Nas conversas a respeito da existência ou não de Jesus Cristo, aqueles que negam a sua existência terrena podem (como perguntam) perguntar: porque há apenas obras, livros e referências acerca dele após a sua morte? Por que durante sua vida ninguém escreveu sobre ele? Se realmente existiu, e foi quem disse ser, porque nada há escrito no tempo em que estava vivo?


Há algo que precisa ser esclarecido logo no começo:  É preciso distinguir entre o que foi escrito e o que foi preservado. O nome de Jesus foi escrito sim durante sua vida. O título na cruz é um exemplo claro disso (Mt 27.37). Provavelmente seu nome também foi escrito em outros contextos, como por exemplo quando estava sendo condenado (veja as referências em Atos e em outros lugares para como Judeus, Cristãos e autoridades romanas frequentemente usavam cartas para se comunicarem, incluindo no contexto da perseguição religiosa e dos julgamentos: At 9.1-2, 15.22-30, 23.25-33). Lucas também faz referência de “Muitos” relatos de Jesus que circulavam antes do seu escrito (Lc 1.1-2). Mesmo se Marcos e Mateus estivessem entre esses relatos, apenas esses dois não justificariam um termo como “Muitos”. O teólogo Richard Bauckham comenta sobre: “tais escritos (como os antigos rabinos usavam) estavam em uso bastante difundido no mundo antigo (2 Tm 4.13 faz referência aos pergaminhos carregados por Paulo em suas viagens). Parece mais provável do que o contrário que os primeiros cristãos usaram esses escritos.”.[1] Na verdade, muito provavelmente, existia um número muito maior de documentos que discutiam acerca de Jesus na primeira metade do século primeiro do que hoje. É provável que alguns datados no período em que Jesus viveu.

Quanto à contemporaneidade de alguns, que vivendo no mesmo tempo de Jesus não se referiram a Ele em seus escritos; não há motivos para esperar que alguém como Filo de Alexandria, vivendo no Egito, mencionasse alguém como Jesus (ou Gamaliel, João o Batista, Paulo) apenas porque ele era um contemporâneo de Cristo e destes citados acima. Para mencionar alguém que seja contemporâneo a você, alguns critérios precisam ser considerados como: os assuntos sobre que se está escrevendo; os interesses do público-alvo; e o achar que outras obras tem discutido a figura em questão de forma adequada (no caso de ser sobre uma pessoa).

Outra que precisa ser lembrada é que as pessoas muitas vezes negligenciam deliberadamente um assunto, ao ponto de ignorá-lo, com o fim de mostrar desprezo ou para algum outro propósito. Craig Keener comenta sobre isso: “Sem repercussão política imediata, não é surpresa que o mais antigo movimento de Jesus não surgisse rapidamente ao alcance dos historiadores de Roma; mesmo Herodes o Grande encontrou pouco espaço em Dião Cássio (49.22.6; 54.9.3). Josefo felizmente compara a negligência de Herodoto da Judeia (Apion 1.60-65) com sua negligência de Roma (Apion 1.66). [2]
Jesus não tornou-se uma figura proeminente até pouco tempo depois de sua morte, graças a eventos como a sua crucificação; os relatos da sua ressurreição; a conversão de antigos opositores, como seus irmãos; a conversão de Saulo de Tarso e a expansão da igreja.

Outro fato importante: um relato escrito sobre Jesus um ano antes de sua morte seria significantemente incompleto se comparado com um escrito um ano após, e ainda mais se comparado a um escrito cinco anos depois. Um exemplo que mostra que isso é algo verídico é pensarmos em uma pessoa que deseja adquirir uma biografia sobre, por exemplo, Ronald Reagan, nos dias de hoje. Se essa pessoa quisesse a biografia mais completa disponível, ela iria preferir uma escrita dez anos após a sua morte do que uma escrita trinta anos antes do seu óbito. A biografia mais recente tende a ser mais completa, a ter mais detalhes.

Os primeiros oponentes do Cristianismo colaboraram muito para os primeiros Cristãos com informações sobre Jesus. Dentre essas informações estavam seu local de nascimento; a realização de aparentes milagres por parte dele; e a tumba vazia.

