INTRODUÇÃO

A questão indígena brasileira tem um histórico de inobservância de sua importância para a sociedade do país desde a chegada dos portugueses até o período do Brasil Império.
Durante o período colonial, centenas de indígenas foram feitos escravos pelos colonizadores para serem empregados em tarefas diversas, particularmente na lavoura e trabalhos domésticos. Naquele período, a política adotada pela coroa portuguesa foi de atribuir à Igreja Católica a responsabilidade de reunir os indígenas nas chamadas catequeses com o objetivo de cristianizá-los e de lhes prestar um mínimo de assistência.
O não reconhecimento da importância dessa diversidade ética e cultural do País atravessou o Brasil Colônia e adentrou no Império, particularmente quando o assunto
"sociedade indígena" não foi sequer incluído na Constituição Outorgada de 1824. Apenas por ocasião do Ato Institucional de 1834 é que foi atribuída às Assembleias das Províncias a tarefa de catequese e civilização dos indígenas.
No início do século passado, já durante o período republicano, o Estado Brasileiro despertou para essa situação sobre os assuntos relacionados à sociedade indígena, criando em 1910 o primeiro Órgão Federal para tratar do tema que foi o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILNT), posteriormente denominado Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
Na segunda metade do século passado, outras ações governamentais nacionais e, até mesmo, internacionais vieram a ser apresentadas no cenário com o objetivo de aprimorar o tratamento das questões indígenas no País. Pode-se destacar a transformação do Serviço de Proteção ao Índio na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em 1967, órgão que possui hoje as atribuições de proteger e promover os direitos indígenas no País, dentre outras finalidades.
Ao longo dos últimos anos, observa-se em várias áreas do território nacional e principalmente em Brasília- DF manifestações de grupos indígenas pleiteando direitos adquiridos com a Constituição Federal de 1988 e outros instrumentos jurídicos como a Convenção 169 da OIT, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e, recentemente, a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas.
O objetivo do presente trabalho é apresentar um breve histórico da evolução do arcabouço jurídico que trata da política indigenista brasileira, destacando os paradigmas de maior importância deste processo.


RESUMO DO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO QUE TRATA DA POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA

