Ponderações acerca da patrimonialidade do arresto executivo e sua conversão em penhora na execução por quantia certa de título extrajudicial contra devedor solvente[1]

 

Ingra Fernandes Costa

 Karina Rocha Mousinho[2]

Christian Barros Pinto[3]

 

Sumário: Introdução; 1 O instituto do arresto executivo; 1.1 Divergências entre arresto executivo e arresto cautelar; 1.2 A natureza jurídica do arresto executivo.; 2 A patrimonialidade e a proteção ao crédito; 2.1 Os efeitos da penhora e a pré-penhora 2.2 A patrimonialidade incidente no instituto da penhora online; 3 A fraude e a alienação do bem arrestado. Considerações Finais; Referências.

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar e estabelecer bases para a compreensão acerca do que ocorre com a execução diante da não localização do devedor para citação: arresto executivo, bem como de que forma esta solução é assimilada pelo CPC. Para isso, parte-se da duvida sobre ter este arresto igual ou diverso tratamento da penhora. No primeiro momento é feita a conceituação do arresto, sua natureza jurídica e as primeiras divergências existentes. Após, a responsabilidade patrimonial é levantada como principal objetivo da execução, logo do arresto executivo também, avaliando sua existência na penhora online. Por fim, é analisada a existencia da fraude quando da existência da pré-penhora.    

Palavras-chave: arresto executivo; pré-penhora; patrimonialidade; execução; título extrajudicial.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei nº 11.232/05, que alterou a execução no que diz respeito aos títulos judiciais, a medida do arresto passou a atuar somente na execução por quantia certa contra devedor solvente, ou seja, somente na execução lastreada em título executivo extrajudicial. Esta lei elimina o processo de execução de título executivo judicial como instrumento autônomo, passando este a existir como fase após a sentença. Portanto não cabe a citação do devedor para pagar ou nomear bens a penhora, logo esta modalidade se encaixa apenas nos títulos executivos extrajudiciais.

O procedimento da demanda executiva, nos casos em que se opera processo autônomo, há a necessidade da materialização através de instrumento por escrito: petição inicial. Através dela o executado será citado para pagar a dívida no prazo de 3 dias, conforme alteração pela lei 11.382/2006.

O Código de Processo Civil de 1973 inovou de forma coerente ao prever a possibilidade de, não sendo encontrado o devedor depois de procurado para ser citado, mas possuindo bens passíveis de responderem pelo débito, autorizar o oficial de justiça a arrestar seus bens para garantir a dívida. Os artigos 652, 653 e 654 do CPC disciplinam o chamado arresto no processo de execução (também conhecido como pré-penhora).

Além da conceituação do procedimento que configura uma exceção ao processo de execução, bem como da diferenciação do arresto executivo do arresto cautelar, serão expostos também os conflitos doutrinários e jurisprudenciais acerca da pré-penhora e até que ponto esta pode ser equiparada à penhora, além da análise sobre a nova modalidade de arresto, qual seja, o arresto online. Tudo isso sob a luz do princípio da patrimonialidade e da máxima utilidade da execução.

1 O INSTITUTO DO ARRESTO EXECUTIVO

A lei 11.382/2006 alterou o Código Civil no que diz respeito ao processo de execução. Assim, conforme prevê a atual disposição:

Art. 652.  O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.

(...)

Art. 653.  O oficial de justiça, não encontrando o devedor, arrestar-lhe-á tantos bens quantos bastem para garantir a execução.

 Parágrafo único.  Nos 10 (dez) dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de justiça procurará o devedor três vezes em dias distintos; não o encontrando, certificará o ocorrido.

