Eduardo Veronese da Silva

É sabido por todos que os servidores que compõem a segurança pública (federal ou estadual) têm como missão principal a preservação da ordem pública e a proteção da sociedade (art.144, CF). Pergunta-se: como irá garantir essa proteção se estiver doente ou for classificado como dependente químico? Se for doente, precisa de tratamento ambulatorial ou, conforme o caso, internação.
Da mesma forma, se for usuário/dependente de drogas psicoativas (lícitas ou ilícitas) os especialistas os inserem como pessoas doentes. Sendo assim, deveriam receber o mesmo tratamento. Infelizmente, isso nem sempre ocorre, por isso temos muitos profissionais da segurança pública trabalhando normalmente nas ruas nestas condições.
Dependendo do quadro clínico apresentado pelo policial (civil, militar etc.) deveria ser afastado de suas funções (ou remanejado de setor) e receber acompanhamento médico-hospitalar. Este seria o procedimento ideal adotado pelo gestor público, que tem sob seu comando um funcionário doente ou com problemas relacionados ao uso indevido de drogas. Vale lembrar que ele (a) porta uma pistola de 40 mm e tem a responsabilidade legal e constitucional de promover a segurança da sociedade, mas como fazê-la se precisa de ajuda?
Semana passada, várias matérias divulgadas nos jornais capixabas, deram ênfase as transgressões e desvios de condutas praticadas por policiais militares. Numa delas, trouxe o registro de que 14 policiais (soldado, cabo e sargento) foram expulsos somente neste ano, ou seja, mais de uma exclusão por mês. E 227 processos estão em andamento na Corregedoria da Policia Militar do Espírito Santo (PMES).
Oportuno registrar, que em toda e qualquer instituição social existem profissionais que apresentam desvios de condutas. Percebe-se que certos desvios são atitudes previsíveis e esperadas por quaisquer trabalhadores, independente do cargo, setor ou da especialidade onde exerce sua atividade laboral.
Ademais, esse desvio pode ser em decorrência de problemas enfrentados pelo trabalhador, entre eles, de saúde (física ou mental); no relacionamento familiar ou no ambiente de trabalho; devido a intensa jornada de trabalho ou pela grande responsabilidade exigida no exercício de sua profissão.
Como relata o Diretor da Associação de Cabos e Soldados; Flávio Gava: "O estresse do dia a dia dos policiais pode contribuir para o problema ser potencializado. [...] A escala é degradante, há uma carga de trabalho muito grande. E, muitas vezes, o cabo e o soldado são tratados como bandidos, em vez de serem tratados como doentes".
O estresse nada mais é do que a resposta do organismo a uma situação de ameaça, tensão, ansiedade ou mudança. Isto significa que o organismo humano, em situação permanente de estresse, estará praticamente o tempo todo em estado de alerta, funcionando em condições anormais.
A Classificação Estatística Internacional de Doenças, Décima Edição (CID-10), classifica-o como uma doença. A psicóloga clinica Roberta Rezende, afirma que: "o estresse é desencadeado pela internalização de situações externas e do cotidiano, como a pressão no ambiente de trabalho. Podendo ser o responsável pelo desenvolvimento de doenças ocupacionais".
Devem ser destacado que no caso dos policiais, seu ambiente de trabalho é a rua, local inseguro, insalubre, perigoso e com grande risco de morte. O surgimento de adversidades pode ocorrer a qualquer momento. Além disso, acrescenta-se que no ambiente marginal, o delinqüente que mata um policial, passa a adquirir mais respeito perante os criminosos.
Independente disso, quando ocorre uma transgressão por quem deveria resguardar à lei ou dar o bom exemplo, como resposta imediata da sociedade, esta atitude é duramente reprovada. Isso ocorre, antes mesmo de se iniciar uma investigação para saber a motivação que levou o agente agir daquela forma. Quem sabe, não teve um transtorno por estresse pós-traumático, devido à exposição diária e direta ao enfrentamento da violência urbana. Este fato tem contribuído significativamente para o aumentado dos casos e, ao mesmo tempo, para o aumento da incidência de Transtorno Depressivo Maior.
Além do estresse da profissão, os desvios podem estar ligados ao uso e abuso de drogas. Acentua-se que a maioria das ocorrências envolvendo transgressões cometidas por policiais ocorre principalmente no horário de "folga". Não se pode esquecer que mesmo de folga, testemunhando ou suspeitando do cometimento de um crime, terá a obrigatoriedade legal de agir. Caso contrário, poderá enfrentar uma ação judicial pelo crime de omissão (art. 13, § 2º, "a", CPB).
Por isso, costumam-se dizer que o policial está de serviço 24 horas por dia. O exercício de sua função exige que esteja vigilante a tudo e a todos em sua volta. Presume-se que em todas as ocorrências envolvendo policiais (civis ou militares), como primeira medida a ser tomada, seria levá-lo para ser avaliado por uma equipe médica. Sendo comprovado tratar-se de pessoa doente ou estar sob o efeito de drogas (dependente químico), isso deveria ser fator atenuante e de grande relevância para interpretação/apreciação feita pelo Órgão Julgador (Justiça Militar Federal ou Estadual).
De forma alguma, enseja-se passar a mão na cabeça do policial infrator, mas fazer valer o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF), ou seja, dar tratamento igual perante a lei a ambas pessoas, tendo em vista tratar-se de pessoas doentes, que precisam de tratamento e não do cárcere ou ser excluídas da corporação.
Pesquisa feita pela Associação de Defesa dos Direitos Humanos e Constitucionais da Policia Militar e Bombeiro Militar do ES, destacou que 72% (setenta e dois por cento) apresentavam problemas de saúde. Tempos atrás, poderia ser afirmado que o agravamento do estado de saúde desses servidores públicos estaria relacionado a algum tipo de dependência química, principalmente ligada ao uso do álcool ou do cigarro (nicotina).
Hoje, infelizmente, tem se comprovado um número acentuado de servidores com dependência a outras drogas, e pior, ilícita. Informação trazida na matéria registrou que: "Há poucos dias, um major da corporação foi até a uma boca de fumo e trocou sua pistola por pedras de crack. Esse mesmo policial, dias antes, havia trocado uma moto por droga".
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, afirma que nesses casos, não se pode esperar pela iniciativa do dependente em querer se tratar. Isso pode levar muito tempo, comprometendo totalmente seu estado físico, mental, familiar e profissional, inclusive, com grande risco de morte (ou de ser expulso da corporação).
Nota-se grande avanço apresentado pela Policia Militar do Espírito Santo, com a criação de um setor de psiquiatria no Hospital da Policia Militar (HPM) para tratamento de dependentes químicos. O Programa de Reabilitação à Saúde do Toxicômano e Alcoolista (Presta) disponibiliza também esse serviço ao público externo (população). No entanto, deve prevalecer a vontade do paciente em querer se tratar, para ser internado e iniciar o processo de reabilitação química.
Estima-se que outras medidas devem ser adotadas com certa urgência, quem sabe, uma internação involuntária por determinação da justiça com o consentimento da família. Esse procedimento é adotado em alguns estados brasileiros. Ou, simplesmente, cobrarmos do Estado/Jurisdição o cumprimento do que prescreve o § 7º, do art. 28, da Lei nº 11.343/06 ? Nova Lei de Drogas em vigor:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
[...]
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. (grifo nosso)

