estabelecido no art. 565 do Código Civil “na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição”. Essa matéria foi também regulamentada pela lei do inquilinato, nº 8245/91.

Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante contraprestação em dinheiro, a conceder à outra, temporariamente, o uso e gozo de coisa não fungível.[7] Aquele sujeito que concede o uso e gozo da coisa se denomina locador; já aquele a quem é concedido a coisa chama-se locatário, ou inquilino, no caso de locação de prédios urbanos.

Segundo Venosa, a locação é contrato bilateral e comutativo, uma vez que existem obrigações recíprocas para ambas as partes. É onerosa, pois implica em vantagens e sacrifícios para as partes. É também consensual porque independe da entrega da coisa para que se tenha por perfeito[8]

3 Renúncia à indenização por benfeitorias e ao direito de retenção nos contratos de locação

A questão da possibilidade de renunciar à indenização por benfeitorias introduzidas no imóvel pelo locatário e ao seu direito de retenção nos contratos de locação é geradora de grandes discussões.

Inicialmente, é importante explanar o que são benfeitorias e os seus tipos para uma melhor compreensão do problema aqui abordado. Benfeitorias, então, “são obras ou despesas feitas na coisa, para o fim de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la[9]”. As benfeitorias podem ser tripartidas:

“São necessárias as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que se deteriore: assim será o reparo nas colunas de um edifício. São úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa: é o caso de aumento de área para o estacionamento de um edifício. São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem agradável, ou de elevado valor: é o caso da substituição de um piso comum de um edifício por mármore ou a construção de uma piscina ou sauna[10]”.

O contrato de locação pode ser paritário ou de adesão. Esses dois tipos de contrato levam a divergências quanto à questão da indenização por benfeitorias e ao direito de retenção.

3.1 Renúncia em contrato paritário de locação

Como já foi dito, “na hipótese de as partes estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um contrato paritário[11]”.

O art. 35 da Lei de Locação (Lei nº 8.245/91) dispõe: “salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.” O art. 36 desta mesma lei observa que “as benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.”

A partir deste artigo, conclui-se que:

“A lei autoriza que cláusula expressa negue indenização a qualquer classe de benfeitorias, assim como o direito de retenção. Nada dizendo o contrato, terá o locatário direito ao ressarcimento dos gastos com as despesas necessárias, ainda que não autorizadas pelo locador. Terá direito às benfeitorias úteis, desde que autorizadas. As voluptuárias sempre poderão ser levantadas, não havendo prejuízo para o imóvel, e isto nem pode ser tolhido do contrato. Como se percebe, permite-se que a indenização por benfeitorias necessárias e úteis e o direito de retenção sejam afastados pelo contrato[12]”.

 Ou seja, ao ser estabelecido no artigo: “salvo expressa disposição contratual em contrário” é aberta a possibilidade de que nenhum tipo de benfeitoria seja indenizável e que seja dispensado o direito de retenção. Essa situação ocorre com freqüência nos contratos paritários de locação de administradoras de imóveis, sendo denominadas de cláusulas de renúncia ao direito de indenização por benfeitorias. Porém, não se pode entender da mesma maneira quando fala em contrato de adesão.

3.2 Renúncia em contrato de locação como sendo contrato de adesão

Há divergência, no entanto, quando o contrato de locação se tratar de um contrato de adesão, pois se entende que nesse caso a renúncia  não é possível, tendo em vista que esse tipo de contrato possui cláusulas já preestabelecidas por uma só parte – no caso em questão, pela administradora de imóveis – sem a intervenção do inquilino, cabendo a este apenas aceitar o contrato com todas as cláusulas impostas pelo locador, ou rejeitá-lo. Em contratos de adesão, então, cláusulas que determinam a renúncia de direitos que resultam da natureza do negócio são entendidas como cláusulas abusivas que devem ser nulas.

Esse entendimento se dá a partir do art. Art. 424 do Código Civil que diz que: “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".

Este artigo se justifica “em virtude da impossibilidade da discussão prévia das cláusulas do contrato. Estabelece-se, com isso, uma vantagem ao aderente, parte mais vulnerável, amenizando o desequilíbrio da relação contratual[13]”.

Conclusão

A partir do que foi exposto no presente trabalho, não é observada ilicitude ou nulidade nas cláusulas de renúncia à indenização por benfeitorias ou ao direito de retenção quando se tratar de um contrato paritário.

Entretanto, em se tratando de contratos de adesão, as cláusulas de renúncia à indenização por benfeitorias e ao direito de retenção são consideradas abusivas, devendo ser nulas, como consta no art. 424 do Código Civil.

Podemos perceber que a intervenção estatal nas relações contratuais a partir das normas que estão inseridas nos Códigos tem como objetivo equilibrar as partes nessa relação negocial independentemente da posição econômica que cada uma delas ocupa. Essa intervenção deve ocorrer em relações em que a autonomia da vontade esteja mitigada – caso dos contratos de adesão, que, como já foi falado, acaba por limitar a liberdade contratual.


REFERÊNCIAS

 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009

 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.



[1] Paper elaborado à disciplina de Contratos Cíveis, ministrada pelo Professor Frederico Oliveira, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do curso de direito noturno da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[4] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

[5] Idem, ibidem.

[6] Idem, ibidem.

[7] GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

[8] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[9] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

[10] Idem, ibidem.

[11] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

[12] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

[13] BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.)