Resenha

Artigos:

 “Conceitos da Sociologia de Pierre Bourdieu para Pesquisas em Educação” de Rita de Cássia Alves das Chagas e Lídia Juliana Rodrigues Moraes.

“A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: Limites e Contribuições” de Claudio Marques Nogueira e Maria Alice Nogueira.

No primeiro artigo, as autoras promovem uma discussão dos conceitos de Bourdieu. Inicialmente fazem uma análise histórica do papel social desempenhado pela escola a partir da instituição da República. A partir de 1920 devido à industrialização e urbanização os teóricos do movimento Escola Nova viram a necessidade de uma escola pública para combater as desigualdades sociais. A escola passou a ter o papel de transformar a realidade social.

Até os meados do século XX a escola era vista como neutra e como meio de promover a justiça social, onde as pessoas poderiam competir de igual para igual, sobressaindo as que tivessem maiores dons pessoais (meritocracia). Essa visão ainda permanece de um modo geral, mas para Bourdieu esta forma de organização social legitima as diferenças sociais e mascara a dominação. Os dominados aceitam a dominação por acreditarem serem inferiores.

As autoras seguem sua análise afirmando que para Bourdieu a escola preserva os padrões sociais das classes dominantes, perdendo o papel antes a ela atribuído de transformar a sociedade, para ele a escola é uma das instituições que mantém e legitima os privilégios sociais das classes dominantes.

O estudo de Bourdieu destaca conceitos tais como, Capital Cultural e Violência Simbólica. Sendo capital cultural fomentador do poder simbólico podendo ser incorporado, objetivado e institucionalizado. Resumidamente, os indivíduos criariam, sustentariam e defenderiam seus sistemas simbólicos na sociedade, o resultado desta disputa seriam hierarquias culturais, sendo umas consideradas superiores às outras. As classes sociais se definiriam pelo Habitus, senso prático de como agir em diversas situações. O conceito de violência simbólica, mecanismo que cria, legitima e reproduz a desigualdade social por fabricar crenças, fazendo com que os dominados enxerguem e avaliem o mundo segundo os padrões das classes dominantes. Bourdieu inclui a educação como forma de violência simbólica, cultural por inculcar um arbitrário cultural nas gerações produzindo um habitus cultural que beneficia os bem nascidos e exclui os despossuídos.

Em seguida, as autoras fazem uma apreciação da recepção dos estudos de Bourdieu no campo educacional brasileiro. Da década de 1970 a meados da década de 1990 as obras do autor foram muito criticadas, por estas não oferecer, segundo seus críticos, proposta para a ação, limitando-se a constatação de fatos, sendo a obra considerada desmobilizadora. Já a partir dos anos 1990 novas leituras e apropriações estão sendo feitas dos conceitos do sociólogo francês, sendo sua contribuição evidente para a compreensão de aspectos da sociedade contemporânea.

Enfim, nessa obra, as autoras fazem um apanhado dos conceitos criados por Pierre Bourdieu e como esses se introduzem no sistema educacional brasileiro. O artigo não se aprofunda na explicação destes, apenas os apresenta superficialmente.

O segundo artigo é mais abrangente, também faz uma análise histórica do papel desempenhado pela escola até meados do século XX, acrescentando o fator crise educacional ocorrida nos anos 60 que causou uma reinterpretação do papel dos sistemas de ensino na sociedade. Abandona-se o otimismo, a confiança na escola neutra, transformadora por um olhar mais pessimista por este modelo de educação não ter obtido os resultados esperados.

Os autores do segundo artigo passam então a analisar a proposta educacional de Bourdieu, de uma forma mais ampla nos apresenta tanto as contribuições como as limitações da mesma. O artigo está dividido em duas partes principais, na primeira parte faz-se uma análise das teorias de Bourdieu sobre a formação dos atores sociais e as repercussões dos resultados desta formação. Segundo ele o sucesso e o fracasso escolar estão ligados a origem social dos estudantes, pois esta os colocaria em condições mais ou menos favoráveis diante das exigências da escola. A segunda parte do artigo faz referência às teses de Bourdieu sobre como a escola reproduz as desigualdades sociais. Assim como no primeiro artigo dá-se destaque a tese de Bourdieu de que a escola é uma das instituições que perpetuam e legitimam as desigualdades e os privilégios das classes dominantes por apresentar como cultura universal, correta a cultura que as classes dominantes possuem.

O segundo artigo de uma forma mais ampla discute o conceito de Habitus, conjunto de disposições para agir típica do meio de formação do individuo, e o conceito de Capital Cultural, bagagem socialmente herdada que pode ajudar no sucesso escolar, incluem neste o capital econômico, que permite investir em educação; o capital social, os relacionamentos sociais influentes que a família mantém; o capital cultural institucionalizado, títulos escolares como os diplomas e a cultural geral, gosto por arte, música, decoração, domínio da língua culta, etc.