Desta forma, estaríamos cumprindo o princípio constitucional do direito à vida, à saúde, a dignidade humana... E seria mais uma tentativa de se fazer justiça ao trazer o cidadão (comum ou militar) ao convívio familiar, social e, quem sabe, o retorno a sua atividade trabalhista. É oportuno lembrar, que esta lei não pode ser aplicada ao servidor público militar.
Ponto importante e bem observado pela escritora Glória Perez, é que não adianta internar o paciente, promover a desintoxicação à substância química, se não houver um acompanhamento médico após sua saída da clínica. Caso contrário, o convívio no mesmo ambiente social anterior a internação, poderá levá-lo a uma recaída e voltar a usar droga (isso é o que tem acontecido em nossos dias).
No caso da Legislação Castrense (Código Penal Militar), ela não diferencia a pessoa do usuário/dependente e o traficante de drogas, trata-os como criminosos, prescrevendo em seu texto legislativo a pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção). Nos termos dos artigos 290 e 291, in verbis:

Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos.
Art. 291. Prescrever o médico ou dentista militar, ou aviar o farmacêutico militar receita, ou fornecer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, fora dos casos indicados pela terapêutica, ou em dose evidentemente maior que a necessária, ou com infração de preceito legal ou regulamentar, para uso de militar, ou para entrega a este; ou para qualquer fim, a qualquer pessoa, em consultório, gabinete, farmácia, laboratório ou lugar, sujeitos à administração militar:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre:
I - o militar ou funcionário que, tendo sob sua guarda ou cuidado substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em farmácia, laboratório, consultório, gabinete ou depósito militar, dela lança mão para uso próprio ou de outrem, ou para destino que não seja lícito ou regular;
II - quem subtrai substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou dela se apropria, em lugar sujeito à administração militar, sem prejuízo da pena decorrente da subtração ou apropriação indébita;
III - quem induz ou instiga militar em serviço ou em manobras ou exercício a usar substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;
IV - quem contribui, de qualquer forma, para incentivar ou difundir o uso de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, em quartéis, navios, arsenais, estabelecimentos industriais, alojamentos, escolas, colégios ou outros quaisquer estabelecimentos ou lugares sujeitos à administração militar, bem como entre militares que estejam em serviço, ou o desempenhem em missão para a qual tenham recebido ordem superior ou tenham sido legalmente requisitados.

Percebe-se que avançamos muito (instituições militares), mas precisamos avançar muito mais e promover mudanças legislativas urgentes, haja vista que o CPM data do ano de 1969. Foi criado para atender a situação apresentada à época, não retratando mais o contexto social vivido no momento.
Como tratar de forma diferenciada o cidadão comum (com as benesses da lei) do cidadão militar (com os rigores da lei), quando a matéria apreciada é relacionada à saúde física e mental do cidadão, seja ele, civil ou militar. O que deve importar nesse aspecto, é que são pessoas doentes e precisam de tratamento, mas, muitas vezes, continuam trabalhando normalmente nas ruas das cidades.
Conclui-se com o registro da fala do Assistente Social dos Cabos e Soldados da PMES, Clemilson Pereira: "O policial que atua na rua é como uma máquina. Não existe um processo preventivo, que visa à conscientização contra as drogas, o alcoolismo etc. A única preocupação ainda é com a punição". Por certo, nossas autoridades e gestores públicos, esqueceram o importante ditado popular de que "melhor prevenir do que remediar".

EDUARDO VERONESE DA SILVA
Licenciatura em Educação Física ? UFES
Bacharel em Direito ? FABAVI/ES
Especialista em Direito Militar ? UCB/RJ
Subtenente da PMES
Email. [email protected]