Perguntem às crianças.


  Q
uando a dúvida estiver presente. Quando a esperança que gerou um sonho estiver a caminho da extinção, pergunte às crianças qual o melhor caminho.

Por óbvio que não será uma pergunta verbal, mas apenas um ato de observar. Lembrar com elas como já fomos um dia.

Observá-las nos dá o mapa do caminho necessário, para nos levar de volta até o tempo em que éramos destemidos realizadores. Essa simples observação nos coloca em contato com a criança negligenciada dentro de nós.

Um retorno à nossa mágica fantasia, o lado lúdico da vida, que nos tornava cegos para os resultados negativos de nossas tentativas. A serena certeza de que tudo daria certo afinal. E geralmente dava.

Quando cortamos o nosso “cordão umbilical” com nossas origens, castramo-nos de nosso poder realizador. Tornamo-nos escravos das dúvidas na travessia de um imenso deserto de incertezas.

Não oramos mais no silêncio de nossa alma, pois viajamos para fora dela na busca das ilusões oferecidas pelos oportunistas. Perdemo-nos de nós. Órfãos de si mesmos.

Quando deixamos que fosse sufocada nossa imaginação, tornamo-nos suicidas em potencial. Quando aceitamos as imagens prontas, sem criarmos nós mesmos nossas próprias imagens, ficamos cegos para as verdades tão bem reconhecidas pelas crianças. Pois não devemos esquecer que a criança vê o que é, não o que pareça ser.

Mesmo que apenas um por cento do mundo imaginado salte para a realidade, já terá valido a pena.

Com certeza será mais importante que os noventa e nove por cento  que se perderam no tempo. Essa é a mágica da vida que conta uma dádiva e relega ao esquecimento as desgraças.

A rapidez com que a criança esquece seus infortúnios, é uma das lições que recordaremos dentro de nós. Éramos assim, mágicos, mas andamos esquecidos de nós. Precisamos lembrar como é um sorriso com as faces ainda úmidas pelas lágrimas.

O toque, o carinho da mãe ou do pai, precisa ser resgatado, para que seja possível o carinho com o irmão, mesmo aquele que não nasceu na mesma família.  O medo nos tem tornado estéreis para o carinho. A pressa nos tem levado para longe, cada dia mais, do amor.

Assim, o que era motivo de prazer, tornou-se razão para vergonha. A superficialidade do rápido, do instantâneo, faz com que a verdadeira felicidade só seja reconhecida no passado.

Por quê não no presente?

Os infelizes que ditaram as novas normas que regem a busca pelo supérfluo, são meros loucos iludidos pela distorção do viver aqui e agora. Fazer isso legitimamente, jamais será viver na superficialidade, mas ao contrário, com uma profunda e sincera participação do ser.

Por isso, quando tudo parecer complexo demais, confuso demais, pergunte às crianças.

Se observar com sinceridade, poderá ver a si mesmo, brincando no meio delas.  E a criança que existe dentro de você, jamais voltará a ficar de mal contigo.

E saberás que isso ocorreu, quando se descobrir olhando para um jardim sem pressa. Quando perceberes que as mãos tocadas transmitem algo mais que contato físico. As horas e os dias não serão mais como uma condenação a viver por viver, ou, em outras palavras, permanecer morto durante a vida.

Deixa que o túmulo te espere, não corra para ele. Antes, respire fundo e sinta o aroma e o “sabor” do vento. A vida, entrando e saindo em forma de ar.

Ouça todos os sons, mas, principalmente, a qualidade mágica do silêncio. Aquiete-se para que sua criança brinque.

Pois no fundo, no fundo, a vida é um imenso parque infantil e as únicas coisas que a desequilibra, às vezes, são os atos praticados pelos adultos.  Nenhuma criança até hoje começou uma guerra, idealizou a bomba atômica ou patrocinou a miséria.

A ilusão de que todos os dias são iguais é uma conclusão falsa, cada novo dia é uma nova e desafiadora aula. Muitos brinquedos jazem espalhados por ai. Brinque um pouco. Isso faz um bem enorme à velha e esquecida alma, lá dentro.

Como fazer isso?  Pergunte às crianças!