É até contrasensual em um país que pouco lê falar de leitura e porque ela é tão importante. Mas o objetivo não é só falar para um público pequeno e barroco ou no modismo “Cult” de leitura ou de sagas inspirando filmes (que é chique se ter o livro depois de acompanhar todos os filmes) e sim trazer cada vez mais “leitores” e cada vez pessoas que se apaixonem por esta atividade sem ter nenhum objetivo extra (estudos, pesquisas, trabalho, passatempo e assim por diante).

Para início de conversa ler não é simplesmente abrir um livro e sair repetindo as palavras conhecidas e juntando na cabeça criando uma pseudo história que se reproduz por aí. Isso eu aprendi com grades professores e amigos que tive e tenho. Isso acontece muito, infelizmente, em larga escala, com escritos ditos formadores de opinião: Karl Marx (e o esquecido Engels), Nietzsche entre outros ou com literatos também, por algum descaso da vida, tornados Cult: no Brasil temos o exemplo de Machado de Assis, Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu entre outros. Esse fenômeno de pessoas nos metrôs, coletivos, sentados no chão em horário de aula nas Universidades e outros lugares mais exóticos não quer dizer um letramento do Brasil, mas somente que tem mais pessoas sobrevoando as páginas e repetindo discursos superficiais sobre o que lê.

Por que se pode ter tanta certeza disso? Os exemplos nos dão esta triste evidência. Quem abre o Anticristo de Nietzsche e sai por aí vociferando contra igrejas e chutando imagens; criando cismas contra tudo e todos e condenando e estúpido quem não viu “a verdade contida naquele livro”. Mas as próprias páginas do livro, apesar de caber várias interpretações como todo bom livro, não admite essa lamúria anti-religiosa que se apregoa até porque o objetivo nietzschiano não é uma religião atéia, mas um diagnóstico seguido de um prognóstico da cultura dos tempos no qual vivia. O Anticristo é só parte deste plano e desta execução do plano.

Eu poderia citar vários outros exemplos com uma fila imensa de outros pensadores aqui, mas faltaria espaço e faltaria paciência do leitor e da leitora com tamanhas sandices e disparates.

Então, voltando ao tema, o grande perigo de se confundir ler um livro com mantê-lo aberto à frente dos olhos é enorme. E é justamente por causa deste perigo e é justamente por causa disto que faz com pessoas sejam mal ou nada informadas. Faz com que pessoas criem interpretações ou opiniões erradas que o Brasil sofre com posturas erradas e alto índice, e isto é bastante preocupante, de iletramento e incapacidade gritante de conseguir interpretar um texto por ter, para início de conversa, um problema crônico para poder assimilar o conceito de “interpretar” que de forma alguma é relativista e tampouco dar a sua opinião. Basta olhar para as deformadas redações de vestibulares e basta ver a escrita pífia e muitas dessas formas horrendas de escrever são de forma parcial por não saber ser diferente; em veículos de comunicação como jornais e revistas ou sites eletrônicos.

Abrir um jornal e tentar ler as notícias ou mesmo assistir a um telejornal com o intuito de se informar virou tortura. O que menos se vê é informação. O que menos se tem é qualidade naquilo que se diz e até mesmo a imparcialidade e a neutralidade, mitos humanos, pois ninguém consegue manter um padrão de isenção e irresponsabilidade daquilo que faz por mais de um segundo, são jogados no lixo cada vez que uma notícia pró isso ou pró aquilo é divulgada ou é lida com empenho.

O resultado disso tudo? Escreve-se mal porque ninguém parece disposto a ler, ou quase ninguém se dispõe a sentar e aprender a ler um texto. Machado de Assis é um exemplo extremamente didático de ensino de leitura. Por ele você pode aprender a ler não só o livro em si, mas alguns comentários e notícias contidos no livro e crianças que possuem o acesso a Machado de Assis progridem muito mais e o país que tende economicamente e socialmente a crescer o faz de vez com a injeção de pessoas letradas.

