Faz-se necessário traçar um percurso histórico para que se compreenda a Educação Infantil no Brasil, mais especificamente os Centros de Educação Infantil (CEI) incluídos na rede municipal de Ensino do Município de São Paulo, bem como a visão em relação à criança na sociedade e na escola durante este processo.

Em São Paulo, a difusão das instituições de educação infantil ocorreu a partir de 1870, motivada pela grande industrialização da época e consequentemente a urbanização.

O surgimento de creches ou asilos da primeira infância no Brasil veio para solucionar o problema das mães em situação de vulnerabilidade social que necessitavam trabalhar para auxiliar na renda da família, e não tinham a quem confiar seus filhos, pois devido a pouca idade, não poderiam ser enviados à escola. A proposta de organização desses espaços seguiu os moldes da Europa. Institui-se desta forma a educação infantil dividida em duas etapas: a primeira destinada a crianças de 0 a 2 anos (creches ou asilos da primeira infância) e a segunda destinada a crianças de 3 a 6 anos (escolas maternais).

As escolas maternais tinham o intuito de educar todas as crianças, independente da classe social, pois acreditava-se que estas instituições eram propícias ao desenvolvimento e ao ensino de bons hábitos nas crianças. Já as creches, tinham o intuito de cuidar apenas das crianças da classe popular, ditas pobres. Nesta idade, elas deveriam preferencialmente ser cuidadas e criadas pelas mães, mas pela dificuldade financeira, as mães passaram a trabalhar. A creche passa a ser criada principalmente com o intuito de evitar que as famílias pobres abandonassem seus filhos, pela falta de opção, situação que ocorria com frequência antes da lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871, pela princesa Isabel. Com a instauração da lei, o governo viu-se obrigado a tomar providências para evitar o problema do abandono das crianças pelas próprias mães.

As instituições destinadas às classes populares trabalhavam vinculadas a organismos de assistência social ou de saúde, enquanto que as escolas particulares, que surgiram a partir de 1873, trabalhavam vinculadas aos organismos educacionais. Em 1875 cria-se o 1º Jardim de Infância, no Rio de Janeiro com influência de Froebel[1]. Uma escola particular, com o nome de Colégio Menezes e em 1877 o 2º Jardim de Infância em São Paulo, Escola Americana (atualmente Colégio Mackenzie), também particular. Em 1896 cria-se o 1º Jardim de Infância Público em São Paulo, na escola Normal Caetano de Campos.

            O papel da mulher na sociedade vem sendo discutido desde esta época, até que em 1932, com a regulamentação do trabalho feminino, as creches tornaram-se obrigatórias nos estabelecimentos onde existiam pelo menos 20 mulheres maiores de 16 anos. Este fato reforça a ideia de que a creche é destinada aos filhos das famílias populares e que as crianças de famílias nobres deveriam ser criadas preferencialmente em casa por suas mães.

            No entanto por volta de 1950, o Ministério do Trabalho, passou a desaconselhar a instalação de creches pelas empresas, considerando inadequado o ambiente nas indústrias e muito dispendiosa a sua instalação. Ficando a encargo de organizações como, por exemplo, SESI e SESC, saindo da alçada da Previdência e ficando sob a alçada da Assistência.

            A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do Brasil nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, faz referência à faixa etária inferior a 7 anos, sem no entanto delegar responsabilidade ao poder público:

TÍTULO VI

CAPÍTULO I

Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância.

Art. 24. As emprêsas que tenham a seu serviço mães de menores de sete anos serão estimuladas a organizar e manter, por iniciativa própria ou em cooperação com os poderes públicos, instituições de educação pré-primária.

Nota-se que a legislação neste momento ainda não faz menção à Educação Infantil, sendo o foco o trabalho da mulher e a necessidade de amparar, dar assistência a esta criança no período em que sua mãe está trabalhando.

