Foi denominado como Principado, o sistema político e de governo estabelecido no mundo romano após o fim da República e seu modelo oligárquico de poder. A dissolução do último triunvirato, composto por Marco Antonio, Marco Lépido e Otávio, marcou a inauguração de um novo governo em Roma, agora sob o comando de Otávio.
É importante salientar que os conceitos atuais de império e imperador são compreensões originárias do século XIX, portanto desconhecidas do mundo romano. Para os romanos do primeiro século da era cristã o conceito de império não era, necessariamente, pautado num domínio territorial, todavia significava simplesmente uma esfera de detenção de poder.
A característica principal do novo modelo de governo estava na sujeição da totalidade do império romano, províncias e instituições, a um único mandatário, neste caso o imperador. Um processo pautado em guerras internas foi empreendido conduzindo assim todo o comando de Roma do poder oligárquico, onde alguns mandam, para um monárquico.
Ao refletirmos sobre o Principado precisamos compreender os conceitos de poder e política que estavam estabelecidos na Roma republicana. Na república, os órgãos que dirigiam a vida política romana eram as magistraturas, o senado e as assembléias do povo. Estas instituições foram, gradativamente, sendo destituídas em suas alçadas deliberativas e transformadas em instâncias apenas simbólicas. O novo cenário político apresentado instituía órgãos de administração e burocráticos submissos ao príncipe.
Na estrutura republicana romana a base do poder estava sobre o corpo senatorial, composto essencialmente por cidadãos de uma superioridade política gerada no direito dos ancestrais e também em suas condições financeiras. O senado era vitalício e hereditário. A alçada senatorial possuía, por exemplo, o direito de conceder, por tempo limitado, poderes a cônsules para a defesa da ordem institucional.
As magistraturas estavam distribuídas em diferentes instâncias e atribuições. Os magistrados eram eleitos e seus mandatos não eram vitalícios. Possuíam o poder executivo na república, desde questões organizacionais, financeiras e também nas religiosas. Esta descentralização de alçadas e jurisdições apresenta um quadro político pautado na ausência de um poder central, de duração ilimitada e sucessão hereditária.
O Principado mudou a configuração política republicana, mas manteve a idealização de grandeza romana. Uma nova transição de poder a ser vivenciada por aquela sociedade e, conforme observa Claude Nicolet, "toda a história do povo romano descreve, talvez de forma exemplar e única, todas as hipóteses possíveis da política" .
Esta afirmação está sustentada nas mutações vivenciadas, ao longo da história romana. O poder, durante a república, esteve nas mãos de generais, posteriormente em diferentes triunviratos, seguindo-se a isto houve a instauração da ditadura de Júlio César e finalmente, o principado, com o estabelecimento dos imperadores.
Há algumas considerações importantes para explicar a mudança de modelo político em Roma. Diferentes opiniões apontam que a ânsia popular pelo fim das guerras civis, a ausência de condições administrativas pelo modelo em vigor, enfim caminhos abertos para a inserção de um novo governo.
De acordo com o historiador Renan Frighetto , a instauração do Principado, com o fortalecimento de um poder pessoal foi também, fruto do desgaste das instituições políticas republicanas, preparadas para governar num território limitado, porém inviáveis para atuarem na complexidade estabelecida dentro de um território tão vasto, tanto nas questões culturais como também nas políticas.
Para consumar a transformação de modelo republicano ao imperial, foi preciso semear e justificar ideários que legitimassem o poder nas mãos de um indivíduo e não mais num corpo burocrático composto de inúmeras funções e disposições. Otávio, sobrinho de Júlio César, conseguiu catalisar em si estas causas, essencialmente sob a bandeira da ordenação social e da implantação da paz no império. Pierre Lévêque afirma que: "tal concentração de poderes é o cúmulo da evolução dos espíritos, farto dos horrores da guerra civil" .