Mas as escolas brasileiras (e nesse caso públicas, mas também as particulares e particulares ligadas a instituições religiosas) não se importam em letrar, mas em alfabetizar os seus alunos. Uma vez alfabetizados, ou seja, uma vez ele tendo capacidade para ler, ou estando apto para tal ele é jogado em segundos graus que despejam conteúdos inúteis e pouquíssimos aproveitáveis na vida e aprendem o caminho mágico das cópias, dos sites e, principalmente, do control c e do control v e parece que num passe de mágica quem teria como segundo passo ler definitivamente tem o processo brecado por conta de uma pedagogia que não pedagógica em várias escolas. É uma situação lamentável e alarmante, mas comprovável em qualquer plano de aula (quando existem), em qualquer colégio e até mesmo faculdade. As pessoas tornam-se mais burras (no sentido apontado pelo Professor Ghiraldelli Jr. Num dos aforismos finais do texto de Adorno/ Horkheimer sobre a burrice como fixidez, parada, estacionar) na medida em que ganham graus nas costas porque são incapazes de sair de seus poleiros e de cantar de galo em outra freguesia. E grande parte disso é justamente devida a ninguém nem ensinar e outros não aprenderem (como se aprende sem ensino?).

O grau de comprometimento da leitura no Brasil é tão grande que muitas pessoas, em relação à Política, sequer sabem o que é se posicionar num lugar de centro-esquerda ou social-democracia. Temos no Brasil, penso ser o único lugar do mundo, em que pensamentos, ao menos na forma teórica, de mesmo calibre são tratados como opostos por meros detalhes. Se o PSDB é partido de social democracia, os governos petistas não estão em nada longe disso! Onde está, então, oposição e situação? Esse par móvel que penso ser também trauma de leitura bipolar político. Onde está a grande diferença, na última campanha eleitoral que acompanhamos, quer dizer, que alguns acompanharam? De um lado via-se a promessa de continuidade e políticas sociais como o carro chefe para se chegar num plano maior. Do outro lado a mesma coisa com ajustes e aquele grande problema de engolir que é a privatização e a terceirização de setores antigamente intactos. Imaginem a Previdência Social privatizada? Mas o teor dos discursos, é claro que com objetos eleitoreiros, era rigorosamente o mesmo. Em campanhas nos EUA onde a política tem diferenças bem mais acentuadas e os partidos são bem mais identificáveis houve campanhas onde não se sabia quem era republicano e quem era democrata na fala. Isto é, o mal de ler mal não é sintoma de classe social! O mal de ler mal é um sintoma geral. E ampliando o ler para o interpretar situações cotidianas e corriqueiras da vida essa coisa piora bastante. Em relacionamentos alguém tem que decodificar o outro e mesmo assim tem lugares que a senha não é permitida. Em casos familiares idem. Entre amigos e pessoas que convivem diariamente como no trabalho da mesma forma e tudo isso por um único motivo: a falta de ter aprendido a ler as situações, os textos, a vida, os problemas de um prisma mais aberto e por uma perspectiva que não anule possibilidades sem ser relativista. Ler-se tudo muito mal e muitas vezes nós mesmos (eu e alguns de nós leitores e leitoras que nos achamos vacinados contra esse mal por nossos esforços) estamos expostos a isso e cometemos erros crassos ou grassos (escorregadios) e isso não dá para ser permitido, ou mesmo, tem que ser prevenido.

Portanto senhoras e senhores a grande preocupação que tenho agora, a partir deste parágrafo, é que o escrito acima seja lido copiosa e lentamente para que vocês não incorram em pensar que critico algo ou alguém e por cima que falo de algo que não ocorre. A leitura é fundamental em qualquer país diante desse boom da tecnologia (que se vocês não perceberam não só adquiriram a capacidade de conversar e entender o que lêem, mas também de influenciar em nós que lhe somos cada vez mais reféns, e não estou num tom de ficção científica), da informação e ainda mais da ilusão de que tudo é instantâneo e sabemos de coisas antes de acontecer. Alguém morre e em horas sabemos a causa e porque além de já se ter uma biografia, uma história oculta com imagens e vídeos de tudo.

Leiam, mas, por favor, leiam com cuidado, pois ler não é só passar os olhos e saber as combinações de cor, tem que entender porque a palavra leitura essencial está escrita exatamente aqui. Não acham?

 

 

Eustáquio José.