O arresto consiste na apreensão judicial dos bens do patrimônio do devedor através do oficial de justiça, sem a necessidade de ordem judicial. Conforme dispõe o artigo 654 do CPC, durante esse prazo de 10 dias deverá o oficial de justiça requerer a citação por edital do devedor. Findo o prazo do edital, restará ao devedor o prazo de 3 dias do 652 CPC para pagar e, em caso de não pagamento, será convertido arresto em penhora, “com a posterior intimação do executado, nos termos do art. 652 §4º do CPC, que poderá ser dispensada quando já constar do edital” (NEVES, 2013, p. 1011).

A doutrina apresenta opiniões diferentes quanto à natureza do arresto executivo.

1.1  Divergências entre arresto executivo e arresto cautelar

 

Conforme explica Didier, embora o dispositivo fale em arresto este não pode ser confundido com o arresto cautelar dos artigos 813 e 814 CPC. Dessa forma, não exige-se para o arresto executivo, a caracterização da situação de perigo de insolvência. Para a concessão do arresto cautelar, deve ser observada a existência do fumus boni iuris e periculum in mora. Já para a concessão do arresto executivo, apenas a verificação da ausência do devedor, podendo esta ser de boa-fé ou de má-fé, bem como a localização de seu patrimônio.

Deve ser analisado também, o fato de que o arresto cautelar depende de decisão judicial, enquanto o arresto executivo é medida ex officio. (NEVES, 2013).

1.2  A natureza jurídica do arresto executivo

Apesar das divergências apontadas pelos doutrinadores acerca do arresto cautelar e do arresto executivo, a doutrina não é unanime no que diz respeito à natureza jurídica deste ultimo arresto. Isso acontece, pois, conforme foi descrito no item acima, a corrente majoritária acredita que o arresto executivo não pode ser comparado ao arresto cautelar, previsto no artigo 813 CPC, correspondendo assim a uma medida executiva, uma vez que também é conhecido como pré-penhora, ou seja, nada mais é do que uma antecipação dos efeitos da penhora, ocorrendo na ação executiva em curso.

Compartilha deste entendimento Araken de Assis, quando caracteriza a natureza executiva como inversão da ordem natural, porque coloca antes da citação do devedor a apreensão de seus bens (ASSIS, 2000, apud DIDIER, 2012), fato este que não ocorre no arresto cautelar. Contudo, existe uma parte minoritária da doutrina (VIEIRA, 2010. p. 93) que acredita ter o arresto executivo uma natureza jurídica cautelar. Dentre os que têm esse posicionamento está Pontes de Miranda. Embora afirme que o arresto de que se fala não se confunde com medida cautelar típica do arresto, acredita que há uma cautelaridade da medida, que se insere nos artigos 813 a 821 CPC, mas é incidental. Não acredita ser medida executiva, uma vez que após as diligências do art. 653 do CPC, se converte em penhora, logo não é possível converter o que já é. (MIRANDA, 2002, p. 167).

Para ele, deverá obedecer aos mesmos requisitos do art. 813 do CPC, sendo diferenciado apenas pela forma que se desenvolve no processo executivo, não necessitando de processo cautelar próprio. (VIEIRA, 2010. p. 93). Portanto, para essa parte da doutrina, somente após a conversão do arresto em penhora é que a medida acautelatória passa a ser medida executiva. Também entende dessa maneira Barbosa Moreira:

O arresto por si é modalidade de caráter cautelar, que responde pela dívida, pondo-o a salvo de desvios, ocultações, dilapidações, de modo que fique resguardado e destinado, desde logo, a servir de objeto à atividade propriamente executiva. (MOREIRA, 2003 apud VIEIRA, 2010).

Por fim, existem ainda alguns doutrinadores, como Galeno Lacerda, que acreditam ter o arresto executivo uma figura mista, ou seja, é simultaneamente cautelar e executiva. Assim justifica ser cautelar, uma vez que evita eventual má-fé do devedor, que fugindo possa prejudicar o direito do credor, executiva porque no mandado judicial já se contém a ordem da conversão do arresto em penhora, “o que dá a medida o caráter também de pré-constituição executiva” (LACERDA apud RODRIGUES, 2002). 

