RESUMO:

Ainda resta aos estudiosos e operadores do direito divergência a respeito da nomenclatura dos direitos fundamentais e parte da doutrina usa indiscriminadamente os termos “geração” e dimensão” como sinônimos, coisa que não são. Neste pequeno trabalho propomos um entendimento e a diferenciação entre os termos assim como entre os gerais direitos humanos e os particulares direitos fundamentais.

ABSTRACT

It is left to scholars and law operators some disagreement about the nomenclature of fundamental rights and Human rights in general. Our doctrine indiscriminately uses the terms "generation" and dimension " as synonyms , which they are not. In this short paper we propose an understanding and differentiating between the terms as well as among the general human rights and individual fundamental rights.

Palavras Chave : direitos fundamentais, direitos humanos, geração ou dimensão.

Sumario

Introduçao............................................................................................................................... 2

Hermenêutica e exegese............................................................................................................... 3

Hermenêutica jurídica: norma..................................................................................................... 4

Direitos de Primeira dimensão...................................................................................................... 9

Direitos de segunda dimensão.................................................................................................... 10

Direitos de terceira dimensão..................................................................................................... 11

Direitos de quarta e demais dimensões........................................................................................ 11

Considerações Finais................................................................................................................. 12

Referências.............................................................................................................................. 13

Introduçao

         Todas as teorias, com seus avanços e retrocessos, são elaboradas,  construídas e utilizadas ao longo do tempo histórico, num eterno caminhar, sendo muito comum entre elas uma relação de dependência com o que lhes antecede, ou reafirmando ou contrariando. E, ao mesmo tempo, uma certa determinação da próxima teoria que virá.

         Assim uma observação histórica e um tanto quanto historicista das teoria e suas soluções é vital para oxigenar a ciência jurídica.

Ao falarmos de uma origem e desenvolvimento dos direitos fundamentais ou direitos do homem nas constituições, a obra de Norberto Bobbio[1] é referência inicial pelo fato de o autor não atribuir à filosofia jurídica a tríplice função – ontológica, metodológica e fenomenológica,  mormente indicada pelos seus contemporâneos. Bobbio deixa à filosofia apenas a função metodológica ou propriamente descrita como função crítica, e  a ideológica do direito.

Já na introdução da “Era dos Direitos” afirma que direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico, pois, sem direitos do homem reconhecidos e protegidos não há democracia; sem democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica de conflitos[2]. Aqui nesse breve texto, a abordagem democrática não será politica mas sim a partir da Teoria do Direito, em especial apos a formação do núcleo de estados democráticos de direito advindos da fase de codificação francesa do direito.

Explica aquele autor, ainda, que no plano histórico a afirmação dos Direitos Humanos deriva de uma inversão radical de perspectiva característica da formação do Estado moderno, em específico na representação da relação política das partes onde sai de uma ordem do soberano para o súdito e se transforma numa relação de estado e cidadão, segundo a qual para compreender a sociedade partimos de baixo, das necessidades, valores e aspirações dos indivíduos que a compõe.

Sem aprofundar muito no tema que foge ao escopo deste texto, a estrutura primária e secundária da norma jurídica colocada por Hart, criticando Austin na limitação do conceito pela simples coação soberano-súdito, traz a ideia de habitualidade da obediência que tem como fonte a regra. A superaçãoo desse debate e dá com Dworkin que considera que o direito não é composto unicamente por normas, mas também, e principalmente, por princípios. Tais estão acima e hierarquicamente superiores às normas sejam elas primarias ou secundarias e são de dois tipos: diretrizes políticas (polices) e princípios em sentido estrito (principles).

Voltando à Bobbio, que estuda essa relação da democracia proteger os direitos do homem e facilitar uma solução de conflitos organizada, o autor entende como causa dessa inversão do poder absoluto à democracia as denominadas Guerras de Religião. Tais Guerras  afirmavam o direito do indivíduo a não mais ser oprimido, direito esse mais substancial e originário, principiológico mesmo do homem – o de gozar de algumas garantias fundamentais, e completa - fundamentais porque naturais e naturais pois cabem ao homem enquanto tal e não dependem do consentimento do soberano[3].

