Planejamento e Fomento Público

 

Introdução:

 

O presente artigo tem por objetivo abordar os tipos de fomento e os reflexos no âmbito econômico, sem, contudo, esgotar o tema.

O planejamento econômico, visto de um prisma voltado para a livre iniciativa, tem por consequência o fomento. Este, por sua vez, configura uma das funções da Administração Pública, pois o Estado tem como um de seus objetivos conseguir o desenvolvimento econômico e o progresso sociocultural (art. 3º, II, CF), e para isso, utiliza de mecanismos para incentivar a iniciativa privada de interesse coletivo nesses campos. Vale ressaltar que o fomento não é uma imposição do Estado, cabendo aos indivíduos a livre escolha de aderir a determinadas atividades previstas no plano de desenvolvimento econômico, que visam sempre o interesse público, para receberem incentivos previstos em lei. Todavia, uma vez aceita a adesão, a Administração Pública pode obrigar o indivíduo ao cumprimento do que este anuiu anteriormente. Nesta linha de raciocínio fomento e planejamento caminham juntos, devendo as atividades que recebem privilégios visar sempre o bem-estar da sociedade, pois caso contrário fica vedada a preferência ou proteção para que cumpra-se o princípio da isonomia e igualdade.

O fomento é criticado por parte da doutrina sob o fundamento de que pode ensejar um atraso no desenvolvimento nacional, finalidade contrária da que se pretende. Um exemplo utilizado é o fomento estatal patrocinado aos produtores de café, pois gerou incentivos à monocultura e uma grande dependência dos mercados externos.

 

Previsão Constitucional:

 

O fomento está previsto no art. 174 da Constituição Federal: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. E seu parágrafo primeiro alude que “A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”.

Antes da Emenda Constitucional nº 6 de 1995 os incentivos eram feitos para proteger as empresas brasileiras de capital nacional. Previa o art. 171, §1º (revogado pela EC nº 6/1995), que poderia haver outorga de benefícios especiais temporários às empresas brasileiras de capital nacional com o objeto de realizar atividades estratégicas para a defesa nacional ou para o desenvolvimento tecnológico nacional. Em uma primeira análise tais proteções feriam Tratados internacionais, como por exemplo, o Tratado da Organização Mundial do Comércio, o Tratado de Assunção e até mesmo o Mercosul, uma vez que, discriminava os estrangeiros para beneficiar os nacionais. Entretanto, as normas de direito internacional distinguem países desenvolvidos e países em desenvolvimento, admitindo, por parte destes certas medidas de proteção.

Eros Grau assevera que tal dispositivo, apesar de revogado pela EC nº 6 de 1995, não apresentava qualquer inconstitucionalidade, podendo, assim, uma lei ordinária conceder tais incentivos. Para ele, quando o dispositivo integrava a CF, tratava-se de um poder-dever do Estado de proceder com os incentivos, com a revogação torna-se uma faculdade, em que deve ser analisado o caso concreto.

 

Tipos de Fomento:

 

Augusto de Athayde classifica as intervenções de fomento em 9 modalidades.

 

Benefícios e incentivos tributários: são isenções e reduções de tributos, os quais em situações normais seriam cobrados. A CF não vê com bons olhos as isenções, sendo mister a demonstração das vantagens para toda a sociedade ao realizar a isenção. A outorga às empresas privadas para organizar e explorar atividades econômicas é feita com fundamento na utilidade social. Desta forma o Estado, por sua vez, auxilia as empresas com o intuito de melhorar e expandir este setor da economia. Um requisito para os incentivos é a previsão na lei orçamentária (art. 165, §6º, CF), pois haverá uma redução na receita. O argumento é que a renúncia acarretará em uma redução da receita, entretanto, os benefícios serão maiores do que receber essa receita. Em outras palavras atingirá um bem maior à sociedade, como por exemplo, novos empregos, gerando no futuro maior arrecadação. Os incentivos podem ser setoriais quando se destinam ao desenvolvimento de atividades selecionadas, ou incentivos regionais quando o objetivo é auxiliar o desenvolvimento de determinadas regiões desfavorecidas, seja pelas condições climáticas seja pela sua condição financeira e social. A redução das desigualdades está prevista no art. 3º, III, CF e como um dos princípios da Ordem Econômica no art. 170, VIII, CF. Um problema que ocorre em virtude destes incentivos é a chamada “Guerra Fiscal”, em que os Estados-membros buscam atrair investimentos renunciando cada vez mais às receitas, para conseguir determinada empresa privada e gerar empregos. Um exemplo de incentivos que têm caráter setorial e regional, são os ligados ao fomento de exportações para atingir um saldo positivo na balança comercial do país. Dentro da matéria de incentivos estão também questões ligadas à política de integração, como por exemplo a redução da alíquota do imposto de exportação quando o produto for destinado à países do Mercosul, ou ainda o chamado drawback que é um benefício fiscal de produtos estrangeiros importados que forem empregados como insumos ou componentes em bens a serem exportados. Os incentivos fiscais também são observados no tratamento diferente dado às microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos do art. 179, CF.