2 A PATRIMONIALIDADE E A PROTEÇÃO AO CRÉDITO

Após uma apreciação conceitual acerca do tema objeto deste artigo científico, no qual corresponde à uma exceção ao tramite do processo executivo, parte-se para uma abordagem mais analítica.

Conforme sintetiza Didier (e acreditando ter o arresto natureza jurídica diversa da cautelar, conforme entendimento majoritário), não se exige caracterização da situação do perigo de insolvência, como já fora descrito anteriormente.

 Sendo assim, é suficiente, para tanto, que: (i) O devedor não seja encontrado, como já se viu, pouco importando se não foi localizado por esquivar-se intencionalmente à citação ou por força tão-somente das circunstâncias; e (ii) o oficial de justiça constate a existência de bens penoráveis.  (DIDIER, 2012, p. 516).

Logo, bastando não encontrar o devedor e sabendo que este tem bens penhoráveis, caberá o arresto executivo. Com isso, através de uma análise principiológica, percebe-se a evidência ao princípio da patrimonialidade, na qual consiste em o devedor responder através de seus bens sobre o que deve; e isso ocorre “sem a exigência em provar o perigo de ineficácia do resultado do processo” (NEVES, 2013,p. 1010).

É importante essa abordagem, uma vez que para uma melhor elaboração por parte do legislador das normas, bem como para uma melhor interpretação e aplicação destas pelo operador do direito, os princípios são fundamentais, pois eles determinam de que forma os processos devem ser conduzidos, bem como de que forma as situações práticas devem ser resolvidas. Especificamente abordando os princípios do processo executivo, e no que tangem o arresto executivo, como já foi falado, existe um destaque à responsabilidade patrimonial.

Diferentemente do que acontecia em tempos antigos, como no direito romano, atualmente, com a “humanização do direito” (DIDIER, 2012, p.52) submete-se à execução apenas o patrimônio do devedor e não à sua pessoa. Mesmo a execução indireta, como a prisão civil em casos de não pagamento de alimentos, é mera medida de pressão psicológica, não configurando forma de satisfação de direito (NEVES, 2013, p. 821).

Assim, em conformidade com o principio da máxima utilidade, na qual prevê não apenas prejudicar o devedor, mas sim trazer alguma utilidade prática que beneficie o exequente, avigora-se a função principal do arresto executivo, qual seja que “ao credor deve-se garantir tudo aquilo que ele tem direito, de sorte que, tendo direito à execução específica, deve-se promovê-la para que se alcance exatamente aquilo a que tem o credor direito” (DIDIER, 2012, p.53).

De acordo com o CPC o oficial de justiça, diante de uma certeza de título executivo devido à um credor, recebe mandado para citar e penhorar, e então, não encontrando o devedor, não deverá deixar de buscar e promover o cumprimento da obrigação, logo, procederá o arresto via BACENJUD do patrimônio do devedor. Entende Araken de Assim ao defender a sua executividade, que a “pré-penhora reserva direito de preferência no instante em que se efetiva, eficácia esta que obriga ao comprometimento dos bens do executado antecipadamente à própria conversão em penhora”. (ASSIS apud VIEIRA, 2010 p. 94).

Já o professor Arruda Alvim entende que existem certos atos que, conquanto não sejam propriamente penhora, operam efeitos de penhora (ALVIM, 1978). Portanto, sendo ou não medida executiva entende-se que a pré-penhora tem o poder de resguardar o direito do credor de receber o que lhe é devido, segurança esta garantida através do patrimônio do devedor.

Outro fato levantado por alguns doutrinadores com relevante observação, apesar de não ser foco deste artigo, cabe ser pontuado diante da análise dos requisitos descritos para a existência do arresto executivo, bem como da falta de necessidade da comprovação de fumus boni iuris e periculum in mora. Apesar da execução contar com alguns princípios que garantem proteção ao devedor, como o princípio da menor onerosidade da execução, proporcionalidade, adequação, dentre outros, para que a obrigação seja definitivamente cumprida, conforme já foi explicado ser o objetivo do arresto, as garantias do devedor são questionáveis diante da segurança ao credor.

