Comenta-se muito a questão do déficit no sistema previdenciário brasileiro, considerando um rombo assustador de 2,7 bilhões ao mês.  Sobre isso é necessário analisar a forma como esse déficit é calculado, o qual me parece, bastante equivocado. A primeira premissa é considerar o déficit totalizando a previdência dos trabalhadores do setor privado, os trabalhadores do setor público (uma elite privilegiada) e os trabalhadores abrangidos pelos programas sociais.

A previdência dos trabalhadores do setor privado, criada ainda nos anos 30 do século passado, foi vítima da péssima administração dos seus recursos pelo Estado, que utilizava os recursos, cotidianamente, para cobrir rombos do tesouro, implantar programas de habitação, cujos imóveis, na sua maioria, foram ocupados ilegalmente e não houve ressarcimento pelos moradores e foram considerados como fundos perdidos. Houve também aplicação em imóveis comerciais, alguns ainda hoje ocupados ilegalmente sem pagamento de aluguéis. O tesouro nacional, por sua vez, não cobriu o prejuízo gerado por decisões incompetentes dos nossos governantes.

Os programas de inclusão social para os trabalhadores do setor agropecuário e idosos com mais de 60 anos - em que pesem a sua importância do ponto de vista da inclusão - que nunca contribuíram para a previdência, tiveram os seus custos também debitados à previdência social, aumentando o seu rombo.

Outro fator que passa despercebido pelo público em geral, foi a unificação da assistência médica à previdência social. Com isso, as despesas de cunho social com o acesso universal à saúde, em tese uma obrigação do Estado, passou a ser debitada na conta do sistema previdenciário, aumentando o chamado rombo.

Com relação a previdência do setor público, há aí uma falácia com relação ao seu déficit, pois os governos nunca fizeram a contribuição de sua parte, como durante toda a existência do Estado brasileiro (1822), os trabalhadores do setor público nunca contribuíram para a sua aposentadoria. A rigor a previdência do setor público nunca poderia ser considerada como um déficit, mas uma despesa, sempre crescente do Estado, já que nunca houve uma provisão para os desembolsos.

Nas gestões FHC e Lula, foram feitas algumas reformas, ainda insuficientes para a equalização do problema, como a contribuição dos funcionários públicos e limite para os valores pagos como aposentadoria, aumento do limite de idade para a aposentadoria etc. Entretanto, os efeitos dessas medidas somente aparecerão dentro de um prazo de trinta a quarenta anos quando todos os servidores estarão dentro das novas regras.

Essa abordagem se aplica também aos programas sociais como os trabalhadores agrícolas e idosos, cujas despesas deveriam ser contabilizadas como programas sociais e não na Previdência, pois não há contrapartida de contribuição por parte dos trabalhadores aposentados. Não se discute aqui esse direito de natureza social, mas a sua forma de contabilização.

A lei proíbe que a previdência social aplique os seus recursos, o que faz com que percam o valor em razão da inflação, como o fazem os planos de previdência privada.  Como se trata de um recurso privado (contribuições de empresas e trabalhadores), deveriam ser aplicados, pelo menos, em títulos do tesouro, uma aplicação conservadora, mas que evitaria que fossem desvalorizados pela inflação.

Assim, se considerarmos que o Estado deveria ressarcir a previdência do setor privado pelos rombos, aplicações indevidas em habitações, saneamento etc, despesas com programas sociais, e a aplicação em títulos do tesouro para os recursos provisionados, não haveria déficit, mesmo considerando as empresas que sonegam o pagamento de sua parte e se apropriam das contribuições dos trabalhadores. Para esse caso, deveria ter uma fiscalização mais atuante para evitar que a sonegação e apropriação indevida cheguem a níveis impagáveis como ocorre na maioria das vezes.

Além disso, há ainda a questão demográfica em que a expectativa de vida vem aumentando consideravelmente em razão do acesso universal a saúde e o desenvolvimento tecnológico. Pode-se dizer que em média, as pessoas viverão mais tempo aposentadas do que trabalhando, levando em conta que um indivíduo que se aposenta com 50 anos, pode viver até os 90 anos. Outro problema de natureza demográfica é a redução da taxa de natalidade que na época da elaboração sistema previdenciário era de seis filhos por mulher em idade fértil. Hoje a taxa está em torno de dois filhos na média nacional. Considerando que essa média é inflada pelas regiões Norte e Nordeste e a maioria dos trabalhadores com registro em carteira estão nas regiões Sul e Sudeste, cujas taxas de natalidade estão bem abaixo do nível de reposição, surge a pergunta embaraçosa: Quem sustentará os aposentados? É um problema que vamos deixar para as próximas gerações resolverem, infelizmente.