 

Garantias: ocorre quando empresas privadas precisam recorrer ao mercado de capitais para possibilitar o desempenho de atividades de interesse público. Assim, ao recorrer ao mercado apresentam o compromisso, por parte da Administração, de responsabilidade pelos débitos se houver inadimplemento, ou seja, esta se responsabiliza pelo reembolso dos títulos no momento do resgate, independentemente de quem for o seu titular.

 

Subsídio: é um donativo empregado pelas empresas com o objetivo de vender seus produtos por um preço inferior ao valor de custo. Se distingue dos empréstimos, pelo fato de o subsídio não gerar a obrigação de reembolso existente nos empréstimos. Os subsídios se dividem em: simples ou condicionados a imposições da Administração Pública, anteriores ao exercício da atividade ou posteriores, como prêmios pelo desempenho da atividade, por exemplo. Podem ainda ser periódicos, quando há uma regularidade do subsídio ou não periódicos. Os subsídios não podem ter caráter discriminatório de um setor em relação a outro, devendo ser observado o princípio da igualdade. Outro ponto importante é a impossibilidade de utilização dos subsídios quando possam acarretar danos à economia de outros países.

 

Empréstimos em condições favoráveis: são empréstimos com o destino de aplicação em atividades que mereçam apoio oficial. Podem ser feitos diretamente pelo Tesouro Nacional ou pelos Tesouros Estaduais, podem ser empréstimos concedidos por empresas públicas ou sociedades de economia mista de natureza bancária, ou ainda podem ser créditos facultados por fundos especiais. Foi criado o BNDES pela Lei 1.628 de 1962, tendo por objetivos a reestruturação da indústria, a modernização e adequação da infra-estrutura econômica, a modernização do setor agropecuário e a conservação do meio ambiente. O BNDES juntamente com a Finame e BNDESPAR atendem as necessidades de investimentos a longo prazo. Dentro do programa de reestruturação e racionalização empresarial possui como itens financiáveis a compra de ações ou cotas de empresas, gastos com consultoria para projeto e gerenciamento de processo de reestruturação, investimentos fixos pertinentes, dentre vários outros. O programa de tecnologia compreende a capacitação tecnológica (financiamento dos gastos da empresa e o desenvolvimento de produtos e processos), qualidade e produtividade (financiando investimentos que ampliem a produtividade e qualidade), capitalização de empresas de base tecnológica (apoio por meio de participação acionária). O setor de infra-estrutura é apoiado pelo BNDES em se tratando de empreendimentos por parte de pessoas jurídicas de direito público interno ou entidades por elas controladas, seja diretamente ou indiretamente. Estes empreendimentos devem ser para a implantação ou modernização de sistemas de transporte de carga aeroviários, ferroviários, hidroviários, dentre outros, além de outros investimentos privados no âmbito dos transportes, por exemplo, de cargas e de passageiros. As empresas industriais poderão realizar financiamentos através do sistema do BNDES para implantação ou expansão de capacidade produtora de empresas, quando houver competitividade; capacitação tecnológica; aumento de produtividade e qualidade; conservação e controle do meio ambiente; compra de máquinas e equipamentos nacionais ou produzi-los para outro país; imobilização de máquinas e equipamentos e aluguel de sistemas de informática; produção de equipamentos e máquinas para exportação; importação de máquinas e equipamentos; capitalização da empresa privada nacional; ou reestruturação empresarial visando atender empreendimentos que busquem adequar a estrutura industrial do país. Para concretizar esses objetivos a Finame possui quatro tipos de programa. O primeiro é o programa automático que visa a aquisição de máquinas e equipamentos de produção seriada. As micro empresas e empresas de pequeno porte se beneficiam com condições mais favoráveis. O segundo é o programa especial que apoia a aquisição de equipamentos de grande valor ou esquipamentos voltados para projetos de grande porte. Uma característica desse plano são os prazos dilatados de amortização. O terceiro é o programa agrícola, para o qual é voltado à aquisição de máquinas e equipamentos de produção agropecuária ou agroindustrial. O ultimo programa é o finamex, que visa o financiamento de exportação de máquinas e equipamentos de indústrias brasileiras. Ainda sobre empréstimos públicos com a finalidade de incentivar a exportação, existem diversos tipos de financiamentos diretos ou por meio de abertura de linhas de crédito no Banco do Brasil.