TJSP -  Agravo de Instrumento AI 5873355420108260000 SP 0587335-5...

Ementa: EXECUÇÃO Arresto no rosto dos autos Existindo penhora judicial no rosto dos autos ( CPC , art. 674 ) ou arresto incidental ou executivo, inclusive designado de pré-penhora ( CPC , art. 653 ), ante as previsões legais de conversão de arresto em penhora ( CPC , art. 654 ), configura violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (...)

 Segue jurisprudência exemplificativa:

É inviável, sem que haja certidão do Oficial de Justiça de que o executado se encontra em local incerto ou não sabido, deferir o arresto de dinheiro pelo sistema BACEN-JUD, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, insculpidos nos incisos LIV e LV do art.  da Constituição Federal" (AI n. , rel. Des. Jaime Ramos, j. 22.10.10).

Pode ser percebido que é entendimento de alguns doutrinadores e aplicadores do direito que a comprovação, pelo oficial de justiça, da não localização do devedor já é suficiente para que seja deferido o arresto, entendendo como cumprido assim o princípio do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Conforme explica Didier, o princípio  do contraditório decorre do devido processo legal, “extraindo a necessidade de dar ciência as partes dos autos a) a serem realizados no processos e decisões ali proferias e b) necessidade de conferir oportunidade à parte de contribuir com o convencimento do juiz” (DIDIER, 2012, p. 54). Uma vez que afeta diretamente o patrimônio do devedor, e entendida ser essa medida executiva, há quem acredite que tal fato não ocorre. Apesar disso, quem defende contraria tese, entende, conforme citado no artigo do advogado Rodrigo Barros que:

Desnecessária a prévia citação para adoção de medida urgente, ainda que a título de arresto, conforme precedentes da Câmara, pois uma das finalidades da providência é justamente evitar que os executados ocultem valores existentes em suas contas bancárias, ao tomar conhecimento da execução". Daí porque, no seu entendimento, "há, pois, campo para deferimento do pedido de bloqueio on line, até o limite do débito, independentemente de citação, para arresto de valores.( AI 990.09.301560-9 – 22ª Câmara de Direito Privado, relator o E. Desembargador Matheus Fontes).

  Os direitos garantidos ao devedor, como o de requerer substituição dos bens penhorados (Art. 834/CF) são devidamente garantidos após a conversão em penhora, porém este é um tema que enseja outro artigo científico a fim de que seja debatido.

2.1  Os efeitos da penhora e a pré-penhora

 

Equiparar os efeitos da pré-penhora aos efeitos da penhora não é algo simples. Esse tema foi e continua sendo motivo de debate doutrinário. Como foi anteriormente abordado, sendo considerada medida executiva ou cautelar, conforme entendimento doutrinário, objetivará o cumprimento eficaz da execução, fazendo com que o exequente receba o que lhe é devido, invadindo assim o patrimônio do devedor. Contudo, uma vez equiparados os efeitos da pré-penhora e penhora, conforme opinião majoritária, o princípio da patrimonialidade é ainda mais evidenciado.

Para melhor esclarecimento, uma questão hipotética foi levantada por alguns doutrinadores e tema de grandes discussões: “Quem deve prevalecer: Uma penhora realizada diretamente em segundo lugar ou um arresto convertido em penhora antes da efetivação daquela?” (ALVIM NETO, José Manoel de Arruda et al., p. 1978)

De forma unanime (apesar de inicialmente em dúvida o professor Galeno Lacerda), todos os doutrinadores acreditaram ter o credor que primeiro requereu a penhora e, não sendo o autor encontrado, resoltou em arresto executivo, em detrimento de outro credor posteriormente conseguir a penhora normal, mediante citação do executado. Todas as fundamentações surgiram da função executiva que esse arresto exerce, já debatida em item anterior. (ALVIM NETO, José Manoel de Arruda et al. 1978). Arruda Alvim aproveita para citar o artigo 711 do CPC que diz:

Art. 711.  Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.

