POLÍCIA JUDICIÁRIA E A SÚMULA VINCULANTE Nº 11: LIMITES E PERSPECTIVAS DAS DECISÕES SUMULARES DO STF¹.

 

Anderson Silva Pereira²

Elizangela Sá dos Passos²

Cleopas³

SUMÁRIO: Introdução 1. A Teoria da Tripartição dos Poderes e o Ativismo Judicial 2.Súmula Vinculante nº 11 3.Princípio da Dignidade da pessoa humana(preso) versus a Integridade física do policial; Referências.

           

INTRODUÇÃO

A polêmica gerada na prisão do banqueiro Daniel Dantas, a qual tinha como moldura o uso das algemas, caracterizou o desrespeito à dignidade da pessoa humana, e cuja atividade policial soou como exacerbação da prestação funcional, apesar do estrito cumprimento do dever legal. Ocorre que o plano de fundo deste espetáculo midiático diz respeito a um tema mais abrangente que a prisão de um homem que possui status social, deu ênfase à discussão sobre a Súmula Vinculante 11 que estava sendo editada nesse período. 

A edição da súmula editada pelo STF instaurou um confronto entre o princípio da dignidade da pessoa humana do preso, albergado pela Constituição no art. 1º, III e classe dos policiais, por acharem que isso refletiria de forma negativa quanto a sua integridade física.

Este terá o mister de fazer uma análise sob a perspectiva do ativismo judicial por parte do STF, com a edição da súmula vinculante nº 11. O segundo ponto da análise será feito  sob os dois pontos de vistas do confronto, observando as peculiaridades de cada um. Verificando o reflexo desta súmula na sociedade, com o foco de identificar se a introdução desta súmula vinculante no mundo jurídico trouxe benesses ou pontos negativos para a sociedade. 

2. A Teoria da tripartição dos poderes e o Ativismo Judicial

 

Sempre que se faz referência às competências de cada Poder no universo constitucional, é necessário lembrar dos limites referenciados na Teoria da Tripartição dos Poderes, a qual visa estabelecer de forma orgânica e equilibrada as atividades administrativas e legislativas que orientam a organização do Estado brasileiro.

Silva (2007, p.109) nos remete à Revolução Francesa, em que se tornou

“um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constitui técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.”

 O Poder Judiciário é regulado pela Constituição Federal, art. 92 ao 126, nos quais ficam estabelecidas as funções essenciais, sejam elas as funções tópicas e atípicas do Poder, em que estão delineados os atos jurisdicionais e, subsidiariamente, os atos administrativos e legislativos. Como órgão de um Estado democrático, ele tem como fundamento o respeito integral aos direitos fundamentais da pessoa humana, e, como escopo sócio-político, deverá abranger o conteúdo democrático, em sua essência, quanto à soberania popular.

Não obstante isso, o Poder Legislativo tem o desígnio de materializar essa soberania popular para a estruturação e funcionamento dos órgãos subordinados. Ademais, as funções apresentam da mesma forma que nos outros Poderes, entre típicas e atípicas, sendo as funções de legislar e de administrar, concorrentemente.

Dessa forma, observe-se que há uma conexão relativa entre as funções dos Poderes Legislativo e Judiciário: a competência legislativa. É na competência legislativa que se fundamenta a discussão sobre constitucionalidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário no âmbito do STF, conforme estabelecido no §1º, do art. 103-A, Constituição Federal (1988):

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

Ante o exposto, Ramos (2010, p. 107) preleciona a noção de ativismo judicial sendo “uma disfunção no exercício da função jurisdicional, em detrimento, notadamente, da função legislativa”. O ativismo judicial se apresenta no contexto normativo como rompimento da postura positivista do Judiciário, em detrimento aos atos legislativos, até então de competência exclusiva do Poder Legislativo.

3. Súmula Vinculante nº 11

A Lei nº 11.41, de 19.12.2006, regulamentou a criação, revisão e cancelamento de súmulas vinculantes pelo STF. No entanto, a Emenda constitucional 45/2004 foi o que criou o instituto. De acordo com Paulo e Alexandrino (2011, p.818), há o “intuito de [...] conferir maior celeridade à prestação jurisdicional”, e ainda,

“[...]na ausência de força vinculante das decisões proferidas por nossa Corte Constitucional no âmbito do controle concreto – faz com que milhares de ações judiciais com o mesmo objeto cheguem ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal para que ele declare, em cada caso, o entendimento já inúmeras vezes manifestado.”

Assim, se discute a prática ativista do Poder Judiciário, apoiando-se, nesse diapasão, os operadores do Direito favoráveis à proatividade do STF em busca da redemocratização do país.