Em São Paulo, as primeiras iniciativas tinham cunho assistencialista e se deram no contexto dos conflitos operários das primeiras décadas do século. Tanto as creches nos locais de trabalho, como as creches filantrópicas e, menos acentuadamente, os “parques infantis” da cidade de São Paulo, tinham como principal preocupação atender às necessidades das mães que trabalhavam fora, com objetivos de cuidado e assistência à infância. (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001, p. 103)

No início da década de 1970 foi aprovada a LDB nº 5.692/71, em substituição à 4.024/61, alterando o nome da escola primária para escola de 1º Grau, mas não definindo nenhum termo para designar a educação que ocorreria na faixa etária de idade anterior aos 7 anos.

A educação passa a ser vista como meio de superação de subdesenvolvimento e aceleração do progresso. O pressuposto da política educacional era de que o fracasso no 1º Grau e o grande índice de reprovação e evasão das primeiras séries ocorriam pelo fato das crianças não estarem suficientemente preparadas para enfrentar seus desafios e por serem culturalmente carentes. Para compensar a carência da cultura, que segundo as políticas públicas da época, consideravam que os pais das camadas populares não conseguiam transmitir aos seus filhos e a falta de “bons hábitos”, a abordagem compensatória é proposta para suprir esta lacuna, que esteve presente nos planos de ação até o início dos anos 1980, além de ações voltadas à saúde e nutrição:

[...] à medida que as pré-escolas púbicas foram se expandindo, com a difusão da teoria da privação cultural e da proposta de educação compensatória, a rede de educação pré-escolar adotou como principal objetivo a preparação da criança para o 1º Grau. A ênfase instrucional substituiu a orientação anterior, herdada do movimento da Escola Nova, que valorizava mais a recreação e a socialização. [...] Enquanto isso, as creches permaneceram vinculadas a órgãos de bem-estar social, onde a preocupação educacional, quando existia, era secundária. (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001, p. 103-104)

 A segunda metade da década de 1980 é decisiva para o estabelecimento de novos caminhos da política de atendimento à criança e ao adolescente, que apontava alguns casos extremos para internatos ou liberdade vigiada. Entre as instituições encontrava-se: Serviço de Assistência à Menores (SAM), Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem), Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor (Febems), além de outras organizações não governamentais e iniciativas de grupos religiosos.

[...] impulsionados pela necessidade de mudanças, fim da censura e consequentes denúncias da ineficácia da ação de órgãos como Funabem ou Febem, redemocratização do país e do processo constituinte de 1988, a sociedade brasileira vislumbrou um sonho. Era uma utopia ou um desejo que colocava a infância como portadora de direitos, quando se criticava o descaso, a omissão. Condenava-se a violência, os internatos, e colocava-nos em marcha na construção da cidadania. (BAZÍLIO, KRAMER, 2003, p. 21)

Identifica-se, até então, no Brasil, duas categorias distintas de crianças e adolescentes. A dos filhos socialmente incluídos e integrados, crianças e adolescentes. E dos filhos dos menos favorecidos, genericamente denominados menores, que eram considerados crianças e adolescentes de segunda classe. A eles se destinava a antiga lei, baseada no direito penal do menor e na doutrina da situação irregular, doutrina que definia um tipo de tratamento e uma política de atendimento que variavam do assistencialismo à total segregação e onde, via de regra, os menores eram simples objetos da tutela do Estado, sob o arbítrio inquestionável da autoridade judicial. Essa política fomentou a criação e a proliferação de grandes abrigos e internatos, onde ocorriam toda a sorte de violações dos direitos humanos.

É através do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que aparecem as primeiras menções sobre a criança, de forma igualitária, e passa através deste artigo a responsabilidade de garantir os direitos de todas, independente da classe social a qual pertencia.

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A partir do Artigo 227 da Constituição Federal de 1988, institui-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela Lei 8.069 no dia 13 de julho de 1990, regulamentando os direitos das crianças e dos adolescentes. Os mais relevantes preceitos do ECA estão voltados para marcar a ruptura com o paradigma da situação irregular sendo focados a prioridade do direito à convivência familiar e comunitária e, consequentemente, o fim da política de abrigar as crianças de maneira indiscriminada; a priorização das medidas de proteção sobre as socioeducativas, deixando-se de focalizar a política da infância nos abandonados e delinquentes; a integração e a articulação das ações governamentais e não governamentais na política de atendimento; a garantia de devido processo legal e da defesa ao adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional; e a municipalização do atendimento. Deixando de ser uma lei da exceção, mas incluindo e explicitando direito de todos.