Não fala o que penhorou, mas sim o que promoveu a execução, logo o arrestante, configurando assim o seu direito de preferência.  Esse também é entendimento jurisprudencial:

PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - CONCURSO DE CREDORES - DIREITO DE PREFERÊNCIA - ARRESTO (ART. 653 DO CPC) - REGISTRO -POSTERIOR PENHORA SOBRE O IMÓVEL - PREVALÊNCIA DA DATA DO ARRESTO - RECURSO PROVIDO. INTIMAÇÃO, ARRESTO CARACTERIZAÇÃO, INÉRCIA, RECORRENTE. - Interpretando-se sistematicamente a legislação processual civil, indiscutível a equiparação do arresto incidental ou executivo (art.653 do CPC) à penhora, para fins de preferência na percepção creditícia em concurso de credores, haja vista a natureza constritiva do ato, inclusive designado de "pré-penhora", vez que meramente antecipatório da penhora em hipóteses nas quais não localizado o devedor; ou seja, trata-se de atos processuais de idêntico fim, decorrendo mesmo automaticamente a conversão do arresto em penhora em não se verificando o pagamento pelo executado, nos termos do art. 654 do CPC.

É entendimento comum da doutrina que a função da penhora é fixar a responsabilidade patrimonial sobre os bens por ela abrangidos. “A penhora segrega bens do patrimônio do devedor, destinando-os sobre à expropriação” (VERDE apud DIDIER, 2012. p. 543) . Conceito reforçado por Didier, ao citar diversos doutrinadores, como Pontes de Miranda, Araken de Assis, Liebman e Humberto Theodoro Jr.

Isso não significa a perda do domínio ou posse do devedor em relação aos mesmos bens. Os direitos do executado sobre os bens penhorados permanecem intactos, mas, em razão do vínculo processual que os afeta à execução, qualquer ato de disposição será ineficaz em relação ao credor exequente (DIDIER, 2012, p. 543).

Portanto, mais uma vez a patrimonialidade se faz presente, quando reforça-se e equipara-se o arresto executivo/ pré-penhora à penhora. Galeno Lacerda afirma que o CPC “procura prestigiar a boa fé”. Assim, pode acontecer de o devedor se ocultar maliciosamente para depois, em convivência com um segundo credor, receber a citação na segunda ação de execução, facilitando a preferência ao segundo credor, configurando processo altamente fraudulento. (ALVIM NETO, José Manoel de Arruda et al. 1978).

2.2 A patrimonialidade incidente no instituto da penhora online.

As pesquisas sobre o mecanismo do arresto online mostraram que este é pouco utilizado pelos magistrados e, além disso, é causador de bastante polêmica jurisprudencial nos tribunais brasileiros, ao tratar especificamente em arresto de dinheiro. Já que a pré-penhora visa a garantia do bem para uma futura penhora, alguns doutrinadores não encontram problema nessa prática. Esse é entendimento do advogado Rafael Prudente.

Ora, se todo bem penhorável pode ser arrestado, impossível negar que o dinheiro, elencado como a categoria prioritária de bens sobre a qual deve incidir a penhora (art. 655, inc. I, do CPC), também pode sofrer arresto, o que deve ocorrer, preferencialmente, pela via eletrônica, nos termos do artigo 655-A do CPC, aplicado analogicamente. (PRUDENTE, 2008).

