Planejamento Político-Educacional: questões para elaboração do marco referencial em plano global de médio prazo.

Felisberto Vasco Gonçalves (2004)

Inexiste uma explicação sobre os problemas da América Latina e do Brasil que não envolva complexos conhecimentos históricos, geopolíticos, estratégicos, econômicos e culturais. No entanto parece ser difícil discordar de que a desigualdade a que esses povos estão submetidos repousa na desequilibrada concentração de riquezas, na má distribuição de terras e na exclusividade de uns poucos privilegiados em acessar energia, água, investimentos em tecnologia e acesso ao conhecimento.
A situação global deste início de século XXI parece ser resultado da frustração que se abateu sobre a sociedade capitalista pós-industrial, onde a indefinição na hierarquia de valores, somada a um modelo econômico concentrador de renda, desponta com indicadores negativos. A crença num planejamento estratégico onde um estado de bem-estar social possa ser um bem comum parece estar cada vez mais distante quando se considera que o objetivo principal dos senhores do volátil capital seja a produção econômica. A obsessão pela qualidade total e pelo acúmulo de riqueza nas mãos de uns poucos felizardos tem salvo-conduto entre as hordas de milhões de analfabetos de países com absurdas taxas de mortalidade e índices de natalidade descontrolados. A ganância capitalista força comunidades de nações periféricas ao continuísmo de economias subalternas, o que as precipita no vórtice do endividamento, tolhendo-lhes o crescimento econômico, eliminando-lhes a concorrência.
Considere-se ainda que o lado sombrio da aldeia global parece ter suas raízes no consumismo, na ostentação e na ambição desmedida com fortes tendências desagregadoras. A fome e a miséria social, o desemprego e a escalada da violência por motivos torpes são indicações de que o sistema produtivo hegemonicamente instalado está agonizante. A consciência de valorização egoisticamente individual, evidenciada pelo hedonismo e pela etnofobia aprofunda as diferenças sociais e faz com que os atores sociais se distanciem cada vez mais do foco onde deveria brilhar o sujeito do humanismo. Esse individualismo paradoxalmente reflete a proposta de homogeneização cultural e massificação do consumo, conseqüência do esquema econômico dominante que subentende a dependência tecnológica e financeira, onde sobressaem a irresponsabilidade e a falta de compromisso dos gestores corruptos.
Não bastariam os reveses do sistema econômico, redes de terrorismo internacional fanaticamente estruturadas e devocionalmente financiadas lançam uma sombra estarrecedora de instabilidade e insegurança sobre o futuro da aldeia global neste início de século. O crime organizado das megalópoles reproduz ousados esquemas internacionais ligados ao contrabando de armas e drogas desafiando a hegemonia dos poderes constituídos.
Seria de todo ingênuo não enxergar no caos social ainda reinante pontos positivos que se sobressaem como primeiros sinais de uma sociedade em mudança. A popularização das ciências e a universalização dos avanços científicos e tecnológicos, assim como o rápido acesso à informação, disseminam a idéia de democratização do conhecimento. Não chega a ser um paradoxo, mas a indiferença do dia-a-dia dos cidadãos se transforma em solidariedade durante grandes calamidades. Os valores preferenciais da sociedade que desponta parecem se concentrar no ser solidário que reflete suas atitudes. O individualismo e o racionalismo parecem estar cedendo lugar a um planejamento participativo que possa modificar valores, alterar realidades, negociar poderes.


Referência bibliográfica:
GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo: na educação e em outras instituições, grupos e movimentos dos campos cultural, social, político, religioso e governamental, Petrópolis: Vozes, 1994.