Reinaldo Bui

Eu, um personagem?                                                                                       

Convém que ele cresça e que eu diminua. João 3.30

 A Bíblia está repleta de personagens e suas histórias. Alguns são mais conhecidos e outros menos. Alguns são considerados “grandes homens de Deus" que realizaram importantes obras e outros nem tanto. O que acho mais interessante é que a Bíblia não esconde o pecado de nenhum destes personagens. Mesmo os "grandes homens de Deus" tiveram seus deslizes, cometeram erros crassos, ou nitidamente falando, pecaram feio. São provas vivas de que Deus executa Sua Obra através de nós e apesar de nós mesmos. Por isto considero a Bíblia como um livro de testemunhos, mesmo porque acima de tudo, o próprio Deus não se deixou ficar sem testemunho.

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Existe ainda uma esmagadora maioria de anônimos e desconhecidos que fazem parte desta história. Assim como eu e você, são personagens aparentemente sem importância que às vezes não tem nome, idade, família, caráter ou personalidade (quero dizer que nada disto foi registrado para que outros viessem a conhecer). É o povo, a massa. Cada um deles - e nós aqui, hoje - fazemos parte desta multidão invisível das batalhas, dos massacres, das misérias, da pobreza, das doenças, mas também dos escapes milagrosos, das procissões, das festas, das alegrias entre tantos outros relatos. Somos essa massa. Não precisamos ser necessariamente a massa burra, meros "assistidores" de big brother e comedores de comida enlatada. Mas estamos inseridos nesta massa. Deus aí nos colocou. Por quê? Que importância temos nós, meros desconhecidos, neste processo, no projeto de Deus, dentro do nosso contexto? Muita. Podemos não ser o personagem principal desta história. Aliás, este papel (reivindicado por alguns) é de Jesus. Talvez não sejamos nem o ator coadjuvante. Talvez você esteja inconformado em ser mero figurante, mas preste atenção nisto: não se trata de ser o destaque ou não, mas de fazer ou desprezar a vontade de Deus aonde Ele te colocou.

Se somos filhos de Deus, temos nosso nome escrito no Livro da Vida. Isto é o que importa. Se temos o nosso nome escrito neste Livro, é incoerente querer que nosso nome se projete como "O Nome" aqui na Terra. Se quisermos agradar a Deus, procuraremos exaltar o Seu nome, não o nosso. Se vivemos para ele, não é o meu eu que deve ser exaltado. Se exaltarmos o Seu Nome, Ele nos exaltará. Se buscarmos nossa glória aqui na terra, poderemos até alcançá-la, mas é tudo o que teremos.

O perigo de querermos nos projetar é grande, e pode ser percebidos em todos os nossos planos, aspirações, sonhos, intenções e atitudes de nossa curta estadia neste mundo. Eu disse pode ser percebido, mas muitas vezes não é.

Ruth Harms Calkin captou isto em sua vida e descreveu com graça e poesia este perigo: A necessidade de buscar reconhecimento humano. Eis um pecado que tenazmente nos assedia! Devemos ler este poema como uma oração pessoal:

 Tu sabes, Senhor, como te sirvo

Com enorme fervor emocional

Quando estou debaixo de holofotes

Sabes como falo de ti ardentemente

Na reunião de Senhoras

Sabes com que entusiasmo promovo

Uma reunião de confraternização

Conheces meu sincero fervor

Em um grupo de estudo bíblico

Mas como será que reagiria            

Se me apontasses uma bacia com água

E me pedisses para lavar os pés calosos

De uma velhinha enrugada, arqueada

Todos os dias

De todos os meses

Num lugar recluso onde ninguém visse

E ninguém soubesse do fato?

Diga, com toda a sinceridade: como você reagiria se Deus lhe apontasse esta incumbência?

Por que deste sentimento de resignação?

Existe em você algum desejo secreto de ser a "estrela do show"? Ou ao menos querer exaltar alguma qualidade para ser reconhecido ou apreciado, mesmo que dissimuladamente?

Se você quer ser reconhecido pelos homens, muito provavelmente conseguirá, mas é tudo o que vai ter.