E do ponto de vista teórico, Bobbio defende que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em um momento, em certas circunstâncias, caracterizadas sempre por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e sempre nascidos de modo gradual, nem todos de uma vez nem de uma vez por todas.

Mais que justificá-los ou classificá-los, Bobbio tem como prioridade entender como protegê-los, de modo eficaz, aplicando essa proteção à política, partindo dos estudos filosóficos, reconhecendo no direito essa aplicação e na política essa efetividade.

Assim, entendemos que origem dos chamados ´direitos fundamentais´ está intimamente ligada à evolução filosófica dos direitos em geral e,  em especial, dos direitos humanos entendidos aqui como direitos de liberdade ligados a própria natureza ou essência humana e aplicados como meio de confinar e se defender do abuso da atuação estatal.

Num primeiro momento o reconhecimento na atuação negativa do estado, num segundo momento, de ação positiva garantidora do exercício individual e coletivo de direitos e, depois, no que o próprio Bobbio considera o terceiro momento, uma ação positiva e garantidora do Estado em um todo além das próprias regras de dentro das fronteiras, para normas e princípios internacionais.

Hermenêutica e exegese

O Positivismo da escola da exegese, originado na França do século XIX se deve às circunstâncias históricas da época - o da codificação do Direito, em  especial com o advento do Código de Napoleão (positivismo normativo). A hermenêutica cuja origem é a revelação do sentido dos textos bíblicos foi inserida no direito e ganhou força o movimento de codificação do direito.

Esse positivismo exegético pugnava a separação entre direito e moral como regras diversas e dentro do sistema de regras do direito não separava o que era texto de lei da norma (resultado da interpretação). Assim, lei e direito eram identificados como um mesmo conteúdo. O positivismo normativo kelseniano propunha a relatividade dos sistemas morais que não poderiam ser utilizados como parâmetro para uma abordagem jurídico-científica.

Do movimento da Codificação, formado por jurisconsultos influenciados pelos ideais iluministas da razão, surgem alguns princípios positivados e normativados, como o da certeza do direito, o da autoridade e o da separação de poderes. Todas essas idéias proporcionaram as bases teóricas para a criação do referido Código Napoleônico e para o surgimento do movimento conhecido como a Escola da Exegese. Um dos principais motivos para a grande difusão, no meio acadêmico da época, das ideias desta corrente foi a obrigatoriedade do ensino deste código nas universidades francesas. A respeito da obrigatoriedade do ensino dos ideais exegistas na França do início do século XIX, Bonnecase[4] (1924, p.19 apud BOBBIO, 1961, p.82) afirma:

“Deduz-se do discurso de Blondeau que o governo imperial quase que ordenou a exegese [grifo nosso], tendo as Faculdades de Direito por primeiro objetivo lutar contra as tendências filosóficas que se manifestavam, precariamente, aliás, na maior parte do tempo, no curso de legislação das escolas centrai.s

Essa Escola da Exegese teve enorme influência no estudo do direito em especial na hermenêutica jurídica. Uma das raízes da concepção de Estado Democrático de Direito é a grande importância dada, naquela época, à lei, caracterizada pelo pensamento teórico do império da lei, onde todos os componentes do Estado estariam submissos à legislação. Essa característica aproxima o conceito de Estado Democrático de Direito tanto do princípio da segurança jurídica, quanto das idéias da Escola da Exegese, somando aí o o princípio da legalidade. Esses três elementos pugnavam a grande importância da lei no ordenamento jurídico e, por isso, deram suporte teórico à criação do conceito de Estado Democrático de Direito.

Norma e Hermenêutica jurídica

Na hermenêutica jurídica a norma (jurídica), é o resultado da interpretação de um texto legal (já existente e válido, ou mais válido que outro), ou seja, a hermenêutica busca o sentido que esse texto assume no processo de cognição da mente. A norma é o sentido do “ser” do ente (texto legal). O texto só acontece na vida real através de sua ‘normação’, através do entendimento interpretado das intenções e do que é regulado.

É necessário, num outro momento, um estudo mais elaborado sobre a diferença entre regras e princípios bem como uma melhor conceituação desses termos para que as normas do ordenamento jurídico e em especial as normas de direitos fundamentais tenham não só validade como também aplicabilidade.