[...] princípios gerais que balizaram a redação do texto da lei:

a)           A criança e o adolescente como pessoas em condição particular de desenvolvimento.

b)           A garantia – por meio de responsabilidades e mecanismos amplamente descritos – da condição de sujeitos de direitos fundamentais e individuais.

c)           Direitos assegurados pelo Estado e conjunto da sociedade como absoluta prioridade. ((BAZÍLIO, KRAMER, 2003, p. 23)

Percebe-se que a partir a elaboração desta lei complementar à Constituição Federal de 1988, um novo olhar sobre a criança, vista agora como sujeito de direitos, já que anteriormente a viam como objeto das ações dos adultos. Criam-se também mecanismos de participação da sociedade por meio de diferentes conselhos, por exemplo, o Conselho Tutelar e outros que estabelecem políticas públicas (municipal, estadual e nacional).

É preciso ter em mente, em princípio, que a lógica que se faz presente na elaboração desta nova lei é a da “desjudicialização” das questões relativas à infância. O esforço dos legisladores foi voltado no sentido de reduzir o papel e a interferência do Poder Judiciário que, com o código de 1979, teve aumentado sua intervenção e poder. A maior parte das medidas protetivas descritas no artigo 101 (encaminhamento a pais ou responsáveis; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias na escola; inclusão em programas comunitários; requisição para tratamento de saúde; abrigo, entre outras) deixam a competência do juiz da Infância e Adolescência e encontram lugar no âmbito dos conselhos tutelares – cidadão eleitos para defender ou zelar pelos direitos fundamentais. (BAZÍLIO, KRAMER, 2003, p. 24-25)

O Estatuto está dividido em dois livros, um refere-se a Parte Geral, contém títulos que versam sobre a criança e o adolescente como sujeitos de direitos fundamentais e individuais que devem ser assegurados com absoluta prioridade por toda a sociedade e pelo poder público. O segundo livro refere-se a Parte Especial, onde podem ser encontrados os artigos que abordam as políticas de atendimento, as medidas de proteção, prática do ato infracional, responsabilidades dos pais ou responsáveis e o Conselho Tutelar, entre outras.

Embora tenha trazido muitas contribuições em relação aos diretos das crianças, críticas são feitas ao estatuto:

Se é verdade que falta a essa lei avançar do ponto de vista conceitual ou do estabelecimento de direitos, mas sua implantação deixa a desejar, também é fato que só a vigilância, pressão e iniciativa de setores da sociedade podem garantir sua aplicação.

Revigorar os conselhos tutelares e de direitos, esclarecer a população quanto aos princípios da lei, ter uma postura firme em relação à defesa dos direitos humanos: esta poderia ser uma plataforma inicial dos grupos e movimentos que precisam voltar à cena pública e manter viva a chama dos ideais que nos uniram nos anos de 1980. (BAZÍLIO, KRAMER, 2003, p.28)

            As críticas nos levam a refletir nos dias de hoje sobre a eficácia deste estatuto, pois nos deparamos ainda com uma prática social em relação à infância marcada pela violência, negligência e falta de políticas publicas que garantam suas proposições iniciais. Apesar das críticas tecidas sobre o estatuto, não devemos desconsiderar suas contribuições no percurso histórico da Educação Infantil.

            A Constituição Federal de 1988 traz várias inovações aos direitos específicos da criança. Por exemplo, no Artigo 208 está declarado que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: Inciso IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade. O que levou à obrigatoriedade de um sistema educacional organizado para atender a esta nova responsabilidade, oriunda das transformações e movimentos sociais. Ainda na Constituição Federal de 1988 em seu Art. 209, incisos I e II, explicita que além das escolas públicas, também nas escolas particulares ou filantrópicas devem se submeter à “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”. Desta forma, todas as escolas que atendem crianças de 0 a 6 anos devem ser objeto de supervisão e fiscalização oficiais, na busca e preocupação com um atendimento de qualidade para esta faixa etária.

