PÓS-MODERNISMO E O LAZER: REFLEXÕES ACERCA DO QUE VEM SENDO E O QUE PODE VIR A SER

Graziany Penna Dias[1]

 

Resumo: O presente texto teve por objetivo discutir a perspectiva de homem plasmada na realidade concreta, pelo discurso pós-moderno e sua busca pelas práticas e vivências de lazer de caráter imediatista e consumista. Nossa intenção foi dialogar com as literaturas críticas disponíveis sob este fenômeno e com isto possibilitar a reflexão de práticas que possam estabelecer contraposições à lógica pós-moderna, lógica do mercado. Com base nas exposições, pensar o lazer implica concebê-lo, numa perspectiva de contraposição, enquanto espaço de criação das manifestações lúdicas. O lazer de fato representa o descanso do cotidiano, mas não tem que implicar num momento de parar de pensar. O lazer numa perspectiva ampla tem de abarcar o descanso e o desenvolvimento humano a partir dos aspectos de liberdade, autonomia, criatividade e prazer.

 

 

Introdução

O presente texto tem por objetivo discutir a perspectiva de homem plasmada na realidade concreta, pelo discurso pós-moderno e sua busca pelas práticas e vivências de lazer de caráter imediatista e consumista.

Nossa intenção é dialogar com as literaturas críticas disponíveis sob este fenômeno e com isto possibilitar a reflexão de práticas que possam estabelecer contraposições à lógica pós-moderna, lógica do mercado. Neste sentido cabe compreender mais detidamente o pós-modernismo, como veremos a seguir.

O Pós-Modernismo

O Iluminismo está morto, o Marxismo está morto, o movimento da classe trabalhadora está morto... e o autor também não se sente muito bem.

Neil Smith (HARVEY, 1993)

É com esta epígrafe, até um pouco jocosa, que iniciamos o tratamento sobre o pós-modernismo, pois ela expressa de forma clara a perspectiva ideológica pós-moderna. O principal alvo dos pós-modernistas é o “marxismo e o pensamento dialético materialista, e sua proposta de compreensão do concreto, da História, das lutas sociais inter-relacionadas em todo o globo” (MATA et. al, 2004, p. 01).

Cumpre, primariamente, compreender conceitualmente a expressão “pós-modernismo” procurando relacioná-la com a expressão “pós-modernidade”, também muito utilizada.

Acreditamos que estas expressões não são frutos do acaso, mas do projeto histórico da qual são caudatárias. E mais, a preocupação conceitual nos é cara, num momento de superficialidade teórica que o próprio movimento pós-moderno assevera.

De acordo com Terry Eagleton (1998) a palavra “pós-modernismo” designa uma forma contemporânea de cultura, enquanto a “pós-modernidade” se refere a uma concepção de pensamento que se contrapõe as grandes metanarrativas que procuravam dar explicações universalizantes sobre a realidade, bem como, no caso do marxismo, a transformação universal do mundo.

Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e à coerência. (ibid., p. 07).

 

Por seu turno, a pós-modernidade é caudatária das mudanças ocorridas no Ocidente para um novo modelo de capitalismo na qual se observa: o avanço de tecnologias flexíveis, do consumismo, da indústria cultural; do aumento do setor de serviços, das finanças, etc.

O pós-modernismo, de seu lado, representaria um estilo de cultura que,

Reflete um pouco essa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e pluralista que obscurece as fronteiras entre a cultura “elitista” e a cultura “popular”, bem como entre a arte e a experiência cotidiana. (ibid., p. 07).

 

De nossa parte ficaremos com a escolha feita por Eagleton, em aditar o termo pós-modernismo para designar o pensamento que contrapõe a razão, a ciência, ao marxismo e à possibilidade da superação do capitalismo por um outro projeto de sociedade que abarque os interesses da classe trabalhadora.

Nossa restrição à expressão pós-modernidade consiste, também, na compreensão de que o termo suscita que a modernidade teria se encerrado a partir do fim de suas principais visões e projetos de mundo: o capitalismo e o socialismo. Este último, devido à queda do bloco socialista, ao final da década de 1980; e no caso do capitalismo, este teria se transformado e se tornando mais justo, o que em nossa visão não procede. No máximo o capitalismo passou e vêm passando por mudanças sem alterar, contudo, as relações sociais de produção. Em outras palavras “um caminhar para o mesmo lugar”.

Endossamos também esta compreensão nas contribuições de Harvey (op. cit.) quando enfatiza que ao contrário do que o discurso pós-moderno procura dizer, o pós-modernismo é uma invenção oriunda da modernidade, e como tal tem a intenção de contribuir para o projeto societal dominante do capitalismo.

Inclusive, a primeira abordagem filosófica, aconteceu em 1979, em A condição Pós-Moderna, de J. F. Lyotard. Este considerou a chegada da pós-modernidade ligada ao surgimento de uma pós-industrial, na qual o conhecimento tornara-se a principal força econômica da produção, tratando a pós-modernidade como uma mudança geral na condição humana.