Não se pode falar de regra sem um princípio instituidor, que lhe confere legitimidade dentro do sistema. Esta é a importância dos princípios constitucionais, com sua carga deontológica, normativa, e não apenas axiológica, como forma de reinserção do mundo prático superando a mera racionalidade teórica no Direito.

Não apenas a aplicação dos princípios é vital, mas ainda, uma teoria de princípios adequada ao direito em um estado democrático, que possa guiar essa aplicação de maneira adequada. Nesse sentido Robert Alexy entende que somente uma teoria dos princípios pode conferir a validez adequada a conteúdos da razão prática incorporados ao sistema jurídico no mais alto grau de hierarquia e como direito positivo de aplicação direta[5].

A distinção entre regras e princípios é analisada na obra de Dworking em sue modelo de princípios, na critica e na superação da teoria positivista de Hart (modelo de regras). Alexy entende que a diferença é que os princípios são mandados de otimização enquanto que as regras tem o caráter de mandados definitivos, ou seja, os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, mais eficaz e menos danosas, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas. Isto significa que podem ser satisfeitos em diferentes graus e que a medida da sua satisfação depende não apenas das possibilidades fáticas mas também das jurídicas, que estão determinadas não apenas por regras, mas também por princípios opostos.

Num estado democrático de direito como o Brasil é característica fundamental a concorrência ou colisão entre princípios constitucionais.

Em se tratando de princípios constitucionais existe uma Teoria dos Princípios, trazida pelo assim chamado “novo constitucionalismo”, guiado por um processo de normatização dos princípios, como coloca Luis Alberto Barroso:

“A moderna dogmática jurídica, freqüentemente referida como pós-positivista ou principialista, tem dedicado especial atenção ao desenvolvimento de uma teoria dos princípios. No seu âmbito tem sido aprofundada a discussão acerca do conteúdo dos princípios, de sua diferenciação em relação às regras e das diferentes modalidades de eficácia que podem apresentar. A normatividade dos princípios e suas potencialidades na interpretação constitucional tem sido, paralelamente à ascensão histórica dos direitos fundamentais, a marca do Direito nas última décadas”[6]

Direitos fundamentais

A sistemática dos direitos fundamentais nasce aqui no Brasil no momento por alguns autores denominado “pós-positivista” cujo fundamento é a superação da dicotomia tradicional positivista versus jus naturalista do Direito e se coloca uma concepção sistêmica da constituição.  Os direitos fundamentais são manifestações positivas normativas do direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico.

Assim, conceituar uma relação entre direitos humanos e direitos fundamentais em que não é a mera inclusão daqueles num elenco constitucional que os difere, e, pensando na perspectiva de evolução histórica contínua e incessante na identificação e reconhecimento desses direitos, nos leva a uma estrutura categórica, ditada pela exigência da mudança de valores após os horrores da II Guerra Mundial que exigiu mudanças no direito e em sua interpretação.

Essa discussão sobre a relação intrínseca entre direitos humanos e direitos fundamentais deve então ser analisada pela própria teoria do conhecimento, situando-os em categorias diversas.

No início dos entendimentos sobre os direitos humanos e depois sobre os instrumentos de defesa internos pelo Estado, que eram reflexo e tinham por base instrumentos de defesa internacionais, a confusão entre os termos era tal que se admitia a afirmação que direitos fundamentais eram os direitos humanos escritos numa constituição. Alguns autores, dentre eles constitucionalistas, chegavam a afirmar que direitos fundamentais eram a instituição constitucional positivada dos direitos humanos o que não nos parece preciso nem verdadeiro em se pensando nos Estados que admitem e regulam, constitucionalmente, porte de armas pelo cidadão e pena de morte.

De um ponto de vista histórico, Direitos fundamentais são, originariamente direitos humanos[7], todavia, num estudo mais aprofundado, partindo da própria semântica, a expressão direitos humanos contém em si um conceito muito mais amplo e indeterminado (porém determinável e em construção contínua) que o de direitos fundamentais.

Os direitos humanos, como bem explica Santiago Guerra[8] são pautas ético-políticas, situados em uma dimensão supra positiva, deônticamente (dever ser) diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de direito interno e, possuem, em si, uma categoria diversa daquela disposta em constituições de Estados, uma categoria de direitos universais de liberdade e igualdade entre todos os seres humanos, de cunho natural, cuja evolução é dinâmica e acompanha pari passu a evolução do gênero humano, independente de religião, etnia, nação ou qualquer outra distinção. Reação clara ao positivismo normativo que justificava, para alguns, que o estrito cumprimento da lei por mais absurda que fosse, conferia legitimidade para ação.