            Disso decorre a necessidade de União, Estados, Distrito Federal e Municípios organizarem em regime de colaboração seus sistemas de ensino. No Artigo 211, parágrafo 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

O simples fato de a pré-escola e a creche serem administradas pelos Municípios deverá contribuir para essa participação, pois a experiência mais recente dos movimentos sociais ligados à educação indica que, na maior parte das vezes, os Municípios constituem um interlocutor mais próximo e acessível do que as instâncias mais centralizadas. (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001, p.21)

Dando mais profundidade às questões educacionais, após longo período de estudos sobre o tema, em 1996 entra em vigor a Lei de Diretrizes e Bases (LDBEN 9.394/96) que reforça o papel e responsabilidade do município com a Educação Infantil. Em seu Artigo 11º. Os Municípios incumbir-se-ão de: inciso V - oferecer à educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Com a LDBNE 9.394/96 o atendimento que antes era mantido pela Secretaria do Bem Estar Social, passa a ser responsabilidade da Secretaria da Educação.

A subordinação do atendimento e creches e pré-escolas à área da Educação representa, pelo menos no nível do teto constitucional, um grande passo na direção da superação do caráter assistencialista predominante nos programas voltados para esta faixa etária. (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001, p. 18)

A LDBEN 9.394/96 também define de forma mais clara o que é a Educação Infantil, faixa etária, finalidade, como deverá ser oferecida e o processo de avaliação dos alunos.

Seção II Da Educação Infantil

 Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

 Art. 30º. A educação infantil será oferecida em:

 I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

 II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

 Art. 31º. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

Esta divisão de faixa etária na LDB traz resquícios da divisão realizada nas primeiras menções sobre a organização de instituições destinadas a esta faixa etária, em meados dos anos de 1870, quando a primeira infância, de 0 a 2 anos, eram abrigadas nas creches com caráter assistencialista e as crianças pertencentes à segunda infância, de 3 a 6 anos seriam encaminhadas ao maternal, este com caráter educacional.

Ainda hoje percebe-se de forma mais sutil, mas presente a mesma concepção assistencial e educacional entre os professores de CEI (0 a 3 anos) e EMEI (4 a 5 anos) da rede pública de São Paulo, reforçado por portarias que além de determinarem um período de 10h por dia para o atendimento das crianças nos Centros de Educação Infantil,  também priorizam o atendimento em períodos de recesso escolar nos CEIs, com a justificativa de muitos pais trabalharem neste período e não terem onde deixar seus filhos.

Portaria nº 6.448 de 14 de novembro de 2013. Dispões sobre as Diretrizes para a Elaboração do Calendário de Atividades 2014 – nas Unidades de Educação Infantil de Ensino Fundamental, de Ensino Fundamental e Médio, de Educação de Jovens e Adultos e das Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos da Rede Municipal de Ensino.

Artigo 3º - Dentro do período de recesso escolar referido na alínea “a” do Inciso III do artigo anterior, as Diretorias Regionais de Educação definirão períodos de 15 (quinze) dias durante os quais parte das unidades educacionais de sua região deverá se manter em funcionamento, visando a garantir o atendimento em Unidades-Pólo às crianças cujas famílias necessitarem desse serviço.

 Parágrafo Único – A Secretaria Municipal de Educação definirá, por meio de portaria específica, a relação de Unidades-Pólo por região.

Artigo 4º - Para o mês de janeiro/2014, os CEIS, que funcionarão como Unidades-Pólo serão definidos pelo Diretor Regional de Educação que indicará os Centros de Educação Infantil – CEIS da sua região, em quantidade suficiente para atender a demanda de crianças que comprovadamente necessitarem desse serviço, nos períodos de férias e recesso de escolar. (Diário Oficial da Cidade de São Paulo, dia 15 de novembro de 2014, p. 13-14)

            É importante considerarmos que no Brasil a Educação Infantil percorreu um longo caminho, o qual, em certos momentos, vinculou-se à saúde em seus pressupostos higienistas, em outros, à caridade e ao amparo à pobreza e, em outros ainda, à educação. Neste percurso, toda a política de educação infantil emanada do poder público se caracterizou por uma visão assistencialista.