Se quiser ser reconhecido por Deus, procure cultivar o pensamento de João Batista:

"Convém que Ele cresça e que eu diminua!".Jo 3.30

Homenagem a uma ilustre desconhecida.                                                

Mt 26, Mc 14, Lc 7, Jo 12

 Os quatro evangelhos narram histórias de mulheres que ungiram Jesus. Uma tem nome e família: Maria, irmã de Lázaro e Marta. A outra é anônima, tratada apenas pelo título nada honroso de "pecadora". Uma ungiu os pés de Jesus; a outra sua cabeça. Uma história acontece em Betânia, na Judéia; outra em Naim ou alguma cidade próxima, na Galiléia. Ambos os anfitriões chamavam-se Simão, porém um era fariseu outro tinha o apelido de "Leproso". Uma narra a reação dos discípulos, mais particularmente de Judas; outra narra os pensamentos equivocados do fariseu sobre Jesus. Em alguns aspectos as histórias se fundem; em outros se confundem.

Para quem gosta de uma boa polêmica (daquelas de escola dominical, sabe...), estes textos são um prato cheio. Para quem quer criticar a Bíblia e dizer que "ela está cheia de contradições", também. Mas para quem gosta de um bom desafio de hermenêutica, taí um: conciliar estes textos.

Tiram-se os espinhos, aproveita-se a carne. Há quem prefira os espinhos, eu não. E tem muita carne aproveitável nestes relatos. Todos tratam de um assunto fundamental: pecado. Imediatamente pensamos na mulher, a pecadora (quero focalizar na anônima). Muitos a associam a uma prostituta, adúltera, safada e sem-vergonha. Mas a Bíblia não diz isto. Então precisamos prestar atenção em duas coisas: primeiro é o nosso conceito de pecado. Pecado não se resume apenas em adultério e prostituição. Em segundo lugar, a mulher não é a única pecadora presente nestas histórias. Judas está presente, o fariseu está presente, os discípulos estão presentes, os convidados estão presentes... Enfim, todos ali são pecadores, tão culpados e condenáveis quanto àquela mulher. É interessante também notar que em ambos os casos, Jesus analisa as intenções dos oponentes. Estas são invisíveis, difíceis de enxergar. Consideramos mais as ações das pessoas, mas Deus vê o coração. Jesus estava "vendo" a intenção de todos ali, inclusive da mulher. Agora, não bastasse ele permitir ela o tocar (escândalo para os judeus) Jesus ainda perdoa seus pecados (escândalo maior ainda), pois só Deus tem este poder. Jesus ainda declara abertamente: ela está me ungindo para minha morte, mas parece que a incredulidade dos presentes os impediu de compreender isto. Além disto, existem verdades muito maiores implícitas nestas narrativas: primeiro, Jesus aceitou adoração desta reles pecadora, enquanto o cumpridor da lei, ou mesmo seus discípulos mais próximos não o honraram como devia. Segundo, há algo que me intriga: o que levou aquela mulher a ter aquela atitude? Só uma pessoa dirigida pelo Espírito Santo poderia ultrapassar todas as barreiras existentes para praticar tal ação... e que coragem!

Terceiro, ela acertou em cheio a vontade de Deus. Não a obediência farisaica, nem a caridade humana, mas

 "Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus."    (Salmos 51.17).

 Finalmente: esta mulher foi honrada por Jesus de forma excepcional. Note a forma como Ele a homenageou:

 Em verdade vos digo: Onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua.Mateus 26:13

 Quem é ela? Não sabemos. Sua ação foi registrada, mas muito mais do que isto, seu coração, sua verdadeira intenção foi vista pelos olhos de Deus.

Quantas vezes deixamos de fazer o que é agradável a Deus por medo de represália, censura e desaprovação do farisaísmo que nos cerca? Arrazoamos em nosso coração: "o que os outros irão pensar?".

Em vez disto, deveríamos sempre perguntar: O que Deus vai pensar? O que Ele espera de mim? Procuro agradar a homens ou agradar a Deus?

 Um fariseu chamado Simão

Lucas7.36 a50

 Existiam certas regras sociais que deviam ser observadasem Israel. Hospitalidadeera levada a sério pelo judeu. Ser hospitaleiro era uma obrigação para este povo, pois a lei dizia:

 Como o natural, será entre vós o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o SENHOR, vosso Deus. Amai, pois, o estrangeiro, porque fostes estrangeiros na terra do Egito. Lv 19:34 e Dt 10:19

 Da mesma forma, o título "fariseu" dizia muito àquela sociedade. Um fariseu era extremamente zeloso quanto o cumprimento da Lei e conhecia muito bem a Torah. Certa vez, um fariseu chamado Simão convidou Jesus para jantar em sua casa. Jesus aceitou de bom grado. Este fato é muito curioso, pois havia uma disparidade enorme entre Jesus e os fariseus. Estes ficavam profundamente escandalizados com as atitudes do Mestre. Jesus andava com pecadores, comia com publicanos, conversava com prostitutas, tocava em leprosos e tinha fama de comilão e bebedor de vinho. Isto para não mencionar as curas e trabalhos nos sábados entre outras tantas "transgressões"...