De acordo com Sanfelice,

Com a “Condição Pós-moderna”, Lyotard anunciou o eclipse de todas as narrativas grandiosas. Aquela cuja morte ele procurava garantir acima de tudo era, claro a do socialismo clássico, mas também inclui a redenção cristã, o progresso iluminista, o espírito hegeliano, a unidade romântica, o racismo nazista e o equilíbrio econômico (2003, p. 04).

 

Neste sentido, recorremos também a Duarte (2004), ao destacar que o pós-modernismo não representa uma ruptura, profunda com as teorias precedentes.

A ruptura pós-moderna é um blefe, pois o que o pós-modernismo faz é levar ás últimas consequências as tendências irracionalistas que já se vinham fazendo presentes no pensamento burguês desde o século XIX e que se acentuaram imensamente no século XX. Essas tendências irracionalistas na filosofia, nas ciências humanas em geral e também nas artes são a expressão ideológica do caráter cada vez mais irracional e fetichista da lógica objetiva da sociedade capitalista (ibid., p. 221).

 

O pós-modernismo, como poderiam pensar os menos desavisados, não é absolutamente inédito, tão pouco inaugural em uma de suas principais teses, a do irracionalismo. De acordo com o autor, já no século XIX a filosofia burguesa começara a assumir formas negativas e irracionais, acompanhando e expansão das relações econômicas capitalistas ao passo que as ideias iluministas de racionalidade, objetividade e universalidade; iam sendo postas de lado.

No campo educacional este raciocínio tem produzido fortes repercussões a partir da perspectiva de educação “pós-colonialista” e “multicultural”, contrária a qualquer referencial que aponte para a existência de conhecimentos universais a serem transmitidos no chão da escola.

Critica-se a própria comparação entre conhecimentos e nega-se que um determinado conhecimento seja mais desenvolvido ou mais correto do que outro. Nessa perspectiva, o conhecimento é apenas e tão somente aquilo que é “tido como verdadeiro” num específico contexto cultural. A escola seria então nada mais do que um espaço, entre muitos outros, de troca e de compartilhamento de crenças culturalmente estabelecidas (ibid., p. 227).

 

O terceiro motivo seria de que ao se vislumbrar a existência de um sujeito produzir-se-ia a existência de um objeto. E para os pós-modernos, inexistiria a distinção entre a realidade objetiva e a subjetiva. Sendo assim:

Atacar a ideia de um sujeito racional, capaz de conhecer e dominar a realidade, significa para o pós-modernismo atacar a ciência moderna e a epistemologia que fundamenta tal ciência. Isso teria como consequência, acreditam os pós-modernos, o fim da legitimação de formas de poder e hierarquias sociais pautadas na posse de conhecimentos pretensamente verdadeiros. Não há detentores da verdade se não há distinção entre verdadeiro e falso, afirma o pós-modernismo (ibid., p. 227).

 

Neste sentido, o sujeito da modernidade é um dos principais alvos do discurso pós-moderno, pois seu desmantelamento é o caminho para a destruição de todo o arcabouço teórico sustentado por este.

Descartar, no entanto, o sujeito da modernidade implica em esforços de criar outra figura que possa dar novo fôlego ao modo de produção capitalista. Cabe atentarmos que o sujeito da modernidade também sustentou o capitalismo em fases precedentes à atual. Outra ideia de destaque é que destruir um referencial sem “colocar outro no lugar”, abre espaço para que outros referenciais, inclusive antagônicos, adentrem neste “vácuo”.

Assim, segundo Duarte, apoiado em Rosenau (op. cit.), o sujeito da modernidade é substituído pelo indivíduo pós-moderno. Este último procura aproveitar a perspectiva individualista de seu antecessor, só que em moldes diferentes. Suas características são:

- É uma pessoa flexível, descontraída, que deixa guiar por seus sentimentos e emoções, aceitando-se tal como é;

- Tem estilo de vida próprio, mas não pretende ser exemplo para ninguém, por não acreditar numa verdade;

- Tem senso de humor, fantasia; é hedonista, procurando a satisfação imediata;

- Vive o presente, preferindo aquilo que é passageiro, momentâneo;

- Tem pavor do que é estável, permanente;

- Tem grande estima pela espontaneidade e antipatia pela disciplina e planejamento;

- Admira o diferente, o exótico, o místico, provenientes de tradições do passado e do que for local;

- Em contrapartida não admira o comum, o generalizável e o universal;

- Preocupa-se, prioritariamente, consigo e suas necessidades pessoais, sendo desinteressado em laços com instituições tais com: a família, a Igreja, o partido, a nação, entre outros;

De acordo com Rosenau (apud DUARTE, op. cit., p. 228-229):

Indivíduos pós-modernos sentem-se confortáveis com políticas personalizadas. Esse tipo de visão caracteriza-se por ser livre de perspectivas de projetos globais totalizantes tais como o socialismo. Eles são céticos em relação às intenções e motivações de ativistas engajados. Apesar de um descontentamento com a política em geral, o indivíduo pós-moderno pode, tempos em tempos, lutar contra o estado e o sistema. Ela/ele está aberto à participação e engajamento em causas diversas e contraditórias e em movimentos sociais de existência passageira. Isso não é surpreendente porque o indivíduo pós-moderno sente-se confortável com múltiplas realidades sem necessitar de coerência [...] E isso faz sentido, dada a identidade mutante e flutuante do indivíduo pós-moderno.

