Resenha: O Estado como problema e solução.

Peter Evans

Peter Evans, em sua obra “O Estado como problema e solução”, apresenta uma linha histórica sobre o papel do Estado perante à promoção do desenvolvimento, a qual ele denomina “ondas de reflexão sobre o Estado”. De acordo com o autor, o Estado pode ser visto como um problema ou uma solução, sendo que sua imagem como problema era o que prevalecia nos anos 70 e 80, a denominada “segunda onda”, e derivava do fato dele fracassar ao realizar tarefas da agenda anterior, dos anos 50 e 60, na “primeira onda”, onde acreditava-se que o aparelho de Estado devia ser usado para promover mudanças estruturais.

Mas afinal, qual é o papel do Estado nesse contexto?Peter Evans afirma que uma nova onda, a “terceira onda”, de reflexão sobre o papel do Estado começava a surgir a partir dos anos oitenta, onde a expectativa era de que o Estado, até então raiz do problema, poderia se tornar solução, mediante a implementação de programas de ajuste.

Segundo o autor, o que faltou nas duas “ondas” anteriores, dentre outras coisas, foi justamente considerar as inter-relações entre o Estado e a sociedade.

O reconhecimento da importância da capacidade de ação do Estado é característica da “terceira onda” e a análise do autor é uma tentativa de contribuir para este novo conceito. Para tanto, o autor examina diversos Estados, buscando uma comparação no que tange às campanhas de fomento à transformação industrial após a Segunda Guerra Mundial.

O autor comparou alguns Estados, classificando-os em 3 tipos: Estados Predatórios, Estados Desenvolvimentalistas e Estados Intermediários (uma mescla de desenvolvimentalista e predatório).

Para exemplificar o modelo de Estado Predatório, Peter Evans utilizou o Estado de Zaire, segundo ele, um caso exemplar de predação, que significa dizer que o aparelho de Estado não possui nenhum respeito por sua sociedade, consome o excedente que extrai, incentiva atores privados a mudarem suas atividades produtivas para a improdutiva “orientação para renda”, ou seja, para a corrupção. Zaire é um caso típico de Estado decadente, onde prevalecem o patrimonialismo e uma mistura de tradicionalismo com arbitrariedade. O recrutamento para cargos de alto escalão do Estado é feito dentro do círculo familiar e de amizade do governante. Com tantos problemas, Zaire acaba não sendo um Estado autônomo, pois sofre com interesses privados e não prioriza os objetivos coletivos.

No segundo modelo, Evans analisa os Estados asiáticos Coréia, Taiwan e Japão que, segundo ele, são exemplos de Estados Desenvolvimentalistas, onde prevalece o sucesso econômico. Nestes países a burocracia é coerente e o sistema de recrutamento é pautado pela meritocracia e por sistema informal interno, que consiste em laços entre colegas de classe nas universidades da elite onde se recrutam os funcionários. Funcionários esses que, por sua vez, são recompensados com carreiras de longo prazo, criando, desta forma, um compromisso com o Estado e um senso de coerência corporativa. A autonomia do Estado no modelo desenvolvimentalista é nítida, uma vez que, ao inverso da dominação absolutista incoerente do Estado predatório, constitui a chave organizacional para a eficácia do Estado. É uma autonomia inserida em um conjunto concreto de laços sociais que amarram o Estado à sociedade, facilitando as relações entre ambos.

No último exemplo, o autor analisa os casos de Índia e Brasil, classificados por ele como Estados Intermediários, onde podem ser observadas características dos dois modelos anteriormente relatados.

No Brasil, se tratando de recrutamento para o serviço público, observa-se uma ampla extensão de poderes de indicação política e, consequentemente, uma dificuldade em institucionalizar procedimentos de recrutamento meritocrático. Enquanto no Japão são indicados por políticos apenas dúzias de funcionários, na América do Norte centenas, no Brasil, são indicados milhares. Como consequência desse apadrinhamento surge a falta de comprometimento dos funcionários comissionados para com a administração pública, uma vez que esses são substituídos cada vez que se muda o governo, seja no âmbito federal, estadual e municipal. Essa falta de comprometimento, por sua vez, prejudica muito a qualidade dos serviços públicos prestados. A falta de uma estrutura burocrática estável complica o estabelecimento de laços regulares com o setor privado e a sociedade. Com relação a autonomia inserida, característica peculiar do Estado Desenvolvimentalista, no Brasil, ela é mais parcial que global, limitando-se a certos “bolsões de eficiência”.

Já na Índia, embora o recrutamento de servidores seja via concurso de âmbito nacional, muito concorrido por sinal, as carreiras não são sólidas e se caracterizam pelo mesmo tipo de rotação do Estado brasileiro. Neste Estado, há muitos problemas com relação à burocracia, mas as dificuldades de estabelecer conexões com a estrutura social envolvente parecem ser a causa mais grave do desgaste das instituições do Estado.

Enfim, em sua obra, Peter Evans nos permite compreender a lógica do Estado a partir das interações entre Estado e sociedade, bem como o seu sucesso ou fracasso como propulsor do desenvolvimento econômico do país, através de sua burocracia, incluindo a sua forma de recrutar profissionais. O autor salienta que a burocracia está em falta, e não em excesso. 

Referência:

EVANS, Peter. O Estado como problema e solução. Lua Nova. São Paulo: CEDEC, nº 28-29,1993.

Lilian Segnini Rodrigues
Administradora da Universidade Federal de São Carlos
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