Otávio Augusto

Entre os cronistas romanos é praticamente um consenso a definição de Otávio como ideal de governante. É possível identificar tal fato, nas biografias de Suetônio, nos conceitos filosóficos de Sêneca ou nas crônicas de Tácito. Otávio Augusto é construído como referência para uma sociedade que deveria ser restituída de valores morais, jurídicos, econômicos e religiosos.
O poder exercido de forma pessoal e individual por Otávio, concomitante à presença de instituições outrora existentes tornou-se modelar. O príncipe romano reveste-se de características de um verdadeiro líder para os romanos, capaz de promover reformas que revitalizariam o ideal republicano. Um restaurador, por exemplo, do número de senadores e do papel desta instância de poder. Um poder personalista, mas altruísta. Somente alguém provido de tantas adjetivações virtuosas seria digno de tão elevada centralização para comandar o império.
Cônsul, procônsul sobre o Ocidente, direito de vida e de morte, direitos tribunícios e por conseqüência intocável. No campo religioso foi Pontifex Maximus. Recebeu também o título excepcional de princeps, o primeiro cidadão, designação que o constitui como Senhor do Estado. É ainda intitulado como pai da pátria, príncipe do Senado, Imperator que agora deixa de ser um general vencedor e passa a governante do império e Augustus, que quer dizer acima de todos os homens, alguém de natureza sagrada.
A descrição das fontes revela que Otávio recebeu títulos republicanos para o exercício de um poder que não possuía características republicanas, além de ser chamado de Augusto. O Principado foi consolidando-se e Otávio, munido de tantos poderes passa a reorganização do império. Foram implantadas novas funções com a jurisdição de poder totalmente vinculada ao príncipe.
Otávio Augusto impõe ao seu governo características de cunho retificador e com vistas ao controle social. Ordenou as finanças do império, restituiu o padrão religioso politeísta romano, promoveu reformas administrativas que atingiram tanto a cidade quanto as províncias. No campo externo teve uma postura defensiva, valendo-se da diplomacia e do reforço junto às fronteiras. Desconsiderou os escravos e diminuiu as libertações, atendeu as camadas populares da cidade através da distribuição de comida e promoção de espetáculos. Apoiou-se nos ricos associando-os à administração do Estado, principalmente privilegiando os senadores e os membros da ordem eqüestre.
Otávio adotou uma postura bastante ortodoxa em assuntos de governo. Cuidou da justiça, propondo e restabelecendo leis. Tratava pessoalmente dos negócios das províncias e outorgando aos procônsules o governo de algumas das mais importantes.
Todo este poder impunha ao imperador um papel de domínio e responsabilidade. Houve em Augusto a inauguração do que seria o poder de um imperador, todavia não foram propostos limites a esta centralização. Cada novo imperador impunha o ambiente político e social de acordo com suas idéias e interesses.
O poder centralizado pressupõe a ausência do contraditório. Partindo desta ótica, o que se assistiu no Principado foi o uso da força para suprir a ausência de unanimidade de cada imperador. Uma rede complexa de intrigas, apoios e interesses de instituições e indivíduos, corroborava para a permanência ou destituição dos imperadores romanos.
Outro aspecto a ser considerado no principado era sucessão imperial, não pautada na hereditariedade, ou num processo dinástico, o novo mandante do império poderia ser definido através de uma adoção política imperial (adoptio), pelos títulos excepcionais ou ainda a aclamação das tropas legionárias (aclamatio).


A dinastia Julio-Claudiana

Os sucessores de César Augusto intercalaram ações que, na maior parte do tempo, concentravam e em alguns momentos descentralizavam o poder. A imagem dos membros da dinastia Julio-claudia que nos chegou através dos cronistas romanos, revela indivíduos que, aparentemente, começavam bem seus governos, mas com o exacerbado poder nas mãos acabavam ultrapassando todas as referências de limites e perdiam os valores esperados em um prínceps.
Tibério, sucessor de Otavio, chegou ao poder imperial através da adoção do imperador. Portou-se como um administrador interessado em manter saudáveis as economias do império. Teve importantes ações junto às províncias romanas e, embora preferisse uma postura moderada, interferiu em práticas cultuais dos povos subjugados a Roma. Após a morte de seus filhos, Germânico e Druso, transferiu-se de Roma para Campânia e conforme descreve Suetônio, promoveu atrocidades diversas e fora de quaisquer limites.
Após a morte Tibério, subiu ao poder imperial Calígula. Amante das artes cênicas, o imperador buscava com avidez a popularidade. Concluiu obras que seu antecessor começara capital do império e concedeu aos magistrados livre jurisdição, e isto representava uma divisão de poder. Todavia, a descrição que Suetônio faz do príncipe é terrivel: "As narrações até agora foram a respeito de um príncipe. A partir daqui falarei de um monstro" . De fato as narrativas sobre Calígula mostram ações muito distantes de qualquer virtude.
Cláudio ascendeu ao poder através da aclamação das tropas. Era um intelectual e conseguiu se manter no poder por quatorze anos. Estabeleceu importantes obras públicas na cidade, mas foi objeto de escárnio das esposas e muito mal visto pelo corpo senatorial devido ao fato de cercar-se de libertos ao invés de aristocratas em seu grupo de assessores na corte.
Cláudio, por empenho pessoal de sua quarta esposa e também sobrinha Agripina, adotou Nero como filho político e este acabou por sucedê-lo, aos dezessete anos, no comando de Roma após a morte suspeita do marido de sua mãe. Nero tornou-se o último imperador da dinastia Julio-claudiana.
Resume-se a primeira dinastia de imperadores romanos com César Augusto como o líder ideal, pacificador e realizador de obras. Tibério, o resultado da ausência de alguém melhor para a sucessão de Otávio. Caio Calígula, um governante que iniciou sua carreira como um verdadeiro príncipe e que se transformou em um completo insano, megalomaníaco e imoral. Cláudio, um homem fraco, descartável e manipulável, tanto na esfera do governo quanto familiar. Finalmente Nero que foi elevado ao poder pelas articulações de sua mãe Agripina e não conseguiu lograr êxito em seu governo tendo inclusive fugido de Roma


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os governos dos imperadores da dinastia julio-claudiana seriam suficientes para a compreensão dos riscos de um poder irrestrito nas mãos de um príncipe. As experiências iniciais do Principado parecem ter deixado um legado ambíguo para justificar-se a manutenção deste modelo político. Parte desta dificuldade para entender a manutenção de um modo político que traz contornos negativos pode ser fruto das narrativas que nos chegaram, quase totalmente escritas por pessoas inseridas no contexto senatorial romano.
O senado já vivenciava, desde a instauração do principado, um papel de homologador das intenções e propostas dos príncipes. Uma instância de diálogos e debates de cunho simbólico e sem alçada de decisão no âmbito executivo. Mesmo nestas condições inferiores os detentores do direito de ser parte desta aristocracia julgavam esta casa como uma seleta agremiação de cidadãos superiores e por isto, pessoas ainda poderosas e influentes.




FONTES HISTÓRICAS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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