[...] Apesar dos termos creche e pré-escola serem consagrados tanto pela população e pela prática como pela própria Constituição, na medida em que eles carregam significados comprometedores dos princípios hoje definidos, julga-se interessante ir tentando introduzir o termo “educação infantil” para designar as instituições de atendimento à criança. Estas devem cumprir funções diferenciadas: educativas, propriamente ditas, de cuidados diurnos durante o trabalho dos pais, de assistência sanitária, alimentar e social, conforme as necessidades das crianças e de suas famílias, independente da idade [...] No entanto alguns cuidados devem ser tomados para que não se constituam redes isoladas e não se acentue a tendência hoje dominante de que creche é assistência e pré-escola é educação. (CAMPOS, ROSEMBERG, FERREIRA, 2001, p. 126-127)

            A LDB além de trazer algumas especificidades do atendimento à criança faz menções ao profissional que trabalha com esta. Sobre os profissionais da Educação, a LDBNE nº 9.394-96 estabelece no Título VI:

Art. 61º. A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

 I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

 II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.

 Art. 62º. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Tais considerações nos remete à formação inicial e continuada do profissional que trabalhava especificamente com as crianças de 0 a 3 anos. Antes da LDB de 1996 para trabalhar com as crianças de 0 a 3 anos não havia a exigência de formação e muitos dos “cuidadores de crianças” eram intitulados pajem (com uma prática higienista, com foco no cuidar físico da criança). Profissionais que permaneceram no atendimento às crianças, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS) e após a mudança na legislação, passaram a ficar sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação (SME), gerando a necessidade de programas governamentais que dessem conta de formar estes profissionais com foco além do cuidar, no processo educacional.

Propõe-se então aos profissionais da creche, programas a princípio de formação no Ensino Médio, intitulado ADI-Magistério, cuja formação era Curso Normal em Nível Médio para o Magistério na Educação Infantil. Após a conclusão da formação de nível médio, Magistério, os profissionais passaram a ser intitulados Auxiliares de Desenvolvimento Infantil.

Por imposição legal da LDBEN - Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, é feita a exigência da formação do profissional da Educação Infantil na instituída década da Educação, oriunda também de uma deliberação do PNE (BRASIL, 1996/1997).

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.

Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei.

§ 1º A União, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

§ 4º Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço. (BRASIL, 1996, s/n)

            Com a promulgação do Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 1996/1997) estabeleceu-se o ano de 2007 como prazo para que os profissionais de Educação Infantil, atuantes em creches e pré-escolas (pajens, auxiliar de desenvolvimento infantil), obtivessem formação específica na área e passagem, no plano funcional da profissão, a ser consideradas como Professoras de Educação Infantil. Ressalta-se nesse momento o desafio desta deliberação, uma vez que muitos profissionais não possuem sequer o ensino fundamental.

            O governo então institui além do Programa ADI-Magistério, o Programa Especial Formação Universitária dos Municípios (PEC), uma graduação em nível Superior, realizada de 2003 a 2004 e de 2006 a 2007, para 6.880 professores da Educação Infantil e da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental de 41 municípios paulistas. O Programa foi presencial de 3.300 horas, com o apoio de mídias interativas. O PEC – Formação Universitária dos Municípios foi uma parceria da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação) – São Paulo, com coordenação da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) e gestão acadêmica da USP (Faculdade de Educação) e PUC-SP.

            Programa pelo qual os profissionais num período de 2 anos adquiria o título de Licenciatura Plena para Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental, após adquirir tal título, os profissionais de Auxiliares de Educação Infantil (ADI) passaram a ser considerados Professores de Educação Infantil (PDI), cargo que até hoje prevalece na rede municipal de São Paulo. Desta forma o governo garantia a formação dos professores que ingressaram na Educação Infantil antes da LDBEN 9.394/96. Vale ressaltar que embora a formação tenha sido oferecida a toda a rede de forma gratuita, nem todos os profissionais aceitaram fazer a formação, e ainda hoje há professores com o cargo de ADI (Auxiliar de Desenvolvimento Infantil) nos Centros de Educação Infantil (CEIS).

A partir dos avanços que a LBD trouxe para a Educação Infantil, outros documentos que reforçam o papel da Educação Infantil no Brasil foram elaborados, dentre eles podemos destacar as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil elaborado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Elaborado inicialmente no parecer CEB nº 22, de 17 de dezembro de 1998 e fixado no parecer CNE/CEB nº 12/2010, aprovado em 8 de julho de 2010.