Os cristãos, que no começo eram em menor número e culturalmente mais fracos em relação aos romanos e aos judeus, teriam focado em preservar seus próprios documentos. Eles não tiveram tanto acesso aos documentos dos que não eram cristãos quanto os próprios não cristãos, donos dos documentos tiveram; e eles não foram os principais responsáveis pela preservação desses documentos.
Quando os primeiros cristãos estavam escolhendo quais documentos seriam preservados, eles tiveram boas razões, como as que foram elencadas acima, para preservar aqueles escritos depois da morte de Jesus, ao invés de os escritos durante sua vida.

Mas será que os primeiros Cristãos não tiveram o interesse em preservar ao menos alguns relatos de Jesus que eram contemporâneos à sua vida na Terra? Mesmo se os que não eram cristãos não quisessem preservar tais documentos (por causa dos fatos acerca de Jesus favorecerem ao Cristianismo), porque os seguidores de Cristo não preservaram ao menos algum material relevante? A resposta é: provavelmente eles fizeram isso. Muitas fontes usadas por Lucas na abertura do seu Evangelho podem ter sido contemporâneas à vida de Cristo. Fontes mais recentes, como Justino Mártir e Orígenes, mostram uma corroboração interessante dos não Cristãos ao Cristianismo (por exemplo, a citação de Justino de um documento judaico ou de uma tradição a respeito de Jesus na seção 108 da sua obra Diálogo com Trifão). Mas os Cristãos que fizeram um esforço para preservar tais materiais provavelmente eram poucos e estavam distantes entre si.

Isso é o que acontece normalmente com as pessoas em geral, cristãs e não cristãs, em todas as gerações. A maioria das pessoas não tem tanto interesse em preservar grandes quantidades de evidências sobre longos períodos (como há dois mil anos). A maioria dos Cristãos ficou satisfeita com o tipo de material que vemos no Novo Testamento, o que inclui o testemunho das testemunhas oculares e dos ex-adversários do Cristianismo (por exemplo: Tiago e Paulo). De modo similar, seria muito bom se as informações que tivéssemos sobre a vida dos antigos filósofos não Cristãos e líderes políticos viesse de um grande número de pessoas contemporâneas e de testemunhas oculares; ou se mais monumentos e outros objetos pertencentes a suas vidas tivessem sido preservados. Porém, isso não aconteceu.
Muitos de nós gostaríamos de ter preservado várias evidências além das que temos hoje ao longo dos anos. Entretanto, outras ficariam satisfeitas com as que temos hoje (ainda que não muitas). E mesmo os que tivessem o desejo de preservar, não poderiam fazer isso por um período de dois mil anos.  Isso é fato tanto para a história antiga em geral, quanto para o Cristianismo.

Durante as primeiras gerações de cristãos, houve uma menor necessidade de preservar os documentos existentes na época, pois muitos fatos acerca de Jesus podiam ser verificados através do testemunho oral das pessoas vivas na época. A preservação das fontes escritas tornou-se importante anos mais tarde (visto que as pessoas que testemunharam pessoalmente os feitos de Jesus já estavam mortas).

O ceticismo que vemos hoje referente à pessoa de Jesus e seus atos realizados na Terra não era tão comum nos primeiros anos após sua morte e ressurreição, a ponto de negarem a sua existência. Porém tal ceticismo não se deve a insuficiência de evidências.  É importante lembrar das epístolas escritas por Paulo. Nelas, temos o testemunho de alguém que fora contemporâneo das testemunhas oculares de Jesus; que conhecia alguns membros da família de Cristo; que era um inimigo ferrenho dos cristãos, mas que após uma suposta aparição de Jesus ressurreto, mudou seu comportamento e sua vida, passando a ser um árduo pregador do Evangelho; temos ainda alguém que preservou um material de sua época a respeito da fé cristã (o credo citado em 1 Coríntios 15) e que mostrava como certos acontecimentos eram o cumprimento de profecias do Antigo Testamento.

Acredito ter ficado claro que houve sim documentos e obras escritas sobre Jesus enquanto ele esteve sobre a Terra; com a ressalva de que esses escritos não foram preservados; o que difere muito de nada ter sido escrito durante sua vida aqui neste plano.

Referências

[1] Jesus And The Eyewitnesses [Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2006], 288

[2] Craig Keener, A Commentary On The Gospel Of Matthew [Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1999], n. 205 on 64