A Súmula vinculante nº 11 foi publicada no Diário da Justiça Eletrônico – Dje 214, de 12.11.2008, tendo como relator o Min. Marco Aurelio, cujo conteúdo está disposto da seguinte forma:

“Só é lícito o uso das algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Na Sessão para aprovação da referida súmula, foram suscitados institutos constitucionais essenciais para ordem social e a segurança jurídica do Estado brasileiro, dentre os quais os enunciados no art. 5º da CF, inc. XLIX e III, que tratam da dignidade da pessoa humana.

De outra forma, o entendimento do Ministros a respeito da relevância dos pressupostos para a aprovação da Súmula, diz respeito aos excessos cometidos pela policia.

Diz Oliveira (2010, p.248):

“A bem da verdade a ratio decidendi na edição da SúmulaVinculante 11 está no obtier dictum dos votos e traduz numa preocupação da corte com os supostos excessos cometidos pela Policia Federal na prisão de pessoas de expressão econômica ou politica em operações que visavam desmontar esquemas milionários de corrupção e tráfico de influência, entre outros delitos”.

4. Princípio da Dignidade da pessoa humana(preso) versus proteção à integridade física do policial

A súmula vinculante nº 11 trouxe a tona o conflito entre o princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção a integridade física dos policiais. A fundamentação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para respaldar a edição da súmula supracitada foi a de que o uso indiscriminado das algemas na prisão de qualquer pessoa, ainda que esta não oferecesse resistência à prisão, lesaria o principio da dignidade da pessoa humana e o princípio da presunção de inocência, ou seja, causaria dano moral à pessoa do preso. Contra esta súmula e esta fundamentação, se opôs ferrenhamente a classe dos policiais civis, alegando que "inverter a escala de valores ao ponto de colocar as suscetibilidades de criminosos acima da segurança pessoal do policial, isto é, do seu elementar direito à vida e à incolumidade física, é de uma insensatez abominável".  Ademais a COBRAPOL (Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis), refutou a competência do STF para editar tal súmula, pois conforme prevê o art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210 /84) “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”.

Os defensores da súmula referida alegam que esta evitaria a espetacularização da prisão, como bem falou o então presidente da OAB Cezar Britto, quando da sua edição, “Com a decisão do STF, não se poderá usar algemas apenas com intuito de constranger, condenar moralmente ou espetacularizar o ato de prisão. A algema somente poderá ser aplicada em casos de risco de fuga ou de perigo de morte dos agentes e cidadãos”.

Os opositores a súmula vinculante nº 11, alegam que o uso das algemas é uma forma evitar o uso da força, visto que o momento da prisão é muito tenso, e que é quase que impossível prever como reagirá pessoa detida, se ela ficará tranquila ou nervosa? Ademais é ínsito ao ser humano a vontade de fugir de qualquer situação que possa trazer perigo a sua pessoa (no caso o aprisionamento). Destarte, o uso das algemas seria uma forma de evitar que uma possível reação desesperada pudesse causar danos maiores ao preso, ao policial e a sociedade, impedindo até mesmo, o abuso da autoridade e o excesso de força, numa repressão a esta reação do preso.

Diante tal conflito de princípios, teria o STF agido corretamente ou se precipitado? Podendo ter aguardado o legislador prevê a melhor forma do uso das algemas, visto ser deste a competência para tal ato. Ao analisar que a própria prisão constitui a prevalência da garantia de um bem jurídico maior em detrimento do princípio da liberdade, percebe-se que o STF agiu erroneamente ao sobrepor a dignidade da pessoa humana (do preso) à integridade física (vida) dos agentes policiais, terceiros e até mesmo a do preso, ao sumular tal questão.  

REFERENCIAS

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. vol I. Niterói, RJ: Impetus. 2011.

 

BRASIL. Constituição Federal.

______. Código de Processo penal

______. Súmula Vinculante 11.

 

Valle, Vanice Regina Lírio. Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009.

 

Oliveira, Humberto Machado de. Ativismo Judicial. Curitiba: Juruá, 2010.

 

MAUÉS, Antonio Moreira. Súmula Vinculante e Proteção de Direitos Fundamentais. In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; FRAGALE FILHO, Roberto; LOBÃO, Ronaldo (Orgs.). Constituição & Ativismo Judicial: limites e possibilidades da norma constitucional e da decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 39-59.

 

Uso Restrito das Algemas, Fórum da Confederação de Trabalhadores Policiais Civis, disponível em: http://www.cobrapol.org.br/forum/viewtopic.php?f=2&t=4.

 

 Posição do Ministro da OAB Cezar Britto, disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL715797-5601,00.html.