 

Na construção dos direitos fundamentais, os conceitos bases e mais importantes direitos do homem, já vinham do direito natural. A luta pelos direitos sempre foi instigada pelos que se situavam além da esfera de igualdade, ou seja o desigual, que tentava inserir-se nessa esfera. O paradigma que se construiu e se formou pela experiência foi o movimento de tentar expandir essa esfera de igualdade a todos do gênero humano, mudando assim claramente o paradigma e própria categoria de pensamento dos Direitos Humanos.

Depois dos horrores das Guerras Mundiais o mundo dos seres humanos entendeu a impossibilidade de seguir com a vida nesse planeta sem a conciliação sobre determinados termos de sobrevivência mínima da raça humana. Surgiram protocolos de intenções assinados em alto mar, declarações, pactos e acordos internacionais visando o reconhecimento de direitos inerentes ao ser humano em qualquer lugar do planeta, concepção de direitos básicos e formas de assegurar que sejam eles observados em todos os planos do direito, desde a diferenciação meramente semântica entre direitos naturais e direitos positivos onde as denominadas leis naturais eram as que regem o Cosmos diferentes da lei positiva que era a criada pelo homem[9] até as modernas definições de apátridas e as relações internacionais de refúgio e asilo.

A insuficiência das antigas definições logo se fizeram claras e a evolução dos conceitos se deu na direção de uma concepção cada vez mais amplas de garantias inerentemente individuais que pelo conteúdo eram também garantias coletivas de povos que necessitava da concretização normativa, encontrada nos ideais positivistas de Augusto Comte e mais tarde nos ideias positivistas normativos do mundo jurídico.

A doutrina positivista parecia se enquadrar nos formatos de uma teoria, de atitude de conhecimento e entendimento empírico da realidade, mas traduzidas por juízo unicamente de fatos, já que os juízos de valor eram descartados em nome da pura ciência. O que aconteceu foi a impossibilidade de, como ideologia, afastar-se a teoria pura dos juízos de valor, tornando-a deficiente.

Foi nesse cenário do pós guerra e suas doutrinas que os valores foram entendido como fundamentais pelos juristas cuja norma jurídica passa a ser uma “prescrição de um padrão avaliativo para a apreciação de casos concretos” como explica Willis Guerra[10].

A construção dos direitos fundamentais se dá ao longo da história das constituições, sempre em face ao desrespeito aos direitos e sempre como um mecanismo de freio e prevenção a esse desrespeito e abusos. Os elementos morais no conceito de direito são hoje reconhecidos e a interpretação não se reduz à uma hermenêutica puramente descritiva ou formal do positivismo normativo lógico.

Aqui, tópica e racionalidade da argumentação jurídica como solução de problemas práticos exerceram grande influência na construção da norma jurídica, sem perder a força normativa especial dos princípios constitucionais. Alexy na sua teoria dos direitos fundamentais distingue regras de princípios e expõe a estrutura dos problemas da dogmática jus-fundamental, enfatizando a presença de valoração na norma jurídica.

Direitos fundamentais, em sua dimensão natural, como coloca Vieira de Andrade, são absolutos, imutáveis e inerentes à qualidade da pessoa humana, e formam um núcleo restrito imposto a qualquer ordem jurídica[11]. Questão aqui analisada é que na teoria constitucional os direitos fundamentais não são simplesmente os direitos humanos transformados em direito positivo pelo Estado, apesar de, somente a partir da transposição ao direito positivo estatal passarem a ter força normativa.

Essa questão pode se iniciar com o entendimento de quais os direitos humanos são indispensáveis em determinado sistema e como passá-los a uma ordem jurídica reconhecida, com a premissa que o direito positivo constitucional não se resume às regras expressas na constituição, e sim no conjunto de normas (regras e princípios) que atuam através de uma interpretação sistêmica do texto constitucional.