 

Assistência técnica: trata-se de orientação, por parte de entidades da Administração Pública, de estudos, banco de dados e informações ligadas às atividades de produção e comercialização desempenhadas por empresas privadas. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tem competência para fomentar o desenvolvimento do campo de pesquisa científica e tecnológica. O Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) fomenta as instituições de ensino e pesquisa no nível superior. Outros órgãos de informação e formação pertinentes à matéria são o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio), o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), ambos autorizados com base no art. 240 da Constituição Federal, e, por fim, o SENAT ligado aos transportes.

 

Privilégios Especiais: segundo Augusto de Athayde, é a disciplina de mercados, em que concorrem empresas de potencial econômico muito desigual, através do estabelecimento de contingenciamentos, sendo uma medida de auxílio para as empresas mais fracas.

 

Desenvolvimento do Mercado de Títulos: de acordo com Cabral de Moncada, trata-se de uma vantagem ao colocar a disposição das empresas formas e maneiras de atrair capitais, ajudando elas à financiar sem necessidade de utilizar o meio de empréstimos, o que pode onerar, e muito, o passivo da empresa.

 

Protecionismo à produção nacional: este ocorre quando é necessária uma proteção à indústria nascente, visto que ela por si só não teria condições de competir com as indústrias estrangeiras. Em geral este protecionismo é em relação às atividades estratégicas para a defesa nacional ou imprescindível ao desenvolvimento do país, principalmente na parte tecnológica. Os setores protegidos devem ser definidos no planejamento. O fundamento deve ser amparado no contexto de desenvolvimento do país, sempre com a cautela de não contrariar preceitos do direito internacional, como por exemplo, a discriminação. São admitidas as proteções, por exemplo, barreiras tarifárias e quantitativas, todavia, de forma setorial e temporária. Nos dizeres de Marcos Juruena, “os instrumentos de protecionismo são, além das tarifas aduaneiras (Imposto de Importação), o regime de quotas de importação, a reserva de mercado e a exigência de controle acionário em mãos de domiciliados no país”. (SOUTO, 2003, p. 54)

 

Pólos Industriais e Comerciais e Sociedades de Capital de Risco: o Governo fornece incentivos fiscais e investimentos em infra-estrutura aos pólos econômicos, com o objetivo de concentrar empresas em uma determinada região. Os pólos petroquímicos e os industriais exemplificam este tipo de fomento. Por sua vez, as sociedades de capital de risco são criadas com o intuito de participarem do capital social de empresas com potencial, para dinamizar o mercado de capitais e fomentar o investimento privado. Estas sociedades são temporárias.

 

Controle:

 

O controle dos instrumentos de fomento são realizados sob o aspecto da legalidade, legitimidade e da economicidade, assim, como as atividades administrativas em geral, a luz do art. 70 da CF:

 

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

 

A legalidade é a adequação dos benefícios outorgados aos limites e objetivos previstos em lei. Vale ressaltar que deve-se observar a lei de diretrizes do plano, leis orçamentárias, além do Código Tributário Nacional e as legislações pertinentes.

A legitimidade está presente na lei de diretrizes do planejamento e o respectivo plano, visto que estes apresentam o interesse público genérico e o específico que devem ser atendidos pelo Estado.

A economicidade está intimamente ligada à eficiência, com o intuito de obter os melhores resultados ao menor custo para o erário.

O controle é realizado pelos órgãos de controle interno da administração, seja pelo poder hierárquico ou quando houver vinculação entre a administração indireta e a direta, pelo controle finalístico ou supervisão ministerial. O controle também pode ser feito pelos Tribunais de Contas, além do controle do judiciário, seja por via da ação popular ou um mandado de segurança impetrado por um concorrente que tenha sido lesado no caso concreto, ou ainda, pelos meios ordinários.

 

Referências:

 

ATHAYDE, Augusto de. Estudos de Direito Econômico e de Direito Bancário. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1983, 81-88.

 

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: (interpretação e crítica). 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. 391 p.

 

MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito Econômico. p. 354.

 

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, 528p.