Há uns dez anos fui a uma palestra motivacional convidado por uns amigos. Lá chegando pude contar com a imensa frustração de deparar pela enésima vez com alguém falando sobre a parábola da “águia e da galinha”. Vou tentar ser sucinto pra explicar a perniciosa fábula, parábola, ou seja lá que droga resolverem chamar àquele monte de baboseiras e contestá-la à luz da filosofia Platônica.

Reza a lenda desses senhores que levam isso tão a sério que a águia é um ser superior a galinha, mas quando eu digo superior quero enfatizar que é como se uma tendesse a divindade e a outra a “capeticidade” (verbete novo que criei pra ilustrar tamanha disparidade). Pois bem, dentre os argumentos, a águia voa alto, a galinha vive embaixo, a águia é fiel ao seu parceiro, a galinha é galinha, a águia é solitária, a galinha vive em bando, a águia enxerga maravilhosamente bem, a galinha é meio cega, a águia se destrói toda pra se renovar e viver mais não sei quantos anos, a galinha “nem tchum”, tá cagando de morrer amanhã, ou sábado que vem, ou na véspera do natal ou nunca. Absolutamente querendo engrossar o caldo o sujeito dá uma cara de cristianismo barato a sua argumentação, incentivando os que se intitulam cristãos serem como a águia. Resumindo, ser uma galinha é, para esses “filósofos” uma desvantagem homérica.

Naquele dia resolvi fazer diferente, deixei aquele palestrante falar e ser aplaudido bastante, quando terminou eu perguntei se podia fazer algumas considerações e ele me permitiu. Então comecei: Quem aqui já viu uma águia ao vivo? Uma ou duas mãos tímidas se levantaram; Quem aqui já comeu um ovo de águia? Ninguém se manifestou, naturalmente, indaguei ainda quem já havia saboreado um suculento ovo de galinha – as mãos foram unânimes, todo conheciam o gosto, a forma, o tamanho e as possibilidades de um ovo de galinha. Prossegui perguntando, se tivéssemos que escolher entre a extinção da águia ou a da galinha, qual seria a que daria maior prejuízo a humanidade.

Notei alguns risos brotando entre os presentes, perguntei ao palestrante ilustre se ele tinha conhecimento da obra de Platão sobre a divindade, para minha surpresa ele disse que conhecia bem pouco. Pois bem, continuei, se me permitires eu explico. Platão considera que para se chegar ao perfeito há que se cumprir cabalmente o seu papel no mundo, dessa forma, para Platão o homem está perto da divindade quanto mais perto estiver de fazer a coisa certa no lugar certo. Assim, o homem, a águia, a galinha, o gato, o cão, o camaleão, e qualquer espécie dentro do planeta será perfeito se cumprir inteiramente com o papel para o qual foi criado.

Dessa forma, falei aos presentes, a galinha que é galinha de verdade e faz o seu papel de galinha é perfeita, a águia que faz o seu papel de águia também é perfeita, e o homem... O palestrante me olhou com um certo rancor e falou que o livro sagrado da religião dele citava a águia como exemplo, e não a galinha. Falei a ele, ainda bem que não pertenço a sua religião, porque um deus que faz dois animais, cada um para o seu propósito específico, não deveria cobrar “aguiacidade” de uma galinha e nem “galinhacidade” de uma águia, e ainda por cima jamais citaria uma superior a outra, se ambas cumprem seus distintos papéis dentro da sua realidade. Nem mesmo um deus decente usaria um animal que voa e põe ovos como referência de perfeição para um mamífero (homem), que nunca voará utilizando seus predicativos físicos e sua condição natural. Consegui dividir as opiniões porque tem gente que escolhe sempre o lado menos verdadeiro das coisas. Direito de cada um, não vou aqui contestá-lo.

Somente um homem, cansado de sua humanidade vai querer ser uma águia ou uma galinha, um homem de verdade quererá ser sempre um homem, apenas um homem, cumprir com o seu propósito humano sobre o planeta e viver de acordo com a sua natureza.

Muito costumeiramente essas fábulas ou parábolas nos circundam, contemporaneamente nas redes sociais, nos incentivando a ser esse ou aquele bicho. Quero, por fim dessa minha narrativa solicitar apenas uma coisa a esses distintos senhores palestrantes, detentores de um saber tão diminuto:

ME DEIXEM SER HOMEM. SER BICHO NÃO É PRA MIM!!!