Apesar disso, alguns entendem de forma contrária, uma vez que defendem que a lei inicialmente reporta-se ao arresto de bens móveis e imóveis, portanto sem mencionar dinheiro. (VIEIRA, 2010).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. ARRESTO ON LINE. Estabelece o art. 620 do CPC que a execução deverá ser pelo meio menos gravoso ao devedor. É incabível o arresto on line de valores existentes em depósitos bancários dos devedores, por falta de amparo legal e por não terem sido esgotadas as providências para encontrar o endereço atualizado dos mesmos, para penhorar o bem dado em garantia do negócio ou outros bens (imóvel e automóveis) indicados pelo próprio credor. Negativa de seguimento a Agravo de Instrumento sem amparo legal e manifestamente improcedente (AI 70025956228- 13° Câmara Cível, Relator: Lúcia de Castro Boller).

Conforme foi exposto neste artigo científico, a pré-penhora visa o recebimento pelo credor do que lhe é devido, antecipando os efeitos da penhora. Logo, evidentemente que dinheiro é um bem, portanto é passível de penhora, logo também é passível de arresto. Proibir que o dinheiro seja arrestado é ir contra o princípio da patrimonialidade e todo sustento basilar da execução. Assim, não fere o princípio da menor onerosidade da execução, uma vez que corresponde à mais uma forma de satisfazer o direito do credor, objetivo principal. Apesar disso, alguns julgados já estão sendo favoráveis ao arresto online de dinheiro, como pode ser exemplificado:

Execução. Arresto de bens e "penhora on line" de contas correntes ou ativos financeiros em nome da executada. Possibilidade. Previsão expressa dos artigos 653, 655,1 e 655-A do CPC. Celeridade para garantir a efetiva satisfação do crédito e a escorreita prestação jurisdicional. Agravo provido. (AG 7289120800- 11° Câmara de Direito Privado, Relator Soares Levada).

Portanto, mesmo existindo muita divergência, o judiciário aos poucos vem decidindo mais favorável ao arresto online, (VIEIRA, 2010) portando, permitindo o bloqueio de conta bancária do devedor não citado. Assim estará sendo respeitada a responsabilidade patrimonial, tendo o credor como receber o seu valor de crédito.

3        A FRAUDE E A ALIENAÇÃO DO BEM ARRESTADO

Adentrando ainda mais no tema, aproveitando a deixa do capítulo anterior, outro instituto que reflete na definição da responsabilidade patrimonial é a fraude. Daniel Assumpção destaca que  para que a fraude se configure, é necessária a existência de 2 requisitos: eventus damni (a fraude diminuiu o patrimônio do devedor, criando um estado de insolvência) e consilium fraudis (a intenção do devedor de provocar essa redução patrimonial).

Fraude à execução corresponde à espécie onde o devedor, além de enganar o credor, atenta contra o Poder Judiciário. O ato praticado será válido, porém ineficaz perante o credor, o que lhe permite, sem precisar de ação judicial própria, peticionar no processo onde o juiz poderá reconhecer a fraude. Para a sua configuração, deve existir a ciência do devedor da existência de uma ação judicial capaz de leva-lo ao estado de insolvência. (NEVES, 2013 p. 889).

Observa-se que o autor não enfatiza a existência da citação, mas apenas do conhecimento por parte do devedor que há esse processo. Portanto, cabe retratar ao que foi explicado pelo professor Galeno, quando da possibilidade do executado se ocultar, impossibilitando a citação. Para isso, Assumpção explica:

Importante característica da fraude à execução é a dispensa de prova do elemento subjetivo do consilium fraudis, pouco importando se havia ciência ou não de que o ato levaria o devedor à insolvência. A intenção fraudulenta nesse caso é presumida, sendo irrelevante para os fins de configuração da fraude se o ato é real ou simulado, de boa ou má-fé. (NEVES, 2013, p. 888).