O segundo artigo expande a discussão de como o capital cultural interfere na educação escolar, no caso das crianças de famílias ricas, a educação escolar é uma continuação da educação familiar, a posse do capital cultural favorece o êxito escolar, estes têm maiores facilidades de assimilar os ensinamentos sendo melhores avaliados, enquanto que os alunos de família pobre, desfavorecidas encontram na escola o desconhecido, estranho, algo totalmente novo, tendo estes maiores dificuldades de assimilar os ensinamentos exigidos pela escola, sendo avaliados negativamente. Traz também um estudo de casos das estratégias familiares de investimento em educação, quanto mais pobre a família menor o investimento, menor o tempo dedicado, pelas experiências familiares consideram as chances de sucesso baixas e os recursos são limitados, o investimento seria arriscado. As classes médias investem sistematicamente na educação dos filhos, suas chances são maiores, os recursos razoáveis e estas buscam ascender ainda mais socialmente, para tal estão dispostos a renunciar ao lazer, viagens em prol de um projeto futuro. As elites econômicas e culturais investem pesadamente em educação, mas de forma descontraída, seus filhos escolhem os cursos que desejam fazer independente do mercado de trabalho, estes estão seguros economicamente e o sucesso escolar é tido como algo natural, não necessitando de esforço.

O segundo artigo também apresenta críticas às teses de Bourdieu, primeiro porque pesquisas demonstrariam que a diferença entre classes não seriam suficientes para explicar o sucesso ou fracasso escolar. Segundo, o habitus não poderia ser transmitido automaticamente de pais para os filhos, necessitando de maiores estudos para se entender até que ponto os filhos recebem o habitus dos pais. Em seguida, os autores trabalham o tema da arbitragem cultural, para Bourdieu a cultura transmitida pela escola não poderia ser considerada superior a nenhuma outra, portanto a escola de forma arbitrária legitima como superior a cultura das classes dominantes. O ensino igualitário na realidade reproduz e legitima as desigualdades sociais por exigir o domínio prévio de um conjunto de habilidades e referências culturais e lingüísticas que somente os membros da classe dominante possuem. No entanto, os autores ressaltam que a maior parte dos conhecimentos transmitidos pelas escolas são válidos e que o fato dos grupos dominantes terem maiores facilidades não significa que estes foram escolhidos por esse único fator. A diversidade encontrada entre as diferentes escolas e seus integrantes e as variações no sistema de ensino devem ser levadas em conta.

Os artigos exigiram pesquisa de seus autores, notamos nas referências bibliográficas que vários livros formam pesquisados. Os dois artigos se basearam em livros e artigos que trabalham os pensamentos de Bourdieu e citam capítulos de suas obras, e suas próprias obras. Citaremos algumas tais como obras de Pierre Bourdieu organizadas por Renato Ortiz como “Esboço de uma teoria da prática”; “Gostos de classe e estilos de vida”; o primeiro artigo mencionado se referenciou também nos escritos de Maria Alice Nogueira e Claudio Marques Nogueira, “Bourdieu & a Educação” e no próprio artigo estudado neste texto; também uma entrevista do próprio Bourdieu realizada por Maria Andréa Loyola. O segundo artigo segue o mesmo padrão de consultar obras do próprio autor estudado, Bourdieu, referenciando-se em suas obras tais como “A reprodução”; “Les Héritiers”; “A economia das trocas simbólicas” e “Escritos de Educação”, entre outros.

Concluímos em nossa comparação entre os dois artigos, que o segundo artigo, de uma forma mais abrangente destaca as contribuições de Bourdieu para compreender a escola como espaço social, ressalta que a escola não é uma instituição neutra, apesar de todos os alunos assistirem as mesmas aulas; serem avaliados da mesma forma; obedecerem às mesmas regras; não possuem as mesmas chances, destaca a necessidade de rever o currículo, os métodos pedagógicos e a avaliação escolar, no intuito de reverter o quadro de desigualdade escolar.

Texto

Capital Cultural, Habitus e Cultura Escolar – Suas relações segundo Pierre Bourdieu.

Pierre Bourdieu é considerado um dos maiores sociólogos da língua francesa das ultimas décadas, sendo um dos mais importantes pensadores do século 20.  Seus trabalhos e pensamentos se estendem desde 1960 com uma infinidade de obras importantes para o sistema educacional e cultural. O sociólogo apesar de contemporâneo tem estilo clássico, questionador dos sistemas de reprodução e das desigualdades sociais.