 

Em face disto, pode-se supor que o indivíduo pós-moderno se imagina livre, diverso, espontâneo; para além de qualquer determinação e compromisso com qualquer que seja o projeto de sociedade, seja ele transformador ou conservador.

Em crítica a isto, podemos dizer à luz do materialismo histórico que este indivíduo não aparece por acaso, mas mediado segundo as necessidades do capital em produzir e reproduzir a acumulação e repor o seu projeto dominante societal. Quem domina, materialmente, também precisa dominar ideologicamente. Neste sentido, as características do indivíduo pós-moderno são amplamente propícias a perpetuação do modo de produção capitalista e da classe dominante.

Pois, alguém que se aprofunda radicalmente na sua individualidade em detrimento do coletivo, que não se engaja em nenhum movimento social com um projeto histórico transformador, que não acredita em nenhum conhecimento universal que possa explicar as desigualdades sociais; enfim “as grades são tanto eficazes quanto menos visíveis se tornam” (MORAES, 1978, p. 81).

No campo do lazer

No campo do lazer a perspectiva pós-moderna tem apontado, com base na indústria cultural, o lazer enquanto mercadoria. Na lógica da sociedade de consumo o lazer tem sido posto como a promessa da grande indústria cultural na qual sua mercadorização tem afastado o lazer como um direito social.

E tal mercadoria tem se aproximado assim como as outras, de práticas de consumo No tocante as relações humanas, estas passam a transitar, juntamente, como as mercadorias, para a “sociedade do descarte”. Ou seja, observa-se o descarte de bens produzidos; e o descarte dos valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, enfim a busca das formas mais imediatas e tangíveis de relação humana, e, com isto, de formas de busca do prazer na qual o outro está só de passagem.

Nesta perspectiva, o lazer passa a ser concebido, portanto, como um mero entretenimento, promovendo a distração alienante para escapar do tédio e matar o tempo. (WERNECK, 2000).

A artificialização dos processos de relação entre as pessoas, nos momentos de lazer, como as lan-houses, tem afastado as pessoas do contato pessoal entre as elas mesmas e a natureza.

A cada dia novas necessidades são geradas pelo marketing de mercado e, com elas novas exigências são impostas culturalmente. As pessoas adentram num processo de consumo alienante na qual não percebem mais suas reais necessidades, mas as necessidades produzidas por outros.

Com base nesta exposição, compreendemos que isto implica pensar o lazer, numa perspectiva de contraposição, enquanto espaço de criação das manifestações lúdicas. O lazer de fato representa o descanso do cotidiano, mas não tem que implicar num momento de parar de pensar.

O lazer numa perspectiva ampla tem de abarcar o descanso e o desenvolvimento humano a partir dos aspectos de liberdade, autonomia, criatividade e prazer. E nesta linha que concordamos com autores de área de lazer como Marcellino (2006), de que as práticas de lazer têm de representar espaços de produção cultural, com base nos interesses culturais do lazer, na qual as pessoas possam se sentir ativas no processo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas:

DUARTE, Newton. A Rendição pós-Moderna à Individualidade alienada e a Perspectiva Marxista da Individualidade Livre e Universal. In: DUARTE, Newton (org.). Crítica ao Fetichismo da Individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004, p. 219-241.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. 4ª ed. – Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

EAGLETON, Terry. As Ilusões do Pós-Modernismo. São Paulo: Zahar, 1998.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Editora Loyola, 1993.

MARTINS, Lígia Márcia. Da Formação Humana em Marx à Crítica da Pedagogia das Competências. In; DUARTE, Newton (org.). Crítica ao Fetichismo da Individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004, p. 53-74.

MATTA, Alfredo e CANCELA, Francisco. A Pós-Modernidade e o Iluminismo: encontros e desencontros. 4º Colóquio Marx e Engels – Cemarx/Unicamp, 2005, São Paulo. Website: www.unicamp.br/cemarx. Acessado dia 16/04/2006.

MORAES, Carmem Sylvia Vidigal. Ideologia e Intelectuais em Gramsci. In: Educação & Sociedade – Revista Quadrimestral de Ciências da Educação – 5ª reimpressão – São Paulo: Cortez, setembro de 1978.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. – 7ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

ROSENAU, Pauline Marie. Post-modernism and the social sciences: insights, inroads and intrusions. Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 1992.

SANFELICE, José Luis. Pós-Modernidade, Globalização e Educação. In: LOMBARDI, José Claudinei (org.). Globalização, Pós-Modernidade e Educação: história, filosofia e temas transversais – 2ª edição revisada e ampliada – Campinas, SP: Autores Associados: HISTEDBR; Caçador, SC: UnC, ,2003, p. 03-12.  

 



[1] O autor, Graziany Penna Dias ([email protected]) é professor do Instituto Federal de Educação. Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas/Campus Juiz de Fora.