As diretrizes trouxeram a concepção de criança enquanto sujeito e o conceito de currículo,

“Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.” Também traz o conceito de currículo enquanto, “Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade.” (BRASIL, 2010, p. 12)

Ao trazer tais concepções mostra que “a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças.” (BRASIL, 2010, p.18) Demonstrando preocupação com suas Práticas Pedagógicas e com a elaboração de um Projeto Político Pedagógico como “plano orientador das ações da Instituição e define as metas que se pretende para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educadas e cuidadas.

As propostas pedagógicas de Educação Infantil devem respeitar os seguintes princípios:

- Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades.

- Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática.

- Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2010, p. 13)

O referido documento destaca ainda a importância que “as práticas pedagógicas, que compõem a proposta curricular da Educação infantil, devem ter como eixos norteadores as interações e as brincadeiras e garantir experiências que: promovam o conhecimento de si e do mundo...” (BRASIL, 2010, p. 25).

            Assim como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, os Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil foi um material produzido pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio de ação da Coordenadoria de Educação Infantil (COEDI), da Secretaria de Educação Fundamental (SEF) que vem integrar-se aos esforços de várias Secretarias de Estados e Municípios para qualificar os programas de educação infantil, ficando, no entanto, a critério das equipes pedagógicas, a decisão de adotá-la na íntegra ao associá-los a outras propostas.

[...] Referencial pretende apontar metas de qualidade que contribuam para que as crianças tenham um desenvolvimento integral de suas identidades, capazes de crescerem como cidadãos cujos direitos à infância são reconhecidos. Visa, também, contribuir para que possa realizar, nas instituições, o objetivo socializador dessa etapa educacional, em ambientes que propiciem o acesso e a ampliação, pelas crianças, dos conhecimentos da realidade social e cultural. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. s/n)

            O referencial busca ser um alicerce ao professor e/ou profissional da educação infantil, abrindo para a possibilidade de construção de propostas, fomentando também discussões e reflexões sobre o binômio cuidar e educar, o papel do afeto na relação pedagógica, o educar para o desenvolvimento e para o conhecimento. Apesar de sua relevância, deixa claro ao profissional que seu caráter não é obrigatório, mas “visa a favorecer o diálogo com propostas e currículos que se constroem no cotidiano das instituições, sejam creches, pré-escolas ou nos diversos grupos de formação existentes nos diferentes sistemas.” (BRASIL, 1998, vol. 1 p. 14)

Este documento traz novamente à tona a questão do paradigma da educação e do assistencialismo no âmbito da Educação Infantil e propõe uma reflexão acerca do assunto para possível mudança de concepção na prática pedagógica.

Modificar essa concepção de educação assistencialista significa atentar para várias questões que vão muito além dos aspectos legais. Envolve, principalmente, assumir as especificidades da educação infantil e rever concepções sobre a infância, as relações entre classes sociais, as responsabilidades da sociedade e o papel do Estado diante das crianças pequenas. (BRASIL, 1998, vol. 1, p.17)

Tendo como foco fazer com que o professor de educação infantil ressignifique suas práticas e reflita acerca da visão sobre a criança atendida, promovendo uma busca para além do cuidar, mas cuidar e educar, binômio indissociável na Educação Infantil.

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. 23)

É na busca desta nova forma de conceber a criança e propiciar a esta um desenvolvimento integral, valorizando suas potencialidades, suas vivências enquanto sujeito histórico-social, o Referencial traz propostas de trabalho que podem nortear este profissional, num processo de ação-reflexão-ação, onde tenha momento, mediado pela gestão escolar de refletir sobre sua prática a ponto de ressignificá-la concebendo a criança enquanto protagonista do processo de aprendizagem.

