O Código de Defesa do Consumidor busca tutelar os consumidores nas relações mantidas com fornecedores e prestadores de serviços.  No campo social, pode ser considerado como “reação a um quadro social em que se começa a configurar a posição de inferioridade do consumidor em face ao poder econômico do fornecedor”, conforme leciona José Luiz Júnior.

Neste sentido, a aplicação da lei consumerista ganhou espaço nas últimas décadas, tendo como cenário uma sociedade impulsionada pela busca de novos produtos e tecnologias.

Ao ordenamento jurídico, assim, cabe amoldar as diversas situações à norma protetiva dos interesses dos consumidores.

O CDC define consumidor como “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” [art. 2º].

A figura de consumidor como pessoa física não traz dúvidas aos profissionais do direito, não ocorrendo, todavia, o mesmo quando se trata de pessoa jurídica. A discussão sobre o tema chegou até as maiores cortes do nosso sistema jurídico.

A questão já foi enfrentada pelo STJ. No Recurso Especial 102.547-2, julgado em 30.04.2008, os Ministros da Primeira Turma, formada por nomes como Luiz Fux e Teori Zavascki, por unanimidade, deu provimento ao recurso interposto por empresa de prestação de serviços na área da saúde, que buscava a aplicação do CDC na relação havida com a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo.

Na oportunidade, o ministro relator, Francisco Falcão, defendeu a tese que possibilita à pessoa jurídica ser tratada como destinatária final, porquanto a empresa “(..)recorrente enquadra-se em tal conceituação, visto ser empresa prestadora de serviços médico-hospitalares, que utiliza a água para a manutenção predial e o desenvolvimento de suas atividades, ou seja, seu consumo é em benefício próprio”

A jurisprudência consolidou entendimento no sentido de propiciar à pessoa jurídica defesa sobre manto do CDC. Já os contratos de mútuo bancário oferecem outra discussão.

Oportuno analisar a lição de Cláudia Lima Marques:

“Nesse sentido, podemos concluir que os contratos entre o banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a ‘vulnerabilidade’ do contratante e sua situação equiparável ao consumidor ‘stricto sensu’, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais. [Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais”, 3ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo : Revista dos Tribunais, p. 200].

A priori, pode-se dizer que a pessoa jurídica realiza empréstimo bancário para incrementar a sua produção. Mas, não se trata de uma verdade absoluta. Há necessidade de se comprovar nos autos o uso dos recursos recebidos para incremento da produção.

Por oportuno, merece destaque o entendimento do Des. Virgilio de Oliveira Junior, da 21ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Tal diploma há de incidir na relação entre a pessoa jurídica e o fornecedor, caso este não comprove que fez empréstimo àquela com natureza de insumo. Sem essa prova impossível afastar a presunção de a pessoa jurídica ser consumidora, não se podendo falar em mútuo para incrementar a atividade mercantil da empresa. Reconhece-se, então, que a pessoa jurídica é consumidora por adquirir ou utilizar “produto ou serviço como destinatário final. [Cf. APELAÇÃO Nº 0014024-38.2010.8.26.0566, TJ-SP, 21ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Itamar Gaino, Revisor Des. Virgilio de Oliveira Junior, j.17.06.2013]

Portanto, a pessoa jurídica que celebra mútuo bancário pode ser considerada como consumidora à luz do diploma consumerista, desde que comprove o uso dos valores recebidos em setores que não possibilitem o incremento de sua produção.