O direito positivo constitucional não se resume a princípios constitucionais nem aos direitos fundamentais uma vez que esses bens jurídicos tão caros ao ser humano, e acerbados nas sociedades pós holocausto, existem fora e acima de regras positivas de determinado povo ou nação, e nelas não se esgotam, mesmo porque essas normas não possuem caráter absoluto e estão em permanente mutação.

O direito humano internacional ganha novas proporções e encontra, entre outras, a limitação do procedimento formal do constituinte, no exemplo do Brasil, pelo procedimento de emenda constitucional (art.60, CF/88), ou reconhecimento de direitos originários de pactos ou tratados internacionais (Art.5o,§3o CF/88). Essa limitação resume os direitos humanos aos direitos positivados na Constituição do Estado, o que impede, com a dinâmica necessária, o reconhecimento e a integração de direitos humanos que ainda só são reconhecidos, parcialmente, num árduo trabalho de Hermenêutica.

O que deveria definir o status de fundamental ao direito não é sua posição e previsão articulada no texto constitucional e sim o caráter substancial intrínseco que esse direito possui.

O processo de positivação dos direitos humanos fez com que surgissem as denominadas gerações ou dimensões de direitos fundamentais em nossa Constituição. Uma das críticas da denominação de gerações é que uma só consegue sua existência plena depois da morte ou cessão da outra, ou seja, o vocábulo gerações de direitos humanos causa a impressão de que a geração posterior pode aniquilar a anterior, sucedendo-lhe integralmente, o que não é valido aos direitos humanos vez que são indivisíveis e coexistentes. Nessa perspectiva então, os direitos de uma dimensão mais recente se tornam pressupostos para compreensão mais apurada das dimensões já consagradas[12]. Mas como coloca Bobbio o importante não é o nome ou a classificação que dê aos direitos, mas como efetivá-los.

A existência desses direitos reconhecidos como humanos, acontece sob a forma de um nascimento progressivo, a partir de um processo de mutação constitucional. Trata-se de sistematização de origem histórica que, do ponto de vista dogmático, pouco tem a acrescentar na teoria geral dos direitos fundamentais, a não ser pelo fato de que, através dessa multiplicidade de dimensões, pode-se justificar uma multifuncionalidade desses preceitos.

A terminologia ainda não é consenso, mas trata-se de precisões etimológicas e ontológicas do fenômeno dinâmico de identificação e conceituação dos direitos humanos. Assim dimensões são mormente entendidas como uma das facetas desses direitos, que são reconhecidas gradativamente ao longo da história, e por isso aconteceu a primeira dimensão, a segunda, a terceira e outras virão.

O professor Cançado Trindade explica que o termo ‘gerações’ é infundado tanto histórica como juridicamente pois alimenta uma visão fragmentada e atomizada do direito, visão essa já devidamente desmistificada. E acrescenta que:

“… o fenômeno que hoje testemunhamos não é o de sucessão, mas antes, de uma expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, consoante uma visão necessariamente integrada de todos os direitos humanos. As razões histórico-ideológicas da compartimentalização já há muito desapareceram[13]. …”

Classificar e enquadrar os direitos humanos numa ou em outra dimensão não é condição de existência, nem tão pouco, eficácia ou validade desses direitos. Não há hierarquia nem especialidade, assim essas dimensões só são classificações de momentos diferentes em que se reconheceram e passaram a ser defendidos aqueles direitos assim classificados e positivados na ordem constitucional. A constituição em geral, e os direitos fundamentais em específico, devem ser considerados como um todo, sempre interpretados de forma sistemática, onde não raro acontece a concorrência entre suas normas perante determinados casos concretos.

Mesmo em sendo o critério cronológico base da classificação das dimensões dos direitos fundamentais, ele não pode ser encarado de forma absoluta pois plenamente viável a integração de um direito fundamental recém-instaurado em dimensões anteriores, como por exemplo o direito de propriedade, da defesa da propriedade e da função social da propriedade privada.

Dentro dessa sistematização de direitos fundamentais em dimensões, são reconhecidas, por enquanto, quatro ou cinco dimensões dos direitos fundamentais.