[...] a maioria das propostas concebe a criança como um ser social, psicológico e histórico, tem no construtivismo sua maior referência teórica, aponta o universo cultural da criança como ponto de partida para o trabalho e defende uma educação democrática e transformadora da realidade, que objetiva a formação de cidadãos críticos. Ao mesmo tempo, constata-se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas. Não são explicitadas as formas que possibilitam a articulação entre o universo cultural das crianças, o desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento. Com o objetivo de tornar visível uma possível forma de articulação, a estrutura do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil relaciona objetivos gerais e específicos, conteúdos e orientações didáticas numa perspectiva de operacionalização do processo educativo. (BRASIL, 1998, vol. 1, p. 43)

            O documento está constituído em três volumes, no primeiro volume, um documento Introdução, que apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional que foram utilizadas para definir os objetivos gerais da Educação Infantil.

            O segundo volume é relativo ao âmbito da experiência Formação Pessoal e Social que contém o eixo de trabalho que favorece, prioritariamente, os processos de construção da identidade e autonomia das crianças, além da importância da autoestima para o bom desenvolvimento da personalidade da criança.

Saber o que é estável e o que é circunstancial em sua pessoa, conhecer suas características e potencialidades e reconhecer seus limites é central para o desenvolvimento da identidade e para a conquista da autonomia. A capacidade das crianças de terem confiança em si, próprias e o fato de sentirem-se aceitas, ouvidas, cuidadas e amadas oferecem segurança para a formação pessoal e social. A possibilidade de desde muito cedo efetuarem escolhas e assumirem pequenas responsabilidades favorece o desenvolvimento da autoestima, essencial para que as crianças se sintam confiantes e felizes. (BRASIL, 1998, vol. 2, p. 11).

Começa, nessa proposta, a se abrir um leque para as questões de alteridade, um olhar para o outro, um modo de ver a criança como um ser relacional, um ator social:

A criança é um ser social que nasce com capacidades afetivas, emocionais e cognitivas. Tem desejo de estar próxima às pessoas e é capaz de interagir e aprender com elas de forma que possa compreender e influenciar seu ambiente. Ampliando suas relações sociais, interações e formas de comunicação, as crianças sentem-se cada vez mais seguras para se expressar, podendo aprender, nas trocas sociais, com diferentes crianças e adultos cujas percepções e compreensões da realidade também são diversas. (BRASIL, 1998, vol. 2, p. 21).

            O terceiro volume é relativo à experiência “Conhecimento do Mundo” que contém seis documentos referentes aos eixos de trabalho orientados para a construção das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os objetivos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Traz a importância de a criança pequena ampliar seu universo infantil explorando o ambiente físico e social, porém, sentindo-se protegidas e acolhidas.

Ao brincar, jogar, imitar e criar ritmos e movimentos, as crianças também se apropriam do repertório da cultura corporal na qual estão inseridas. Nesse sentido, as instituições de educação infantil devem favorecer um ambiente físico e social onde as crianças se sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo tempo seguras para se arriscar e vencer desafios. Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais ele lhes possibilitará a ampliação de conhecimentos acerca de si mesma, dos outros e do meio em que vivem. (BRASIL, 1998, vol. 3, p. 15).

Ao dividir por eixos o Referencial Curricular para a Educação Infantil tem como pretensão “Frente ao mundo sociocultural e natural [...] instrumentalizar a ação do professor, destacando os âmbitos de experiências essenciais que devem servir de referência para a prática educativa.” (BRASIL, 1998, vol 1, p. 45) De acordo com o Referencial, a implementação de uma proposta curricular de qualidade depende, principalmente, dos professores; por isso, tais profissionais devem estar comprometidos com a prática educacional, sendo capazes de responder às demandas familiares e das crianças, assim como às questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, foi elaborado com a intenção de responder ao desafio de reformular propostas curriculares, contemplando as dimensões do “desenvolvimento integral” da criança até 6 anos de idade, definindo uma base comum para os currículos, críticas foram realizadas.

Almeida (2009, p.62) em sua dissertação identifica que as críticas sofridas por tal documento ocorreram por seu viés na Psicologia e pelo fato de que “não soube como equacionar a tensão entre universalismo e regionalismos, além de ter desconsiderado a especificidade da infância”. Ainda é um desafio construir um paradigma que norteie o trabalho pedagógico, levando em conta as diversidades culturais e desigualdades, e essa é uma questão que perpassa toda a educação básica e não só a Educação Infantil.