Poluição das praias de São Luís/MA em decorrência da deposição excessiva de efluentes líquidos pelos empreendimentos imobiliários em face ao Direito a Propriedade

 

Julianna Mendonça Neves[1]

 

Sumário: Introdução. 1- A poluição das praias de São Luís-MA 2- Função Social da propriedade 2.1- Acerca das limitações administrativas à propriedade privada. Conclusão. Referências. Apêndices.

 

 

RESUMO

O setor da construção civil está em constante crescimento na Ilha de São Luís propiciando o aumento de emprego e renda e, um conseqüente alargamento das áreas urbanas, porém, observa-se neste contexto o progressivo aumento da poluição das principais praias ludovicenses. Assim o presente estudo tem por objetivo abordar a atitude negativa dos empreendimentos imobiliários quando se trata de preservar o meio ambiente, possuindo como foco a poluição das praias, bem como uma análise da função social da propriedade e da sua relativização na era moderna.

                                                                                                                           

PALAVRAS-CHAVE

Poluição. Efluentes líquidos. Propriedade.

 

INTRODUÇÃO

 

Atualmente, em São Luís, o crescimento da indústria da construção civil é evidente, pois o número de obras em fase de construção e planejamento, se comparado a anos anteriores, deu um salto. De acordo com análise dos dados obtidos no IBGE, no mês de Maio de 1998 o custo por metro quadrado de obras de alto padrão era R$ 395 reais, a mesma obra com igual padrão de acabamento, atualmente, custa R$ 883 reais. A elevação dos preços confirma uma maior demanda, o que conseqüentemente gera um maior número de obras na tentativa de supri-la.

A poluição, que é um dos malefícios decorrente desse crescimento acelerado, é exacerbada nas praias da capital, uma vez que a estrutura de saneamento básico e os serviços oferecidos a população são precários, prejudicando, assim, o meio ambiente marinho e pondo em risco a saúde da população.

As construtoras, na sua maioria, por não disporem de uma consciência ecológica, relutam em se adaptar a um modelo de desenvolvimento que preserve o meio ambiente, visam sempre o lucro, sem se preocupar com as possíveis conseqüências dos seus atos predatórios para o mesmo.

Portanto, o presente estudo tem por objetivo correlacionar esse crescimento imobiliário com a poluição das principais praias ludovicenses e, dissertar, ainda, acerca do direito de edificar em face ao direito ao meio ambiente saudável. Sendo assim o tema será tratado da seguinte maneira: inicialmente abordaremos a poluição, especificamente a poluição marinha e as suas conseqüências para o ambiente marinho e saúde do homem.

No segundo momento do presente estudo analisaremos o direito de edificar em face ao principio fundamental constitucional a um meio ambiente saudável. Ressaltando sempre como os empreendimentos, considerando a realidade maranhense, abusam desse direito de edificar e violam os princípios e normas ambientais.

1 POLUIÇÃO DAS PRAIAS

A poluição, que pode ser considerada como “qualquer modificação das características do meio ambiente de modo a torná-lo impróprio às formas de vida que ele normalmente abriga.”(SILVA, 2010, p.31) poderá advir de várias fontes, que poderão ser móveis ou fixas. “Podemos entender por fonte de poluição a atividade, o local ou o objeto de que emanem elementos (poluentes) que degradem a qualidade do meio ambiente.” (SILVA, 2010, p.201) Sendo assim, os esgotos, lixo radioativo e agrotóxicos são perfeitos exemplos de grandes fontes poluidoras.

No município de São Luís, a especulação imobiliária e o crescimento urbano desordenado provocaram a degradação ambiental das praias da capital, pois quantidades excessivas de efluentes líquidos in natura, provenientes dos prédios localizados na zona litorânea, são despejados diariamente na orla marítima. As estruturas destinas ao saneamento básico, na região em estudo, são precárias, “atendendo a uma pequena parcela da população local, sendo, na maioria das vezes, o despejo do esgoto doméstico realizado diretamente na rede de drenagem e desta muitas vezes para o mar, influindo diretamente na balneabilidade destas águas.” (SILVA, 2006, p.13)

A partir das reflexões acima, as praias, da região em estudo, podem ser consideradas poluídas, já que tal estado se configura quando houver “qualquer modificação das características do meio ambiente de modo a torná-lo impróprio às formas de vida que ele normalmente abriga.” (SILVA, 2010, p.31)

Através de estudos realizados pela Universidade Federal do Maranhão e pelo Centro Universitário do Maranhão foi possível comprovar essa mudança das características das praias, pois a péssima qualidade da água revela o caráter impróprio para banho e proliferação da vida marinha. 