Direitos de Primeira dimensão

O primeiro reconhecimento deriva das revoluções do século XVIII e a consecução de ideais jus naturalistas típicos do estado liberal: a liberdade civil, lembrando que, do ponto de vista histórico, é necessário relembrar que a primeira dimensão dos direitos fundamentais traz nada mais que a origem de todo o constitucionalismo manifestados nas grandes Declarações de direitos já referidas. Se hoje falar de direitos fundamentais que garantam a liberdade humana soa como trivial, na época em que instituídos, a realidade era um pouco distinta.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são manifestados nos direitos de liberdade cuja titularidade é voltada aos cidadãos em oposição à atuação estatal. Exige-se uma inação do Estado que garanta a consecução dos direitos por parte dos cidadãos - direitos de defesa que têm como marco preponderante um certo individualismo do cidadão em face da situação geral do Estado.

No art. 5º da nossa Constituição Federal, estão os considerados direitos de primeira dimensão, dentre outros, a liberdade de manifestação do pensamento (inc. IV), de consciência e crença (inc. VI), de expressão (inc. IX), de trabalho (inc. XIII), de locomoção (inc. XV), de reunião (inc. XVI), de associação para fins lícitos (inc. XVII).

Direitos de segunda dimensão

Os direitos de segunda dimensão são os direitos sociais, culturais, econômicos e coletivos instituídos nas mais diversas manifestações do estado social, ao contrário dos anteriores, manifestam-se de um modo geral, na obrigação do estado em agir de forma positiva e concreta contra eventuais óbices a realização desses direitos, ou seja, exigem prestações materiais por parte do órgão estatal visando conferir-lhes existência e eficácia.

São exemplos de segunda geração o – os direitos fundamentais de segunda dimensão, dentre outros, o direito à seguridade social (art. 194), envolvendo os direitos relativos à saúde (art. 196), à previdência (art. 201) e assistência social (art. 203), além dos direitos à educação (art. 205), à cultura (art. 215) e ao desporto (art. 217).

A dificuldade na efetiva realização desses direitos, reconhecidas no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, se dá pela carência ou limitação de meios e recursos estatais, gerando ainda, baixo grua de concretude e realização desses direitos.

Esses direitos de segunda dimensão estão intimamente ligados ao princípio da igualdade e muitas vezes são caracterizados como direitos de liberdade. Assim, nesse campo dos direitos fundamentais, para distinguir a primeira dimensão da segunda, o ponto crucial não é a característica liberdade encontrada em ambas as categorias, como visto.

Analisa-se simplesmente qual a natureza do direito em questão, se negativo (prevê uma abstenção estatal em prol de determinado direito) ou positivo (garante uma prestação estatal para garantir determinado direito).

Direitos de terceira dimensão

Esses direitos fundamentais de terceira dimensão exprimem a universalização dos direitos como coletivos e difusos, na proteção do gênero humano como um todo, voltando-se a sua vivência social. Como exemplo podemos citar os direitos ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade como o direito a proteção do meio ambiente (CF., art. 225), o direito ao desenvolvimento (art. 3º, II c/c art. 182), à comunicação (art. 220), à paz (art. 4º, VI).

Além da característica de inação e ação do estado outra distinção recai sobre o elemento da titularidade de cada um: enquanto os de segunda geração têm como titulares um indivíduo ou determinado grupo de indivíduos, os da terceira dimensão dos direitos fundamentais protege a humanidade como um todo indiferente de cor, raça, condição social entre outras.

Nessa linha de distinções, a terceira dimensão engloba direitos negativos e positivos (classificadas assim como 1ª e 2ª dimensões), melhor colocando, nessa 3ª dimensão de direitos o Estado tem que evitar (inação) ingerências desproporcionais, da mesma forma que agir positivamente em prol de sua efetiva realização. Nessa linha Bobbio explica que os direitos humanos não são um dado da natureza ao modo do jus naturalismo mas sim um construído jurídico historicamente voltado para o aprimoramento político da convivência coletiva.

Talvez seja por esse motivo que Bobbio classifique em apenas duas as fases de caracterização dos direitos fundamentais, chamando de ´liberdades´ os direitos que são garantidos quando o Estado não intervém e de `poderes` os direitos que exigem uma intervenção do Estado para a sua efetivação[14].