Decreto-Lei n° 8.072, de 20 de junho de 1910, dispõe sobre a criação do Serviço de Proteção ao Índio Criado no início do século passado, o Serviço de Proteção ao Índio foi o órgão do governo federal precursor no tratamento da política indigenista brasileira. Tinha como principais objetivos a proteção dos índios de ataques de não índios e a integração desses povos à sociedade nacional.
Seu organizador e primeiro Diretor foi o então Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, designado para essa função em razão da grande experiência que obteve no estabelecimento de contatos com indígenas no País.
Observa-se que o ordenamento jurídico à época tinha a percepção de que os indígenas eram considerados indivíduos "relativamente incapazes", tendo sido, então, estabelecido o paradigma da figura jurídica da "tutela" sobre os índios. Buscou-se incorporar a prática da assimilação destes povos à sociedade nacional, deixando-se de considerar o conceito de garantia de sua reprodução física e cultural.
A proposta de Rondon para a criação de uma agência indigenista do Estado brasileiro tinha os seguintes objetivos:
- Estabelecer uma convivência pacífica com os índios;
- Garantir a sobrevivência física dos povos indígenas;
- Estimular os índios a adotarem gradualmente hábitos "civilizados";
- Influir "amistosamente" na vida indígena;
- Fixar o índio à terra;
- Contribuir para o povoamento do interior do Brasil;
- Possibilitar o acesso e a produção de bens econômicos nas terras dos índios;
- Empregar a força do trabalho da mão de obra indígena no aumento da produtividade agrícola;
- Fortalecer as iniciativas cívicas e o sentimento indígena de pertencer à nação brasileira (Lima, 1987).
Nesse contexto, para a administração da vida indígena foi formalizada uma definição legal de índio, por intermédio do Código Civil de 1916 e do Decreto n° 5.484, de 1928. Os indígenas tornaram-se "tutelados" do Estado brasileiro, um direito que implicava num aparelho administrativo único, mediando as relações Índios - Estado - Sociedade Nacional. A terra, a representação política e o ritmo de vida foram administrados por funcionários estatais, com os
índios adotando uma indianidade genérica.(Oliveira, 2001) Infelizmente, a má gestão administrativa, a falta de recursos e a corrupção funcional foram alguns dos motivos que levaram à extinção do SPI, dando origem à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em 1967.
Lei n° 5.371, de 5 de dezembro de 1967, dispõe sobre a criação da Fundação Nacional do
Índio Em razão do insucesso das atividades do SPI, o Governo Federal instituiu a FUNAI com patrimônio próprio e personalidade jurídica de direito privado com as seguintes finalidades:
- Estabelecer as diretrizes e garantir o cumprimento da política indigenista, baseada nos seguintes princípios:
a) Respeito à pessoa do índio e as instituições, e comunidades tribais;
b) Garantia à posse permanente das terras que habitam e ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nela existentes;
c) Preservação do equilíbrio biológico e cultural do índio, no seu contato com a sociedade nacional;
d) Resguardo à aculturação espontânea do índio, de forma a que sua evolução socioeconômica se processe a salvo de mudanças bruscas;
- Gerir o Patrimônio Indígena, no sentido de sua conservação, ampliação e valorização;
- Promover levantamentos, análises, estudos e pesquisas científicas sobre o índio e os grupos sociais indígenas;
- Promover a prestação da assistência médico-sanitária aos índios;
- Promover a educação de base apropriada do índio visando à sua "progressiva integração" na sociedade nacional;
- Despertar, pelos instrumentos de divulgação, o interesse coletivo para a causa indigenista;
- Exercitar o poder de polícia nas áreas reservadas e nas matérias atinentes à proteção do
índio.
Observa-se que na referida lei ficou mantido o paradigma do "regime tutelar" do índio, ficando a Fundação com a responsabilidade de representá-los ou prestar-lhes assistência jurídica, em conformidade com as leis vigentes no País.
Ficou estabelecido que o Orçamento da União consignará, em cada exercício, recursos suficientes ao atendimento das despesas da Fundação.
No que diz respeito ao patrimônio da FUNAI, ficou estabelecido que o mesmo seria constituído pelos acervos do Serviço de Proteção aos Índios, do Conselho Nacional de Proteção aos Índios e do Parque Nacional do Xingu; pelas dotações orçamentárias e créditos adicionais que lhe forem atribuídos; pelas subvenções e doações de pessoas físicas, entidades públicas e privadas nacionais, estrangeiras e internacionais; pelas rendas e emolumentos provenientes de serviços prestados a terceiros; e pelo dízimo da renda líquida anual do Patrimônio Indígena.
As rendas do Patrimônio Indígena serão administradas pela Fundação tendo em vista os objetivos de emancipação econômica das tribos, acréscimo do patrimônio rentável e do custeio dos serviços de assistência ao índio. Os bens, rendas e serviços da Fundação ficaram isentos de impostos federais, estaduais e municipais.
Foi estabelecido que a Fundação ficaria vinculada ao Ministério do Interior, nos termos do Decreto-lei nº 200-67, tendo, posteriormente passado essa vinculação ao Ministério da Justiça como fundação pública.
Coube à Fundação elaborar e propor ao Poder Executivo Anteprojeto de Lei, sobre o Estatuto Legal do Índio Brasileiro e, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da Lei, o Ministro do Interior, ouvida a Procuradoria-Geral da República, submeter ao Presidente da República o projeto dos Estatutos da Fundação Nacional do Índio, o qual foi concluído em 1973.
Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, dispõe sobre a criação do Estatuto do Índio Esta Lei regulou a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas com o propósito de preservar sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional.
Aos índios e às comunidades indígenas ficou estendida a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros, resguardados os usos, costumes e tradições indígenas, bem como as condições peculiares reconhecidas na própria Lei.
Coube à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a proteção das comunidades indígenas e a preservação dos seus direitos as seguintes ações:
- estender aos índios os benefícios da legislação comum, sempre que possível a sua aplicação;
- prestar assistência aos índios e às comunidades indígenas ainda não integradas à comunhão nacional;
- respeitar, ao proporcionar aos índios meios para o seu desenvolvimento, as peculiaridades inerentes à sua condição;
- assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;
- garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos para seu desenvolvimento e progresso;
- respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;
- executar, sempre que possível mediante a colaboração dos índios, os programas e projetos tendentes a beneficiar as comunidades indígenas;
- utilizar a cooperação, o espírito de iniciativa e as qualidades pessoais do índio, tendo em vista a melhoria de suas condições de vida e a sua integração no processo de desenvolvimento;
- garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes;
- garantir aos índios o pleno exercício dos direitos civis e políticos que em face da legislação lhes couberem.

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