Não sendo encontrado o devedor, independente dessa situação, ser por boa fé ou por que ele está se escondendo, será esse ato considerado fraudulento. Porém, poderá a fraude acontecer após o bem já estar conscrito judicialmente. Partindo de uma situação hipotética e exemplificativa: O devedor não foi encontrado para citação, diante disso, ocorre a alienação de seus bens e após esse momento, uma vez que não saem do seu poder de administração, ele aliena estes bens a fim de demonstrar sua insolvência e incapacidade financeira.

Este é o caso mais grave de fraude existente. Nesse caso, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é que o arresto é considerado constrição judicial e, portanto, algo que aconteça com o bem após a sua existência já configura fraude. (...) “Não caracteriza fraude à execução a alienação do bem sem que haja registro do arresto, da penhora ou de citação válida em ação real ou pessoal, que possa repercutir sobre bens do devedor (...)” (Resp. nº 111.899-RJ, 3ª T., v.u., rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 02.09.99, DJ 08.11.99, p.75).

Tamanha é a gravidade deste tipo de fraude, que “não dependerá da demonstração de insolvência do devedor”. (DIDIER, 2012. p. 319). Palavras de Assumpção: “Tendo ocorrido penhora, arresto, depósito ou qualquer outra espécie de constrição judicial, o bem passa a estar vinculado diretamente e de forma individualizada à demanda judicial da qual emanou o ato constritivo”. (NEVES, 2013. p. 890 e 891). Acerca disso segue Jurisprudência:

 DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO. VALOR LEVANTADO QUE NÃO SATISFAZ O QUANTUM DEBEATUR. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA AGRAVADA. REGISTRO GERAL DO IMÓVEL EM NOME DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO CONFIGURADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DIANTE DA AÇÃO EM CURSO E DA INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL CONSTANDO INFORMAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE AÇÃO EM TRÂMITE. BEM OBJETO DE ARREMATAÇÃO QUE NÃO ALCANÇOU O QUANTUM DEBEATUR. PENHORA ON LINE QUE ARRECADOU VALOR ÍNFIMO. INSOLVÊNCIA CARACTERIZADA. BOA-FÉ DE TERCEIRO ADQUIRENTE AFASTADA. ENTENDIMENTO DESTA COLENDA CORTE. REFORMA DA DECISÃO QUE SE IMPÕE. PROVIMENTO AO RECURSO, PARA RECONHECER A FRAUDE À EXECUÇÃO, TORNANDO INEFICAZ A ALIENAÇÃO DO BEM IMÓVEL OBJETO DE PEDIDO DE ARRESTO AO JUÍZO A QUO.(Grifo nosso) (0062771-29.2011.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 1ª Ementa DES. CLEBER GHELFENSTEIN - Julgamento: 08/02/2012).

Portanto, mais uma vez equiparado à penhora, entende-se que um bem já arrestado não poderá ser alienado, configurando assim, fraude.

­CONSIDERAÇÕES FINAIS

O arresto executivo corresponde à uma exceção ao tramite natural da execução de título extrajudicial, vez que é medida alternativa adotada a partir da não identificação do devedor para pagamento.

A elaboração deste artigo científico permitiu aprofundar conhecimentos sobre este tipo de arresto, como forma de satisfazer a dívida do credor, independente de ter esta natureza cautelar ou executiva, conceitos que divergem na doutrina e que não apresentam teses comprovadamente eficientes, porém que nos fazem refletir e comparar os modelos de arresto existentes, bem como sua conversão em penhora.

A evidencia do princípio da patrimonialidade, nos faz defender que o judiciário, uma vez tendo os meios para tornar uma prestação efetiva, deve usa-los. Diferentemente disso, o credor seria forçado a buscar outros meios de receber o que lhe é devido, outros bens para penhorar, gerando mais problemas, atrasos, gastos e beneficiando apenas o executado através da morosidade da execução, o que pode ser reforçado se este estiver agindo de má-fé.