Suas obras se baseiam nos estudos da sociologia e educação, suas reflexões são na maioria sobre sociedade e individuo, ou seja, não basta necessariamente ser rico, mas ter um talento de compreensão para poder absorver conteúdos como linguagens diferentes em cada momento principalmente no convívio escolar da vida de cada um. Bourdieu valoriza teorias de grandes pensadores como Max Weber, para o autor é importante valorizar acervos e trabalhos para elaboração de métodos de trabalhos educacionais e os fortalecerem como ciência. 

Bourdieu usou de uma visão coerente, critica e fez uso de seus estudos intelectuais para denunciar uma sociedade injusta, de dominação indireta e hierarquizada dominadas por uma sociedade capitalista dominadora que mantém seu capital cultural através de suas convicções e pela falta de compreensão das classes menos favorecidas principalmente no campo escolar, salário e relações status social e cultural entre as pessoas da sociedade, a localização da moradia e poder aquisitivo se denomina capital econômico, formação acadêmica saberes reconhecidos por títulos se denomina capital cultural, relações sociais ou algum poder se denomina capital social, prestigio e honra se denomina capital simbólico. Segundo o sociólogo francês, a posição de privilégio, status ou ao contrário ocupada por certo grupo ou pessoa é definida de acordo com as quantidades de capitais adquiridos ao longo da trajetória individual ou do grupo em questão denomina-se por HABITUS.

A concepção de CAPITAL CULTURAL segundo Bourdieu nasce da necessidade de perceber as desigualdades de desempenho escolar dos indivíduos de diferentes classes social, sendo assim o privilégio de se obter este capital são de poucos, neste sentido fortalecendo a desigualdade social. Em sua teoria é através da escola que se adquire este capital, mas para isso é preciso uma compreensão de tudo que é ensinado na escola, esta possibilidade só é possível com uma participação ativa do aluno na trajetória escolar, com o apoio da família.

        “Nada é mais adequado que o exame para o reconhecimento dos                                            

          veredictos escolares e das hierarquias sociais que eles legitimam”.      

                                                                                         (Bourdieu 1930-2002)

                     

            O caminho para o sucesso e desempenho escolar segundo Pierre Bourdieu é pela a escola, o exercício dinâmico das práticas escolares está ligado diretamente à herança cultural de cada família, que é transmitido para o aluno sendo esta responsável pela diferença inicial das crianças diante dos conhecimentos escolares e, conseqüentemente, pelas taxas de sucesso ou fracasso.  Afirma ainda que quanto maior a renda econômica familiar e o grau de escolaridade superior, maiores são as notas e o desempenho escolar de cada estudante, tais atitudes refletem nas escolhas importantes da carreira escolar, logo toda a sua atitude com relação à escola dando seqüência ao futuro deste aluno.

           A escola neste sentido é responsável por fortalecer uma desigualdade cultural, pois alimenta esta situação com sua atitude conservadora quantos as metodologias de ensino tradicionais. Todavia com as funções que as classes mais ricas atribuem à escola a organização cultural se fortalece favorecendo as pessoas que dela participam, contribuindo para um sistema conservador de valores hierárquicos, ou seja, alunos com maior poder de compreensão têm facilidade para entender a linguagem do professor, absorver temas propostos e facilidade para a sua resolução, muitas vezes com auxilio da família como nos trabalhos escolares possibilitando uma interação maior na sala de aula, ao contrário de alunos de classes sociais inferiores que não entendem a linguagem utilizada pelos professores, estudantes que não podem contar com a ajuda dos pais que muitas vezes são analfabetos e não tem possibilidade de passar conhecimentos para seus filhos.  

         Portanto é pertinente dizer que o sistema educacional é uma conseqüência de uma cultura dominante que estabelece regras indiretamente, cometendo assim uma agressão as classes menos favorecidas fortalecendo o monopólio manipulador de bens culturais que somente servirão para categorizar as pessoas segundo o seu capital cultural, o justificado pela a falta de capacidade devido à ausência de herança cultural nos alunos de famílias mais pobres, fortalecendo a injustiça social.

                  “Não há democracia efetiva sem um verdadeiro poder crítico.”

                                                                            (Bourdieu 1930-2002)

                                                                                                              

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NOGUEIRA, Claudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: Limites e Contribuições. Educação & Sociedade. Ano XXIII, nº 78, Abril/ 2002, pp. 15-36.

CHAGAS, Rita C Alves. ; MORAES, Lídia J Rodrigues. Uninove. CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU PARA PESQUISAS EM EDUCAÇÃO. Disponível em:< http://www.uninove.br/PDFs/Mestrados/Educa%C3%A7%C3%A3o/eventos/PA%2020.pdf >.Acesso em: 22 de Janeiro de 2014.