Direitos de quarta e demais dimensões

Além das três primeiras dimensões de direitos fundamentais já referidas, fala-se em uma quarta dimensão de direitos, resultado da globalização política do neoliberalismo conforme coloca Paulo Bonavides, nascidos de uma democracia direta, materialmente possível e livre de quaisquer elementos monopolizadores que afetem sua essência. Depreendem-se desse regime democrático em segundo plano os direitos à informação e ao pluralismo[15].

Assim como também seria de uma dimensão a consagração e a realização de uma sociedade pluralista, também chamada de sociedade aberta, em que um de seus principais idealizadores, Karl Popper, já colocava em sinonímia com a sociedade democrática.

Nessa classificação de gerações de direitos humanos a importância da semantica para deixar claro que as conquistas anterories não padecem para dar lugar às novas, mas sim tornam-se pressupostos para melhor entendimento e adequação às posteriores, onde as próximas têm como conteúdo as primeiras,  Willis Guerra[16], seguindo a tese de livre docência de Alexy, traz outras dimensões à tona para os direitos humanos. Entende que os direitos humanos devido à sua característica de multidimensionalidade podem ser projetados em dimensões diversas como a analítica, a empírica e a normativa.

 Willis Guerra:

“Mais importante é que os direitos gestados em uma geração, quando aparecem em uma ordem jurídica que já traz direitos da geração sucessiva, assumem uma outra dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los de forma mais adequada – e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social e, com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental”.[17]

Outras dimensões podem ser ainda reconhecidas, como por exemplo o faz o professor Paulo Bonavides, entendendo uma 4a dimensão - referente aos efeitos das pesquisas e manipulações genéticas.

Considerações Finais

Uma teoria dos direitos fundamentais é por natureza multidimensional, numa categoria de pensamento nova que não se limita às categorias de direito material ou processual. Uma categoria em constante construção, e sua cientificidade não se circunscreve a um campo próprio do conhecimento sob pena de limitação do verdadeiro alcance do sistema de direitos humanos.

Vai do público ao privado, individual, coletivo, difuso, nacional e internacional, do subjetivo ao objetivo. Uma teoria assim busca possibilitar mecanismos de efetivação dos direitos fundamentais e como já foi colocado, já advertira NORBERTO BOBBIO que: “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los…”[18] .

A questão que se coloca é filosófica, jurídica e política. Não podemos nos limitar a digressões sobre se trata apenas de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais eficaz e seguro para garanti-los contra as contínuas violações.

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Hélio de Negreiros Penteado Filho



[1] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[2] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

[3] Idem ob. cit.

[4] Bonnecase (1924, p.19 apud BOBBIO, 1961, p.82)

[5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direios Fundamentais, 2a ed., São Paulo: Malheiros, 2011.

[6] BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003

[7] GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4ª ed., São Paulo: RCS Editora, 2005.

[8] Idem.

[9] na obra ‘Commento’ de Calcidio, séc IV, filósofo pré-socrático, cristão, estudou profundamente as obras de Platão. Sua traduçao da obra “Timeu” foi dedicada ao Bispo de Córdoba Osio, foi a tradução latina anotada mais utilizado pelos intelectuais da Europa Ocidental durante a Idade Média, e aqui aparece pela primeira vez o termo “positivo” designando o direito porto pelo homem, em contraposição do direito divino, chamado na tradição grega de “direito legal” – nomikon díkaion, e o direito Natural de physikon.

[10] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Ciencia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2001. Pg.116.

[11] VIEIRA DE ANDRADE, Jose Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa, 1976. 3ª ed., Coimbra: Almedina, 2004.

[12] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais; e ainda - “A dimensão processual dos direitos fundamentais”. RP 87/167 e “Derechos fundamentales, proceso y principio de proporcionalidad”. RP 95/65-6. Cf., no mesmo sentido: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.

[13] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. Vol. 1. p 390.

[14] BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos,1909- Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

[15] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, e Teoria Constitucional da Democracia Participativa, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003.

[16] GUERRA FILHO, Willis Santiago, A dimensão Processual dos Direitos Fundamentais e da Constituição, artigo Revista de Informaçao legislative, no. 137 jan/mar,1998

[17] Guerra Filho, Willis, Santiago, A dimensão processual dos direitos fundamentais e da Constituição, artigo da revista de Infromaçaão Legislativa, Brasília a. 35 n. 137 jan./mar. 1998.

[18] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992.