POLÊMICAS E DILEMAS: FOME

Um preocupante problema a ser resolvido pela humanidade é a fome, mesmo não estando nos holofotes da mídia como estava no século passado, o que vem fazendo a opinião pública esquecer, das discussões dantes suscitadas. O Brasil ocupa a 8ª posição no ranque de países com maior número de pessoas com fome no mundo, com mais de 14 milhões de pessoas consumindo alimentos insuficientes e de má qualidade, cerca de 37 milhões de pessoas vivendo com menos de dois dólares por dia; onde 45% das crianças com menos de cinco anos sofrem com anemia crônica; e 50 mil crianças nascem com comprometimento mental devido aa falta de iodo na alimentação. A fome é uma questão de construção social e a desnutrição, uma consequência fisiológica, sendo que a última seria a condição necessária da fome e a primeira por sua vez estaria ligada aos fatores sócios históricos.

A fome representa uma incessante necessidade do corpo, que na ausência de ingestão de alimentos desencadeia a sensação de estômago vazio, esta situação é resultado de um longo período que o organismo humano passa sem alimentação, para que o mesmo possua energia e carga de nutrientes necessárias para a sustentação da saúde, duas questões importantes, do ponto de vista biológico, devem ser levadas em conta para que o corpo sinta-se saciado em relação à alimentação, que são: a quantidade e a qualidade.

Em relação à quantidade, a questão é simples, pois o organismo tem que equiparar a quantidade mínima de calorias consumidas, com o gasto de energia do organismo, no tocante trabalho realizado diariamente, percebe-se então que a fome é, portanto, em primeiro lugar, um fenômeno quantitativo que pode ser definido como a incapacidade da alimentação diária fornecer ao corpo o valor calórico correspondente ao gasto energético, a esta modalidade de fome dá-se o nome de energética ou calórica, todavia para que haja um bom funcionamento do organismo humano não se pode ficar restrito somente a quantidade de energia ingerida, indo além das calorias, mas sim na riqueza de nutrientes ingeridos e seus valores nutritivos.

Os alimentos possuem seis classes de nutrientes: carboidratos, gorduras, proteínas, vitaminas, minerais e água, eles são as fontes de energia que o corpo necessita, contudo não consegue por si mesmo sintetizar em quantidades suficientes para as necessidades fisiológicas, a falta destes elementos à alimentação afeta o desempenho do organismo criando distúrbios e lesões, representando sérias consequências à saúde do corpo, esta fome é mais discreta que a calórica. A fome parcial é aquela provocada pela monotonia ou desequilíbrio alimentar, desta forma o organismo sentirá alimentado, mas poderá expor-se a doenças provocadas por este desequilíbrio, Josué de Castro chama de oculta este tipo de fome.

Os nutricionistas recomendam que para as necessidades fisiológicas sejam atendidas o organismo deve consumir de cada nutriente o essencial para o funcionamento saudável do corpo, doses adequadas, seguras, o que significa o nível normal de nutrientes necessários para o bom andamento do organismo. De acordo com ANGELIS, 1999, p.28.

Isto significa que o consumo de alimentos deve conter as necessidades fisiológicas e mais, para a parte que não será aproveitada dos nutrientes. Todavia, se o consumo for exagerado, não é seguro – este excesso poderá até ser tóxico ou favorável a desencadear uma obesidade, portanto, as necessidades fisiológicas de nutrientes são inferiores as recomendações.

as sugestões nutricionais expostas consideram vários fatores, os hábitos alimentares é o principal, por isto em cada região do país são elaboradas determinações distintas, pois levam em conta características das localidades. Apresentada a fome sob a ótica da nutrição, fica a pergunta: quais seriam então as consequências dessas diversas expressões da fome?

De acordo com STACCIARINI, 2008, a insuficiência alimentar afeta diretamente no equilíbrio do corpo humano, contribuindo, causando ou acelerando o desenvolvimento de enfermidades, em crianças na fase de desenvolvimento a má alimentação é fator decisivo para a sobrevivência.

Josué de Castro discorre sobre estes estados de carências, apontando as formas típicas de suas manifestações, as síndromes clínicas, tais como pelagra, escorbuto, anemia, xeroftalmia, dentre outras, sejam em formas larvadas e discretas, que são diagnosticadas através de exames laboratoriais.

A tecnologia da nutrição já diagnosticou, felizmente, as carências mais específicas, sendo restrito a grupos de extrema insegurança alimentar, em contrapartida, multiplica-se a incidência de carências parciais, o que resulta em um conturbado desiquilíbrio alimentar, que são os estados de fome oculta.

 De acordo com o professor José Henrique Stacciarini, as causas que provocam a desnutrição estão ligadas aos problemas decorrentes de uma subalimentação, que se classifica em três grupos: a calórica protéica, a desnutrição por deficiência vitamínica, e a causada por deficiência mineral.