A resolução 274 do Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA estabelece os níveis adequados de indicadores de qualidade sanitária das águas para balneabilidade. De acordo com a mesma a água apresente índice satisfatórios “quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras obtidas em cada uma das cinco semanas anteriores, colhidas no mesmo local, houver, no máximo 1.000 coliformes fecais (termotolerantes) ou 800 Escherichia coli ou 100 enterococos por 100 mililitros.” (CONAMA, Res. 274, 2000)

As pesquisas utilizaram o Enterococus fecais, bactéria encontrada no intestino de humanos, como indicador dessa poluição. Foram observados “valores elevados de NMP de Enterococus/100mL em todas as praias, alcançando valores na ordem de 2,4x104 NPM/100 mL.” (SILVA, 2006, p.17). Os níveis de coliformes fecais obtidos ultrapassaram o permitido, sendo assim as praias são consideradas impróprias.

A praia da Ponta da Areia foi considerada a mais poluída do Município, pois obteve os maiores índices de NMP de Enterococus em 100 mL de água, 24000 NPM/100 mL e 11000 NMP/100 mL. As “altas densidades de coliformes termotolerantes, E.Coli e Enterococcus em águas marinhas indicam um elevado nível de contaminação por esgotos, o que pode colocar em risco a saúde dos banhistas e cujas conseqüências são imprevisíveis.” (CETESB, 2004, p.42)

Podemos inferir sobre o assunto, ao considerar a visão de José Afonso da Silva, que realiza importantes comentários acerca do tema. De acordo com o autor:

“Poluição sempre existiu e sempre existirá, mas, para ser considerada como tal, a modificação ambiental deve influir de maneira nociva e incoveniente, direta ou indiretamente, na vida, na saúde, na segurança e no bem-estar da população, nas atividades sociais e econômicas da comunidade, na biota ou nas condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente” (2010, p.31)

No caso das praias da capital é perceptível, que a poluição das mesmas, afeta diretamente a vida das pessoas e no meio ambiente marinho, já que a qualidade daquele meio está seriamente comprometido.

A água contaminada por esgotos é um sério risco para a saúde pública, pois aumentam a possibilidade de

“transmissão de doenças de veiculação hídrica aos banhistas (gastroenterite, hepatite A, cólera, febre tifóide, entre outras), como também a ocorrência de organismos patogênicos oportunistas, responsáveis por dermatoses e outras doenças não afetas ao trato intestinal (conjuntivite, otite e doenças das vias respiratórias).” (CETESB, 2004, p.40)

As doenças acima citadas requerem um tratamento simples e não causam grandes problemas, a mais freqüente nos casos de água poluída é a gastroenterite. A saúde pública é algo de grande relevância, entretanto, não é a única a ser ameaçada pelos esgotos.

O meio ambiente marinho também sofre com a poluição excessiva das praias, na medida em que tais bactérias diminuem o índice de oxigenação da água e aumentam a proliferação de certos animais, alterando a cadeia alimentar. Sobre o assunto Fiorillo (2010, p.283) comenta que essa poluição “compromete até os lençóis freáticos, permitindo a proliferação de bactérias, que acabam competindo com as espécies aquáticas na luta pelo oxigênio, dizimando-as e causando um desequilíbrio ecológico.”

O fato que torna os empreendimentos imobiliários, antigos e recentes, um dos maiores responsáveis, pela poluição das principais praias do município de São Luís, está ligado a atitude negativa das mesmas, que não seguem as normas ambientais responsáveis pela proteção e preservação do meio ambiente e continuam despejando, diariamente, efluentes líquidos em quantidades excessivas.

Vale ressaltar que a obrigação de proteção ao meio ambiente não pertence somente ao Estado, pois, o meio ambiente, sendo um patrimônio difuso, deve ser protegido por toda a população brasileira, como dispõe o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira. “O Direito difuso possui a natureza indivisível. Não há como cindi-lo.” (FIORILLO, 2010, p.55) Sendo assim, podemos considerar que o meio ambiente “trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém em específico o possui.” (FIORILLO, 2010, p.55)

 

2.FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

 

Antes de adentramos a temática supracitada, devemos recordar alguns pontos essências á compreensão daquilo que vem a embasar o entendimento desta. Tais pontos referem-se principalmente à função social da propriedade, pois com o passar dos tempos ela foi sendo delineada por uma série de fatores históricos, como, por exemplo, a ascensão do Império Romano ou o nascimento do Estado Liberal.