Assim, conclui-se que o arresto existe - uma vez não encontrado o devedor e sabendo o oficial de justiça que este tem bens penhoráveis - para assegurar ao credor a satisfação de dívida através dos bens do devedor. Tendo natureza jurídica executiva, ao ponto de vista deste artigo, o que enaltece o princípio da patrimonialidade, podendo posteriormente obter penhora deste bem.

Convém destacar que tal instituto, apesar de não se tratar da regra ao processo de execução, mas sim à exceção na hipótese do devedor não ser encontrado, o arresto executivo é mantido no projeto de lei do novo CPC. Portanto, fundamental importância tem a analise do tema, uma vez que esta pesquisa resultou em maior compreensão do tema, o que gera consequências positivas tanto para os operadores do direito e acadêmicos como para a sociedade em geral.

 REFERÊNCIAS


ALVIM NETO, José Manoel de Arruda et al. A preferência pela penhora e o arresto convertido em penhora. Revista dos Tribunais, vol.9, p.201, jan 1978

BARROS, Rodrigo de. Breves considerações acerca do Arresto on-line. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI105637,91041-Breves+consideracoes+acerca+do+Arresto+online> Acesso em 20 mai 2013.

 DIDIER JR., Fredie ; CUNHA, Leonardo C.; BRAGA, Paula S.; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processsual Civil.: execução. 5º ed. Bahia: Juspodivim, 2013.

  

MIRANDA, Pontes de. Comentarios ao Codigo de Processo Civil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

  

PRUDENTE, Rafael R. Arresto online encontra resistência na jurisprudência. Disponível  em <http://esma.tjpb.jus.br/esma/noticias/arresto-online-encontra-resistencia-na-jurisprudencia> acesso em 20 mai 2013.

  

RIO DE JANEIRO. 14º Câmara Cível. Agravo de Instrumento 0062771-29.2011.8.19.0000. Rel. CLEBER GHELFENSTEIN. Disponível em: < http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/31891/arresto-online.pdf>. Acesso em: 24 maio 2013.

  

RIO GRANDE DO SUL. 10° Terceira Câmara Cível. Agravo de Instrumento 70025956228. Rel. Lúcia de Castro Boller. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/diarios/50186653/djma-25-01-2013-pg-102>. Acesso em: 24 maio 2013.

 RODRIGUES, Júlio César Souza. Natureza jurídica do arresto do artigo 653 do código de processo civil e assuntos análogos. Revista dos Tribunais, vol. 795, p.120, jan 2002.

 SANTA CATARINA. 3° Câmara de Direito Público. Agravo por instrumento. Execução fiscal. AI 785446. Rel. Carlos Adilson Silva. Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19879729/agravo-de-instrumento-ai-785446-sc-2010078544-6-tjsc>. Aceso em: 24 maio 2013.

 

 SÃO PAULO. 11ª Câmara de Direito Privado. AG 7289120800. Rel. Soares Levada. Disponnível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/2989861/agravo-de-instrumento-ag-7289120800-sp-tjsp>. Acesso em: 24 maio 2013.

 

SÃO PAULO. 20° Câmara de Direito Privado. Execução. Arresto no rosto dos autos. AI 5873355420108260000. Rel. Rebello Pinho. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20584363/agravo-de-instrumento-ai-5873355420108260000-sp-0587335-5420108260000-tjsp>. Acesso em: 24 maio 2013.

SÃO PAULO. 22º Câmara de Direito Privado. Agravo de instrumento AI 990.09.301560-9. Rel. Matheus Fontes. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/550873/juros-abusivos>. Acesso em: 24 maio 2013.

 VIEIRA, Bruna Helaine. Aspectos Polêmicos do Arresto Executivo (Pré-Penhora). Blumenal, 2010. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article /view/2150>. Acesso em 07 mar. 2013.



[1] Paper desenvolvido como requisito parcial para aprovação da disciplina de Execução.

[2] Graduandas do 7º período do curso de Direito (noturno) da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[3] Professor da disciplina.