A desnutrição mata, e é comum encontrar certidões de óbitos tendo a fome como causa da morte, por provocar enfraquecimento do organismo, expondo-o a doenças fatais que um corpo bem nutrido não padeceria. Desnutrição calórica – protéica atinge principalmente crianças de países pobres, o grau extremo da desnutrição, é denominado pelos nutricionistas como desnutrição em 3º grau, o que exige hospitalização da vítima imediatamente, para que evite implicações danosas. As doenças kwashiorkor e o marasmo são recorrentes em crianças em gravíssima situação de insegurança alimentar, o que leva à morte milhões de vítimas, todo ano, sem defesa imunológica.

A carência vitamínica, “fome de vitaminas”, também é causadora de inúmeras doenças, pois o organismo fica deficitário de algum tipo de vitamina, o que desenvolve doenças como, xeroftalmia, beribéri, pelagra, escorbuto, raquitismo e outros males, o corpo sobre também com a ausência de minerais, o que acarreta anemia e o bócio, a fome de iodo causa o bócio endêmico que Josué de Castro define: “mal terrível que deforma o corpo e atrofia o espírito, o bócio constitui terrível praga carêncial, que conduz à degeneração do indivíduo”.

A fome é um mal que prejudica o homem, fazendo que o mesmo por ausência de uma alimentação adequada padeça de males às vezes irreversíveis, Josué de Castro dizia que:

Sejam em forma isoladas, sejam associadas às fomes específicas, atuam poderosamente sobre os grupos humanos, marcando o corpo e alma dos indivíduos. A verdade é que nenhum fator do meio ambiente atua sobre o homem de maneira tão despótica, tão marcante, como o fator alimentação (CASTRO, 1957, p. 137).

A fome é uma manifestação que surge com a formação das sociedades de classe, estando atrelada à desigualdade social, apresentando outros conceitos além dos fisiológicos, apresentando duas características: a fome epidêmica e a fome endêmica.

A endêmica é de curta duração e universal, ocorre em períodos de guerra, secas e enchentes, ocorrendo em determinadas áreas geográficas em que a população, em parte, apresenta nítidas manifestações nutricionais transitórias, este tipo de fome causa comoção da população, que busca resolver o problema, exigindo ação imediata do Estado, pode-se evita-la com planejamento e boa vontade política.

Não menos grave e nociva, a fome endêmica, representa subnutrição permanente e silenciosa, afetando determinadas áreas geográficas, em que pelo menos metade da população apresenta carências nutricionais permanentes, este tipo de fome relaciona-se com a ausência de acesso à comida, causado pela falta de poder aquisitivo.

O conceito de fome vai além do alimento para sustentar o organismo, envolve questões físicas, biológicas, sociais e históricas, veiculando o conceito às desigualdades, sua origem está ligada à pobreza e à dependência, no início do século XX não se dava importância a este fenômeno, além disso, o acesso à comida estava direcionado a explicações naturalistas, onde a incapacidade de alimentação do homem estava voltada aos limites naturais, isentando as questões sociais.

Essa ideia naturalista foi muito aclamada principalmente pelo suporte teórico dado pelo economista e demógrafo Thomas Robert Malthaus, que afirmava que o crescimento da população tende sempre a superar a produção de alimentos, sendo necessário o controle da natalidade, pois, para ele, devia-se controlar o comportamento social e sexual das populações pobres, já que, quanto mais nascimentos, menos espaço e comida haveria para todos; essa teoria gerou vários debates na época, e cada vez mais acusava o pobre de sua pobreza, criticando o comportamento sexual e social o que motivava o real motivo de seu tormento. Sob essa perspectiva a sina das populações pobres seriam a miséria e a fome, já que à natureza não daria suporte às futuras populações.

O crescimento populacional e as limitações agrícolas como consequência, não apresentam assertivas científicas e justificativas ideológicas e políticas para defini-las como reais motivos da fome, visto que a fome não é produto da superpopulação, a fome já existia antes da explosão demográfica do pós-guerra, e muita área de baixa densidade de população como acontece no continente africano, são atingidos pela mesma.

Caindo por terra a teoria de Thomas Malthus, fica a pergunta, quais seriam as verdadeiras causas fundadoras da fome?

Historicamente a explicação está no fato das colônias serem criadas para beneficiar as metrópoles, sendo alterava-se a organização social dos povos nativos impondo suas terras a uma exploração exaustiva, esse processo desalinhou a produção de subsistência das colônias, levando a problemas de falta de gêneros alimentícios e agravamento da crise nutricional dos nativos.

Hoje o processo é semelhante, pois, o mundo está reestruturado no neocolonialismo econômico, o que condenou os países historicamente vítimas da exploração de suas riquezas naturais e de seu povo, a um papel secundário nas relações econômicas internacionais, já que grande parte da produção interna do país está voltada a atender as necessidades das nações do primeiro mundo, o que ocasiona falta de alimento para abastecimento local, inflacionando os produtos alimentícios.

A fome é resultado de um processo de progresso econômico e tecnológico que ocorre de forma desigual, onde a maior parte da humanidade não participa, ficando à margem, tornando-se uma população sem esperança, desta forma são os fatores históricos, políticos e sociais os reais causadores do fenômeno FOME.

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