Jesus fazia tudo isto de fato. E justamente por isso batia de frente com as tradições, o zelo doentio e as interpretações legalistas dos fariseus. Estes ficavam profundamente incomodados com seus atos e palavras.

Qual era, então, a intenção de Simão abrir as portas de sua casa e compartilhar a intimidade de sua mesa com este homem tão polêmico? Minha interpretação é que ele não tinha nenhuma intenção de honrar o Senhor Jesus, mas apenas especular "qual é a deste cara?". Sua falta nos cuidados sociais mínimos para com o hóspede deixa claro seu menosprezo à pessoa de Jesus: não ofereceu água para lavar seus pés, não o cumprimentou com um beijo nem forneceu óleo para ungir sua cabeça. Modos um tanto estranhos para nós, mas perfeitamente aceitável para aquela cultura. Simão, como muitos outros fariseus, sofriam do mesmo o problema básico: falta de vivacidade espiritual.Embora fossem autoridades religiosas, não tinham vida espiritual. Religiosidade nada tem a ver com espiritualidade. Aliás, religiosidade mata espiritualidade. Simão era indiferente às necessidades e sentimentos alheios. O religioso geralmente é egoísta; ama o comodismo; não demonstra nenhum amor e nenhuma preocupação por pessoas não salvas. Sua fé não tem alegria. Fala muito, mas é estéril. Suas orações são longas e bem elaboradas, mas carentes de piedade.

Sendo fariseu, Simão sabia de suas obrigações sociais para com seu hóspede, mas certamente contemporizava: Ele não é estrangeiro, então estou desobrigado de cumprir a Lei e posso abrir mão da minha "boa educação" que não estarei pecando. É assim que um fariseu pensa. Ele vive entre duas enormes muralhas: pode / não pode. Não conseguem ir além, ultrapassar estes limites.

Jesus conhecia bem o coração empedernecido dos fariseus, e por isso ele denunciava: Raça de víboras, vocês torcem a Lei para lhes favorecer(Mc 7.10-13).

Foi nesta ocasião que uma mulher de má fama entra e tocaem Jesus. Rapidamente Simãoanalisa a situação, julga e condena os dois em seu coração: "Esta situação é inaceitável! Além do mais, este Jesus não é um homem de Deus, senão ele saberia quem é esta mulher..." 

A mente de um fariseu é engessada e seca como uma múmia. Simão jamais conseguiu compreender o princípio fundamental da Lei: Amar a Deus e ao próximo. E foi isto que Jesus veio mostrar e demonstrar ao mundo.

Simão não conhecia palavras como amor, atenção, tolerância e perdão. Pessoas como ele só conhecem palavras como lei, transgressão, julgamento e condenação. E exclusão! Um fariseu não sabe o que é ser livre. Quando ouvem a palavra liberdade, logo associam com "pecar", nunca com "amar". Liberdade para pecar chama-se libertinagem. É o que o mundo oferece, o que todo mundo procura. A liberdade que aquela mulher experimentou, de se achegar a Cristo, beijá-lo, ungi-lo, molhar seus pés com suas lágrimas e enxugar com seus cabelos é uma liberdade que jamais seria entendida por Simão, tão absurda que ele possa achar. Mas esta é a liberdade que Cristo nos oferece. Não liberdade para pecar, mas liberdade para amar a Deus, amar o próximo, louvar, adorar e servir.

Nossas ações, todos vêem, nossas intenções não. Só você e Deus sabem.

E pode ter certeza: Ele está mais interessado nas nossas intenções do que nas nossas ações.

Analise sempre: quais são suas intenções ao planejar ou fazer qualquer coisa, por mais espiritual que você queira parecer. A quem louvará? Quem exaltará?

Segundo, não julgue ninguém pela aparência. Embora possa parecer espiritual ou não, somente Deus tem o poder de sondar nossos corações.

Terceiro, não busque sua própria honra, mas dê honra a quem é devida.

O bom ladrão                                                                                                  

Lucas 23:33-43

Antes de qualquer coisa quero esclarecer que simpatizo com a opinião do apóstolo Paulo (citando o Salmo 14 em Romanos): Não há um justo, nenhum sequer! O título “bom ladrão” foi dado a um dos crucificados com Jesus para identificar aquele que se arrependeu no último momento da sua vida e reconheceu que o Reino que Cristo anunciava não é deste mundo. A resposta imediata que ele obteve do Senhor foi:

“Eu te garanto: Hoje você estará comigo no paraíso”.

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