De acordo com Gaio (2000,p.122), a propriedade tem a função de ser uma obrigação positiva ou a livre expressão e desenvolvimento da personalidade humana. Contudo, através dos conhecimentos básicos de história, sabe-se que “desde os romanos” a concepção de liberdade sofrera algumas limitações. Isso ocorre, pois o século XIX fora marcado pelo liberalismo, ou seja, os indivíduos tinham plena liberdade para gozar de tudo àquilo que advinha da propriedade, sem ônus impostos pelo Estado. Diferentemente das propriedades romanas, que sobrepunham os interesses do Estado aos interesses individuais.

A acentuação do individualismo começara a gerar uma série de conflitos e injustiças que acabaram por criar uma espécie de situação em que o Estado passava a exercer legalmente o poder de interferir nos assuntos e interesses relativos à propriedade. Podemos ver isso a partir da primeira guerra mundial, pois o Estado passara a intervir efusivamente na propriedade porque ele buscava, por exemplo, a satisfação das necessidades da maioria ou a amenização dos efeitos causados pela guerra.

Neste diapasão, nota-se que a intervenção estatal não impõe limites ou restrições ao “direito a propriedade”, mas restringe ou limita a propriedade em si,ou seja, nós não estamos sujeitos a normas que dificultem um pleno exercício de tal direito, mas, na realidade, estamos “delineando-o” através do cumprimento destas. De acordo com Fabiana Santos Dantas (2005, p.276), o direito de propriedade é o direito exercido legalmente por aquele pode satisfazer seus interesses através dos bens advindos da propriedade, ou seja, é um direito exercido exclusivamente pelo proprietário.

 Devido ao fato de não podermos conceber uma espécie de caráter absoluto ao direito de propriedade, pois isso viria a contrariar o Direito em si, nós passamos a relativizá-lo através de um destaque ao seu caráter social. Sendo assim, o interesse público colocar-se-ia acima do interesse particular, conseguindo então impor limites aos poderes de domínio e de abuso a esse direito. Desta forma, Dantas (2005, p.277) conclui que:

“A função social da propriedade consiste na exigência de exercer-se o direto de propriedade para efetivar o interesse público, revelando-se uma de suas principais manifestações no uso racional e adequado dos recursos naturais disponíveis e na preservação do meio ambiente, indispensáveis a qualquer política de gestão ambiental”.

Destarte, podemos dizer que há efetiva concretização da função social quando, através das normas existentes, assegura-se na prática a coincidência da atuação do proprietário com o interesse social. Nesse sentido se exige que o “uso” do bem em questão não se faça em desacordo com a utilidade social.

2.1 ACERCA DAS LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS À PROPRIEDADE PRIVADA

           

            De acordo com Karla Botrel (MUKAI, 2008, p.117), as limitações administrativas à propriedade privada podem ser definidas como uma espécie de imposição realizada pelo direito público à propriedade particular. Para podermos nos aprofundar acerca de tais limitações, nós devemos relembrar o que o estimado doutrinador José Afonso da Silva (2000, p.313) definira como itens caracterizadores do direito a propriedade:

a)      O direito a propriedade é absoluto, pois assegura ao proprietário a liberdade de dispor das coisas, legitimamente adquiridas, de acordo com sua própria vontade.

b)      O direito a propriedade é exclusivo, pois respeita só e somente só ao proprietário.

c)      O direito a propriedade é perpétuo, pois não se perde pelo uso, sendo que na ocorrência de morte do proprietário, a propriedade passará a pertencer ao seu sucesso.

            Sendo assim, Botrel (2008, p.118) nos afirma que limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social. Podemos então concluir que aquelas normas que são impostas aos proprietários e que não são seguidas da maneira correta acabam fazendo com que eles não cumpram com a funcionalidade social que ele deveria estar exercendo.

A partir do momento em que normas e leis passam a ser descumpridas, como a Lei 9.061 de novembro de 2009, que impõe que construções verticais que tem mais de 10 andares possuam uma estação de tratamento de esgoto própria, passa-se a notar uma irrelevância por parte dos proprietários para com a função social da propriedade, pois não ponderam as conseqüências sociais causadas pelos seus atos. A poluição do mar e as suas inúmeras conseqüências maléficas, demonstram com perfeição a irresponsabilidade e irrelevância da função social para determinados entes.

De acordo com pesquisa realizada na Secretária Municipal do Meio Ambiente, os empreendedores por criarem empregos, moradias e movimentarem a economia com a sua atividade, acreditam veemente que a função social da propriedade está sendo exercida. Alegam, ainda, que o desenvolvimento do País não pode sofrer entraves de tal cunho.

A partir das afirmações acima, percebe-se que não existe conhecimento acerca do princípio do desenvolvimento sustentável, inserido na Constituição Federal de 1988. O princípio em tela, permite “o desenvolvimento, mas de forma sustentável, planejada, para que os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos.” (FIORILLO, 2010, p.79)

Um desenvolvimento, que gere a degradação do meio ambiente, como no caso em questão, a degradação da praias ludovicenses, não deve ser aceito, pois “a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo que aquela não acarrete a anulação deste.” (FIORILLO, 2010, p.86) É importante lembrar que, de acordo com o artigo 225 da CF/88, um meio ambiente equilibrado é direito de todos, a população brasileira possui a titularidade desse direito material. Sendo assim, a população da ilha de São Luís possui o direito a praias limpas, para as atuais e futuras gerações, pois só assim poderá ser criado e preservado um espaço saudável, que não comprometa o meio ambiente e permita o desenvolvimento do espaço urbano de forma ordenada.

CONCLUSÃO

 

Dado tudo o que fora exposto acima, podemos acertar que, verdadeiramente tem havido uma grande falta de consideração para com a função social da propriedade, pois observamos que uma espécie de contínua poluição das praias do município de São Luís. Sendo que isso está intrinsecamente relacionada ao direito de edificar e ao direito a propriedade. Com vimos na entrevista realizada na Secretária Municipal do Meio Ambiente, os empreendedores, na sua maioria, acreditam que o direito de edificar é absoluto e que a função social da propriedade é amplamente exercida, na medida em que são criadores de renda, emprego e moradia.

Além disso, os edifícios antigos, que não estão, na maior parte das vezes, adaptados a legislação ambiental vigente, recusam-se a fazê-lo, uma vez que acreditam poder exercer o direito a propriedade de forma absoluta e, considerarem desnecessário essa preocupação com questões sanitárias, já que existe órgãos especializados, como a CAEMA, que são responsáveis por tal questão.

Finalmente, é perceptível que o número de empreendimentos sendo instalados na Ilha de São Luís cresce a cada ano, porém os recursos destinados aos órgãos responsáveis pela proteção ao meio ambiente e fiscalização das obras, decresce na mesma velocidade. Tal fato enseja uma reduzida capacidade de atuação dos órgãos públicos e, conseqüentemente, instalações desorganizadas de empreendimentos, que prejudicam o desenvolvimento e a manutenção de um meio ambiente saudável. Desta forma, podemos concluir que o desrespeito ao meio ambiente vem sendo combatido pela SEMMA, porém a falta de recursos a impedem de exercer plenamente suas funções.

 

REFERÊNCIA

 

CETESB. Relatório de qualidade das águas litorâneas do Estado de São Paulo: Balneabilidade das praias. São Paulo, 2004. Disponível: http://www.cetesb.sp.gov.br/Agua/praias/publicacoes.asp. Acessado em: 10 Out 2010

DANTAS, Fabiana Dantas. A aplicação do direito ambiental no estado federativo. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2005

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11º.Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GAIO. Revistas de direito ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais nº20 ano 5 out/dez 2000.

MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental: Restrições Urbanísticas à propriedade privada. 7º Ed. São Paulo: Editora Forum, 2008.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 8º.Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 3º.Ed. São Paulo, Malheiros, 2000.

SILVA, Viviane Correia da. Avaliação das condições higiênico-sanitárias da água das praias do município de São Luís-MA. São Luís, 2006. Disponível em: http://www.tedebc.ufma.br/tde_arquivos/16/TDE-2008-04-14T175236Z-122/Publico/Viviane%20Correia%20da%20Silva.pdf. Acessado em: 10 Out 2010